Open-access Tradução e adaptação transcultural do Bone-Anchored Hearing Aid Questionnaire para o português do Brasil

RESUMO

Objetivo  realizar a tradução e a adaptação transcultural do Bone-Anchored Hearing Aid Questionnaire para o português do Brasil.

Métodos  para desenvolver o processo de tradução e adaptação transcultural, seguiu-se a metodologia amplamente utilizada na literatura, composta pelas seguintes etapas: tradução; síntese das traduções; retrotradução; avaliação pelo comitê de especialistas; pré-teste e envio dos relatórios aos desenvolvedores. O comitê de especialistas foi composto por um metodologista, uma fonoaudióloga/audiologista, dois tradutores, dois retrotradutores e a pesquisadora, que julgaram as equivalências semânticas, idiomáticas, experienciais e conceituais. No pré-teste, elegeram-se 30 usuários de próteses auditivas ancoradas no osso que avaliaram o conteúdo quanto à clareza da linguagem, à adequação da linguagem para a faixa etária e nível social, à compreensão do item, à adequação dos termos e necessidade de modificação, utilizando a escala Likert.

Resultados  o questionário foi traduzido da língua inglesa para a língua portuguesa, sendo produzido um instrumento de medida com equivalências adequadas, no julgamento do comitê de especialistas. Para os usuários, a verificação da validade de conteúdo revelou ser satisfatória.

Conclusão  o estudo resultou no questionário Prótese Auditiva Ancorada no Osso - Q-BAHA, traduzido e adaptado transculturalmente, podendo seguir para a etapa subsequente de avaliação de medidas psicométricas.

Palavras-chave:
Prótese ancorada no osso; Condução óssea; Auxiliares de audição; Inquéritos e questionários; Satisfação

ABSTRACT

Purpose  To translate and cross-culturally adapt the Bone-Anchored Hearing Aid Questionnaire into Brazilian Portuguese.

Methods  To develop the translation and cross-cultural adaptation process, the methodology widely used in the literature was followed, consisting of the following stages: translation; synthesis of the translations; back-translation; evaluation by the committee of experts; pre-testing and sending the reports to the developers. The expert committee was made up of a Methodologist, a Speech therapist/Audiologist, two Translators and two Back-translators and the researcher, who judged the semantic, idiomatic, experiential and conceptual equivalences. In the pre-test, 30 Bone Anchored Hearing Aid users were chosen to evaluate the content in terms of clarity of the language, suitability of the language for the age group and social level, understanding of the item, suitability of terms and need for modification, using a Likert scale.

Results  The questionnaire was translated from English into Portuguese, producing a measuring instrument with adequate equivalence, as far as the expert committee was concerned. For users, the content validity is revealed to be satisfactory.

Conclusion  The result of the study is a translated and cross-culturally adapted “Bone-Anchored Hearing Aid (Q-BAHA)” questionnaire ready for the next stage regarding the evaluation of psychometric measures.

Keywords:
Bone-Anchored prosthesis; Bone conduction; Hearing aids; Surveys and questionnaires; Patient satisfaction

INTRODUÇÃO

As próteses auditivas ancoradas no osso (PAAO) começaram a ser implementadas a partir dos anos 1970, em todo o mundo, e tornaram-se padrão no cuidado em saúde auditiva para reabilitação de indivíduos com deficiência do tipo condutiva e mista, como também na surdez unilateral(1),

As PAAO são compostas pelo componente externo (processador de som) e pelo interno (implantável), sendo classificadas em percutâneas e transcutâneas. Em ambas, o som é transmitido como sinal mecânico por vibração do crânio, diretamente para a cóclea, dispensando adaptadores, como moldes auriculares, olivas ou qualquer condutor de som no conduto auditivo externo(2). São denominadas de percutâneas as PAAO cujo acoplamento com a unidade externa ocorre por meio de um pino de titânio implantado ao osso, e são denominadas de transcutâneas as próteses nas quais o acoplamento com a unidade externa ocorre por meio de um imã(3). Nessa prótese, há a vantagem da pele permanecer intacta e, assim, minimizar os problemas pós-cirúrgicos observados com a percutânea, como infecções de pele e perda de implante(4). Entretanto, a atenuação causada pela pele pode favorecer um ganho limitado em altas frequências, quando comparado à PAAO percutânea(5).

Em um estudo(6), os autores verificaram melhora na audibilidade em altas frequências com o sistema percutâneo, comparado ao sistema transcutâneo, porém, esse resultado não influenciou o reconhecimento de sentenças em nenhum dos sistemas.

Considerando, assim, a importância da avaliação subjetiva de usuários de PAAO e, para apresentar a síntese dos instrumentos utilizados para a avaliação dessa população, autores(7) optaram por realizar uma compilação teórica com base em revisão do tipo escopo. A pergunta disparadora da revisão de escopo no tema de interesse do estudo foi: “Quais os questionários e escalas são utilizados para avaliar a satisfação dos usuários de prótese auditiva ancorada no osso?”.

No levantamento, constatou-se grande variabilidade de instrumentos, principalmente os questionários, como Glasgow Benefit Inventory - GBI(8), Abbreviated Profile of Hearing Aid Benefit - APHAB(9), Glasgow Hearing Aid Benefit Profile - GHABP(10), International Outcome Inventory for Hearing Aids - IOI-HA(11) e Audio Process Satisfaction Questionnaire - APSQ(12). Tais questionários não foram desenhados exclusivamente para mensurar a satisfação dos usuários de PAAO.

O questionário APSQ, utilizado nos estudos, foi desenvolvido especificamente para verificar a satisfação do usuário com seu processador de áudio. Esse questionário avalia a satisfação, assim como o conforto do usuário ao usar o dispositivo, sua vida social e a usabilidade do processador de áudio. Apesar de não ter sido evidenciado seu uso, foi desenvolvido para usuários de dispositivos implantáveis, ressaltando que seu desenvolvimento e validação são recentes(12).

Em contrapartida, em 2011 a literatura apresentou o Bone-Anchored Hearing Aid Questionnaire - BAHA(13), desenhado para avaliar a satisfação dos usuários de PAAO. Tal questionário, em língua inglesa, é composto por 13 questões que mensuram a satisfação dos usuários de PAAO percutânea ou transcutânea, quantificando a satisfação no uso diário desse recurso e a melhora na qualidade de vida. Derivou-se do Entific Medical Systems Questionnaire - EMSQ(14). Esse questionário foi escolhido por apresentar informações simples, do dia a dia, auxiliando na tomada de decisão do profissional e para que possa atender indivíduos usuários da rede pública ou privada.

O número de traduções e adaptações transculturais de instrumentos estrangeiros tem crescido significativamente nos últimos anos, o que viabiliza sua aplicação em diferentes contextos culturais. Essa prática permite que os dados obtidos reflitam com precisão os construtos que se propõem a mensurar, além de possibilitar a comparação entre distintas populações. A adoção de instrumentos já padronizados contribui para a economia de tempo e recursos financeiros, evitando a necessidade de desenvolver novos instrumentos desde o início(15). No entanto, é fundamental que o processo de tradução e adaptação seja conduzido de forma criteriosa, seguindo uma metodologia robusta em todas as suas etapas, a fim de assegurar a validade, a confiabilidade e a efetividade do instrumento resultante.

Em se tratando de questionário, a tradução literal de uma língua para outra não é suficiente para assegurar sua validade em uma população diferente e, assim, torna-se necessário o processo de adaptação transcultural, a fim de garantir equivalência da nova versão em relação ao instrumento original(16). Embora a realização da adaptação transcultural mantenha a validade do instrumento original, pode-se concluir com mais segurança se esse objetivo foi alcançado quando a validade da versão é objetivamente medida. No caso, a validade de conteúdo é a propriedade mais passível de aferição(17).

No Brasil, até o momento, os questionários disponíveis para usuários de próteses auditivas ancoradas no osso (PAAO) avaliam aspectos diversos, sem foco específico na mensuração do construto “satisfação”. Além disso, os instrumentos existentes não foram elaborados considerando as particularidades dessa população. Diante desse cenário, o presente estudo teve como objetivo realizar a tradução e a adaptação transcultural do Bone-Anchored Hearing Aid Questionnaire para o português do Brasil, com os usuários das próteses auditivas ancoradas no osso, a partir das recomendações internacionais, obtendo-se correspondências semântica, idiomática, conceitual e cultural, com compreensão de seu conteúdo pela população-alvo e consistência interna aceitável.

MÉTODOS

Inicialmente, obteve-se a autorização do autor do Bone-Anchored Hearing Aid Questionnaire - BAHA, desenvolvido na língua inglesa, para traduzi-lo para a língua portuguesa. Ademais, obteve-se a aprovação do comitê de ética da instituição para realizar o estudo (número do parecer: 5.682.689), incluindo a aplicação do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para anuência dos participantes.

As etapas do processo de tradução e adaptação transcultural seguiram a metodologia proposta por autores(16), amplamente reconhecida na literatura para esse tipo de procedimento. Ressalta-se que os autores do instrumento original não forneceram diretrizes específicas para a tradução, motivo pelo qual foi adotada uma estratégia metodológica padronizada.

Tradução

Etapa realizada por dois tradutores nativos do português brasileiro e fluentes na língua inglesa. O tradutor 1 (T1) foi uma fonoaudióloga/audiologista com doutorado e experiência com as PAAO e o segundo tradutor (T2), com graduação em Tradutor e Intérprete, professor de língua inglesa, sem conhecimento sobre o tema. Os tradutores e retrotradutores realizaram a tradução e retrotradução de forma independente entre si e com total autonomia.

Síntese das traduções

Nessa etapa, os dois tradutores e a pesquisadora sintetizaram os resultados das traduções, advindos do instrumento original e das versões criadas. Em consenso, foi produzida a síntese dessas traduções (T-12).

Retrotradução

A versão T-12 foi enviada para dois tradutores bilíngues, nativos do idioma inglês e fluentes no idioma final (português) e que desconheciam a versão original. Eles produziram as retrotraduções (BT1 e BT2) e verificaram se o conteúdo da versão sintetizada se assemelhava ao do instrumento original.

Avaliação pelo comitê de especialistas

Essa etapa foi realizada por videochamada, da qual participaram um metodologista com graduação em Letras e conhecimento sobre o processo de tradução e adaptação transcultural, uma fonoaudióloga/audiologista com pós-graduação e experiência com as PAAO, os tradutores e os retrotradutores e o pesquisador que sintetizou a tradução. O objetivo foi produzir a versão final do instrumento para o pré-teste. As versões traduzidas foram analisadas, considerando a conciliação quanto à equivalência semântica (vocabulário e gramática entre as duas línguas), analisando o significado real (denotação) e o significado subjetivo (conotação), equivalência idiomática (propor substitutos para expressões de difícil tradução), equivalência cultural ou experiencial (propor substitutos de um item original para um item semelhante que exista na cultura-alvo) e equivalência conceitual (para palavras com significados diferentes em culturas diferentes) com os questionários originais em inglês(18).

Pré-teste

A etapa de pré-teste teve como objetivo identificar possíveis inconsistências e avaliar a qualidade da adaptação e aplicabilidade do instrumento. Foram convidados a participar, por e-mail ou ligação telefônica, 30 indivíduos com malformação de orelha ou com otite média crônica, que apresentavam os seguintes critérios de elegibilidade: indivíduos adultos; usuários de PAAO percutânea ou transcutânea, por, pelo menos, seis meses; ausência de outras patologias associadas e com acesso à Internet. Foram excluídos da amostra indivíduos usuários de outros dispositivos implantáveis; com alterações cognitivas, neurológicas ou psiquiátricas; aqueles sem acesso à Internet.

O questionário traduzido foi disponibilizado aos participantes de forma on-line, por meio do Google Forms, para que aceitassem participar e, assim, respondessem e, posteriormente, realizassem a avaliação dos quesitos clareza na linguagem; adequação da linguagem para idade e nível social; compreensão do item, com respostas pontuadas por meio da escala Likert de 5 pontos (1- nada, 2- pouco, 3- parcialmente, 4- quase totalmente e 5- totalmente) para avaliação da necessidade de modificação do item e da resposta.

A análise do conteúdo foi realizada pelo cálculo do Coeficiente de Validade de Conteúdo (CVC)(19) para cada item do instrumento (CVCc) e para o instrumento todo (CVCt). Os valores obtidos foram comparados a uma escala entre 0,0 e 1,00. O item com valor menor que 0,80 representava validade inaceitável; com valor igual ou maior que 0,80 e menor que 0,90, considerado satisfatório; com valor igual ou maior que 0,90 até 1,00, classificado como excelente. Adicionalmente, verificou-se o resultado de sugestão de modificação de cada item, quando estivesse abaixo da referência de 90%; foi considerada a pertinência em aceitar ou não a sugestão.

Envio dos relatórios aos desenvolvedores

Foram apresentados os relatórios e formulários aos desenvolvedores, demonstrando a similaridade de conteúdo do questionário final com o original.

RESULTADOS

Os representantes da população-alvo (juízes), no total de 30 usuários de PAAO, apresentavam média de idade de 27 anos, sendo 53% do gênero masculino. Com relação à escolaridade, 67% possuíam ensino médio completo, 13% ensino superior completo, 7% ensino fundamental completo e 13% não tinham concluído os estudos. No nível social, 77% pertenciam ao baixo e 23% ao médio(20). Quanto ao tipo de perda auditiva do lado com PAAO, 53% apresentavam perda condutiva, 47% mista(21) e, em relação ao grau da perda, a maioria apresentava perda severa (57%), seguida de moderada (23%), profunda (13%) e leve (7%)(22).

Os resultados do processo de tradução e adaptação transcultural do questionário original Bone-Anchored Hearing Aid Questionnaire da língua inglesa para a língua portuguesa do Brasil, considerando as etapas processo da tradução, síntese das traduções, retrotradução, comitê de especialistas e pré-teste, estão apresentados no Quadro 1.

Quadro 1
Resultados do processo de tradução e adaptação transcultural do Bone-Anchored Hearing Aid Questionnaire para a língua portuguesa

No geral, no processo de tradução e adaptação transcultural, a versão final apresentou equivalência semântica, idiomática, experimental e conceitual em relação ao questionário original, proporcionando conteúdo claro, compreensivo e apto para a etapa de validação. No entanto, alguns pontos foram discutidos e, posteriormente, aceitos para a versão final, conforme segue.

A primeira observação diz respeito à nomenclatura empregada no item 1, que se refere ao dispositivo na versão final do questionário. Esse foi um tópico amplamente discutido pelos juízes na reunião do comitê de especialistas, realizada de forma on-line, haja vista que, até o momento, não há consenso científico a esse respeito. Optou-se por denominar o dispositivo como prótese auditiva ancorada no osso, termo indicado pela Academia Brasileira de Audiologia.

No item 3, foi excluída a alternativa no, por apresentar o mesmo significado da alternativa no diference, ambas interpretadas como “sem diferença”. Salienta-se que tal ajuste foi realizado com consentimento do autor do questionário.

O enunciado do item 4 foi alterado, sendo que, em vez de “sua satisfação ou insatisfação”, permaneceu “seu nível de satisfação”. A escala de resposta também foi invertida de 10 a 1 para de 1 a 10, obtendo maior coerência na grandeza da resposta.

Nos itens 5 e 6, o termo discussion, foi alterado pelos tradutores para “em conversa”, pois o termo discussão remete à briga entre pessoas. No entanto, o comitê optou por “ao conversar” para maior equivalência no idioma.

Nos itens 5, 6, 7 e 8, foi alterado o termo “moderado” para “razoável”, sem modificação de sentido, mas facilitando a compreensão. As alternativas de respostas foram também alteradas, apresentando-se mais compreensíveis para o público-alvo.

O enunciado do item 9 How do you find the BAHA from an esthetic point of view?, inicialmente traduzido para “Como você vê a prótese auditiva ancorada no osso (PAAO) do ponto de vista estético?”, foi alterado para “qual a sua opinião sobre a aparência da sua PAAO?”. Ademais, as respostas desse item também sofreram alteração, permanecendo “muito discreta” para very esthetic. Para obter lógica e facilitar a compreensão na alternativa do item 9b, os termos em inglês nicer, less nicer e no difference, foram substituídos pelos termos em português “melhor”, “pior” e “sem diferença”.

No item 11, a expressão one to one foi modificada para “conversa com uma pessoa”, devido ao entendimento unânime do comitê de especialistas, de que tal termo é mais compreensível nas situações de comunicação em língua portuguesa.

No item 14, a expressão met any problems foi traduzida para “encontrou algum problema”, mas, essa expressão foi adaptada pelo comitê de especialistas para “se você teve alguma dúvida”, a fim de facilitar a compreensão na língua portuguesa.

A versão final do questionário com título Q-BAHA para português brasileiro, após realização do processo de tradução e adaptação transcultural com as modificações propostas pelo comitê de especialistas e pelos participantes do pré-teste, é apresentada no Quadro 2.

Quadro 2
Versão final no português brasileiro do questionário Prótese Auditiva Ancorada no Osso - Q-BAHA

Os resultados do Coeficiente de Validade de Conteúdo (CVC) da etapa pré-teste, com a avaliação dos representantes da população-alvo quanto aos domínios clareza da linguagem, adequação da linguagem para a faixa etária e para o nível social, compreensão e adequação dos termos estão descritos na Tabela 1.

Tabela 1
Resultados do Coeficiente de Validade de Conteúdo quanto aos domínios obtidos da população-alvo (N 30) para todos os itens do questionário

Considerando os resultados da análise do conteúdo, observou-se que todos os itens do questionário foram bem pontuados pela população-alvo na etapa do pré-teste, com valores maiores que 90%, e não houve sugestão de modificação.

DISCUSSÃO

A adaptação transcultural possui etapas de tradução do instrumento de aferição em saúde, sendo necessária a realização dessas etapas. Isso significa que a relação entre a tradução literal das palavras de um idioma para o outro não é suficiente, sendo imprescindível, também, a adaptação quanto ao contexto cultural e ao estilo de vida da cultura-alvo(16,23). Nesse sentido, autores(24) enfatizam que a abordagem universalista, em que o entendimento de uma cultura tem impacto significativo na mensuração em populações diferentes, necessita da adaptação transcultural para garantir que o propósito do questionário original seja completo, quando aplicado no idioma ao qual foi adaptado.

A construção de questionários originais geralmente inclui um processo sistemático de revisão de literatura, definição teórica do construto a ser mensurado, elaboração de itens e, posteriormente, a análise por especialistas. Essa análise tem como objetivo validar o conteúdo dos itens quanto à relevância, clareza, coerência e abrangência, assegurando que cada item represente adequadamente o domínio investigado. O comitê de especialistas costuma realizar avaliações qualitativas e/ou quantitativas por meio de índices, como o Índice de Validade de Conteúdo (IVC) ou o Coeficiente de Validade de Conteúdo (CVC). No caso do instrumento original utilizado neste estudo, o Bone-Anchored Hearing Aid Questionnaire - BAHA-Q, o processo de validação incluiu a aplicação do questionário em uma amostra de 61 adultos usuários de PAAO percutânea, com foco na mensuração da satisfação e do benefício funcional percebido. Embora o artigo original não detalhe especificamente o método de validação por especialistas, a análise prática em campo, com base em resultados funcionais e de satisfação, permitiu confirmar sua aplicabilidade clínica no público-alvo.

No cenário atual das publicações científicas, observa-se que existem diversas estratégias para o processo de tradução e adaptação transcultural, com a valorização de todas as etapas, visando minimizar erros e perdas das características originais dos instrumentos, passíveis de ocorrer durante o processo(25).

Apesar de não existir um modelo padrão-ouro para a tradução e adaptação transcultural, a tradução, a retrotradução, a revisão por comitê de especialistas e o pré-teste são quatro etapas essenciais e recomendadas, como forma de garantir a confiabilidade e, portanto, a validade do instrumento original(26).

Na literatura recente, verifica-se que há inúmeras opções de métodos de tradução e adaptação transcultural. Desse modo, foi escolhido para este estudo o método de seis etapas(16), devido a sua extensa utilização e detalhamento das etapas, o que repercute em segurança na reprodutibilidade(17).

No presente estudo, todas as etapas mencionadas no método foram seguidas, incluindo as etapas de síntese das traduções e da submissão de todos os relatórios e formulários aos desenvolvedores do material original. Tais etapas apresentavam como único intuito obter equivalência entre a versão original e a final, especificamente as equivalências semântica, idiomática, experiencial e conceitual. Com isso, buscou-se minimizar as dificuldades causadas por significados múltiplos, além de problemas gramaticais que pudessem surgir durante o processo e prejudicar, assim, a compreensão do instrumento pelos membros da população a que se destina(25), como, por exemplo, o termo “moderado”, que foi substituído por “razoável”, facilitando a compreensão no português.

Em busca de equivalências da terminologia do inglês para o português, este estudo priorizou as de ordem semântica, idiomática, experiencial e conceitual. Assim, os membros do comitê de especialistas direcionaram seus apontamentos com base nesses tipos de equivalências e todas as decisões dos juízes foram pautadas pela concordância dos termos nos dois idiomas(27).

Em geral, as versões traduzidas e retrotraduzidas do Q-BAHA revelaram semelhanças em relação ao significado geral e referencial, obtendo sucesso na etapa final do processo. Entretanto, algumas modificações (adaptações, exclusões e inserções de palavras e frases) foram realizadas, uma vez que alguns termos não retratavam a realidade brasileira, sendo as divergências solucionadas pelo comitê e as alterações realizadas quando necessárias.

Especificamente em relação ao comitê de especialistas, observou-se, de modo contundente, sua importância ao proporcionar a troca de informações entre os membros, resultando na melhor tradução para cada termo, com vistas à adaptação ao contexto brasileiro.

A etapa de pré-teste com a população-alvo do instrumento constitui uma fase essencial no processo de adaptação transcultural, pois permite identificar eventuais dificuldades relacionadas ao preenchimento, à aplicação e à compreensão dos itens. Essa etapa possibilita a coleta de informações diretas, considerando as especificidades da população envolvida. No caso dos usuários de próteses auditivas ancoradas no osso, trata-se de uma amostra com características particulares, frequentemente exposta a estigmas sociais decorrentes de malformações auriculares, fator que pode influenciar a percepção de satisfação com o dispositivo, com variáveis interferentes, como faixa etária e nível socioeconômico(16 ,28). A realização do pré-teste contribuiu para conferir maior rigor metodológico e consistência ao processo de adaptação transcultural, mantendo a fidelidade ao instrumento original. Os participantes não relataram dificuldades na compreensão ou no preenchimento dos itens do questionário.

Pesquisadores afirmam que, em uma tradução adequada e efetiva, a equivalência experimental é importante para verificar se os termos utilizados no instrumento são coerentes com a realidade vivenciada pela população-alvo, dentro do seu contexto cultural(29).

Quanto à composição amostral, do público-alvo/juízes no pré-teste, foram incluídos diferentes grupos etários e diferentes níveis de escolaridade, garantindo, assim, não somente a verificação da compreensão dos itens, mas também da aplicabilidade em uma amostra diversificada(16,17).

Resumindo, no que diz respeito ao processo de tradução e adaptação transcultural, salienta-se que a disponibilização e a padronização de novos instrumentos conferem importante alternativa para o uso profissional na prática clínica, coletando informações válidas em prol da ciência(17).

Este estudo revelou que os itens foram satisfatórios, não havendo necessidade de alterações para facilitar a compreensão pela população específica.

Como forma de avaliação do instrumento, existe a opção de verificar a validação, que se refere ao fato de um instrumento medir exatamente o que se propõe a medir. Uma validação efetiva é a do tipo conteúdo, que reflete adequadamente a avaliação do quanto uma amostra de itens é representativa de um universo definido ou domínio de um conteúdo(30) , a qual será agregada em etapa posterior, ou seja, na validação desse instrumento de medida.

Espera-se que o questionário traduzido e adaptado transculturalmente para o português do Brasil, denominado Prótese Auditiva Ancorada no Osso - Q-BAHA, contribua com a área da Audiologia, sendo mais uma ferramenta de avaliação subjetiva de resultados, para avaliar o construto “satisfação” na população de usuários de PAAO.

CONCLUSÃO

O estudo resultou no questionário Prótese Auditiva Ancorada no Osso - Q-BAHA, traduzido e adaptado transculturalmente, podendo seguir para a etapa subsequente de avaliação de medidas psicométricas. O instrumento resultante demonstrou equivalência semântica, idiomática, experiencial e conceitual satisfatória, conforme avaliação do comitê de especialistas, além de apresentar clareza e adequação para o público-alvo, segundo a percepção dos usuários durante o pré-teste.

  • Trabalho realizado na Divisão de Saúde Auditiva do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais – HRAC/USP – Bauru (São Paulo), Brasil.
  • Declaração de Disponibilidade de Dados
    Os dados de pesquisa estão disponíveis no corpo do artigo.
  • Financiamento:
    Nada a declarar.

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Editado por

  • Editor-Chefe:
    Maria Cecília Martinelli Iório.
  • Editor Associado:
    Maria Cecília Martinelli Iório.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Nov 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    13 Jun 2025
  • Aceito
    17 Ago 2025
Creative Common - by 4.0
Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution (https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/), que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que o trabalho original seja corretamente citado.
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