RESUMO
Objetivo Caracterizar o perfil da população de uma Unidade de Acidente Vascular Cerebral quanto à prevalência de afasia e nível de ingestão oral após primeiro acidente vascular cerebral isquêmico.
Métodos Estudo quantitativo, transversal e retrospectivo, com coleta de dados em prontuário eletrônico dos pacientes, realizado em uma Unidade de Acidente Vascular Cerebral em Florianópolis, Santa Catarina.
Resultados A população total da amostra foi de 317 pacientes; destes, 225 foram incluídos. A amostra foi composta predominantemente por homens e idosos. A afasia esteve presente em 23,1% dos pacientes na admissão, com redução para 19,5% na alta. Já com relação ao nível de ingestão oral na admissão e alta, observou-se redução significativa do número de pacientes no nível 1 da Functional Oral Intake Scale e aumento expressivo no nível 5.
Conclusão Foi observada melhora significativa na gravidade da afasia e na capacidade de ingestão oral durante a internação, especialmente em pacientes submetidos à intervenção fonoaudiológica.
Palavras-chave:
Acidente vascular cerebral isquêmico; Acidente vascular cerebral; Afasia; Disfagia; Fonoaudiologia
ABSTRACT
Purpose To characterize the profile of the population of a Stroke Unit regarding the prevalence of aphasia and level of oral intake after the first ischemic stroke.
Methods Quantitative, cross-sectional and retrospective study, collecting data from patients' electronic medical records, carried out in a Stroke Unit in a state hospital in Florianópolis, Santa Catarina State.
Results The total population was 317 patients, of which 225 were included. The sample consisted predominantly of men and elderly individuals. Aphasia was present in 23.1% of patients at admission, with a reduction to 19.5% at discharge. Regarding the level of oral intake at admission and discharge from the Stroke Unit, it was observed that there was a significant reduction in the number of patients with Functional Oral Intake Scale (FOIS) 1 and a significant increase in FOIS 5.
Conclusion A significant improvement in the severity of aphasia and in oral intake during hospitalization was observed, especially in patients undergoing speech-language pathology intervention.
Keywords:
Ischemic stroke; Stroke; Aphasia; Dysphagia; Speech therapy
INTRODUÇÃO
O acidente vascular cerebral (AVC) é uma das principais causas de incapacidade na população idosa(1) e está associado a sequelas, como afasia e disfagia(2). O comprometimento de linguagem que ocorre após um AVC é chamado de afasia, que se caracteriza por ser um distúrbio que afeta tanto o conteúdo, como também a forma e o uso da linguagem oral e escrita, relacionado à compreensão e a expressão dessa linguagem(3). Estudos apontam que a prevalência da afasia após o AVC varia entre 15,2% e 42%(2), sendo 22,6% no Brasil, destacando idade avançada e maior gravidade como fatores preditores(4). A disfagia, por sua vez, é o comprometimento associado à dificuldade em deglutir os alimentos, com sinais como diminuição ou ausência do controle da mastigação, aumento do tempo de trânsito oral e outros(3). Acomete cerca de 44% dos indivíduos após o AVC(2), com prevalência combinada estimada em 60% em um estudo de revisão sistemática(5).
No Brasil, a prevalência de AVC aumenta significativamente na população após 60 anos, refletindo uma crescente população idosa, que deve passar de 15,6%, em 2023, para 37,8% em 2070, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)(6). Considerando que a afasia está presente em aproximadamente 23%(7) dos indivíduos acometidos por AVC, a elevação da expectativa de vida e o consequente aumento da incidência de AVC poderão resultar em um crescimento proporcional no número de pacientes com afasia. Essas condições impactam habilidades essenciais, como linguagem e deglutição, comprometendo a qualidade de vida e a interação social(8).
Embora existam dados sobre a prevalência de afasia após o AVC em contextos brasileiros, há lacunas na compreensão detalhada das condições específicas que influenciam a presença e severidade da afasia, especialmente no que diz respeito ao primeiro AVC isquêmico e suas relações com a ingestão oral. Esse aspecto torna necessário explorar o modo como essas variáveis interagem em diferentes populações e contextos clínicos.
Este estudo teve como objetivo caracterizar o perfil da população de uma Unidade de AVC quanto à prevalência de afasia e ao nível de ingestão oral após o primeiro AVC isquêmico (AVCi), contribuindo para o desenvolvimento de protocolos mais eficazes de triagem e intervenção.
METODOLOGIA
O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da instituição, em 22/05/2024, nº de parecer 6.829.246. Por ser uma pesquisa que envolveu apenas dados de prontuários, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi dispensado.
Esta é uma pesquisa do tipo quantitativa, transversal e retrospectiva, com coleta de dados em Prontuário Eletrônico do Paciente (PEP), realizado em uma Unidade de Acidente Vascular Cerebral (UAVC) de um serviço de referência em neurologia e neurocirurgia. A Unidade, localizada em Florianópolis, Santa Catarina, conta com uma equipe de 18 neurologistas especializados, que atendem, por ano, cerca de 1200 casos.
A coleta de dados iniciou após a aprovação pelo CEP e foram incluídos no estudo os pacientes internados na UAVC após diagnóstico de primeiro AVCi no período de 01/01/2023 a 31/12/2023, totalizando 225 indivíduos.
Como critérios de inclusão, foram considerados elegíveis pacientes maiores de 18 anos, de ambos os gênero, falantes do português brasileiro (PB), após primeiro diagnóstico de AVC; foram excluídos da pesquisa pacientes estrangeiros sem domínio do PB falado, indivíduos com diagnóstico prévio de outras doenças neurológicas, AVC hemorrágico, AVCi com transformação hemorrágica e/ou diagnóstico inconclusivo de AVCi, pacientes que necessitaram de intubação orotraqueal (IOT) e/ou traqueostomia após admissão na UAVC, indivíduos com deficiência visual total e prontuário incompleto no item da National Institutes of Health Stroke Scale (NIHSS).
Para coleta de dados, foram utilizados os seguintes dados: número de prontuário, idade, gênero, escolaridade, comorbidades dos pacientes (hipertensão, diabetes e dislipidemia), tempo de internação, NIHSS geral e item de melhor linguagem, aplicado pelo médico responsável na admissão, após a realização do procedimento de trombectomia e/ ou trombólise e alta da UAVC. A classificação da gravidade do AVC(9,10) dá-se a partir de: a) pontuação do NIHSS, que estabelece os níveis em NIHSS 0-4 = AVC de grau leve; NIHSS 5-10 = AVC de grau moderado; NIHSS 11-20 = AVC de grau grave; NIHSS >20 = AVC de grau gravíssimo; b) escala clínica de Bamford; c) realização ou não de trombectomia mecânica e/ou terapia trombolítica, d) pontuação na Funcional Oral Intake Scale (FOIS) de entrada e saída, conforme prescrição médica de dieta, sendo a de entrada considerada a das primeiras 24 horas após admissão na Unidade. A classificação da FOIS foi realizada por três avaliadores de forma cega para critério de desempate, considerando apenas a prescrição médica de dieta.
O NIHSS é uma escala clínica usada para avaliar os déficits e mensurar a gravidade de um AVC, reunindo aspectos neurológicos, como nível de consciência, fala, movimento ocular, força de membros superiores e inferiores, entre outros. A escala é composta de 15 itens e sua pontuação varia entre 0 e 42, com gravidade diretamente ligada ao aumento da pontuação(11).
Já a escala clínica de Bamford, avalia o paciente acometido por AVC baseada em seus primeiros sintomas e é utilizada para analisar e auxiliar no prognóstico logo nos primeiros sinais. Ela pode ser dividida em quatro classificações: Síndromes Lacunares (LACS), Síndromes da Circulação Anterior Total (TACS), Síndromes da Circulação Anterior Parcial (PACS) e Síndromes da Circulação Posterior (POCS)(12).
Já dentro das escalas de avaliação de ingestão oral, a FOIS avalia o nível de ingesta relacionada às consistências, volume e necessidade de oferta assistida; assim, pode variar de 1 - nada por via oral, até 7 - via oral total sem restrições.
Os dados coletados no Sistema de Gestão em Saúde Hospitalar foram registrados por meio de Formulários Google® e tabulados em Planilhas Google®. Para avaliar a evolução da linguagem entre a admissão e a alta na UAVC, utilizou-se o teste de McNemar para a categoria do escore NIHSS de linguagem, adequado para comparar proporções emparelhadas em medidas repetidas. A normalidade das variáveis quantitativas foi testada pelo teste de Shapiro-Wilk. Todas as análises foram realizadas no software IBM SPSS Statistics, versão 23, adotando um nível de significância de 5% (p<0,05).
RESULTADOS
A população total da pesquisa foi composta por 317 indivíduos diagnosticados com primeiro AVC, dos quais 49 (12,6%) apresentaram AVC hemorrágico (AVCh), restando uma amostra de 268 pacientes acometidos por AVC isquêmico. Após a aplicação dos critérios de exclusão, incluindo a ausência de dados completos no NIHSS, a amostra final foi constituída por 225 pacientes. Observou-se predominância do gênero masculino (60,1%), enquanto 39,9% dos participantes eram do gênero feminino. A média de idade encontrada foi de 66 anos e 6 meses.
Com relação à escolaridade, a mais prevalente foi ensino fundamental incompleto (37,3%), seguida de ensino médio completo (19,3%), fundamental completo (13,2%) e superior completo (9,2%). Por conseguinte, constataram-se as seguintes classificações: saber ler/escrever (7,5%) e não saber ler/escrever (4,8%), enquanto 4,4% da amostra não continham esse dado descrito no prontuário.
Quanto às comorbidades mais prevalentes na amostra, hipertensão arterial sistêmica (HAS), diabetes mellitus (DM) e dislipidemia (DLP) foram respectivamente apresentadas com 61%, 27,2% e 8,8%. Outros fatores de risco para AVC também foram identificados, como pacientes acima de 60 anos (74,1%), tabagismo (38,3%) e etilismo (18,9%).
Dos pacientes da amostra, 163 não foram elegíveis para realização de trombectomia e trombólise. Já 28 indivíduos realizaram apenas trombólise, 20 somente trombectomia e 14 realizaram ambos os procedimentos, totalizando 62 pacientes com intervenção.
Na Tabela 1, é possível observar a classificação da gravidade do AVC no momento da admissão e alta da UAVC.
Classificação da gravidade do acidente vascular cerebral na admissão e alta da Unidade de Acidente Vascular Cerebral
Quanto à presença de afasia no momento da admissão e alta da Unidade, observou-se que 23,1% (52) dos pacientes apresentaram alteração de linguagem no momento da admissão. Na alta da UAVC, esse percentual reduziu para 19,5% (44) de pacientes. Os demais foram classificados de acordo com o grau de afasia, conforme descrito na Tabela 2. A evolução da linguagem entre a admissão e a alta da UAVC, conforme teste de McNemar para cada categoria do escore NIHSS de linguagem, está apresentada na Tabela 2.
Os resultados demonstraram melhora estatisticamente significativa nos pacientes com maior gravidade, especificamente na categoria NIHSS 3 (p = 0,0039), sugerindo que uma parcela relevante desses indivíduos apresentou evolução clínica ao longo da internação.
Por outro lado, entre os pacientes com déficit moderado (NIHSS 2) e déficit leve (NIHSS 1), não foi observada diferença estatisticamente significativa entre a admissão e a alta (p = 0,79 e p = 0,0625, respectivamente). Embora os casos mais leves (NIHSS 1) tenham demonstrado tendência de melhora, essa variação não atingiu significância, indicando que a progressão clínica nesse grupo pode ter sido mais sutil ou influenciada por outros fatores não contemplados na análise.
Para a análise da relação de local da lesão e gravidade de NIHSS de linguagem, foram incluídos apenas os pacientes constantes dos dados de NIHSS de linguagem e classificação de Bamford, totalizando 182 pacientes.
Observam-se, na Tabela 3, as classificações de Bamford: LACS, PACS e POCS apresentaram NIHSS de linguagem 0 (zero) como prevalente, ou seja, sem alterações de linguagem. Já para Bamford TACS, a porcentagem de pacientes sem alterações equivaleu à daqueles com maior pontuação neste item, com 40% para cada.
Escala Bamford associada a escore do item 9 da escala National Institute of Health Stroke Scale
Com relação ao nível de ingestão oral, pela classificação da Functional Oral Intake Scale (FOIS) na admissão e alta da UAVC, observou-se que no momento da alta houve redução significativa no número de pacientes com “nada por via oral”, para “algum tipo de via oral” (Tabela 4).
Nível de ingestão oral de pacientes avaliados e não avaliados na admissão de alta da Unidade de Acidente Vascular Cerebral
Quando considerado o atendimento fonoaudiológico na UAVC, observou-se, na amostra total, solicitação médica por meio de pedido de parecer para 101 (44,9%) pacientes, contudo, houve atendimento fonoaudiológico relatado por meio de evolução em 160 (71,11%) indivíduos durante sua permanência na UAVC.
DISCUSSÃO
Os achados deste estudo estão em consonância com pesquisa que analisou 350 pacientes, identificando média de idade de 66 anos e 9 meses, sendo 48,9% do gênero masculino(7). De maneira semelhante, na presente pesquisa, observou-se predominância de pacientes com mais de 60 anos (74,1%) e maior frequência do gênero masculino (60,1%), reforçando o perfil epidemiológico do AVC isquêmico em populações adultas e idosas. Entre as comorbidades mais prevalentes na população estudada na região do Planalto Norte de Santa Catarina, destacaram-se hipertensão arterial sistêmica (HAS), diabetes mellitus (DM) e dislipidemia (DLP)(13). Esse achado é compatível com os resultados observados em uma enfermaria de neurologia de um hospital universitário do Piauí, onde HAS e DM também foram as comorbidades mais frequentes(14). Além disso, hábitos de vida, como tabagismo e etilismo foram identificados em partes significativas da amostra, fatores amplamente reconhecidos na literatura como potenciais agravantes do risco cardiovascular e desenvolvimento de AVC(15).
Na presente pesquisa, a previdência de afasia em pacientes internados por AVCi foi de 23,1% na admissão, reduzindo para 19,5% na alta, o que sugere uma melhora parcial ao longo da hospitalização. Esse achado está em consonância com estudos epidemiológicos prévios, como o realizado em Santa Catarina, que investigou pacientes após o primeiro AVC isquêmico e encontrou prevalência de 22,6%(7). De modo similar, em outro estudo, foi relatado que 38% dos pacientes apresentavam afasia na admissão, reduzindo para 18% na alta hospitalar(16). Esses dados sugerem que a recuperação da linguagem pode estar associada tanto aos processos naturais de neuroplasticidade, quanto ao suporte clínico oferecido durante a internação, como terapias de reperfusão cerebral. No entanto, sabe-se que a recuperação pode estar diretamente influenciada pela localização e extensão da lesão cerebral(17), visto que determinadas áreas, especialmente aquelas associadas à circulação anterior, estão mais fortemente relacionadas à ocorrência e gravidade da afasia.
A gravidade do AVC é um fator determinante na recuperação neurológica, influenciando diretamente a severidade da afasia e os desfechos terapêuticos. Revisão realizada indicou que fatores como tipo de afasia, tempo pós-AVC e gravidade da lesão cerebral impactam significativamente tanto a recuperação da linguagem, quanto a funcionalidade global(17). No atual estudo, os pacientes com maior gravidade na linguagem (NIHSS 3), apresentaram melhora estatisticamente significativa ao longo da internação (p = 0,0039), enquanto entre aqueles com déficit moderado e leve não houve diferença significativa (p = 0,79 e p = 0,0625, respectivamente). Dessa forma, alguns estudos indicam que a maior parte da recuperação ocorre nas primeiras seis semanas, sugerindo que intervenções precoces podem potencializar a reabilitação ao estimular a prática linguística e a integração social(16,18).
A classificação Trial of ORG 10172 in Acute Stroke Treatment (TOAST) e Bamford, embora distintas, são complementares na avaliação do AVC isquêmico. A TOAST categoriza o AVC conforme sua etiologia (aterosclerótico, cardioembólico, lacunar e outros), auxiliando na prevenção secundária(19). Já a Bamford, classifica os AVC’s com base na síndrome clínica e localização anatômica (TACS, PACS, LACS e POCS), permitindo a melhor estratificação prognóstica e terapêutica(12).
A etiologia do AVC impacta diretamente os déficits clínicos, conforme demonstrado em estudo de 2020, que identificou maior prevalência de afasia em pacientes com AVC aterotrombótico. Na análise multivariada, esse subtipo de AVC revelou-se um fator preditivo significativo para afasia, possivelmente em razão da extensão das lesões na circulação anterior(7). Esses achados foram confirmados pelos dados da presente análise, na qual 225 pacientes foram avaliados quanto à gravidade dos déficits neurológicos. Os resultados indicaram que pacientes com Síndrome da Circulação Anterior Total (TACS) apresentaram déficits linguísticos mais severos, conforme pontuações do NIHSS linguagem. Esse achado é consistente com as diretrizes do Manual de Rotinas para Atenção ao AVC, que associam a TACS a um quadro clínico de hemiplegia, hemianopsia e déficits corticais superiores, incluindo afasia(20). Ainda, a localização da lesão influencia diretamente a recuperação neurológica e a reabilitação da afasia, tornando-a importante preditor prognóstico, reforçando a relação já aqui descrita(21).
No que se refere à via de alimentação dos pacientes, a avaliação considerou a FOIS inicial, antes da realização de terapia trombolítica e/ou trombectomia nos casos elegíveis. Assim, o elevado número de pacientes em FOIS 1 na admissão (62 indivíduos) pode estar diretamente relacionado à abordagem terapêutica adotada. É importante observar que muitos desses pacientes já chegam ao hospital com disfagia, assim como demonstra o estudo que avaliou pacientes idosos em atendimento ambulatorial e evidenciou risco para disfagia em 41,1%(22), necessitando de uma via de alimentação, e não apenas por conta do jejum. Em casos de AVC, a recomendação, geralmente, é manter os pacientes sem ingestão oral, visando reduzir o risco de complicações, como aspiração(23). Essa prática é essencial, considerando que a administração de tratamentos, como a trombólise, deve ocorrer rapidamente após o início dos sintomas, muitas vezes antes da avaliação completa da função alimentar do paciente. Dessa forma, a associação entre a pontuação FOIS e a necessidade de jejum antes das intervenções terapêuticas destaca a relevância de uma avaliação cuidadosa no manejo dos pacientes com AVC, especialmente aqueles que já apresentam disfagia desde a admissão(23).
Cabe destacar que indivíduos não submetidos à trombólise apresentam maior risco de disfagia na fase aguda do AVC(24), além de maior gravidade da condição. No entanto, neste estudo, não foi possível determinar com precisão a presença e/ou o grau de disfagia dos pacientes, uma vez que, no período da pesquisa, a instituição não dispunha de um profissional exclusivo para a Unidade, conforme recomendado pela Portaria nº 665 de 12 de abril de 2012, que estabelece a necessidade de um fonoaudiólogo para cada dez leitos de internação na Unidade de AVC (UAVC)(25).
Entre os pacientes avaliados pela equipe de fonoaudiologia (n = 101), 63,12% (59 indivíduos) foram examinados por meio de busca ativa, sem solicitação formal de parecer da especialidade. Sabe-se que a intervenção fonoaudiológica no período imediato pós-AVC reduz o risco de broncoaspiração, impactando diretamente a redução do tempo de internação(26). Além disso, pacientes que não receberam terapias de reperfusão cerebral apresentaram maior risco de disfagia orofaríngea (n = 163), o que reforça a importância da atuação fonoaudiológica na equipe multiprofissional para garantir segurança alimentar e favorecer a desospitalização precoce. Confirmando esses achados, estudo com pacientes internados demonstrou que 36% deles apresentaram melhora na ingestão por via oral durante a internação, conforme avaliação pela escala FOIS. Ainda, esse mesmo estudo identificou que um maior número de atendimentos fonoaudiológicos intra-hospitalares esteve associado à melhor recuperação funcional (OR = 1,09; p = 0,020), evidenciando o impacto positivo da terapia fonoaudiológica na reabilitação pós-AVC(27).
Entre as limitações deste estudo, destaca-se o fato de ter sido realizado em um único hospital, o que pode limitar a generalização dos achados. Embora os protocolos empregados (NIHSS, FOIS e classificação de Bamford) sejam apropriados para a triagem e o acompanhamento em ambiente hospitalar emergencial, reconhece-se que não fornecem subsídios suficientes para uma análise aprofundada da relação entre linguagem e deglutição. O NIHSS avalia apenas aspectos gerais da linguagem, enquanto a FOIS se limita à classificação funcional da ingestão oral, sem abordar os mecanismos fisiopatológicos da disfagia. Dessa forma, não foi possível discutir de maneira abrangente a eventual inter-relação entre déficits linguísticos e disfágicos, o que constitui uma limitação relevante deste estudo. Sugere-se que pesquisas futuras incluam protocolos mais específicos e avaliações instrumentais para investigar de forma mais precisa essa interface.
Apesar dessas limitações, o estudo apresenta contribuições relevantes para a compreensão da recuperação da afasia em pacientes com AVC isquêmico, destacando a influência da localização da lesão, da intervenção fonoaudiológica e da ingestão por via oral na evolução do quadro clínico. Os dados apresentados também ressaltam a necessidade de adequação dos serviços hospitalares às diretrizes preconizadas, assegurando a disponibilidade de profissionais especializados na Unidade de AVC. Diante disso, a pesquisa buscou caracterizar a população internada na Unidade, analisando a prevalência de afasia e o nível de ingestão oral após o primeiro AVC isquêmico, contribuindo para o aprimoramento dos protocolos de triagem, manejo clínico e reabilitação desses pacientes.
CONCLUSÃO
Foi observada melhora significativa na gravidade da afasia e na capacidade de ingestão oral durante a internação, especialmente em pacientes submetidos à intervenção fonoaudiológica. Esses achados reforçam a importância da avaliação sistemática e do acompanhamento interdisciplinar na UAVC para otimizar a reabilitação.
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Trabalho realizado no Hospital Governador Celso Ramos – HGCR – Florianópolis (C), Brasil.
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Declaração de Disponibilidade de Dados
Os dados de pesquisa estão disponíveis no corpo do artigo.
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Financiamento:
Nada a declarar.
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Editado por
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Editor-Chefe:
Renata Mota Mamede Carvallo.
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Editor Associado:
Ana Paula Machado Goyano Mac-Kay.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
27 Out 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
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Recebido
06 Mar 2025 -
Aceito
17 Jun 2025
