Open-access Autopercepção da velocidade de fala de universitários: impacto na comunicação interpessoal e autoimagem

RESUMO

Objetivo  investigar a autopercepção da velocidade de fala entre universitários e analisar seus possíveis impactos psicossociais, considerando como esses indivíduos avaliam sua própria fluência e de que forma isso pode interferir em aspectos de comunicação interpessoal e autoestima.

Métodos  trata-se de uma pesquisa transversal e descritiva, conduzida com uma amostra composta por 117 estudantes de uma universidade pública. Foi utilizado questionário de autorrelato para coletar dados sobre a percepção da própria velocidade de fala, bem como sobre sentimentos e comportamentos associados a essa característica, como ansiedade comunicativa, autoimagem e impacto em situações sociais.

Resultados  os achados indicaram que uma parcela significativa dos participantes apresentou autopercepção alterada em relação à sua velocidade de fala, o que se associa a consequências psicossociais relevantes. Indivíduos que se perceberam como muito rápidos ou muito lentos relataram maior dificuldade em interações sociais, insegurança ao falar em público e maior sensibilidade a julgamentos externos. Ainda assim, os dados sugerem uma diversidade de experiências individuais, mediadas por fatores subjetivos e contextuais.

Conclusão  os resultados contribuem para o entendimento da autopercepção da velocidade de fala como um fenômeno complexo e multifatorial, com implicações para a saúde comunicativa e emocional dos indivíduos. Contudo, a ausência de significância estatística em determinadas variáveis indica que a fala acelerada não está necessariamente associada, de forma generalizada, a prejuízos em domínios como vida profissional, autoestima ou isolamento social. Esses achados reforçam a importância de uma abordagem individualizada na análise dos efeitos da velocidade de fala, considerando a variabilidade interindividual na experiência comunicativa.

Palavras-chave:
Fonoaudiologia; Comunicação; Fala; Percepção de fala; Autoimagem

ABSTRACT

Purpose  to investigate the self-perception of speech rate among university students and analyze its possible psychosocial impacts, considering how these individuals assess their own fluency and how it may affect aspects of interpersonal communication and self-esteem.

Methods  this is a cross-sectional and descriptive study conducted with a sample of 117 students from a public university. Self-report questionnaire was used to collect data on the perception of personal speech rate, as well as on feelings and behaviors associated with this characteristic, such as communication anxiety, self-image, and impact in social situations.

Results  the findings indicated that a significant portion of participants reported an altered self-perception of their speech rate, which is associated with relevant psychosocial consequences. Individuals who perceived themselves as speaking very fast or very slow reported greater difficulty in social interactions, insecurity when speaking in public, and increased sensitivity to external judgments. Nevertheless, the data suggest a diversity of individual experiences, mediated by subjective and contextual factors.

Conclusion  the results contribute to the understanding of self-perception of speech rate as a complex and multifactorial phenomenon, with implications for individuals’ communicative and emotional well-being. However, the lack of statistical significance in certain variables indicates that fast speech is not necessarily associated, in a generalized manner, with impairments in areas such as professional life, self-esteem, or social isolation. These findings highlight the importance of an individualized approach when analyzing the effects of speech rate, considering interindividual variability in communicative experiences.

Keywords:
Speech-language pathology; Speech; Speech perception; Self concept

INTRODUÇÃO

Há consenso na literatura de que a velocidade de fala constitui uma variável fundamental para a fluência da fala e para a competência comunicativa individual, particularmente no que se refere à produção eficiente da mensagem. Evidências empíricas sustentam que a velocidade de fala é um dos desfechos da ativação neural durante a fala espontânea, indicando que a manutenção de um sequenciamento silábico constante pode facilitar o estabelecimento de ritmo, promovendo, assim, um fluxo comunicativo mais natural(1).

Alguns estudos indicam que fatores como a idade e a carga cognitivo-linguística — ou seja, o nível de complexidade envolvido na formulação da fala — afetam significativamente a velocidade de fala. Nesse contexto, observa-se que o desenvolvimento da velocidade de fala acompanha a aquisição progressiva das habilidades comunicativas, sendo influenciado tanto pelo aprimoramento do controle motor da fala, quanto pela eficiência dos processos linguísticos implicados na formulação(2,3). No entanto, ainda há escassez de evidências robustas na literatura que expliquem, de forma abrangente, como diferentes demandas cognitivas e linguísticas em tarefas variadas afetam diretamente a velocidade de fala(4).

O papel da velocidade de fala é amplamente investigado no âmbito dos distúrbios da fluência, especialmente na gagueira do desenvolvimento. Estudos demonstram que intervenções que promovem a fala ritmada ou lentificada resultam na redução de rupturas típicas da gagueira1. Em contrapartida, o distúrbio denominado taquifemia (ou cluttering) é caracterizado, de forma nuclear, por uma velocidade de fala acelerada e/ou irregular. Além dessa característica diagnóstica central, observam-se sintomas adicionais, como aumento nas disfluências comuns, omissão de sílabas, pausas irregulares e variações na tonicidade silábica(5-7).

O desafio atual reside em compreender em que medida uma velocidade de fala aumentada, na ausência de queixas clínicas associadas, compromete a qualidade de vida, especialmente em indivíduos jovens. É amplamente reconhecido que uma vida satisfatória está relacionada não apenas à saúde física e mental, mas também à inserção plena em contextos sociais, educacionais e profissionais(8-11). Autores(12) argumentam que, em contextos conversacionais, habilidades aprimoradas de ritmo e velocidade de fala favorecem uma comunicação mais clara, eficaz e harmoniosa.

Dessa forma, a presente investigação apoiou-se nesse referencial teórico para aprofundar o conhecimento sobre a temática da velocidade de fala. O estudo, dando continuidade a um trabalho anterior(11), teve como objetivo investigar a autopercepção da velocidade de fala entre universitários e analisar seus possíveis impactos psicossociais, considerando como esses indivíduos avaliam sua própria fluência e de que forma isso pode interferir em aspectos de comunicação interpessoal e autoestima.

MÉTODO

O desenho do estudo foi estruturado com base no protocolo da American Association for Public Opinion Research (AAPOR). A concepção do estudo (questionário e sua aplicabilidade no modo online) foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – CEP/FMUSP, Parecer CEP no. 6.529.522.

Participantes

Os participantes do estudo foram alunos da Universidade de São Paulo, de todas as unidades de ensino, em Graduação ou Pós-Graduação stricto sensu, a partir de 18 anos completos, distribuídos por sexo biológico autorreferido, que se dispuseram a participar do estudo, com a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Procedimento

Os participantes responderam a um questionário (Apêndice 1) disponibilizado na plataforma do Google Forms, composto por três partes: questões sobre a percepção individual da velocidade de fala; questões sobre o estereótipo de falar rápido (consideradas como um componente cognitivo de identificação de características idênticas) e questões sobre o preconceito (atitudes negativas, automáticas, direcionadas a indivíduos cuja fala se desvia do padrão considerado “ideal” em velocidade — seja por falarem rápido, ou devagar. Esse tipo de preconceito pode estar relacionado à forma como tais indivíduos são julgados em termos de competência, inteligência, confiabilidade ou controle emocional, com base apenas em sua velocidade de fala). As fases do estudo foram: Fase I – Elaboração e julgamento do questionário de pesquisa; Fase II – Disponibilização do questionário (Apêndice 1) aos alunos interessados que tivessem assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido; Fase III – Planilhamento dos dados.

Fases I e II – Elaboração, julgamento e disponibilização do questionário de pesquisa

O questionário (Apêndice 1) foi elaborado contemplando a literatura apresentada na introdução. As questões abordaram a percepção dos participantes sobre a velocidade de fala nas seguintes áreas: pensamentos, sentimentos e comportamentos que afetam a qualidade de vida; autoestima (percepção, competência, valorização pessoal); ansiedade social e o medo de ser avaliado negativamente pelos outros.

A primeira versão do questionário foi submetida à validação interna por avaliadores independentes, fonoaudiólogos, com experiência na área, distintos dos autores do estudo. Esses avaliadores não participaram da elaboração do instrumento e atuaram de forma independente, avaliando os itens quanto à clareza semântica, relevância temática e coerência com os objetivos do estudo. Com base nas sugestões obtidas, foram realizados ajustes na redação e organização das questões. A versão revisada foi então aplicada em uma amostra piloto composta por quatro participantes voluntários, com o objetivo de verificar a consistência do instrumento. O índice de concordância interavaliadores, medido pelo coeficiente Kappa, variou entre 0,61 e 0,80, o que é interpretado como uma concordância quase perfeita.

O questionário validado nas etapas anteriores foi estruturado na plataforma Google Forms. A pesquisa foi divulgada por meio das mídias sociais da Universidade de São Paulo, com foco na comunidade universitária. A população-alvo foi composta por alunos regularmente matriculados nos cursos de Graduação e Pós-Graduação stricto sensu da universidade, independentemente da área de conhecimento. A principal estratégia de acesso aos participantes foi a disseminação do link para o formulário, por meio de grupos de WhatsApp de alunos da instituição. Além disso, foram afixados cartazes contendo um QR Code em pontos estratégicos da Cidade Universitária, como pontos de ônibus e murais de alguns institutos, facilitando o acesso direto ao instrumento.

Ao acessar o link ou escanear o QR Code, os participantes eram direcionados ao formulário, que incluía, nas primeiras seções, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). O aceite do termo era obrigatório para prosseguir com a participação. As primeiras perguntas solicitavam dados de identificação (nome, e-mail institucional, curso, idade e gênero), e todas as demais questões tinham caráter confidencial. A coleta de dados foi iniciada em 30 de abril de 2024, com a última resposta registrada em 27 de junho de 2024. O formulário permaneceu aberto até o dia 10 de julho de 2024, totalizando, aproximadamente, dois meses e meio de coleta.

Após a assinatura do TCLE, os participantes tiveram acesso às perguntas. A primeira pergunta do questionário era uma pergunta dicotômica: “Eu falo mais rápido que as outras pessoas?” - SIM ou NÃO. A partir das respostas a essa pergunta, foram denominados o G1, grupo de pessoas que não achavam que falavam rápido (resposta NÃO), e o G2, grupo de pessoas que achavam que falavam rápido (resposta SIM).

O questionário (Apêndice 1) foi composto por 25 questões fechadas do tipo Likert, organizadas em três blocos temáticos: (1) autopercepção da velocidade de fala, com questões voltadas à comparação com o padrão percebido em outras pessoas e ao reconhecimento de dificuldades relacionadas ao ritmo acelerado da fala; (2) impactos psicossociais, abordando possíveis prejuízos na interação social, vida acadêmica/profissional, autoestima, confiança e qualidade de vida, bem como a presença de sintomas como ansiedade, constrangimento e evitamento de situações comunicativas; (3) dimensões associadas ao estigma, com questões voltadas à percepção de julgamento social, experiências de bullying, exclusão e a tentativa de modificação da fala para evitar críticas ou rejeição. Os participantes foram instruídos a escolher, dentre quatro opções, qual a resposta que melhor expressasse a sua opinião. As opções, em escala Likert, eram: concordo; acho que sim; acho que não; discordo. Não havia a possibilidade de pular ou deixar perguntas em branco. O tempo estimado para o preenchimento do questionário variou entre três e dez minutos.

Fase III – Planilhamento dos dados

A análise dos dados foi realizada com base na distribuição dos participantes, conforme fluxograma (Figura 1). Aderiram à pesquisa alunos de 42 cursos da Universidade de São Paulo, provenientes das Unidades das Ciências da Saúde, Engenharias, Ciências Humanas, Ciências Exatas, entre outras.

Figura 1
Fluxograma – distribuição dos participantes

Em relação à faixa etária, houve predominância dos participantes entre 18 e 24 anos (81,2%), seguidos por 16,2% entre 25 e 29 anos e 2,6% acima de 30 anos. A distribuição pelo sexo biológico autorreferido, indicou que 65,8% eram do sexo feminino e 34,2% do sexo masculino. Para o estudo em questão, não houve comparação dos resultados para as variáveis curso de origem, idade e sexo biológico ou gênero (aqui considerado como construção sociocultural multidimensional que inclui identidade e comportamentos). Como não há estudos científicos sobre a autopercepção da velocidade de fala em população típica, as respostas do questionário foram analisadas sem referencial demográfico.

RESULTADOS

A Tabela 1 mostra os resultados em relação à primeira pergunta do questionário, cuja possibilidade de resposta era dicotômica (sim ou não). Dos 117 participantes, 81,1% responderam que “sim”, falam mais rápido que as outras pessoas, enquanto 18,9% responderam que “não”, sendo essa diferença estatisticamente significativa.

Tabela 1
Resultado da primeira pergunta do questionário

A comparação entre os grupos G1 e G2 revelou diferenças estatisticamente significativas em diversas variáveis relacionadas à autopercepção da velocidade de fala e seus impactos psicossociais (Tabela 2). Participantes do G2 tenderam a reconhecer com maior frequência que sua velocidade de fala era diferente da maioria das pessoas (p < 0,001) e relataram, mais frequentemente, que falar rápido atrapalhava seu dia a dia (p < 0,001) e afetava negativamente suas interações sociais (p < 0,001) e seus relacionamentos interpessoais (p < 0,001). Além disso, relataram com maior frequência que eram solicitados a repetir o que disseram (p < 0,001), que falar rápido comprometia sua qualidade de vida (p < 0,001) e que se sentiam perdidos por falarem mais rápido do que o esperado (p < 0,001).

Tabela 2
Perguntas do questionário que apresentaram diferenças significativas entre os grupos G1 e G2

O G2 também apresentou maior prevalência de experiências negativas como perda de confiança (p = 0,003), tentativas de controle da fala para evitar julgamento (p = 0,004), sintomas de ansiedade (p < 0,001), constrangimento social (p < 0,001), percepção de julgamento por parte de terceiros (p < 0,001) e sensação de que falar rápido constituía um dos principais problemas de sua vida (p = 0,005). Esses achados apontam para uma associação significativa entre a autopercepção de falar rápido e experiências emocionais negativas, como ansiedade social, insegurança comunicativa e percepção de impacto na qualidade de vida.

Em contrapartida, algumas variáveis não apresentaram diferenças estatisticamente significativas entre os grupos (Tabela 3), como, por exemplo, evitar interações sociais, sentir-se mais confortável com amigos e familiares, ou evitar mensagens de voz e telefonemas. Isso sugere que, embora a percepção de falar rápido esteja associada a desconfortos psicossociais em contextos públicos e profissionais, ela nem sempre se traduz em isolamento social generalizado ou prejuízo sistemático da autoestima.

Tabela 3
Perguntas do questionário que não apresentaram diferenças significativas entre os grupos G1 e G2

Outras variáveis, embora com tendência estatística, não atingiram significância robusta, como o cansaço por repetir o que foi dito (p = 0,098) e o medo de ser avaliado negativamente ao falar em público (p = 0,413), o que pode refletir a variabilidade individual na forma como os efeitos da velocidade de fala se manifestam.

DISCUSSÃO

Os resultados deste estudo concordam com a literatura existente ao demonstrar que a velocidade da fala é um fator relevante na percepção comunicativa e na qualidade da interação social(12). Indivíduos que relataram uma velocidade de fala acelerada expressaram preocupações com a inteligibilidade de fala de sua comunicação, o que está de acordo com estudos que indicam que uma fala excessivamente rápida pode prejudicar a clareza da mensagem e a interação interpessoal(1,4).

A influência de fatores cognitivo-linguísticos na velocidade da fala também foi evidenciada, sugerindo que a carga cognitiva afeta diretamente a taxa de produção verbal, conforme relatado em estudo anterior(2). Além disso, os dados coletados reforçam a ideia de que padrões rítmicos estruturados podem favorecer melhor dinâmica comunicativa, reduzindo os efeitos negativos da velocidade de fala acelerada, na inteligibilidade(1).

Outro aspecto relevante foi a associação entre velocidade da fala e percepção social. Participantes que relataram falar rapidamente também indicaram sentirem-se percebidos como ansiosos ou impacientes, o que se alinha com achados anteriores sobre estereótipos comunicativos e seus impactos na interação interpessoal(9,13).

A associação entre falar rápido e dificuldades nas interações sociais pode estar relacionada ao que autores(1) descrevem como o “efeito do rítmico” na gagueira, em que a desregulação dos circuitos neurais responsáveis pela percepção e produção do ritmo prejudica a fluência da comunicação. Ainda que o presente estudo não tenha se voltado especificamente para indivíduos com distúrbios de fluência como a gagueira ou a taquifemia, as repercussões sociais semelhantes — como a necessidade de repetir informações, experiências de constrangimento e tentativas de ajuste do padrão de fala — sugerem que a velocidade de fala, por si só, pode ser um fator de impacto relevante na vida cotidiana.

Os dados também indicaram que falantes rápidos podem vivenciar um ciclo de insegurança e autocensura, aspectos frequentemente relatados em estudos sobre autoimagem e qualidade de vida em pessoas com distúrbios da fluência(8,13). Essa percepção de inadequação pode comprometer a autenticidade na comunicação, levando os indivíduos a experimentar interações menos espontâneas(12).

Por outro lado, a ausência de significância estatística em itens que investigaram desistência de objetivos pessoais, autoestima e preconceito apontou para a complexidade do fenômeno. Acredita-se que esse resultado possa estar relacionado a mecanismos adaptativos desenvolvidos ao longo da vida, como estratégias de compensação e ressignificação da própria identidade comunicativa(7). Isso é compatível com o que autores(9) destacaram em sua revisão sistemática: fatores como estilo de vida e percepção social moldam como as características individuais são vivenciadas e internalizadas.

A influência situacional da velocidade de fala merece destaque. Conforme sugerido por um estudo(4), a velocidade de fala pode impactar de maneiras distintas o processamento acústico e linguístico da fala, dependendo do contexto e da complexidade da tarefa comunicativa. Dessa forma, o ambiente no qual ocorre a comunicação pode moderar os efeitos da velocidade de fala, justificando, por exemplo, por que a característica não se mostra prejudicial em contextos acadêmicos ou profissionais, conforme os achados do presente estudo.

As implicações desses resultados são amplas. A compreensão da velocidade de fala como uma característica comunicativa com potencial impacto psicológico e social reforça a necessidade de abordagens mais personalizadas na avaliação e intervenção fonoaudiológica. Estudos futuros devem considerar não apenas medidas quantitativas, mas também avaliações qualitativas e perceptivas — tanto do próprio falante quanto de interlocutores —, para elucidar como essas variáveis afetam a vivência individual e a dinâmica interacional(3,6).

Por fim, este estudo contribui para a ampliação do debate sobre os marcadores comunicativos que, mesmo em indivíduos sem alterações clínicas de fala, podem exercer influência relevante sobre a saúde mental, a autoestima e a integração social. A articulação entre variáveis linguísticas e emocionais se mostra essencial para compreender a comunicação humana em sua complexidade.

Embora os resultados desta pesquisa tenham oferecido contribuições relevantes para a compreensão da autopercepção da velocidade de fala e seus impactos psicossociais, algumas limitações devem ser consideradas. Em primeiro lugar, trata-se de um estudo de natureza transversal e descritiva, o que impossibilita estabelecer relações de causalidade entre os fenômenos investigados. Além disso, a amostra, composta exclusivamente por alunos de uma universidade pública, limita a generalização dos achados para outras populações, especialmente considerando variáveis socioculturais e educacionais que podem influenciar tanto a autopercepção, quanto os efeitos da velocidade de fala. Por fim, destaca-se o viés inerente ao uso de questionários de autorrelato, que estão sujeitos à influência de fatores como desejabilidade social e interpretação subjetiva das perguntas.

Acrescenta-se, ainda, a limitação relacionada ao número final de participantes (n=117), que correspondeu a, aproximadamente, um quinto da amostra prevista inicialmente (n=500). Além do número reduzido, observou-se uma distribuição desigual entre os grupos comparados (G1 e G2), com predomínio de participantes no G1. Essa discrepância pode ter gerado viés de representatividade, comprometendo a robustez das comparações entre os grupos.

CONCLUSÃO

Este estudo teve como objetivo investigar a autopercepção da velocidade de fala entre universitários e analisar seus possíveis impactos psicossociais, considerando como esses indivíduos avaliam sua própria fluência e de que forma isso pode interferir em aspectos de comunicação interpessoal e autoestima. Os resultados sugerem que a velocidade de fala pode estar relacionada a desafios sociais e emocionais relevantes, particularmente à ansiedade social e à percepção subjetiva da qualidade de vida. Contudo, a ausência de significância estatística em determinadas variáveis indica que a fala acelerada não está necessariamente associada, de forma generalizada, a prejuízos em domínios como vida profissional, autoestima ou isolamento social. Esses achados reforçam a importância de uma abordagem individualizada na análise dos efeitos da velocidade de fala, considerando a variabilidade interindividual na experiência comunicativa.

APÊNDICE 1 Questionário

Concordo Acho que sim Acho que não Discordo
Minha velocidade de fala é diferente das outras pessoas
Falar rápido atrapalha o meu dia a dia
Falar rápido afeta minhas interações sociais
Falar rápido impacta os meus relacionamentos interpessoais
As pessoas pedem para eu repetir o que eu já falei
Repetir o que já falei me cansa
Eu prefiro não falar e me isolar em situações de interação social
Eu acredito que falar rápido contribui negativamente para a minha qualidade de vida
Sinto-me perdido porque falo mais rápido do que as pessoas esperam
Eu já desisti de realizar algo do meu interesse porque falo muito rápido
Falar rápido afeta a minha autoestima
Falar rápido afeta a minha confiança
Com amigos e familiares me sinto mais confortável para falar
Falar rápido já foi motivo para eu perder oportunidades importantes
Falar rápido já atrapalhou minha carreira ou minha vida acadêmica
Eu já experimentei preconceito ou sofri bullying porque eu falo muito rápido
Eu evito mandar mensagens de voz ou falar ao telefone porque eu falo muito rápido
As pessoas têm muitas opiniões sobre minha velocidade de fala
Quando eu falo em público eu tenho medo de ser avaliado negativamente
Eu já tentei controlar minha velocidade de fala para me adaptar e não ser julgado
Já experimentei sintomas de ansiedade porque eu falo rápido
Eu já vivi episódios de constrangimento social porque eu falo rápido
As minhas experiências passadas em relação a minha velocidade de fala me geraram algum trauma
A ansiedade social por falar rápido afeta minha capacidade de me expressar de forma autêntica
Falar rápido é um dos principais problemas da minha vida

AGRADECIMENTOS

Ao Programa Unificado de Bolsas de Estudos para Apoio à Permanência e Formação de Estudantes de Graduação (PUB-USP).

  • Trabalho realizado no Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional – FOFITO, Faculdade de Medicina – FM, Universidade de São Paulo – USP – São Paulo (SP), Brasil
  • Declaração de Disponibilidade de Dados
    Os dados de pesquisa estão disponíveis somente mediante solicitação.
  • Financiamento:
    Bolsas de Iniciação Científica do Programa Unificado de Bolsas de Estudos para Apoio à Permanência e Formação de Estudantes de Graduação (PUB-USP s/n).

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Editado por

  • Editor-Chefe:
    Maria Cecilia Martinelli Iorio.
  • Editor Associado:
    Clara Regina Brandão de Ávila.

Disponibilidade de dados

Os dados de pesquisa estão disponíveis somente mediante solicitação.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Nov 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    08 Maio 2025
  • Aceito
    09 Set 2025
Creative Common - by 4.0
Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution (https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/), que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que o trabalho original seja corretamente citado.
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