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Atuação fonoaudiológica em pacientes com síndrome da imunodeficiência adquirida e queixa de deglutição – análise retrospectiva de prontuários

RESUMO

Objetivo

Verificar e caracterizar a deglutição de pacientes internados, diagnosticados com Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA), com queixas de deglutição.

Métodos

Análise retrospectiva de 17 prontuários de pacientes com SIDA, atendidos em um hospital escola, entre 2011 e 2012, submetidos a protocolos de avaliação e tratamento da deglutição em beira de leito. Os dados coletados foram referentes à avaliação da deglutição em beira de leito, por meio de protocolos específicos, no momento inicial e na alta fonoaudiológica ou hospitalar. Os pacientes foram divididos em dois grupos: Grupo de alta fonoaudiológica (GAF): pacientes que receberam alta fonoaudiológica antes da alta hospitalar; Grupo de alta hospitalar (GAH): pacientes que receberam alta hospitalar sem terem recebido alta fonoaudiológica.

Resultados

Os grupos não se diferenciaram em relação à idade e gênero. Quanto à classificação da disfagia: 1) ambos os grupos apresentaram escores significativamente melhores no momento da alta, em relação ao momento inicial (GAH - p=0,024; GAF - p=0,011); 2) os grupos não se diferenciaram no momento inicial (p=0,349); 3) no momento de alta, os grupos apresentaram diferença significativa (p=0,002), com melhores resultados para o GAF. A análise dos sinais clínicos sugestivos de disfagia e de penetração/aspiração apontou que, na comparação intragrupos (ambos os grupos), houve diferença significativa somente para a presença de deglutições múltiplas, com redução do número de deglutições após o tratamento.

Conclusão

Os grupos obtiveram melhora na escala de classificação da disfagia e na remissão de sinais clínicos sugestivos de disfagia orofaríngea e/ou penetração/aspiração, sendo que o GAF alcançou melhores resultados.

Deglutição; Transtornos de deglutição; Síndrome de Imunodeficiência Adquirida; Fonoaudiologia; Avaliação

ABSTRACT

Purpose

To verify and characterize the function of swallowing in Acquired Immunodeficiency Syndrome (AIDS) patients with a complaint of dysphagia.

Methods

We performed a retrospective analysis of the medical records of 17 AIDS patients treated in a school hospital between 2011 and 2012, who underwent a bedside evaluation and treatment of swallowing. The data were related to the results of the bedside evaluation that followed specific protocols, both at baseline and discharge. Patients were divided into two groups: 1) patients who completed the swallowing intervention during the admission (GCSI); and 2) patients who did not complete the swallowing intervention during the admission (GNCSI).

Results

The groups did not differ in age and gender. For the classification of swallowing: 1) both groups had significantly better scores at discharge compared to those at baseline (GNCSI: p=0.024; GCSI: p=0.011); 2) the scores did not differ between groups at baseline (p=0.349); 3) at discharge, the scores were different between groups (p=0.002), with better results in the GCSI group. The analysis of the clinical signs and symptoms of oropharyngeal dysphagia or penetration/aspiration indicated that in both groups, there was a statistically significant difference between baseline and discharge only in the presence of multiple swallows (a decrease in the number of swallows after intervention).

Conclusion

Swallowing ability improved after intervention. Additionally, clinical signs and symptoms suggestive of oropharyngeal dysphagia or penetration/aspiration resolved. The GCSI group showed better results than GNCSI after intervention.

Deglutition; Deglutition disorders; Acquired Immunodeficiency Syndrome; Speech, Language and Hearing Sciences; Evaluation

INTRODUÇÃO

O vírus da Imunodeficiência Humana (VIH) é um retrovírus, agente etiológico da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA). As formas de transmissão do vírus incluem relações sexuais, transfusão de sangue ou derivados sanguíneos, compartilhamento de seringas e transmissão vertical. A infecção caracteriza-se por três estágios: síndrome retroviral aguda, infecção crônica assintomática e infecção sintomática/SIDA, onde há grande variação da contagem das células CD4 no indivíduo portador do VIH(11. Barré-Sinoussi F, Chermann JC, Rey F, Nugeyre MT, Chamaret S, Gruest J et al. Isolation of a T-lymphotropic retrovirus from a patient at risk for acquired immunodeficiency syndrome (Aids). Science. 1983;220(4599):868-71. http://dx.doi.org/10.1126/science.6189183
http://dx.doi.org/10.1126/science.618918...
,22. Soares FMG, Costa IMC. Lipoatrofia facial associada ao HIV/AIDS: do advento aosconhecimentos atuais. An Bras Dermatol. 2011;86(5):843-64. http://dx.doi.org/10.1590/S0365-05962011000500001
http://dx.doi.org/10.1590/S0365-05962011...
).

Este vírus age, preferencialmente, no linfócito T CD4, que comanda a resposta imune do organismo, além de agir em outras células suscetíveis, como os monócitos/macrófagos. Após sua entrada na célula, o ácido ribonucleico (RNA) viral é liberado, iniciando-se a transcrição para o ácido desoxirribonucleico (DNA), que migra para o núcleo da célula e integra-se ao DNA hospedeiro(22. Soares FMG, Costa IMC. Lipoatrofia facial associada ao HIV/AIDS: do advento aosconhecimentos atuais. An Bras Dermatol. 2011;86(5):843-64. http://dx.doi.org/10.1590/S0365-05962011000500001
http://dx.doi.org/10.1590/S0365-05962011...
,33. Stebbing J, Gazzard B, Douek DC. Where does HIV live? N Engl J Med. 2004;350(18):1872-80. http://dx.doi.org/10.1056/NEJMra032395
http://dx.doi.org/10.1056/NEJMra032395...
).

O diagnóstico laboratorial da infecção pelo VIH pode ser realizado por meio de métodos diretos - a cultura e isolamento viral, detecção de antígenos do VIH e detecção de ácidos nucleicos do VIH -, ou métodos indiretos, que detectam anticorpos contra o VIH, como Enzyme Linked Immunosorbent Assay, Imunofluorescência Indireta e Western blot(22. Soares FMG, Costa IMC. Lipoatrofia facial associada ao HIV/AIDS: do advento aosconhecimentos atuais. An Bras Dermatol. 2011;86(5):843-64. http://dx.doi.org/10.1590/S0365-05962011000500001
http://dx.doi.org/10.1590/S0365-05962011...
,44. Carvalho AP, Dutra LC, Tonelli E. Vacinação contra influenza em crianças infectadas pelo HIV: alterações imunológicas e na carga viral. J Pediatr (Rio J). 2003;79(1):29-40. http://dx.doi.org/10.1590/S0021-75572003000100007
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).

No Brasil, o Ministério da Saúde publicou um documento com definições de casos de SIDA em adultos e crianças, estabelecidas em 2003(55. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Vigilância em Saúde, Programa Nacional de DST e Aids. Critérios de definição de casos de aids em adultos e crianças. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2003.). Este documento apresentou, no caso de adultos, o critério de avaliação pela escala publicada pelo United States Centers for Disease Control and Prevention (CDC), em 1986, com adaptações e o critério do Rio de Janeiro/Caracas. No critério CDC, para o diagnóstico de SIDA, o indivíduo deve apresentar evidência laboratorial da infecção pelo HIV (dois testes de triagem para detecção de anticorpos anti-HIV ou um confirmatório reagente, no qual seja diagnosticada imunodeficiência), ao menos uma doença indicativa de SIDA e/ou contagem de linfócitos T CD4+ abaixo de 350 células/mm(33. Stebbing J, Gazzard B, Douek DC. Where does HIV live? N Engl J Med. 2004;350(18):1872-80. http://dx.doi.org/10.1056/NEJMra032395
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), independentemente da presença de outras causas de imunodeficiência(55. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Vigilância em Saúde, Programa Nacional de DST e Aids. Critérios de definição de casos de aids em adultos e crianças. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2003.).

As doenças consideradas indicativas de SIDA são: Criptococose extrapulmonar; câncer cervical invasivo; candidose de esôfago; candidose de traqueia, brônquios ou pulmões; citomegalovirose em qualquer outro local, que não sejam fígado, baço e linfonodos; criptosporidiose intestinal crônica (período superior a um mês); herpes simples mucocutâneo, por período superior a um mês; histoplasmose disseminada (localizada em quaisquer órgãos, que não exclusivamente em pulmão ou linfonodos cervicais/hilares); isosporidiose intestinal crônica (período superior a um mês); leucoencefalopatia multifocal progressiva; linfoma não-Hodgkin de células B (fenótipo imunológico desconhecido) e outros linfomas dos seguintes tipos histológicos: Linfoma maligno de células grandes ou pequenas não clivadas (tipo Burkitt ou não-Burkitt) e Linfoma maligno imunoblástico sem outra especificação (termos equivalentes: sarcoma imunoblástico, linfoma maligno de células grandes ou linfoma imunoblástico); linfoma primário do cérebro; pneumonia por Pneumocystis carinii; qualquer microbacteriose disseminada em órgãos outros, que não sejam o pulmão, pele ou linfonodos cervicais/hilares (exceto tuberculose ou hanseníase); reativação de doença de Chagas (meningoencefalite e/ou miocardite); sepse recorrente por bactérias do gênero Salmonella (não tifoide); toxoplasmose cerebral(55. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Vigilância em Saúde, Programa Nacional de DST e Aids. Critérios de definição de casos de aids em adultos e crianças. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2003.).

O critério Rio de Janeiro/Caracas baseia-se na identificação clínica de sinais, sintomas e doenças, a partir de experiências acumuladas por alguns serviços de saúde no Rio de Janeiro. Os critérios para definição de casos são mais simplificados e não dependem de exames complementares sofisticados. Neste critério, introduzido no Brasil em 1992, o indivíduo precisa ter dois testes de triagem reagentes, ou um confirmatório, para detecção de anticorpos anti-HIV e a somatória de, pelo menos, dez pontos, de acordo com uma escala de sinais, sintomas ou doenças(55. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Vigilância em Saúde, Programa Nacional de DST e Aids. Critérios de definição de casos de aids em adultos e crianças. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2003.).

Os sinais, sintomas ou doenças considerados e pontuados no critério são: Anemia e/ou linfopenia e/ou trombocitopenia; astenia; caquexia; dermatite persistente; diarreia; febre; linfadenopatia; tosse; candidose oral ou leucoplasia pilosa; disfunção do sistema nervoso central; herpes zoster em indivíduo com até 60 anos de idade; tuberculose pulmonar, pleural ou de linfonodos localizados numa única região; outras formas de tubérculos e sarcoma de Kaposi(55. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Vigilância em Saúde, Programa Nacional de DST e Aids. Critérios de definição de casos de aids em adultos e crianças. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2003.).

Os casos de SIDA, no Brasil, começaram a ser identificados no início da década de 1980. Atualmente a prevalência é estável e concentrada em alguns subgrupos populacionais em situação de vulnerabilidade(66. Berkman A, Garcia J, Muñoz-Laboy M, Paiva V. A critical analysis of the Brazilian Response to HIV/AIDS: lessons learned for controlling and mitigating the epidemic in developing countries. Am J Public Health. 2005;95(7):1162-72. http://dx.doi.org/10.2105/AJPH.2004.054593
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,77. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais. Aids e DST. Boletim Epidemiológico. 2013;2(1).). Foram notificados, de acordo com o Boletim Epidemiológico (2013), 608.230 casos de SIDA, acumulados de 1980 a 2011, sendo 377.662 (65,4%) do gênero masculino e 210.538 (34,6%) do gênero feminino(77. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais. Aids e DST. Boletim Epidemiológico. 2013;2(1).).

Tem-se como tratamento disponível, atualmente, a Terapia Antirretroviral (TARV), que retarda a evolução da infecção até o seu estágio final, em que surgem as manifestações definidoras de SIDA(66. Berkman A, Garcia J, Muñoz-Laboy M, Paiva V. A critical analysis of the Brazilian Response to HIV/AIDS: lessons learned for controlling and mitigating the epidemic in developing countries. Am J Public Health. 2005;95(7):1162-72. http://dx.doi.org/10.2105/AJPH.2004.054593
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,88. Ministério da Saúde (BR), Fundação Nacional de Saúde. Guia de vigilância epidemiológica. 5a ed. Brasília, DF: Funasa; 2002. (Aids/Hepatites Virais, vol. 1).,99. Signorini DJP, Monteiro MCM, Andrade MFC, Signorini DH, Eyer-Silva WA. What should we know about metabolic syndrome and lipodystrophy in AIDS? Rev Assoc Med Bras. 2012;58(1):70-5. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-42302012000100017
http://dx.doi.org/10.1590/S0104-42302012...
). A introdução da terapia antirretroviral, como se conhece atualmente, levou ao aumento da sobrevida dos pacientes soropositivos para o HIV, mas, também, está relacionada ao advento de problemas novos e importantes(22. Soares FMG, Costa IMC. Lipoatrofia facial associada ao HIV/AIDS: do advento aosconhecimentos atuais. An Bras Dermatol. 2011;86(5):843-64. http://dx.doi.org/10.1590/S0365-05962011000500001
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,99. Signorini DJP, Monteiro MCM, Andrade MFC, Signorini DH, Eyer-Silva WA. What should we know about metabolic syndrome and lipodystrophy in AIDS? Rev Assoc Med Bras. 2012;58(1):70-5. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-42302012000100017
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). A síndrome da lipodistrofia consiste na redistribuição da gordura corpórea e anormalidades metabólicas e está entre os mais prevalentes e preocupantes efeitos colaterais da TARV(99. Signorini DJP, Monteiro MCM, Andrade MFC, Signorini DH, Eyer-Silva WA. What should we know about metabolic syndrome and lipodystrophy in AIDS? Rev Assoc Med Bras. 2012;58(1):70-5. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-42302012000100017
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,1010. Martinez E, Mocroft A, García-Viejo MA, Pérez-Cuevas JB, Blanco JL, Mallolas J, et al. Risk of Lipodystrophy in HIV-1-infected patients treated with protease inhibitors: a prospective cohort study. Lancet. 2001;357(9526):592-8. http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(00)04056-3
http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736...
). A lipoatrofia facial consiste em perda progressiva da gordura facial, devido, especialmente, à diminuição da gordura malar (gordura de Bichat) e da gordura temporal(22. Soares FMG, Costa IMC. Lipoatrofia facial associada ao HIV/AIDS: do advento aosconhecimentos atuais. An Bras Dermatol. 2011;86(5):843-64. http://dx.doi.org/10.1590/S0365-05962011000500001
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).

Dentre as alterações encontradas nos indivíduos portadores do vírus da SIDA, destacam-se, no âmbito da Fonoaudiologia, infecções na boca, faringe e esôfago, anormalidades funcionais da deglutição e anormalidades estruturais da cavidade oral, faringe e esôfago, além de odinofagia(1111. Bladon KL, Ross E. Swallowing difficulties reported by adults infected with HIV/AIDS attending a hospital outpatient clinic in Gauteng, South Africa. Folia Phoniatr Logop. 2007;59(1):39-52. http://dx.doi.org/10.1159/000096549
http://dx.doi.org/10.1159/000096549...
,1212. Nel ED, Ellis A. Swallowing abnormalities in HIV infected children: an important cause of morbidity. BMC Pediatr. 2012;12:68. http://dx.doi.org/10.1186/1471-2431-12-68
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), que poderão acarretar em distúrbios na deglutição, desde o preparo do bolo alimentar até seu trajeto para o esôfago.

Neste contexto, o fonoaudiólogo tem o papel de atuar na reabilitação desses pacientes em ambiente hospitalar e seguimento ambulatorial, com o objetivo de favorecer uma alimentação segura, impedindo comprometimentos pulmonares e garantindo a nutrição e a hidratação. Até o presente momento, foram encontrados poucos estudos na literatura sobre a abordagem fonoaudiológica específica a esses indivíduos. A maioria deles se empenha em apresentar a caraterização das comorbidades, no que diz respeito à disfagia orofaríngea(1111. Bladon KL, Ross E. Swallowing difficulties reported by adults infected with HIV/AIDS attending a hospital outpatient clinic in Gauteng, South Africa. Folia Phoniatr Logop. 2007;59(1):39-52. http://dx.doi.org/10.1159/000096549
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,1212. Nel ED, Ellis A. Swallowing abnormalities in HIV infected children: an important cause of morbidity. BMC Pediatr. 2012;12:68. http://dx.doi.org/10.1186/1471-2431-12-68
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,1313. Halvorsen RAJ, Moelleken SMC, Keamey AT. Videofluoroscopic evaluation of HIV/AIDS patients with swallowing dysfunction. Abdom Imaging. 2003;28(2):244-7. http://dx.doi.org/10.1007/s00261-002-0034-2
http://dx.doi.org/10.1007/s00261-002-003...
,1414. Araújo DR, Bicalho ICS, Francesco R. Disfagia em pacientes portadores da síndrome da imunodeficiência adquirida – AIDS. Rev CEFAC. 2005;7(1):42-9.). Outros, tratam da disfagia esofágica(1515. Loveland JA, Mitchell CE, van Wyk P, Beale P. Esophageal replacement in children with AIDS. J Pediatr Surg. 2010;45(10):2068-70. http://dx.doi.org/10.1016/j.jpedsurg.2010.06.026
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,1616. Yang G, Lu P, Qin J, Liu S, Zhan N. Radiologic diagnosis for AIDS patients complicated with candidal esophagitis. Chin Med J. 2011;124(7):965-7.), porém, não foram identificados estudos sobre o tratamento fonoaudiológico específico para essa população.

O objetivo do presente estudo foi verificar e caracterizar o processo de deglutição de pacientes diagnosticados com SIDA e com queixas de deglutição, durante internação em hospital escola de grande porte, do Estado de São Paulo.

MÉTODOS

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de São Paulo (USP), (nº 0024/10). Trata-se de estudo retrospectivo, que analisou 17 prontuários de pacientes com SIDA, atendidos em hospital escola, nos anos de 2011 e 2012, que foram submetidos a protocolos de avaliação e tratamento da deglutição em beira de leito, por fonoaudiólogo responsável pelos atendimentos em unidades de internação do hospital.

Todos os fonoaudiólogos responsáveis pelos atendimentos em beira de leito são experientes, foram submetidos a treinamento específico no Serviço de Fonoaudiologia do hospital e só iniciam suas atividades práticas após atingirem um grau de concordância alta junto aos seus pares.

Foram incluídos, neste estudo, pacientes que apresentavam, em seu prontuário médico, dados completos do acompanhamento fonoaudiológico durante a internação em unidades de internação (UTI e/ou enfermaria) e excluídos aqueles cujo acompanhamento, por diversos motivos, não se encontrava completo (como exemplo, avaliações ou reavaliações não finalizadas ou com erro no registro de dados).

A média de idade dos 17 pacientes foi de 46,52 anos (variando de 26 a 64 anos), sendo que nove eram do gênero masculino e oito do gênero feminino. Em decorrência da situação de alta hospitalar, os pacientes foram alocados em dois grupos: Grupo de alta fonoaudiológica (GAF): pacientes que receberam alta fonoaudiológica antes da alta hospitalar, totalizando nove pacientes da amostra; Grupo de alta hospitalar (GAH): pacientes que receberam alta hospitalar na ausência de alta fonoaudiológica, totalizando oito pacientes da amostra.

O percurso de seleção e alocação dos pacientes encontra-se descrito na Figura 1.

Figura 1
Percurso de seleção e alocação dos pacientes

As doenças de base e/ou motivos que levaram à internação dos pacientes encontram-se descritos no Quadro 1.

Quadro 1
Doenças de base/motivo que levaram à internação dos pacientes que compuseram a amostra do estudo

A avaliação em beira de leito incluiu a aplicação do Protocolo de Avaliação do Risco para Disfagia (PARD)(1717. Padovani AR, Moraes DP, Mangili LD, Andrade CRF. Protocolo fonoaudiológico de avaliação do risco para disfagia (PARD). Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2007;12(3):199-205. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-80342007000300007
http://dx.doi.org/10.1590/S1516-80342007...
,1818. Moraes DP, Sassi FC, Mangilli LD, Zilberstein B, Andrade CRF. Clinical prognostic indicators of dysphagia following prolonged orotracheal intubation in ICU patients. Crit Care. 2013;17(5):R243. http://dx.doi.org/10.1186/cc13069
http://dx.doi.org/10.1186/cc13069...
,1919. Medeiros GS, Sassi FC, Mangilli LD, Zilberstein B, Andrade CRF. Clinical dysphagia risk predictors after prolonged orotracheal intubation. Clinics (São Paulo). 2014;69(1):8-14. http://dx.doi.org/10.6061/clinics/2014(01)02
http://dx.doi.org/10.6061/clinics/2014...
) e o Protocolo de Introdução e Transição da Alimentação por Via Oral (PITA)(1818. Moraes DP, Sassi FC, Mangilli LD, Zilberstein B, Andrade CRF. Clinical prognostic indicators of dysphagia following prolonged orotracheal intubation in ICU patients. Crit Care. 2013;17(5):R243. http://dx.doi.org/10.1186/cc13069
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,1919. Medeiros GS, Sassi FC, Mangilli LD, Zilberstein B, Andrade CRF. Clinical dysphagia risk predictors after prolonged orotracheal intubation. Clinics (São Paulo). 2014;69(1):8-14. http://dx.doi.org/10.6061/clinics/2014(01)02
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), seguidos pela classificação do nível da deglutição, de acordo com a American Speech-Language-Hearing Association - National Outcome Measurement System (Escala ASHA-NOMS)(2020. American Speech-Language Hearing Association National Outcome Measurement System (NOMS): Adults speech-language pathology training manual. Rockville, Md: American Speech-Language Hearing Association; 1998.).

O PARD deve ser aplicado quando o paciente encontra-se com a via oral de alimentação suspensa, com o objetivo de detectar, precocemente, o risco de disfagia. Este protocolo preconiza a oferta de volumes controlados de alimento pastoso homogêneo e líquido, sendo possível verificar se o paciente tem condições de receber maiores volumes e diferentes consistências de alimentos. O protocolo possui duas etapas de testagem de alimentos: o teste de deglutição da água e o de alimentos pastosos, por meio do qual se avaliam itens sugestivos de inadequações no processo de deglutição orofaríngea, como escape oral anterior, tempo de trânsito oral, refluxo nasal, resíduo em cavidade oral, número de deglutições, elevação laríngea, ausculta cervical, saturação de oxigênio, qualidade vocal, tosse, engasgo e outros sinais. Esses itens sugestivos devem ser classificados pelo binômio presente/ausente e a conclusão final, pautada na presença de sinais clínicos sugestivos de penetração/aspiração laringotraqueal ou de disfagia orofaríngea(1717. Padovani AR, Moraes DP, Mangili LD, Andrade CRF. Protocolo fonoaudiológico de avaliação do risco para disfagia (PARD). Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2007;12(3):199-205. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-80342007000300007
http://dx.doi.org/10.1590/S1516-80342007...
,1818. Moraes DP, Sassi FC, Mangilli LD, Zilberstein B, Andrade CRF. Clinical prognostic indicators of dysphagia following prolonged orotracheal intubation in ICU patients. Crit Care. 2013;17(5):R243. http://dx.doi.org/10.1186/cc13069
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,1919. Medeiros GS, Sassi FC, Mangilli LD, Zilberstein B, Andrade CRF. Clinical dysphagia risk predictors after prolonged orotracheal intubation. Clinics (São Paulo). 2014;69(1):8-14. http://dx.doi.org/10.6061/clinics/2014(01)02
http://dx.doi.org/10.6061/clinics/2014...
).

O PITA é um protocolo desenvolvido para o gerenciamento clínico da disfagia, durante a fase de introdução e transição da dieta por via oral, com a possibilidade de testes com alimentos pastosos, semissólidos e sólidos, além de líquidos finos e espessados. Neste protocolo, também devem ser observados sinais clínicos sugestivos de disfagia orofaríngea e/ou de penetração/aspiração - redução do nível de alerta, não colaborativo e/ou desatento; impossibilidade de seguir comandos e ordens; alteração do controle postural; alteração da preensão e retenção do alimento; alteração da fase preparatória oral; tempo de trânsito oral lentificado; resíduos em cavidade oral; perda do alimento pelo nariz; odinofagia; alteração de elevação e anteriorização hiolaríngea; deglutições múltiplas; voz molhada; tosse antes, durante ou após a deglutição; tosse fraca e ineficaz; pigarro; engasgo; alteração da ausculta cervical após deglutição; necessidade de limpeza laríngea sob comando; queda na saturação de oxigênio; desconforto respiratório; sinais de desconforto geral ou instabilidade clínica(1818. Moraes DP, Sassi FC, Mangilli LD, Zilberstein B, Andrade CRF. Clinical prognostic indicators of dysphagia following prolonged orotracheal intubation in ICU patients. Crit Care. 2013;17(5):R243. http://dx.doi.org/10.1186/cc13069
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,1919. Medeiros GS, Sassi FC, Mangilli LD, Zilberstein B, Andrade CRF. Clinical dysphagia risk predictors after prolonged orotracheal intubation. Clinics (São Paulo). 2014;69(1):8-14. http://dx.doi.org/10.6061/clinics/2014(01)02
http://dx.doi.org/10.6061/clinics/2014...
).

Após a aplicação dos protocolos PARD e PITA, a última fase do processo de avaliação do paciente é a determinação da classificação do nível da deglutição, com base na escala ASHA – NOMS(2020. American Speech-Language Hearing Association National Outcome Measurement System (NOMS): Adults speech-language pathology training manual. Rockville, Md: American Speech-Language Hearing Association; 1998.) (Quadro 2). Esta classificação deve ser realizada pelo fonoaudiólogo responsável, com base nos resultados obtidos nos protocolos aplicados previamente. A escala ASHA – NOMS é um instrumento multidimensional, concebido para mensurar o nível de dieta específica dos pacientes e o nível de supervisão necessária para sua alimentação por via oral, que deve ser classificada por meio da atribuição de escores de 1 a 7 (Quadro 2), com maior gravidade nos escores iniciais e total independência no maior escore(1818. Moraes DP, Sassi FC, Mangilli LD, Zilberstein B, Andrade CRF. Clinical prognostic indicators of dysphagia following prolonged orotracheal intubation in ICU patients. Crit Care. 2013;17(5):R243. http://dx.doi.org/10.1186/cc13069
http://dx.doi.org/10.1186/cc13069...
,1919. Medeiros GS, Sassi FC, Mangilli LD, Zilberstein B, Andrade CRF. Clinical dysphagia risk predictors after prolonged orotracheal intubation. Clinics (São Paulo). 2014;69(1):8-14. http://dx.doi.org/10.6061/clinics/2014(01)02
http://dx.doi.org/10.6061/clinics/2014...
,2020. American Speech-Language Hearing Association National Outcome Measurement System (NOMS): Adults speech-language pathology training manual. Rockville, Md: American Speech-Language Hearing Association; 1998.).

Quadro 2
Níveis de classificação da Escala ASHA – NOMS(20)

O tratamento da deglutição consistiu na aplicação de técnicas terapêuticas indiretas, diretas e no gerenciamento da reintrodução alimentar(2121. Jean A. Control of the central swallowing program by inputs from the principal receptors: a review. J Auton Nerv Syst. 1984;10(3-4):225-33.,2222. American Speech-Language-Hearing Association (ASHA). The role of the speech-language pathologist in assessment and management of oral myofunctional disorders. ASHA Suppl. 1991;(5):7,2323. Goldsmith T. Evaluation and treatment of swallowing disorders following endotracheal intubation and tracheostomy. Int Anesthesiol Clin. 2000;38(3):219-42. http://dx.doi.org/10.1097/00004311-200007000-00013
http://dx.doi.org/10.1097/00004311-20000...
,2424. Ertekin C, Aydogdu I. Neurophisiology of swallowing. Clin Neurophysiol. 2003;114(12):2226-44. http://dx.doi.org/10.1016/S1388-2457(03)00237-2
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,2525. Leslie P, Carding PN, Wilson JA. Investigation and management of chronic dysphagia. BMJ. 2003;326(7386):433-6. http://dx.doi.org/10.1136/bmj.326.7386.433
http://dx.doi.org/10.1136/bmj.326.7386.4...
,2626. Logemann JA. Treatment of oral and pharyngeal dysphagia. Phys Med Rehabil Clin N Am. 2008;19(4):803-16. http://dx.doi.org/10.1016/j.pmr.2008.06.003
http://dx.doi.org/10.1016/j.pmr.2008.06....
,2727. Schindler A, Vincon E, Grosso E, Miletto AM, Di Rosa R, Schindler O. Rehabilitative management of oropharyngeal dysphagia in acutecare settings: data from a Large Italian Teaching Hospital. Dysphagia. 2008;23(3):230-6. http://dx.doi.org/10.1007/s00455-007-9121-4
http://dx.doi.org/10.1007/s00455-007-912...
). A aplicação de técnicas terapêuticas indiretas consiste na utilização de exercícios, manipulações e manobras musculares e/ou de estruturais, visando à melhora do controle motor oral, que são pré-requisitos para uma deglutição segura(2222. American Speech-Language-Hearing Association (ASHA). The role of the speech-language pathologist in assessment and management of oral myofunctional disorders. ASHA Suppl. 1991;(5):7,2323. Goldsmith T. Evaluation and treatment of swallowing disorders following endotracheal intubation and tracheostomy. Int Anesthesiol Clin. 2000;38(3):219-42. http://dx.doi.org/10.1097/00004311-200007000-00013
http://dx.doi.org/10.1097/00004311-20000...
,2626. Logemann JA. Treatment of oral and pharyngeal dysphagia. Phys Med Rehabil Clin N Am. 2008;19(4):803-16. http://dx.doi.org/10.1016/j.pmr.2008.06.003
http://dx.doi.org/10.1016/j.pmr.2008.06....
). A aplicação de técnicas terapêuticas diretas é utilizada nos casos em que é possível a administração de alimentos por via oral, em que o fonoaudiólogo realiza a oferta do alimento pela boca, de forma controlada e direcionada, podendo utilizar-se de manobras e posturas musculares e/ou de estruturas compensatórias, conforme a necessidade de cada paciente(2222. American Speech-Language-Hearing Association (ASHA). The role of the speech-language pathologist in assessment and management of oral myofunctional disorders. ASHA Suppl. 1991;(5):7,2323. Goldsmith T. Evaluation and treatment of swallowing disorders following endotracheal intubation and tracheostomy. Int Anesthesiol Clin. 2000;38(3):219-42. http://dx.doi.org/10.1097/00004311-200007000-00013
http://dx.doi.org/10.1097/00004311-20000...
,2626. Logemann JA. Treatment of oral and pharyngeal dysphagia. Phys Med Rehabil Clin N Am. 2008;19(4):803-16. http://dx.doi.org/10.1016/j.pmr.2008.06.003
http://dx.doi.org/10.1016/j.pmr.2008.06....
).

Após a finalização do tratamento fonoaudiológico, ou no momento da alta hospitalar, os pacientes foram reavaliados, seguindo-se os mesmos procedimentos descritos para a avaliação. A Figura 2 descreve como ocorreu o acompanhamento fonoaudiológico dos pacientes.

Figura 2
Acompanhamento Fonoaudiológico empregado

Análise dos dados

As variáveis do estudo – sinais clínicos de disfagia orofaríngea e/ou de penetração/aspiração e classificação da Escala ASHA – NOMS - foram comparadas intragrupos, por meio do teste Wilcoxon Signed Ranks, e intergrupos, por meio do teste Kruskal-Wallis, nos dois momentos de avaliação.

RESULTADOS

Quanto à caracterização geral dos pacientes em relação aos grupos, não houve pareamento dos grupos, em razão da natureza do estudo. No entanto, a análise dos dados apontou que não houve diferença estatística entre os grupos estudados, quanto à idade (p=0,455) e gênero (p=0,727), conforme dados do Kruskal-Wallis Test (Tabela 1).

Tabela 1
Caracterização dos pacientes do estudo, conforme grupos estudados

No que diz respeito à caracterização dos participantes quanto ao resultado da avaliação fonoaudiológica, segundo a Escala ASHA – NOMS, a comparação realizada por meio do teste Wilcoxon Signed Ranks apontou que, para o GAH, o resultado da escala foi significativamente melhor no momento da alta hospitalar, em relação ao momento da avaliação inicial (Z=-2,264; p=0,024). O mesmo pôde ser observado para o GAF (Z=-2,558; p=0,011). A comparação realizada entre os grupos, por meio do teste Kruskal-Wallis, apontou que, quando se comparou o resultado da escala no momento da avaliação inicial, os grupos não se diferenciaram em relação ao desempenho (χ2=0,876; p=0,349). No entanto, no momento final, os grupos apresentaram diferença estatisticamente significante (χ2=9,695; p=0,002), com melhores resultados para o grupo que recebeu alta fonoaudiológica (GAF) (Tabela 2).

Tabela 2
Classificação da deglutição na avaliação e reavaliação, segundo a Escala ASHA – NOMS

Sobre a caracterização dos participantes do estudo em relação aos sinais clínicos sugestivos de disfagia orofaríngea e/ou penetração/aspiração laringotraqueal, de acordo com os protocolos PARD E PITA, os resultados da comparação (teste Kruskal-Wallis) entre os grupos, no momento de avaliação, não apontaram diferenças significativas quanto à frequência de presença dos sinais clínicos estudados. A comparação entre os grupos, no momento de reavaliação, também não apontou diferenças significativas, em relação à frequência de presença dos sinais.

Na comparação intragrupos (teste Wilcoxon Signed Ranks), em ambos os grupos foi verificada diferença estatisticamente significante somente para a presença de deglutições múltiplas, quando comparados os dados da avaliação e da reavaliação. Observou-se redução do número de deglutições necessárias para a concretização da função, no momento da reavaliação (Tabela 3).

Tabela 3
Caracterização dos sinais clínicos sugestivos de disfagia orofaríngea e/ou penetração/aspiração laringotraqueal

DISCUSSÃO

Por meio deste estudo, foi possível analisar a evolução do processo de deglutição de pacientes com diagnóstico de SIDA e queixa de alteração de deglutição, considerando-se a escala de gravidade e os sinais clínicos de disfagia encontrados na avaliação e na reavaliação, durante o processo de internação em hospital escola de grande porte do Estado de São Paulo.

Mesmo não havendo pareamento dos grupos analisados (natureza do estudo), não foi identificada diferença significativa em relação ao gênero e à idade dos pacientes, o que garante maior credibilidade aos resultados obtidos. Não foram observadas, também, diferenças significativas entre os grupos estudados, no que diz respeito à classificação do nível da deglutição na avaliação fonoaudiológica. Quando se comparou o momento inicial e final do acompanhamento fonoaudiológico, a Escala ASHA – NOMS apontou que os escores obtidos no momento da reavaliação foram significativamente maiores em ambos os grupos, indicando melhoras no processo de deglutição. Contudo, os grupos apresentaram diferença significativa quanto aos escores obtidos no momento final, com melhores resultados para o grupo que recebeu a alta fonoaudiológica (GAF).

De acordo com os sinais clínicos, quando se comparou o desempenho dos pacientes intragrupos, foi verificada diferença estatisticamente relevante para a presença de deglutições múltiplas, em ambos os grupos. A deglutição múltipla indica que, ao invés de deglutir o bolo em uma única massa coesa, o paciente deglute apenas uma parte deste, requerendo duas ou mais deglutições para que ocorra a completa deglutição do bolo ofertado, podendo indicar dificuldade de propulsão do bolo alimentar e alteração do reflexo de deglutição(1717. Padovani AR, Moraes DP, Mangili LD, Andrade CRF. Protocolo fonoaudiológico de avaliação do risco para disfagia (PARD). Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2007;12(3):199-205. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-80342007000300007
http://dx.doi.org/10.1590/S1516-80342007...
,1818. Moraes DP, Sassi FC, Mangilli LD, Zilberstein B, Andrade CRF. Clinical prognostic indicators of dysphagia following prolonged orotracheal intubation in ICU patients. Crit Care. 2013;17(5):R243. http://dx.doi.org/10.1186/cc13069
http://dx.doi.org/10.1186/cc13069...
,1919. Medeiros GS, Sassi FC, Mangilli LD, Zilberstein B, Andrade CRF. Clinical dysphagia risk predictors after prolonged orotracheal intubation. Clinics (São Paulo). 2014;69(1):8-14. http://dx.doi.org/10.6061/clinics/2014(01)02
http://dx.doi.org/10.6061/clinics/2014...
,2020. American Speech-Language Hearing Association National Outcome Measurement System (NOMS): Adults speech-language pathology training manual. Rockville, Md: American Speech-Language Hearing Association; 1998.). Na comparação intergrupos, em relação à avaliação, não foram encontradas diferenças significativass quanto à frequência da presença de sinais clínicos. O mesmo ocorreu na comparação intergrupos, no momento da reavaliação.

De forma geral, os resultados deste estudo concordam com os apontamentos da literatura, que indicam que pacientes com SIDA apresentam alterações estruturais e funcionais relacionadas à deglutição(1111. Bladon KL, Ross E. Swallowing difficulties reported by adults infected with HIV/AIDS attending a hospital outpatient clinic in Gauteng, South Africa. Folia Phoniatr Logop. 2007;59(1):39-52. http://dx.doi.org/10.1159/000096549
http://dx.doi.org/10.1159/000096549...
,1212. Nel ED, Ellis A. Swallowing abnormalities in HIV infected children: an important cause of morbidity. BMC Pediatr. 2012;12:68. http://dx.doi.org/10.1186/1471-2431-12-68
http://dx.doi.org/10.1186/1471-2431-12-6...
) e, principalmente, na amostra estudada, anormalidades funcionais da deglutição. Diferentemente do que já foi apontado na literatura(1111. Bladon KL, Ross E. Swallowing difficulties reported by adults infected with HIV/AIDS attending a hospital outpatient clinic in Gauteng, South Africa. Folia Phoniatr Logop. 2007;59(1):39-52. http://dx.doi.org/10.1159/000096549
http://dx.doi.org/10.1159/000096549...
,1212. Nel ED, Ellis A. Swallowing abnormalities in HIV infected children: an important cause of morbidity. BMC Pediatr. 2012;12:68. http://dx.doi.org/10.1186/1471-2431-12-68
http://dx.doi.org/10.1186/1471-2431-12-6...
), os pacientes da amostra estudada não referiram odinofagia.

Pesquisadores apontam que, na literatura, ainda não foram associadas lesões nos tratos corticais à SIDA, embora doenças isoladas no motoneurônio já tenham sido descritas(2828. Nishio M, Koizumi K, Moriwaka F, Koike T, Sawada K. Reversal of HIV-associated motor neuron syndrome after highly active antiretroviral therapy. J Neurol. 2001;248(3):233-4. http://dx.doi.org/10.1007/s004150170233
http://dx.doi.org/10.1007/s004150170233...
,2929. Verma A, Berger JR. Primary lateral sclerosis with HIV-1 infection. Neurology. 2008;70(7):575-7. http://dx.doi.org/10.1212/01.wnl.0000278100.74260.fb
http://dx.doi.org/10.1212/01.wnl.0000278...
,3030. Kleffner I, Wersching H, Schwindt W, Kuhlmann T, Keyvani K, Deppe M. Triad of visual, auditory and corticospinal tract lesions: a new syndrome in a patient with HIV infection. AIDS. 2011;25(5):659-63. http://dx.doi.org/10.1097/QAD.0b013e328342fc05
http://dx.doi.org/10.1097/QAD.0b013e3283...
). Também se verifica que estas últimas doenças podem ser reversíveis com a introdução da TARV(2828. Nishio M, Koizumi K, Moriwaka F, Koike T, Sawada K. Reversal of HIV-associated motor neuron syndrome after highly active antiretroviral therapy. J Neurol. 2001;248(3):233-4. http://dx.doi.org/10.1007/s004150170233
http://dx.doi.org/10.1007/s004150170233...
,3030. Kleffner I, Wersching H, Schwindt W, Kuhlmann T, Keyvani K, Deppe M. Triad of visual, auditory and corticospinal tract lesions: a new syndrome in a patient with HIV infection. AIDS. 2011;25(5):659-63. http://dx.doi.org/10.1097/QAD.0b013e328342fc05
http://dx.doi.org/10.1097/QAD.0b013e3283...
). Com base nessas afirmativas, pode-se concluir que o uso da TARV, associada à intervenção fonoaudiológica, poderá beneficiar o paciente, aumentando os índices de qualidade de vida e reduzindo as taxas de morbidade e mortalidade da população com SIDA, aspectos estes apontados como alguns dos mais prejudicados pela literatura(1212. Nel ED, Ellis A. Swallowing abnormalities in HIV infected children: an important cause of morbidity. BMC Pediatr. 2012;12:68. http://dx.doi.org/10.1186/1471-2431-12-68
http://dx.doi.org/10.1186/1471-2431-12-6...
).

Na avaliação, tanto os pacientes que receberam alta hospitalar, quanto os que receberam alta fonoaudiológica, apresentaram escores menores na Escala ASHA – NOMS, em sua maioria, nos níveis 2, 3 e 4 no GAH, e nos níveis 1 e 4, no GAF. Durante a reavaliação, observou-se predomínio dos níveis 4 e 5 para o GAH e 6 e 7 para o GAF, apontando a importância da atuação fonoaudiológica durante a reabilitação desses pacientes. Para o grupo de pacientes que recebeu o tratamento fonoaudiológico completo, durante a internação hospital e que, desta forma, recebeu alta fonoaudiológica, os resultados foram ainda mais positivos, comprovados pela diferença significativa entre os grupos, no momento final da avaliação (p=0,002).

Este estudo procurou levantar questões referentes à SIDA, tanto no que diz respeito às características clínicas gerais do paciente, quanto às relacionadas à atuação fonoaudiologia. Foi possível observar os resultados da intervenção fonoaudiológica e, por meio da análise da classificação da deglutição e do levantamento dos sinais clínicos sugestivos de disfagia, a visualização dos resultados da intervenção empregada.

Os objetivos deste estudo não incluíram a apresentação de como foi realizada a terapia fonoaudiológica, mas pretendeu colaborar para que outros estudos na área sejam realizados, com maior número de participantes e a explanação da estrutura da terapêutica empregada.

CONCLUSÃO

Os resultados do estudo apontam que os dois grupos estudados obtiveram melhora na escala de classificação da disfagia e na remissão de sinais clínicos sugestivos de disfagia orofaríngea e/ou penetração/aspiração, sendo que o grupo da alta fonoaudiológica alcançou melhores resultados.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016

Histórico

  • Recebido
    1 Out 2015
  • Aceito
    23 Fev 2016
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