RESUMO
Objetivo Realizar uma análise comparativa dos aspectos da segurança (penetração/aspiração) e da eficiência (resíduos) da deglutição com as características morfológicas e o comportamento funcional fonatório da laringe em idosos pós- acidente vascular encefálico em fase tardia.
Métodos Estudo preliminar observacional e retrospectivo, realizado a partir da análise de gravações de exames de videoendoscopia da fonação e deglutição de 24 pacientes. Considerou-se: assimetria laríngea, arqueamento da porção membranosa, aumento de volume das pregas vestibulares, classificação do fechamento glótico, presença de constrição mediana e anteroposterior durante a fonação. Para a deglutição, utilizaram-se as seguintes escalas: Escala de Penetração e Aspiração, Yale Pharyngeal Residue Severity Rating Scale, para classificar resíduos em valéculas e seios piriformes, e Escala de Resíduos em Faringe. Foram aplicados os testes de Mann-Whitney e Kruskal-Wallis, considerando nível de significância de 5%.
Resultados A maioria dos pacientes apresentou arqueamento da porção membranosa das pregas vocais e aumento do volume das pregas vestibulares, assim como constrição anteroposterior das aritenoides. Foi identificada penetração laríngea, presença de resíduos em valéculas, seios piriformes e faringe para as consistências da International Dysphagia Diet Standardization Initiative 0 e 4, e aspiração com o International Dysphagia Diet Standardization Initiative 0. No International Dysphagia Diet Standardization Initiative 0, na presença de constrição anteroposterior de aritenoides durante a fonação, foram observados menores níveis na Escala de Penetração e Aspiração (p=0,016) e Escala de Resíduos em Faringe (p=0,013). Menores escores na escala de resíduos em valéculas foram observados de acordo com a quantidade de cobertura da epiglote (p=0,017) para o International Dysphagia Diet Standardization Initiative 4. Ainda, na ausência de assimetria das pregas vocais, observaram-se menores níveis da Escala de Resíduos em Faringe (p=0,025) e de resíduos em valéculas (p=0,008) para International Dysphagia Diet Standardization Initiative 7.
Conclusão A segurança e a eficiência da deglutição são distintas nos indivíduos pós-acidente vascular encefalico tardio que apresentam constrição anteroposterior, assim como a eficiência da deglutição se distingue de acordo com a quantidade de cobertura da epiglote e assimetria das pregas vocais nesses indivíduos.
Palavras-chave:
Acidente vascular encefálico; Idoso; Transtornos de deglutição; Deglutição; Laringe
ABSTRACT
Purpose To carry out a comparative analysis between the aspects of safety (penetration/aspiration) and efficiency (residues) of swallowing with the morphological characteristics and phonatory functional behavior of the larynx, in elderly after stroke, in the late phase.
Methods Observational and retrospective study carried out based on the analysis of recordings of Fiberoptic Endoscopic Evaluation of Swallowing and Laryngoscopy examinations of speech and swallowing in 24 patients. The following were considered: laryngeal asymmetry, arching of the membranous portion, increased volume of the vestibular folds, classification of glottic closure, presence of median and anteroposterior constriction during phonation. For swallowing, the Penetration and Aspiration scales, the Yale Pharyngeal Residue Severity Rating Scale to classify residues in valleculae and pyriform sinuses, and the pharyngeal residue scale proposed by Kelly et al. (2006) were used. The Mann-Whitney and Kruskal-Wallis tests were applied, considering a significance level of 5%.
Results Most patients presented arching of the membranous portion of the vocal folds and increased volume of the vestibular folds, as well as anteroposterior constriction of the arytenoids. Laryngeal penetration, presence of residues in valleculae, pyriform sinuses and pharynx were identified for IDDSI 0 and 4 consistencies, and aspiration with IDDSI 0. At IDDSI level 0, the presence of anteroposterior constriction of the arytenoids during phonation was associated with lower scores on the Penetration-Aspiration Scale (p=0.016) and the Pharyngeal Residue Scale (p=0.013). Lower scores on the residual scale in valleculas were observed according to the amount of epiglottis coverage (p=0.017) for IDDSI 4. Furthermore, the absence of vocal fold asymmetry was associated with lower pharyngeal residue scores (p=0.025) and vallecular residue scores (p=0.008) for IDDSI level 7.
Conclusion Swallowing safety and efficiency differ in individuals with late post-stroke presenting anteroposterior constriction, and swallowing efficiency also varies according to the degree of epiglottic coverage and vocal fold symmetry in these individuals.
Keywords:
Stroke; Elderly; Deglutition disorders; Deglutition; Larynx
INTRODUÇÃO
Um dos principais fatores para o aumento da prevalência do acidente vascular encefálico (AVE) é o envelhecimento da população(1). Especificamente, indivíduos com faixa etária acima de 60 anos, devido à possibilidade da presença de comorbidades, apresentam maior risco de sequelas que os tornam dependentes de outras pessoas(2). As consequências decorrentes do AVE vão desde alterações de mobilidade, que interferem na realização de atividades de vida diária, até o acometimento de funções como a voz e a deglutição.
Tendo em vista a existência de aspectos anatômicos e comandos neurofisiológicos em comum, necessários para a produção da voz e da deglutição, nos últimos anos a literatura tem se dedicado a compreender melhor a relação entre as duas funções. Pensando nessa relação, as pregas vocais na estrutura laríngea não apenas desempenham papel na fonação, mas também atuam como mecanismos protetores das vias aéreas, não permitindo que conteúdos estranhos adentrem essa região(3). Além disso, o fechamento glótico também é um importante gerador da pressão supraglótica necessária para a formação do gradiente pressórico que favorece a passagem do bolo alimentar para a faringe e esôfago(4). Portanto, a laringe não só tem a capacidade de produzir a fala, mas também de facilitar o movimento do bolo alimentar, proteger as vias áreas inferiores e evitar a aspiração durante a deglutição.
No que se refere à relação entre deglutição e voz na população pós-AVE, a literatura aponta a presença de mobilização no plano laríngeo (fonatório) e supralaríngeo (articulatório), que pode acontecer como mecanismo secundário da proteção de vias aéreas durante a deglutição(5). Além disso, a presença de estase alimentar ou de saliva em região laríngea pode levar à percepção auditiva do que a literatura chama de voz molhada(5,6). A disartrofonia decorrente do AVE pode ser complexa e depende, em grande parte, da localização e da extensão da lesão(7). As características da disartrofonia incluem uma série de alterações na fala, tais como imprecisão articulatória, lentificação do ritmo, monotonia na entonação e mudanças na ressonância. Entre essas características, o comprometimento da qualidade vocal se apresenta como uma das cinco manifestações mais comuns da disartrofonia. As alterações de fonte glótica em pacientes com lesão neurológica frequentemente citadas são a rugosidade, soprosidade, instabilidade, além de alteração no controle motor laríngeo, que reflete na dificuldade de controle sobre os músculos da laringe(7).
A literatura também descreve que, aproximadamente 20% dos pacientes pós-AVE, podem apresentar paresia de pregas vocais e tempo máximo de fonação (TMF) reduzido, desde as fases subaguda e aguda da lesão(8), sendo possível encontrar, ainda, descrição da relação entre o TMF reduzido com menor pressão aérea subglótica, atraso no tempo de trânsito faríngeo e maior risco de aspiração laringotraqueal(9).
Diante do exposto, constata-se que são poucos os estudos que descrevem a relação entre voz e deglutição, especificamente em pacientes idosos diagnosticados com AVE e em fase tardia, ou seja, a partir de seis meses após a ocorrência da lesão(9,10). Assim, conhecendo a relação anatômica que envolve as duas funções e sabendo que elas podem ser diretamente afetadas por uma lesão neurológica, como o AVE, existe a necessidade de fortalecer as avaliações fonoaudiológicas por meio de ampliação de novos conceitos relacionados a alterações vocais e disfagia.
Dessa forma, o objetivo do presente estudo foi realizar uma análise comparativa dos aspectos específicos da segurança (presença ou ausência de penetração e/ou aspiração laringotraqueal) e da eficiência (presença ou ausência de resíduos faríngeos e laríngeos) da deglutição(11), de acordo com as características morfológicas, com o comportamento funcional fonatório da laringe em idosos pós- acidente vascular encefálico em fase tardia.
MÉTODOS
Trata-se de uma pesquisa preliminar, observacional transversal, aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Faculdade de Odontologia de Bauru, Universidade de São Paulo - CEP/FOB/USP, com número de protocolo 97392318.0.0000.5417 e dispensa do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Foram analisados 35 prontuários e exames de videoendoscopia da fonação e deglutição do banco de dados da Clínica de Fonoaudiologia da Faculdade de Odontologia de Bauru – Universidade de São Paulo. Para os critérios de inclusão, foram selecionados indivíduos com as seguintes características: independentemente de gênero; idade igual ou superior a 60 anos; diagnóstico médico de AVE; tempo mínimo da doença de seis meses; condição de saúde estável e ausência de doenças oncológicas, psiquiátricas, cardíacas, respiratórias, genéticas, sindrômicas e/ou traumas de cabeça e pescoço adquiridos.
Procedimentos
Videoendoscopia da deglutição e fonação
O exame clínico de videoendoscopia foi conduzido por um médico otorrinolaringologista em cooperação com um fonoaudiólogo com doutorado e pós-doutorado na área de distúrbios da deglutição.
Os pacientes foram instruídos a permanecerem sentados, com a cabeça disposta na direção do eixo corporal, sem flexão ou rotação. Utilizou-se, para avaliação, um rinolaringofibroscopio padrão ENF-P4, fonte de luz halógena CHL-25, câmera OTV-SC, todos da marca Olympus. Os registros das imagens foram gravados em um DVD Philips. Sobre a circunferência da fibra ótica flexível aplicou-se xilocaína gel, para não gerar desconforto na cavidade nasal durante sua introdução.
Para a avaliação da função da laringe em fonação e segurança, os pacientes foram instruídos a respirar inicialmente sem emitir som, a fim de se observar as estruturas laríngeas em segurança e, em seguida, foi solicitada a emissão da vogal /i/ de forma sustentada(12).
Na avaliação da deglutição, foram utilizadas três consistências classificadas de acordo com a International Dysphagia Diet Standardisation Initiative (IDDSI)(13): IDDSI 0, 4 e 7. Os estímulos foram coloridos com corante de alimentos na cor azul e foi realizada uma oferta para cada consistência, na seguinte ordem: IDDSI 0 – líquido fino (10 ml), ofertado em copo descartável (capacidade de 50 ml); IDDSI 4 - líquido extremamente espessado (30 ml), preparado com 2 g de pó de suco de uva dietético (Clight) e engrossado com espessante alimentar, ofertado em copo descartável (capacidade de 200 ml); IDDSI 7 - sólido, uma fatia de pão de água com 1 cm de espessura e aproximadamente 4 cm de diâmetro.
Para o IDDSI 0 e 4, os pacientes foram orientados a colocar o conteúdo na boca e engoli-lo somente após orientação verbal da avaliadora. Para o IDDSI 7, o alimento foi introduzido na cavidade oral do paciente e solicitada mastigação, organização e deglutição do bolo alimentar de forma habitual.
Análise da laringe a partir do exame de videoendoscopia
As análises dos exames foram realizadas por duas fonoaudiólogas com doutorado, especialistas na área de distúrbios da voz, devidamente treinadas e calibradas. Inicialmente, as análises foram realizadas de forma independente e, posteriormente, os aspectos divergentes foram determinados em consenso. A classificação das características morfológicas e do comportamento laríngeo considerou a descrição a seguir(12,13): para as características morfológicas, foram analisadas a assimetria de aritenoides e pregas vocais, fazendo referência sobre a imagem especular de uma hemilaringe em relação à outra. Para o arqueamento da porção membranosa, foi identificada a presença ou ausência da borda livre da porção membranosa da prega vocal, que assumiu uma posição arqueada. Também foram considerados o aumento e a quantidade de volume das pregas vestibulares e epiglote em relação às pregas vocais, sendo a quantidade observada como “nada de aumento”, “até a metade”, “mais da metade” e “cobertura total”(12).
Para as características do comportamento laríngeo, foram consideradas as classificações do fechamento glótico durante a fonação, sendo a coaptação glótica correspondente ao modo que as pregas vocais se aproximam durante a fonação. Foi analisada a presença de fendas fusiformes no caso de coaptação incompleta, que poderia abarcar tudo ou só uma parte da região membranácea, bem como outros tipos de fendas(12). Além da classificação da constrição anteroposterior e mediana durante a fonação da vogal /i/, nesse caso, para a análise do comportamento do vestíbulo laríngeo, foi observada a presença ou ausência da constrição anteroposterior e mediana, considerando a distância das aritenoides e do pecíolo da epiglote, em relação à parede posterior da glote na respiração (em relação à fonação), e a constrição mediana baseada na observação da configuração das pregas vestibulares durante a fonação. E por fim, foi verificada a assimetria laríngea, sendo considerada assimetria a redução do movimento das pregas vocais durante a fonação(12).
Análise da deglutição a partir do exame de videoendoscopia
As imagens foram analisadas por duas fonoaudiólogas com título mínimo de mestre e formação em disfagia orofaríngea. As análises foram realizadas de forma independente e, nos casos de não concordância, uma reanálise foi feita em conjunto até que se chegasse a um consenso.
Para análise da segurança da deglutição foi aplicada a Escala de Rosenbeck para penetração-aspiração(14), considerando a presença do alimento contrastado no vestíbulo da laringe, acima do plano das pregas vocais, e presença de alimento contrastado no plano da borda livre das pregas vocais e/ou abaixo delas.
Foi necessária a aplicação de três escalas para avaliar amplamente a eficiência da deglutição. Para identificar possíveis resíduos em valéculas e seios piriformes foi aplicada a escala de Yale, que diferencia cinco níveis de resíduos, sendo o nível I - interpretado como nenhum tipo de resíduos; nível II - traços de resíduos; nível III - resíduos leves; nível IV – moderado; nível V – severo, cheio de resíduos até a rima glótica(15). Já para avaliar a presença de resíduos na faringe, foi aplicada uma escala que classifica os resíduos também em cinco níveis: grau I - ausência de resíduos; grau II - cobertura de resíduos; grau III - resíduos leves; grau IV - resíduos moderados; grau V – quantidade severa de resíduos(16).
Análise dos dados
Os resultados obtidos foram tabulados em banco de dados e submetidos à análise estatística, por meio da aplicação de testes de comparação. A partir das características laríngeas, os participantes foram d ivididos em subgrupos com e sem a presença de cada característica e os resultados das escalas de deglutição foram comparados entre esses subgrupos usando o teste Mann-Whitney para todos os itens avaliados, exceto para o item “ Quanto a epiglote cobre as pregas vocais”, em que foi utilizado o teste de Kruskal-Wallis e pós-teste de Dwass-Steel-Critchlow-Fligner, considerando nível de significância de 5%. Os aspectos julgados como não observáveis devido às condições do exame não foram considerados na análise estatística.
Ainda, para verificar a concordância interjuízes das escalas da deglutição e fonação foi utilizada a estatística Kappa. Para os aspectos morfológicos da laringe, evidenciaram-se valores de Kappa de 0,514 para o aumento das pregas vestibulares e 0,588 para cobertura da epiglote nas pregas vocais, indicando concordância interjuízes moderada(17). Para o comportamento laríngeo fonatório, os valores de Kappa foram 0,762 para a constrição anteroposterior pecíolo da epiglote, 0,644 para constrição mediana e 0,662 para assimetria, interpretando-se como concordância substancial interjuízes. Observou-se, para todas as escalas da deglutição, valor de Kappa de 0,929, indicando concordância perfeita interjuízes.
RESULTADOS
Após aplicação dos critérios de inclusão, foram selecionados 24 indivíduos com idade acima de 60 anos, caracterizando uma amostra composta por 8 mulheres e 16 homens, diagnóstico médico de AVE crônico, sendo 3 do tipo hemorrágico e 21 do tipo isquêmico. O tempo de lesão compreendeu um período entre 6 e 276 meses (média 62,96 meses). Com relação ao número de episódios de AVE, 18 indivíduos apresentaram 1 episódio, 4 indivíduos apresentaram 2 episódios e 2 indivíduos apresentaram 3 episódios.
Em relação à morfologia da laringe, as características de maior ocorrência foram: arqueamento na porção membranosa das pregas vocais (91,7%), aumento do volume das pregas vestibulares (91,7%) e ausência de assimetria (79,2%). O comportamento laríngeo mais observado foi constrição anteroposterior das aritenoides em 87,5% dos pacientes, seguido de presença de constrição mediana (62,5%). As informações detalhadas são apresentadas na Tabela 1.
Categorização morfológica e do comportamento laríngeo, segundo os achados da videoendoscopia da fonação
Já em relação à segurança da deglutição para a consistência do IDDSI 0, 12,5% dos participantes apresentaram penetração laríngea, apenas 1 paciente apresentou aspiração com reação de tosse, e outros 2 pacientes tiveram aspiração sem nenhuma reação. Para o IDDSI 4, 1 participante apresentou penetração laríngea. Em relação à eficiência da deglutição, especificamente para o IDDSI 0, 33,3% dos pacientes apresentaram resíduos em seios piriformes (pontuação 2 da escala de Yale) e, para IDDSI 4, foram encontrados resíduos em valéculas (pontuação 3 escala de Yale) para 29,2% da amostra (Tabela 2).
Achados da videoendoscopia da deglutição, considerando a segurança (Escala de Penetração e Aspiração) e a eficiência da deglutição (escalas de Yale e de Resíduos em Faringe)
Análises comparativas dos resultados da avaliação da deglutição de acordo com as características da laringe
Os participantes que manifestaram presença de constrição anteroposterior das aritenoides durante a fonação apresentaram menores níveis na Escala de Resíduos em Faringe (p=0,013) e na Escala de Penetração e Aspiração (p=0,016) na deglutição de líquido fino - consistência IDDSI 0 (Tabelas 3 e 4, respectivamente).
Comparação dos resultados da Escala de Resíduos em Faringe considerando a presença ou ausência de constrição anteroposterior das aritenoides para consistência da International Dysphagia Diet Standardization Initiative 0
Comparação dos resultados da Escala de Penetração e Aspiração considerando a presença ou ausência de constrição anteroposterior das aritenoides para consistência da International Dysphagia Diet Standardization Initiative 0
Para a consistência IDDSI 4 – líquido extremamente espessado (Tabela 5), houve diferença na Escala de Resíduos em Valéculas, sendo observados escores menores, com base na quantidade de cobertura das pregas vocais pela epiglote (p = 0,017), ao comparar os participantes que apresentaram graus 0, 1 ou 2 de cobertura. A análise por pares, realizada no pós-teste, indicou que a diferença ocorreu entre os graus 0 e 1 (p=0,045).
Comparação dos resultados da escala de Yale (resíduos em valéculas) considerando “Quanto a epiglote cobre” para consistência daInternational Dysphagia Diet Standardization Initiative 4
Os participantes que manifestaram ausência de assimetria das pregas vocais apresentaram menores níveis da Escala de Resíduos em Faringe (p=0,025) e da Escala de Resíduos em Valéculas (p=0,008) na deglutição de sólido - consistência IDDSI 7 (Tabelas 6 e 7, respectivamente).
Comparação dos resultados da Escala de Resíduos em Faringe considerando a presença ou ausência de assimetria pregas vocais para consistência International Dysphagia Diet Standardization Initiative 7
Comparação dos resultados da Escala de Yale (resíduos em valéculas) considerando a presença ou ausência de assimetria em pregas vocais para consistência da International Dysphagia Diet Standardization Initiative 7
DISCUSSÃO
O presente estudo buscou realizar análises comparativas das características da deglutição de acordo com as características morfológicas e do comportamento laríngeo em idosos acometidos por AVE tardio. Nesse sentido, sobre a morfologia, a literatura descreve que, especificamente em pacientes idosos com AVE tardio, é comum a presença de assimetria laríngea e arqueamento bilateral das pregas vocais(18), assim como encontrado neste estudo. Salienta-se, ainda, que tais características morfológicas também podem estar presentes em idosos saudáveis(19), de forma que novos estudos devem ser conduzidos com o objetivo de identificar quais alterações são decorrentes do AVE ou do próprio envelhecimento.
No comportamento laríngeo durante a fonação, verificou-se, para a maioria da amostra, fechamento glótico completo, constrição anteroposterior das aritenoides e do pecíolo da epiglote, constrição mediana e assimetria no comportamento laríngeo (redução do movimento das pregas vocais). Outras pesquisas realizadas com videoendoscopia da fonação em idosos acometidos por AVE, mostraram alteração no controle motor laríngeo com diminuição da mobilidade das pregas vocais, presença de constrição supraglótica anteroposterior e constrição mediana(19,20). Referente ao fechamento glótico, nesta pesquisa, na maioria dos casos houve fechamento glótico completo, o que pode estar relacionado à população estudada, tendo em vista que as alterações laríngeas por etiologias neurológicas como o AVE podem ter recuperação após estados agudos(21).
Na videoendoscopia da deglutição, a presença de penetração e aspiração laríngea foi predominante com a consistência do IDDSI 0, sendo observada, ainda, com o IDDSI 4, em apenas um participante. Estudo que avaliou a deglutição em pacientes com AVE, com método cintilográfico, observou presença de sinais de aspiração de consistência líquida extremamente espessada em 15% dos pacientes avaliados(22). Destaca-se aqui que o sistema nervoso central envolvido no controle da deglutição compreende, além do tronco encefálico, uma extensa rede supramedular, bem como diversas áreas corticais, como as áreas pré-motoras, córtex sensório-motor primário e córtex cingulado(23). Sabe-se que essa rede responde de forma plástica e compensatória a lesões do sistema nervoso central e periférico(24,25). Nesse sentido, levando em consideração que a amostra do presente estudo foi composta por indivíduos com tempo médio de lesão de 62 meses, levanta-se, como hipótese, que o processo de neuroplasticidade pode ter influenciado a recuperação de quadros disfágicos e, consequentemente, a baixa ocorrência de penetração/aspiração(26).
Quanto às análises comparativas entre as características funcionais laríngeas e da deglutição, observou-se que a maioria dos pacientes que apresentou constrição anteroposterior das aritenoides durante a fonação, teve ausência de penetração/aspiração na consistência IDDSI 0 (líquido fino). No que diz respeito a esse assunto, sabe-se que as aritenoides contribuem para o fechamento do vestíbulo da laringe, evitando a entrada de alimento nas vias aéreas inferiores(27). As aritenoides, em conjunto com outras estruturas da laringe, cumprem um papel fundamental na segurança durante a deglutição. Além disso, falhas na sensibilidade laríngea podem ser causadas pelo aumento da idade e por alterações neurológicas, como o AVE, fazendo com que estruturas na laringe modifiquem e/ou aumentem suas funções. Nesse sentido, pode-se relacionar tal fato com a presença de constrições supraglóticas como auxílio ao fechamento do vestíbulo laríngeo, evitando a passagem do alimento e favorecendo a segurança durante a deglutição(18).
Segundo alguns estudos, em pacientes acometidos por AVE, falhas no processo de deglutição devido a déficits sensoriais decorrentes de alteração das áreas sensoriais corticais, podem gerar compensações na função. Como consequência, espera-se que possam surgir modificações morfológicas e comportamentais na laringe(3,18,28). Nesse sentido, outra questão para discutir neste trabalho, foi se o anestésico nasal xilocaína gel ao 2% usado nesta pesquisa durante a videoendoscopia da laringe e da deglutição poderia ter influenciado os resultados. Segundo estudos, baseados em protocolos, anestésicos locais nasais para videoendoscopia podem ser usados em quantidade de 0,4 ml (2%) para favorecer o conforto do paciente sem efeitos secundários durante a análise e sem afetar a fisiologia laringofaríngea e da biomecânica da deglutição(29).
Verificou-se, ainda, que houve diferenças entre a Escala de Resíduos em Faringe de acordo com a morfologia laríngea, especificamente para consistência IDDSI 7 (sólido), e assimetria das pregas vocais. Na presença de assimetria das pregas vocais no repouso, houve resíduos na faringe de grau I e II após a deglutição de IDDSI 7. Observa-se que a redução do movimento da faringe e laringe pode esta ligada à presença de alterações neurológicas que podem ter, como consequência, déficits laríngeos, paresia faríngea, peristaltismo faríngeo reduzido, perda dos reflexos e diminuição da força muscular, o que ocasionaria a presença de assimetria e acúmulo de resíduos(17).
Por fim, a amostra deste artigo foi composta, em sua maioria, por indivíduos com histórico de AVE isquêmico. Estudo descreveu que a frequência de disfagia em casos de AVE isquêmico foi de 31,7%, enquanto em AVE hemorrágico foi de 58,6%, demonstrando que presença dos distúrbios da deglutição é mais frequente nas lesões isquêmicas(30). No entanto, os autores destacam que a gravidade e o tamanho da lesão são correlacionados com a gravidade da disfagia30. Além disso, o tempo de lesão e as questões relacionadas à neuroplasticidade cerebral podem influenciar os achados clínicos nas avaliações de voz e deglutição. Assim, como limitações deste estudo, ressalta-se o tempo de acometimento do AVE da amostra, interferindo na identificação das alterações causadas pela lesão neurológica ou pelo envelhecimento, bem como a ausência de exames de neuroimagem que permitissem detectar o local da lesão cerebral. Dessa forma, tratando-se de um estudo preliminar, sugere-se a continuidade da investigação e aprofundamento das questões estudadas com amostras maiores, além da condução de estudos envolvendo grupo-controle de idosos saudáveis.
CONCLUSÃO
A segurança e a eficiência da deglutição são distintas nos indivíduos pós- AVE tardio que apresentam constrição anteroposterior, assim como a eficiência da deglutição se distingue de acordo com a quantidade de cobertura da epiglote e assimetria das pregas vocais nesses indivíduos. Tais achados indicam que as alterações morfológicas e do comportamento laríngeo podem ser positivas para a deglutição, na população estudada. Pesquisas futuras são necessárias para aprofundar o conhecimento sobre o tema.
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Trabalho realizado na Faculdade de Odontologia de Bauru – FOB, Universidade de São Paulo – USP – Bauru (SP), Brasil.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
28 Fev 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
-
Recebido
24 Maio 2024 -
Aceito
26 Nov 2024
