RESUMO
Objetivo Avaliar o conhecimento e as habilidades de idosos quanto ao uso e manuseio do dispositivo eletrônico de amplificação sonora.
Métodos Participaram do estudo 30 indivíduos com idade a partir de 60 anos, diagnosticados com perda auditiva e usuários do dispositivo. Foi aplicada a versão no português brasileiro do protocolo Hearing Aid Skills and Knowledge Test.
Resultados Não foi observada correlação entre o tempo de uso do dispositivo e os escores obtidos no teste. Os tópicos com menor pontuação referiram-se à limpeza do microfone e do corpo do dispositivo, uso do telefone, resolução de problemas relacionados à microfonia, verificação de obstrução do microfone e ajuste do molde.
Conclusão Os idosos avaliados demonstraram conhecimento e habilidade de manuseio em situações cotidianas, mas apresentaram dificuldades em diversos outros aspectos, evidenciando a necessidade de suporte adicional para o uso adequado do dispositivo. Observou-se que o maior conhecimento sobre o dispositivo eletrônico de amplificação sonora correlacionou-se à maior habilidade no seu manuseio.
Palavras-chave:
Perda auditiva; Auxiliares de audição; Idoso; Inquéritos e questionários; Aptidão
ABSTRACT
Purpose To assess the knowledge and skills of older adults regarding the use and handling of the Hearing Aids.
Methods The study included 30 individuals aged 60 years and older, diagnosed with hearing loss and users of Hearing Aids. The Brazilian Portuguese version of the Hearing Aid Skills and Knowledge Test was applied.
Results No correlation was observed between the length of Hearing Aid use and the scores obtained on the test applied. The lowest-scoring topics were related to cleaning the microphone and the device body, using the telephone, resolving issues with feedback, checking for microphone blockage, and adjusting the earmold.
Conclusion The older adults evaluated demonstrated adequate knowledge and handling skills in routine situations but had difficulties in several other areas, highlighting the need for additional support to ensure proper device use. A positive correlation was observed between greater knowledge about the hearing aids and better handling skills.
Keywords:
Hearing loss; Hearing aids; Aged; Surveys and questionnaires; Aptitude
INTRODUÇÃO
O processo do envelhecimento humano é extremamente heterogêneo e associado a múltiplos pontos de vista interdisciplinares e aspectos subjetivos. Condições socioeconômicas, educacionais, fatores ambientais, dentre outros aspectos, têm um impacto significativo e devem ser considerados, já que influenciam o processo de envelhecer de formas diversas(1). Ainda assim, uma das doenças comuns entre os idosos é a perda auditiva relacionada à idade, decorrente do processo natural e gradual do envelhecimento das estruturas do sistema auditivo(2).
Comparada aos avanços da ciência acerca da perda auditiva congênita, a perda auditiva relacionada à idade ainda é um desafio(3). No entanto, sabe-se que, além da dificuldade de audibilidade, quando não tratada, essa alteração está relacionada a sintomas depressivos clinicamente relevantes(4) e maior declínio cognitivo, impactando a qualidade de vida e outros aspectos relacionados ao bem-estar(5).
Uma das opções para o tratamento da perda auditiva relacionada à idade é o uso do dispositivo eletrônico de amplificação sonora (DEAS). No entanto, mesmo com a realização de uma adaptação baseada nas boas práticas, alguns usuários não fazem o uso efetivo do dispositivo. Estudos relatam que um dos motivos para o não uso é a dificuldade no manuseio(6,7), incluindo a troca de bateria e a limpeza do DEAS(6). Ao mesmo tempo, as habilidades de manuseio e o conhecimento sobre o DEAS estão associados a melhores resultados com o dispositivo(8).
Para auxiliar na orientação e aconselhamento dos usuários e, pensando em favorecer o uso do DEAS, um estudo(9) propôs o desenvolvimento de páginas on-line com dicas referentes ao uso e manutenção do dispositivo. Apesar de comprovarem a eficácia da estratégia para o aumento do tempo de uso, autoeficácia e satisfação do usuário, os autores referiram que novas estratégias ainda precisam ser pensadas e desenvolvidas, considerando as necessidades e possibilidades da população envolvida, visto que nem todos os usuários aderiram ao proposto ou mostraram-se satisfeitos.
Pesquisadores(10) elaboraram guias de orientação sobre o manuseio do DEAS e concluíram que a estratégia contribuiu para a autoeficácia dos participantes. Entretanto, apontaram limitações importantes, incluindo o fato de a coleta de dados ter sido realizada em laboratório controlado e com indivíduos que não eram usuários do dispositivo. Nesse sentido, eles sugerem que populações de diferentes regiões geográficas que vivenciam condições reais com o DEAS sejam avaliadas, a fim de que a criação de futuras estratégias seja direcionada para cada população.
Com isso, hipotetiza-se que idosos usuários de DEAS podem apresentar dificuldades no manuseio do dispositivo, mesmo após meses de adaptação, o que pode impactar o uso do dispositivo.
Diante do exposto, o objetivo do presente estudo foi avaliar o conhecimento e as habilidades de idosos usuários de DEAS quanto ao uso e manuseio do dispositivo.
MÉTODOS
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Tuiuti do Paraná - CEP/UTP, sob parecer nº 6.100.550 e CAAE nº 68849323.5.0000.8040. A coleta de dados foi realizada entre os meses de julho e novembro de 2023.
Trata-se de um estudo transversal quantitativo, com aplicação de questionário. Os participantes atestaram sua participação por meio de assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Para a inclusão dos participantes, foram adotados os seguintes critérios: ter idade a partir de 60 anos; apresentar perda auditiva de qualquer tipo ou grau, bilateral ou unilateral; ser usuário de DEAS. Foi adotado o seguinte critério de exclusão: presença de comprometimentos cognitivos autorrelatados.
Os indivíduos foram convidados a participar do estudo ao comparecerem aos atendimentos do Serviço de Saúde Auditiva da Clínica-Escola de Fonoaudiologia da Universidade Tuiuti do Paraná, na cidade de Curitiba (PR), serviço vinculado ao Sistema Único de Saúde (SUS).
Embora não tenha sido adotada uma avaliação cognitiva formal por meio de instrumentos padronizados, todos os participantes demonstraram capacidade de compreensão e execução das tarefas propostas, compatível com os objetivos do estudo. O critério de exclusão relacionado ao comprometimento cognitivo não foi aplicado de forma objetiva, uma vez que isso exigiria a utilização de instrumentos específicos para confirmação. Contudo, durante a triagem, não foram relatadas nem observadas outras condições clínicas associadas além da perda auditiva, e todos os participantes apresentaram desempenho adequado nas etapas de avaliação das habilidades com o DEAS.
Ressalta-se que os participantes do estudo compareceram para consulta de acompanhamento do uso do DEAS no local de pesquisa. No entanto, a adaptação do dispositivo havia sido realizada, em todos os casos, nas empresas parceiras. Assim sendo, as adaptações foram realizadas em locais diferentes, a depender da marca selecionada para cada usuário. Dessa forma, não foi possível coletar dados a respeito de como e quais foram as orientações de manuseio do dispositivo no momento da adaptação.
Inicialmente, foram coletados, nos prontuários clínicos dos participantes, dados sobre o gênero, data de nascimento, tipo, grau e lateralidade da perda auditiva, data de adaptação do DEAS e características físicas e tecnológicas do dispositivo utilizado.
Em seguida, foi realizada a aplicação da versão no português brasileiro do protocolo Hearing Aid Skills and Knowledge Test - HASK(7).
O protocolo HASK tem por objetivo avaliar o conhecimento e a capacidade de gerenciamento do uso do DEAS demonstrados pelo usuário(7,11). É composto por 12 categorias de tarefas, sendo elas: remoção do dispositivo, abertura do compartimento de bateria, gerenciamento de baterias, limpeza do dispositivo, distinção entre dispositivos direito e esquerdo, inserção do dispositivo, ajuste do volume, uso do telefone, uso do programa, gerenciamento de feedback, resolução de problemas e armazenamento do dispositivo.
A pontuação de cada tarefa é realizada por conhecimento e/ou habilidade. As questões que compõem o domínio conhecimento do HASK foram aplicadas em forma de entrevista, pela mesma fonoaudióloga pesquisadora. Para itens de conhecimento, 1 ponto é concedido se o indivíduo responde corretamente e 0 (zero) ponto se o indivíduo responde incorretamente. Para itens de habilidade, 2 pontos são concedidos se o indivíduo completa a tarefa sem dificuldade na primeira tentativa, 1 ponto se o indivíduo completa a tarefa com alguma dificuldade (se foi utilizada mais de uma tentativa, usou um método desviante) e 0 ponto se o indivíduo não consegue realizar a tarefa. Assim, para a avaliação das habilidades, o participante deveria executar as tarefas propostas pelo instrumento. Nem todos os tópicos pontuam para conhecimento e habilidade. Para alguns tópicos, é realizada a avaliação somente do conhecimento, para outros, somente da habilidade e para outros, a avaliação de ambos(11). O percentual de conhecimento foi obtido somando o resultado total na escala, dividindo pelo número total de itens e multiplicando por 100(7).
Análise dos dados
Utilizou-se para a análise estatística dos dados o programa Jamovi, versão 1.2.25. Foi realizada análise estatística inferencial, partindo do resultado da análise com o teste de Shapiro Wilk resultante p<0,05, ou seja, utilizados os testes não paramétricos. Assim, para a comparação entre os gêneros e os resultados do HASK, utilizou-se o teste de Mann-Whitney. Já para a correlação entre as variáveis idade, tempo de adaptação do DEAS e os resultados obtidos, realizou-se a correlação de Spearman. Para comparação, considerando o tempo de adaptação do DEAS, a amostra foi dividida em dois grupos: Grupo A - tempo de adaptação do DEAS entre um e 29 meses; Grupo B - tempo de adaptação do DEAS entre 29 e 180 meses. Foi considerado como nível de significância p<0,05.
RESULTADOS
A amostra foi composta por 30 participantes (15 do gênero feminino e 15 do gênero masculino), com idades entre 60 e 89 anos, com mediana de 75 anos e 6 meses, sendo que 50% da amostra (n=15) foi composta por participantes com idades entre 60 e 75 anos completos, 26,7% (n=8) com idades entre 76 e 80 anos completos e 23,3% (n=7) com idade acima de 80 anos. Todos os participantes foram capazes de responder ao instrumento proposto.
A maioria dos participantes (80,01%) apresentava perda auditiva do tipo sensorioneural em ambas as orelhas, seguida daqueles que apresentavam perda do tipo sensorioneural em uma orelha e do tipo mista na orelha contralateral (13,33%) e perda auditiva do tipo mista em ambas as orelhas (6,66%).
O tempo de adaptação do DEAS variou de 1 a 180 meses, com mediana de 27 meses, sendo que 20% dos participantes utilizavam o dispositivo há um período entre 1 e 6 meses, 26,66% entre 1 e 2 anos, 30% entre 2 e 5 anos e 23,33% há mais de 5 anos.
Todos os participantes faziam uso de DEAS retroauricular, sendo 70% usuários de adaptação com molde convencional, 14% com microtubo e oliva e 16% de receptor no canal. Nenhum participante fazia uso de outros dispositivos de tecnologia assistiva, como sistemas de microfone remoto ou similares.
Na Tabela 1 constam os dados relacionados à idade dos participantes e pontuação nos diferentes domínios do HASK, de acordo com o tempo de adaptação do DEAS.
Análise descritiva das variáveis idade e pontuação no Hearing Aid Skills and Knowledge Test de acordo com o tempo de adaptação do dispositivo eletrônico de amplificação sonora
Observou-se associação com significância estatística entre o tempo de adaptação do DEAS e os domínios conhecimento e habilidades do HASK, sendo que o grupo com maior tempo de adaptação do dispositivo (Grupo B) apresentou melhores resultados.
Não houve diferença significativa quando comparados os resultados de acordo com o gênero dos participantes (Tabela 2).
Comparação dos resultados do Hearing Aid Skills and Knowledge Test considerando o gênero dos participantes
Na Tabela 3 constam as correlações entre as variáveis idade, tempo de adaptação do dispositivo e resultados do HASK.
Correlação entre as variáveis idade, tempo de adaptação do dispositivo eletrônico de amplificação sonora e resultados do Hearing Aid Skills and Knowledge Test
Não houve correlação entre o tempo de adaptação do DEAS e os resultados obtidos no HASK. Também não foi observada correlação entre os resultados do instrumento e as idades dos participantes.
Houve correlação entre os domínios conhecimento e habilidade no HASK, indicando que, quanto maior a pontuação em um deles, maior a pontuação no outro.
Observou-se que 76,6% dos participantes relataram desconhecer a necessidade de deixar a bateria ventilar por, pelo menos, um minuto antes de realizar a troca; 96,6% mencionaram não saber como limpar o microfone; 70% relataram não saber se a limpeza do DEAS deveria ser realizada diariamente ou semanalmente; 100% não conheciam o recurso “programas” no dispositivo; 90% referiram não saber como verificar obstrução do microfone e 73,3% relataram não saber como verificar obstrução do gancho, tubo ou saída de som.
Os tópicos com pontuações superiores a 70% foram: remoção e colocação do aparelho auditivo, abertura do compartimento de pilhas e troca da bateria. Os tópicos com pontuações inferiores a 20% foram: limpeza do microfone e corpo do aparelho auditivo, utilização de telefone, resolução de problemas de microfonia e habilidades para verificar obstrução do microfone ou ajuste do molde ou oliva.
Na Tabela 4 estão dispostos os resultados com relação ao número de participantes que conseguiram completar a tarefa sem dificuldades, que completaram com dificuldade e os que não completaram a tarefa, nos diferentes tópicos de avaliação das habilidades de manuseio do DEAS no HASK.
Quantidade da amostra que conseguiu ou não completar as tarefas na escala de habilidades do protocolo Hearing Aid Skills and Knowledge Test, por subitem
DISCUSSÃO
A maior parte dos indivíduos avaliados no presente estudo apresentou perda auditiva do tipo sensorioneural, o que pode ser justificado pela idade da população que compôs a amostra e sua relação com a degeneração coclear(12).
É importante reforçar que o uso do DEAS pode contribuir não só para a qualidade da audição, mas também para melhor cognição, percepção da qualidade de vida(13,14) e até da estabilidade postural em idosos(15).
A maior satisfação com o uso do DEAS, percepção do benefício e resultado geral da adaptação também estão relacionados à capacidade de uso e manuseio do dispositivo(5) e problemas no manuseio do dispositivo podem interferir em seu uso(16). Assim, tendo sido realizado o diagnóstico audiológico adequado e a seleção/adaptação do DEAS pautada nas boas práticas, o domínio do manuseio do dispositivo é o primeiro passo para uma reabilitação auditiva eficaz, pois é ponto de partida para o uso efetivo.
No presente estudo, observou-se que, quanto maior a pontuação obtida no domínio conhecimento do HASK, maior a pontuação no domínio das habilidades. No entanto, durante a aplicação do protocolo, observou-se que alguns participantes relataram ter conhecimento de determinado aspecto, porém, na prática, não demonstraram a habilidade correspondente. Dessa forma, constata-se a importância de, efetivamente, treinar o manuseio do dispositivo com os usuários durante a consulta e não somente informá-los a respeito. Estudo(17) avaliou idosos entre 65 e 93 anos, usuários de DEAS, e constatou que eles foram capazes de relatar com precisão suas dificuldades no manuseio do dispositivo quando receberam uma lista detalhada de habilidades. Nesse sentido, acredita-se que a lista de habilidades avaliadas no próprio HASK possa ser um ponto de partida para essa investigação e treinamento.
Não houve correlação entre conhecimento e habilidade de manuseio do DEAS e a idade do idoso e nem com o tempo de adaptação do dispositivo. Frente a esse resultado, pode-se afirmar que não necessariamente os idosos que utilizam DEAS há mais tempo sabem manusear o dispositivo melhor do que aqueles que utilizam há menos tempo. É fundamental que o fonoaudiólogo leve isso em consideração nos retornos do usuário. Estudo(18) demonstrou que a habilidade de uso do dispositivo em usuários experientes pode variar de ruim a excelente e reforça que essa variabilidade destaca a importância de avaliar diretamente a habilidade de cada usuário, individualmente.
Os aspectos nos quais foi observada maior habilidade no manuseio foram com relação à remoção e colocação do DEAS e a troca da bateria. Esse dado concorda com o encontrado em outro estudo(17), em que os autores também constataram que idosos usuários de DEAS demonstraram menos dificuldades nessas mesmas habilidades, que são tarefas básicas e frequentemente realizadas.
Sabe-se que a população idosa pode apresentar déficits de memória(19) e que a perda auditiva em idosos está associada ao declínio cognitivo(20). Ao mesmo tempo, a memória está significativamente relacionada à capacidade do indivíduo de usar e cuidar corretamente de seus DEAS, independentemente de ser usuário novo ou experiente(21). Além disso, as preferências dos usuários de DEAS quanto à quantidade de informação e o nível de detalhe ou tecnicidade que desejam receber podem divergir, interferindo diretamente na capacidade de adquirir habilidades para o manuseio do dispositivo(6). Nesse sentido, há a necessidade do uso da abordagem do cuidado centrado na pessoa. Melhorias podem ser notadas quanto à capacidade de manuseio do DEAS quando os profissionais personalizam o atendimento e questionam cada paciente sobre a quantidade de informação que ele gostaria de receber e a forma de explicação (ex: uso de apoio escrito, imagens ou apenas verbalmente)(22).
Com o intuito de amenizar as taxas de retornos de usuários e garantir uma avaliação uniforme, a utilização de questionários, escalas e protocolos padronizam o processo de adaptação do DEAS, beneficiando o paciente e auxiliando a prática clínica(23). Nesse sentido, medidas de autorrelato são viáveis para identificar dificuldades no manuseio do DEAS, como fins de ferramenta de triagem. Por exemplo, completar uma pesquisa sobre conhecimento e habilidades autorrelatadas de manuseio do dispositivo nos meses seguintes à adaptação pode identificar lacunas que não foram identificadas anteriormente(17).
Em um estudo(6), usuários de DEAS relataram 29 diferentes problemas relacionados ao uso, manuseio e cuidados contínuos com o dispositivo, sendo os quesitos com maior quantidade de queixas. Além disso, os participantes referiram que informações insuficientes ou inexistentes afetaram sua capacidade de adquirir as habilidades necessárias para o manuseio. Outro estudo(16) constatou que os problemas mais frequentemente relatados por idosos usuários de DEAS foram com relação ao manuseio e molde auricular, sendo que, em um retorno de seis meses após a adaptação, 72,9% dos participantes relataram ao menos uma queixa a respeito do uso do dispositivo.
Os resultados encontrados no presente estudo concordam com estudos anteriores, reforçando que a adaptação do DEAS não deve ser um evento único, visto que é grande a probabilidade de problemas surgirem ao longo do tempo e que os usuários podem levar tempo para aprender a gerenciar todos os aspectos relacionados ao uso do dispositivo(16). Considerando que a dificuldade no cuidado e manuseio do DEAS é frequentemente relatada pelos usuários e é um aspecto passível de solução, orientações nesse sentido são um bom ponto de partida para tentar diminuir os problemas relacionados à população de usuários do dispositivo(6).
No presente estudo, não foi possível comparar o conhecimento e a habilidade no manuseio do DEAS entre os diferentes tipos de adaptação, como molde convencional, microtubo com oliva ou receptor no canal. No entanto, levanta-se a hipótese de que esses diferentes tipos de acoplamento possam influenciar a forma como os pacientes manuseiam os dispositivos. Por exemplo, no caso dos aparelhos com receptor no canal (RIC), a remoção frequente do fio da conexão e o acúmulo de umidade ou resíduos podem comprometer o contato elétrico, gerando falhas intermitentes e distorções. Assim, usuários de aparelhos auditivos RIC com fio fino devem ter cautela no manuseio e na manutenção dos dispositivos(24). Dessa forma, questiona-se se essas particularidades impactam o manuseio de forma distinta entre os diferentes tipos de adaptação.
O treinamento e a prática de manuseio do DEAS são importantes para estabelecer habilidades. Além disso, o suporte de acompanhamento fornece uma oportunidade para aprimorar habilidades essenciais, já que estas nem sempre são totalmente estabelecidas e o conhecimento pode ser esquecido(16). Ressalta-se que, no presente estudo, após a aplicação dos instrumentos propostos e, mediante as dúvidas apresentadas, todos os participantes receberam orientações da pesquisadora fonoaudióloga a respeito do manuseio adequado de seus dispositivos, com a explicação prática acompanhando as instruções verbais.
Faz-se necessário que os fonoaudiólogos repensem as estratégias a serem utilizadas para orientação dos idosos quanto ao uso e manuseio do DEAS, investigando, especificamente, quais delas são mais efetivas para cada população, a fim de favorecer o uso do dispositivo.
Limitações do estudo e futuras pesquisas
O presente estudo apresentou diversas limitações. Uma delas foi o fato de que as orientações iniciais da adaptação não foram realizadas pela pesquisadora, visto que os participantes foram recrutados no acompanhamento. Sugere-se que futuros estudos adotem um desenho longitudinal, controlando as orientações nas diferentes etapas, a fim de estabelecer um protocolo efetivo, mesmo com as variáveis intervenientes.
Outra limitação refere-se à forma como os participantes foram agrupados para a análise estatística do tempo de adaptação do DEAS. A divisão dos grupos A e B não seguiu critérios específicos, sendo determinada unicamente pelo número de participantes incluídos em diferentes momentos da coleta. Essa estratégia foi adotada para possibilitar a análise comparativa, diante da heterogeneidade da amostra, que incluiu indivíduos com distintos tempos de adaptação. Reconhece-se que uma categorização baseada em critérios mais homogêneos poderia ter gerado comparações mais robustas, e tal aspecto deve ser considerado na interpretação dos resultados e na realização de futuras investigações.
Ademais, não foram coletados dados a respeito da condição socieconômica e escolaridade, fatores que podem influenciar o uso do DEAS, bem como a aquisição dos conhecimentos e habilidades a respeito do manuseio. Assim, estudos futuros também podem considerar dados sociodemográficos para comparação.
No presente estudo, não foi avaliada a quantidade de horas por dia de uso do DEAS. Pesquisas futuras podem avaliar e correlacionar as habilidades de manuseio do dispositivo não só com o tempo de adaptação, mas também com os dados obtidos no datallogging. Além disso, sugere-se a investigação em outras populações, de outras regiões, outras faixas etárias e usuárias de outros tipos de adaptação de DEAS.
Implicações para a prática clínica
Apesar das limitações, o presente estudo trouxe contribuições a respeito do desempenho de idosos brasileiros nos aspectos avaliados, por meio do uso de um instrumento recentemente traduzido para o português brasileiro. Além disso, embora a realização de algumas análises não tenha sido possível, resultados importantes foram apresentados, principalmente no que diz respeito à falta de habilidade de manuseio do DEAS pelos participantes, mesmo naqueles que receberam o dispositivo há mais tempo.
Destaca-se que os participantes do presente estudo provavelmente vivenciaram experiências diferentes no momento da adaptação. Ainda assim, a maioria apresentou dificuldades nos aspectos investigados. Acredita-se que uma reflexão a respeito da melhor estruturação em diferentes serviços também deva ser realizada. Em serviços vinculados ao SUS, qual seria a melhor forma de favorecer o gerenciamento do DEAS pelos usuários: designar, após o teste e escolha da marca e modelo do dispositivo, a adaptação e primeiras orientações sobre o uso, cuidados e manuseio para as empresas parceiras, ou concentrar a adaptação e as primeiras orientações em uma mesma equipe, no próprio serviço, independentemente da marca de dispositivo selecionada?
Por fim, cabe refletir sobre a direção dos esforços na reabilitação auditiva de idosos usuários de DEAS. Destaca-se a necessidade de que, além de seguir as boas práticas na programação e verificação do dispositivo, o fonoaudiólogo atente-se também às orientações de uso e manuseio, para que esses indivíduos possam manusear o seu DEAS com independência, favorecendo o uso efetivo e, consequentemente, a obtenção do benefício e satisfação.
CONCLUSÃO
Os idosos usuários de DEAS avaliados demonstraram conhecimento e habilidade de manuseio do dispositivo em situações frequentes, porém ainda apresentaram dificuldades em outros diversos aspectos, necessitando de auxílio para um manuseio efetivo do dispositivo. O maior conhecimento a respeito do DEAS correlacionou-se à maior habilidade no manuseio.
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Trabalho realizado na Universidade Tuiuti do Paraná – UTP – Curitiba (PR), Brasil.
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Declaração de Disponibilidade de Dados
Os dados de pesquisa não estão disponíveis.
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Financiamento:
Nada a declarar.
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Editado por
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Editor-Chefe:
Renata Mota Mamede Carvallo.
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Editor Associado:
Isabela Hoffmeister Menegotto.
Disponibilidade de dados
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
03 Nov 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
-
Recebido
24 Abr 2025 -
Aceito
04 Ago 2025
