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A Psicanálise em face à política: uma postura e uma análise1 1 In memoriam: Dedico a publicação deste artigo ao psicanalista, meu antigo orientador de Iniciação Científica, Especialização, Mestrado e Doutorado, Abílio da Costa-Rosa. O texto que se apresenta, derivado das reflexões empreendidas até o momento para a Tese, foi inspirado nas ideias e supervisões prático-teóricas do professor Abílio, a quem tive e sempre terei como referência de postura ética na práxis da vida. O seu legado continua, por meio daqueles que indireta ou diretamente conseguiram ter a oportunidade de viver a sua transmissão, seja de Psicanálise (Freud e Lacan), Marx ou de Deleuze e Guattari.

Psychoanalysis in the face of politics: a posture and an analysis

RESUMO:

O artigo tem como proposta abordar o posicionamento de uma determinada compreensão da Psicanálise face à política econômica capitalista, na forma como esta se apresenta na sociedade. Desse modo, o objetivo do artigo foi expor as considerações da Psicanálise a respeito da política e os seus agenciamentos no âmbito da produção de subjetividade, utilizando a estética como brecha para ampliação das suas possibilidades singularizantes na direção da cura. Realizou-se uma pesquisa procurando tecer considerações vinculadas ao que alguns psicanalistas contemporâneos têm comentado e refletido sobre o assunto. Por fim, acompanhando Freud e Lacan, empreendemos uma interlocução com Marx e a estética para melhor vislumbrarmos o alcance dessas questões. Estamos de acordo com Lacan, no posicionamento de que apenas será um progresso subverter o discurso do capitalista se as oportunidades de condição à palavra e ao desejo não forem somente para alguns.

Palavras-chave:
Psicanálise; Freud e Lacan; estética; política econômica capitalista

ABSTRACT:

The article proposes to approach the positioning of a certain understanding of Psychoanalysis in relation to capitalist economic policy, in the way it presents itself in society. In this way, the objective of the article was to expose the considerations of Psychoanalysis regarding politics and its agencies in the field of the production of subjectivity, using aesthetics as a loophole to expand its singularizing possibilities towards healing. A research was carried out seeking to weave some considerations linked to what some contemporary psychoanalysts have commented on and reflected on the subject. Finally, accompanying Freud and Lacan, we undertook an interlocution with Marx and aesthetics to better glimpse the scope of these issues. We agree with Lacan that there will only be progress to subvert the discourse of the capitalist if the opportunities to condition the word and the desire are not only for some.

Keywords:
Psychoanalysis; Freud and Lacan; aesthetics; capitalist economic policy

Introdução

A justificativa de abordar o tema da política é em razão dos seus impactos na produção de subjetividade. Em sua versão contemporânea, ela se expressa por meio dos mais diversos impasses, cujas modalidades de sofrimento atualizam, em alguns sujeitos, as questões fortemente relacionadas a um narcisismo constituído a partir da cultura de consumo no modo de produção do capital. Para citarmos alguns desses impasses, mencionemos: as depressões, as bulimias, as anorexias e as toxicomanias. Essas produções de subjetividade que chegam até nós, na clínica (seja na instituição ou no consultório), manifestam uma dificuldade dos sujeitos de se separarem do objeto que para eles faz semblante de desejo. São os sujeitos excessivamente presos ao narcisismo, à sensação de completude; um tempo nos processos de subjetivação no qual a relação com a maternagem era de um gozo fulgurante. A apropriação dos ideais socioculturais consumistas pode ser explicada por um abalo que é causado na relação do sujeito do desejo com o laço social, tal como concebido pela Psicanálise (SHIMOGUIRI et al., 2019SHIMOGUIRI, A. F. D. T. et al. Discutindo a clínica e o tratamento da toxicomania: dos discursos à constituição subjetiva. Psicologia USP, v. 30, e180014, 1-9, 2019. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/pusp/v30/1678-5177-pusp-30-e180014.pdf . Acesso em: 10 fev. 2020.
http://www.scielo.br/pdf/pusp/v30/1678-5...
).

De acordo com Quinet (2008QUINET, A. A descoberta do inconsciente: do desejo ao sintoma. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.), uma das características principais do discurso do capitalista, ou do mestre moderno, é a produção de um laço louco. Sendo assim, adotamos abordar uma análise crítica realizada por psicanalistas que se colocam ao lado da hipótese de que há interferências provocadas pela política contemporânea (forjada pelos princípios neoliberais - forma moderna do sistema econômico capitalista) no aparelho psíquico dos sujeitos. Para o momento, julgamos imprescindível esse esforço de teorização, quando a preocupação é com um sujeito em suas dificuldades de se relacionar com o semelhante (outro sujeito) em suas diferenças, separar-se e sustentar a singularidade do seu desejo na massa.

A recepção-estética em Psicanálise trata da experiência sensível do espectador-intérprete no encontro com a obra de arte. Em nossa especificidade, consideramos a política e seus acontecimentos como uma obra, uma produção genuína das formações sociais - as relações que são constituídas a partir do contato dos sujeitos com outros sujeitos. Importa-nos partilhar uma postura da Psicanálise que a convoca a se pronunciar, a se posicionar também perante os problemas que dizem respeito à sociedade. Portanto, o objetivo do artigo é expor as considerações da Psicanálise a respeito da política contemporânea e os seus agenciamentos no âmbito da produção de subjetividade, utlizando a estética como brecha para ampliação das suas possibilidades singularizantes na direção da cura, enquanto talking cure, a cura pela palavra (LACAN, 1958/1998LACAN, J. A direção do tratamento e os princípios do seu poder (1958). In: LACAN, J. Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998, p. 591-652.).

Para cumprirmos a finalidade deste texto, foi realizada uma pesquisa de modo a tecer algumas considerações relacionadas ao que alguns psicanalistas estão discursando sobre a política. Qual a noção de política por eles discutida? Sobre qual política estão debatendo ao considerarem os seus efeitos na produção de subjetividade, assim como na relação do sujeito com o desejo e no laço social? Os psicanalistas que escolhemos para empreender o assunto tratado procuram responder a essas interrogações a partir dos referenciais técnicos-teóricos da Psicanálise de Freud e Lacan.

Para tanto, tivemos, como critérios de escolha dos autores pesquisados, os psicanalistas que refletissem os fenômenos do contemporâneo levando em consideração a política, além de analistas que incluíssem nessa discussão o lugar do modo de produção capitalista. Entendemos que, dentro do nosso propósito, a contribuição de Marx para a análise política do capital e a sua produção de relações sociais foi de fundamental importância. Está imanente à nossa reflexão, desde a obra de Freud e o ensino de Lacan, a defesa de que há um entrecruzamento entre a realidade social e a realidade psíquica, isto é, o aparelho psíquico não está imune ao modo de produção da vida material. Noutras palavras, estarmos advertidos disso é o princípio para decidirmos qual deverá ser o lugar do psicanalista em meio aos conflitos sociais.

O que a Psicanálise tem a comentar sobre a política, de qual política se trata?

Abordarmos sobre qual política estão discorrendo os psicanalistas se torna um assunto de grande relevância, sobretudo no que toca ao seu lugar de escuta e compreensão dos fenômenos sociais. A intenção é distanciar em definitivo a Psicanálise de uma pretensa neutralidade científica. Estamos, sem dúvida alguma, optando por dizer que o analista não precisa ter a escolha de permanecer em sua torre de marfim, na poltrona acolchoada de seu consultório. Do ponto de vista da ética da Psicanálise, é inapropriado ao analista a escolha de tomar uma posição diante das demandas sociais e das violências que acomentem a população? Antes de imediatamente respondermos com um alto e sonoro “não”, de antemão já assumido por nós, vale expormos o que os analistas têm discursado sobre o tema.

Segundo Rosa (2016ROSA, M. D. A clínica psicanalítica em face da dimensão sociopolítica do sofrimento. São Paulo: Escuta/Fapesp, 2016.), a política é o que engendra gozo e desejo nas cenas, nos acontecimentos experimentados pelos sujeitos nas relações sociais, numa realidade compartilhada. Mais do que aquilo que pode gerar um governo, exercendo um poder sobre o sujeito, diz respeito a uma produção, a um consenso do que é comum para ser apropriado e elegível por uma sociedade. Percebamos que não se trata apenas de ideias veiculadas entre povos; diz-se de ações impregnadas por ideias e que se materializam em ato. Na política, há uma determinada forma de enxergar o mundo, de se posicionar, de dirigir-se às escolhas, de reconhecer e de aceitar as diferenças entre cada sujeito. Importa salientarmos - para o espanto de alguns de nós, inadvertidos do que há na enunciação das palavras - a coexistência de “políticas” nas vidas das pessoas; e não “política”, como poderíamos supor.

Ainda para Rosa, “A política apresenta-se em duas faces: não apenas como poder e domínio sobre o sujeito, mas também como a ação no espaço entre as relações, ou seja, aquela que tem no horizonte a produção do mundo comum” (ROSA, 2016ROSA, M. D. A clínica psicanalítica em face da dimensão sociopolítica do sofrimento. São Paulo: Escuta/Fapesp, 2016., p. 23). Posto isso, cumpre trazer à baila neste momento a primeira face apresentada pela autora. Vejamos que o poder e o domínio exercido pela política mencionada fazem jus a um discurso que no contemporâneo se mostra regulador do laço social, da relação que os sujeitos constroem com o mundo ao seu redor e com os outros sujeitos. Este discurso foi definido por Jacques Lacan (1974LACAN, J. Televisão (1974). In: LACAN, J. Outros escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 2003, p. 508-543./2003) como o discurso do capitalista.

O sujeito enredado na maquinaria do poder é aquele constituído por esse discurso que pode supor um Outro não barrado, discurso social que não admite o equívoco, a separação, a falta ou a diferença. O “todos somos iguais”, a imagem, a auto-estima e a onipotência do “eu me basto e não preciso dos outros para tocar a minha vida” são os emblemas e pilares desse discurso. Pois bem, estes não são os traços que caracterizam o tempo do narcisismo? De acordo com Lacan (1966LACAN, J. A agressividade em Psicanálise (1966). In: LACAN, J. Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998, p. 104-126./1998), a agressividade, a violência, a ambivalência do amor e do ódio (elevados ao extremo) marcam o narcisismo: momento que inaugura a identificação primordial (da conquista) da primeira imagem de si (unificada) para o infans, “eu sou tudo para ela [Outro da maternagem] e ela é tudo para mim”.

Junto aos valores que impulsionam ímpetos narcisistas e incitam a competitividade, de vencer a qualquer “custo”, Rosa sublinha uma violência nesses discursos,

[...] modalidades de violência que ficam mascaradas em inúmeras questões sociais como nas situações de miséria, sempre acompanhadas de um processo histórico de exploração e de humilhação, ou nas catástrofes ditas naturais que, embora aparentemente atinjam a todos, certamente incidem mais direta e intensamente sobre aqueles mais frágeis na organização social e sem recursos para minorar os efeitos da natureza. (ROSA, 2016ROSA, M. D. A clínica psicanalítica em face da dimensão sociopolítica do sofrimento. São Paulo: Escuta/Fapesp, 2016., p. 26).

Dessa constatação material e histórica, chamamos a atenção para as consequências da política social-econômica capitalista, “toda” estruturada no consumo e no lucro. Uma política que existe à bancarrota da classe trabalhadora paupérrima, daqueles que estão à margem da sociedade. Nas argumentações de Checcia (2015CHECCIA, M. Poder e Política na clínica psicanalítica. São Paulo: Annablume, 2015.), associado à política sempre está o poder - o poder de analisar ou o poder de coibir. Os poderes atrelados a uma política teriam a potência de colocar uma posição em análise a ponto de retificá-la ou infligir uma coerção a um lugar ocupado. Estes poderes, em um específico panorama, estariam ligados ao Estado.

Para nos determos à política com a qual, a nosso ver, a Psicanálise partilha, é pertinente tecer considerações sobre a política contemporânea de Estado. O Estado entendido como nação representaria os interesses de uma população; ele é subscrito a um país. Em um sentido objetivo, segundo Hobsbawm (1990HOBSBAWM, E. J. Nações e nacionalismo desde 1780: programa, mito e realidade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.), a nação se define como um conjunto de pessoas, com suas histórias particulares, regionais e localizadas, que se consideram parte de um mesmo território - geográfico, cultural e político.

É notável, portanto, que desde a 1ª Revolução Industrial, por volta do século XVIII, vige um sistema econômico nomeado por Marx de modo de produção capitalista. Por intermédio deste, o Estado é o seu principal representante, logo, não se posiciona de forma neutra e defende claramente os interesses de uma determinada classe social (BOTTOMORE, 1988BOTTOMORE, T. (org.). Dicionário do pensamento marxista, 2. ed.Rio de Janeiro: Zahar, 1988.; MARX, 1844MARX, K. Manuscritos econômico-filosóficos (1844). São Paulo: Boitempo, 2010./2010). Nesta perspectiva, o Estado, em seu ideário neoliberal, enquanto expressão dos interesses do capital, visará o fortalecimento do mercado, assegurando-se de obter as condições propícias para o enriquecimento e acúmulo das riquezas. Notemos que a classe social mais favorecida neste sistema econômico de funcionamento é a que detém a maior capacidade financeira de poder de compra (GÓES, 2008GOÉS, C. Psicanálise e capitalismo. Rio de Janeiro: Garamond, 2008.).

No século XVIII, vem juntar-se à economia, a palavra “política”. Cria-se a “economia política”. A ascensão da burguesia, a conclusão da acumulação primitiva do capital na revolução industrial, faz daquilo que era relativo ao domínio privado, a economia, o eixo do interesse do poder. O poder vai se colocar a serviço da acumulação de capital. Paulatinamente, a partir do imperialismo na segunda metade do século XIX, o Estado e suas instituições se voltam para assegurar os investimentos do capital, altas taxas de lucro, aumento desmedido da riqueza na exploração das áreas não capitalistas do planeta. O foco do poder político se volta para questões relativas ao aumento da produção de riquezas e de sua apropriação privada. O interesse público doravante será pautado pela lógica do interesse privado. (GÓES, 2008GOÉS, C. Psicanálise e capitalismo. Rio de Janeiro: Garamond, 2008., p. 76-77).

Se, desde Freud (1921/1996FREUD, S. Psicologia de grupo e análise do ego (1921). Rio de Janeiro: Imago, 1996, p. 79-156. (Edição standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud, 18)), toda psicologia individual é social, cumpre dizer, dentro do nosso ponto de vista, que a Psicanálise não pode estar alheia aos eventos tangentes ao campo do social. E não soa “falso testemunho” afirmarmos que as organizações políticas e econômicas a nível de Estado incidem fortemente na vida em sociedade. A Psicanálise também traz as suas contribuições ao analisar os efeitos [devastadores] da economia política capitalista nas formações sociais. Como se sabe, em Lacan (1975LACAN, J. Mais, ainda (1975). Rio de Janeiro: Zahar, 2008c. (Seminário, 20)/2008c), há algo do indivíduo dotado de razão, cidadão comum, que escapa a ele. E isso que escapa ao indivíduo, descentrando-o de sua própria casa, é conhecido como o sujeito do inconsciente, pura pulsação em movimento de produção da vida desejante, dividido pela consciência e pelo inconsciente, pensa onde não é [sujeito] e é [sujeito] onde não pensa (QUINET, 2008QUINET, A. A descoberta do inconsciente: do desejo ao sintoma. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.).

Não enxergamos motivos para duvidar que o sujeito, agindo com o seu inconsciente, tal como disse Freud (1921/1996FREUD, S. Psicologia de grupo e análise do ego (1921). Rio de Janeiro: Imago, 1996, p. 79-156. (Edição standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud, 18)), enquanto indivíduo, age a partir dos códigos e dos ideais transmitidos pelas suas referências maternas e paternas, inscritos em uma específica cultura. Ora, não são essas mães e esses pais também subjetivados pelos ideais socioculturais de seu tempo? Dito de outro modo, a subjetividade, a experiência psíquica de si, não está imune aos acontecimentos da realidade, não é alheia aos eventos produzidos pela política social monetarizada (ZIZEK, 1996ZIZEK, S. Um mapa da ideologia. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.).

Em Para a crítica da economia política (1859/2005), Marx dissertou sobre algo pertinente de ser transposto para o nosso tempo histórico. Segundo ele, a produção da mercadoria no Modo Capitalista de Produção (MCP) é, ao mesmo tempo, um consumo que é duplo: é subjetivo e objetivo. Nesta citação, há um emaranhado de interpretações que podem nos render algumas reflexões.

Assentir que o consumo é subjetivo e objetivo coaduna firmemente com a leitura lacaniana relacionada ao discurso do capitalista. A política contemporânea é exponencialmente de consumo, logo, as relações de mercado, da compra e venda de mercadorias são fundantes da vida social. Pode soar por demais enigmático, mas, notemos que isso não é difícil de entender: num tempo em que comprar, gozar, consumir e acumular são imperativos, o consumo não é um ato somente objetivo; ele estrutura um modo de existir, de ser.

Os sujeitos se constituiriam por meio do consumo e dos ideais que, em suas histórias particulares, a eles estão conectados. O “[...] aparato [aparelho] psíquico, aquele que nos proporciona nosso próprio funcionamento como sujeitos, é congruente com a forma de aparecer dos objetos sociais” (ROZITCHNER, 1989ROZITCHNER, L. Freud e o problema do poder. São Paulo: Escuta, 1989., p. 23). Conforme Rozitchner, a forma social dos sujeitos é uma expressão da forma social dos objetos (mercadorias-coisas-bugigangas), os sujeitos se relacionariam com outros sujeitos da mesma forma como se relacionam com coisas (MARX, 1890MARX, K. O processo de produção do capital (1890). São Paulo: Boitempo, 2013, p. 305. (O capital: crítica da economia política, 1), 1991 MARX, K. Para a crítica da economia política (1859). In: MARX, K. Para a crítica da economia política, do capital, o rendimento e suas fontes. São Paulo: Nova Cultural 2005.e 1962/2013MARX, K. O processo de produção do capital (1890). São Paulo: Boitempo, 2013, p. 305. (O capital: crítica da economia política, 1)). Por conseguinte, acrescentamos para as teorizações de Rozitchner que o conceito de Outro em Lacan é uma ferramenta teórica interessante para continuarmos a tratar da relação do sujeito com o objeto.

Definimos o Outro como o lugar da verdade, o campo do simbólico e da linguagem por onde se determina o sujeito. A estruturação primordial do desejo humano é tecida tendo por base a consistência deste Outro; há uma sujeição fundamental ao discurso que se articula a ele. “O bebê vem ao mundo humano marcado por um discurso, no qual se inscrevem a fantasia dos progenitores, a cultura, a classe social, a língua, a época” (JORGE; FERREIRA, 2005JORGE, M. A. C.; FERREIRA, N. P. Lacan, o grande freudiano. Rio de Janeiro: Zahar, 2005., p. 44). Segundo Lacan (1975LACAN, J. Mais, ainda (1975). Rio de Janeiro: Zahar, 2008c. (Seminário, 20)/2008c), há também no campo do Outro o mercado, lugar onde estão inscritos os ideais socioculturais pelos quais o sujeito se subjetiva, humaniza-se, os enunciados que se ligam a ideais de mérito, de valores e de princípios que propagam escolhas, preferências. Na noção de mérito, encontramos relacionado o princípio de que para “ser” é preciso “ter”; para possuir o merecimento das conquistas é preciso ser, vencer o outro (semelhante) e ser o melhor. Para o sujeito, o Outro é absoluto e, ao invés de um supereu proibidor, o que resta é uma instância psíquica que o impele ao gozo (CHECCHIA, 2015; ROSA, 2016ROSA, M. D. A clínica psicanalítica em face da dimensão sociopolítica do sofrimento. São Paulo: Escuta/Fapesp, 2016.; ROZITCHNER, 1989ROZITCHNER, L. Freud e o problema do poder. São Paulo: Escuta, 1989.).

Pensemos: se estamos falando de um processo histórico de exploração econômica, de uma política que vela pela impetuosidade do consumo e do acúmulo de capitais, e se apenas poucas pessoas conseguiram êxito (dentro da noção de meritocracia - louros para aqueles que fizeram por merecer) neste modo de funcionamento societário, o que sobra para o restante, à grande massa populacional? Numa leitura possível, a meritocracia, em seu funcionamento no âmbito do aparelho psíquico, funcionaria de maneira similar a uma máquina de caça níquel. Em absoluto, ganha-se mais quem tem o potencial de investir e se manter por mais tempo gozando deste jogo que é a vida, em sua dimensão pulsional e suas capacidades de ligar-se às escolhas. Sustentado nas aparências, o ideal de meritocracia está menos sustentado no conteúdo do que na sua forma.

Evidentemente que o ganho que estamos expondo é de gozo, mas é também das possibilidades de poder gozar o mínimo necessário para se manter vivo. Neste tipo de aposta, representada nas possibilidades dos sujeitos de alçarem seus objetivos e conquistarem coisas tendo por apoio o lugar que ocupam na sociedade, apenas alguns poucos vão ganhar. Assim sendo, tocamos em uma específica forma de constituição social e psíquica que é hegemônica. O ser [aquilo que os outros são ou o que querem que sejamos] e o ter [o que os outros possuem e que gostaríamos de ter] na sociedade capitalista ganham consistência de um ideal imaginarizado [absoluto] a ser perseguido.

A falta constitutiva da qual tanto discorremos em Psicanálise, a necessária separação entre o infans e o Outro da maternagem para que haja a assunção do sujeito do inconsciente, é estruturada em torno dos ideais absolutos de completude. Por conseguinte, partimos do ponto de vista de que, em uma sociedade alicerçada em princípios de meritocracia e incentivos infinitesimais ao gozo, o que se entende por igualdade e desigualdade social não é colocado em debate; são conceitos recalcados.

A miséria, a exploração, a humilhação vivida pelos sujeitos minorizados pela sua condição de diferença são as vestes de um povo subordinado às pessoas que se colocam, isto é, impõem-se como os dominantes. As chamadas minorias não são minorias em número, como bem frisou Deleuze (1972/1992DELEUZE, G. Conversações (1972). São Paulo: 34, 1992.), são a maioria das pessoas no mundo: os negros; as lésbicas, os gays, os bissexuais, os transexuais e os travestis (LGBTs); os indígenas; os sujeitos patologizados e cronicizados pelo saber da medicina; as mulheres; os pobres; os refugiados.

Nutrindo e concomitante às diversas violências às minorias, assinalamos o MCP, edificando-se no campo das formações sociais de maneira hegemônica e conduzindo discursos que agem para anular as diferenças, a história dos sujeitos. Tudo se passa como se a única história a ser contada devesse ser a dos vencedores, dos colonizadores, ou, como brincou Lacan (1959-1960/1997), a do herói “comum” - aquele que está a serviço dos bens [materiais e de consumo]. Esta é uma lógica estruturante de um modo de se portar na realidade, de relacionar-se com o Outro. Apresenta-se como um modelo de identificação que propaga como lei fundante da vida aquela que dita que quem deve vencer é o mais forte. Isso é o que pode justificar a irônica (para dizer trágica, de uma outra maneira) cena em que o explorado se identifica com o explorador (ROSA; PENHA; FERREIRA, 2018ROSA, M. D.; PENHA, D. A.; FERREIRA, P. P. Intolerância: fronteiras e Psicanálise. Revista subjetividades, 18iEsp(6739), p. 105-113, 2018. Disponível em: Disponível em: http://periodicos.unifor.br/rmes/article/view/6739/pdf . Acesso em: 08 out. 2018.
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).

Nossos esforços até aqui vão na direção de entender, moebianamente, como lados da mesma fita o plano das formações subjetivas/inconscientes com o plano das formações sociais (COSTA-ROSA, 2019COSTA-ROSA. Por que a Atenção Psicossocial exige uma clínica fundada na Psicanálise do campo Freud-Lacan? Revista de Psicologia da UNESP, n. 18 (especial), p. 37-54, 2019. Disponível em: Disponível em: http://seer.assis.unesp.br/index.php/psicologia/article/view/1542/1352 . Acesso em: 11 fev. 2020.
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). Os fenômenos do contemporâneo podem ser analisados à luz da política que opera sob eles e a Psicanálise pode nos servir como instrumento para nos ajudar a apreendê-los (ROSA; CARIGNATO; BERTA, 2006ROSA, M. D. Gozo e Política na Psicanálise: a toxicomania como emblemática dos impasses do sujeito contemporâneo. In: RUDGE, A. M. (org.). Traumas. São Paulo: Escuta, 2006.). Guiando a discussão para o cenário brasileiro, como explicamos o golpe de 2016 e a tomada do poder no governo pela [extrema] direita? Como explicamos o sucateamento das políticas sociais e públicas, do ensino público básico e superior? Como esclarecemos os altos índices de homicídio [genocídio] da população negra, indígena e LGBTs?

Conforme Rosa: “Aqui, política e Psicanálise nos ajudam a entender. Explico: a ambivalência está no cerne do sujeito e da agressividade que habita cada um, ou seja, amor e ódio são dirigidos ao mesmo objeto, e o ódio está sempre presente como potencialidade” (ROSA, 2016ROSA, M. D. A clínica psicanalítica em face da dimensão sociopolítica do sofrimento. São Paulo: Escuta/Fapesp, 2016., p. 63). O amor e o ódio, colocados em ato intensamente, trazem ao palco um enredo ideológico que anula o sujeito, individuando-o. Há a produção de uma realidade na qual o sujeito não se reconhece fora dela, não há dentro ou fora, “eu e o Outro somos um só”.

A reflexão que se segue, com Braunstein (2010BRAUNSTEIN, N. A. O discurso capitalista: quinto discurso? O discurso dos mercados (PST): sexto discurso? A Peste: Revista de Psicanálise, Sociedade e Filosofia, v. 2, n. 1, p. 143-165, jan./jun. 2010. Disponível em: Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/apeste/article/view/12079/8752 . Acesso em: 11 jul. 2018.
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), permite-nos afirmar que o sujeito - ao se estruturar pelos significantes-mestres que vêm do discurso capitalista, ou, como propõe o autor, do discurso dos mercados - não só não admite o que é diferente de si, mas adere muito bem aos estereótipos, aos padrões de ser humano e de conduta fornecidos pela cultura de mercado. O sujeito, além de consumir a imagem, as bugigangas, os objetos comprados, consome a si próprio, adora-se. Ele é o próprio objeto, consumido pelos ideais vendidos pela política de vida neoliberalista nos “mercados” do MCP.

Nos questionamentos levantados por Rosa, Penha e Ferreira (2018ROSA, M. D.; PENHA, D. A.; FERREIRA, P. P. Intolerância: fronteiras e Psicanálise. Revista subjetividades, 18iEsp(6739), p. 105-113, 2018. Disponível em: Disponível em: http://periodicos.unifor.br/rmes/article/view/6739/pdf . Acesso em: 08 out. 2018.
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), acerca da forte intolerância existente entre as pessoas no contemporâneo, no discurso do capitalista, os sujeitos não fazem laços. Concordamos com os autores quando estes ainda apontam que, no Brasil, essa análise se expressa por meio de uma “onda” crescente de jovens eleitores conduzidos por um revisionismo histórico e intolerantes à política, interessados em candidatos à presidência que propagam o ódio e a violência.

Nossa metodologia de investigação psicanalítica nos permite explorar esse tema sem abrir mão de sua polissemia. Trata-se de um método que surge de nossas experiências de atendimento psicanalítico em territórios marcados pela exclusão social e política; da escuta dos sujeitos em situações sociais críticas. (ROSA; PENHA; FERREIRA, 2018ROSA, M. D.; PENHA, D. A.; FERREIRA, P. P. Intolerância: fronteiras e Psicanálise. Revista subjetividades, 18iEsp(6739), p. 105-113, 2018. Disponível em: Disponível em: http://periodicos.unifor.br/rmes/article/view/6739/pdf . Acesso em: 08 out. 2018.
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, p. 107).

De nossa experiência, esses fenômenos também são notados. Por isso, a escolha de alinhar a Psicanálise às análises críticas oferecidas pelo materialismo histórico - em relação ao que fornece suporte às formas de organização da vida em sociedade. Na altura em que a pesquisa deste artigo foi realizada, os autores encontrados para dialogar com o tema proposto no texto eram os que mais se dedicavam ao tema “Psicanálise e política”.

Ressaltamos que os autores exploram, cada um ao seu modo, o conceito de política à luz da Psicanálise de Freud e Lacan. Checcia (2015CHECCIA, M. Poder e Política na clínica psicanalítica. São Paulo: Annablume, 2015.) se dedica mais a tecer considerações acerca de uma política da Psicanálise, enquanto Rosa (2006LACAN, J. Da mais-valia ao mais-de-gozar (1968-1969). Rio de Janeiro: Zahar, 2008b. (Seminário, 16: de um outro ao outro); 2016), e em outros artigos nos quais divide a autoria (ROSA; CARIGNATO; BERTA, 2006ROSA, M. D.; CARIGNATO, T. T.; BERTA, S. L.. Ética e Política: a Psicanálise diante da realidade, dos ideais e das violências contemporâneos. Ágora, v. 9, n. 1, jan./jun. 2006, p. 35-48. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-14982006000100003&lng=en&nrm=iso&tlng=pt. Acesso em: 11 jul. 2018.
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; ROSA; PENHA; FERREIRA, 2018), desenvolve exaustivamente a noção de política em suas consequências devastadoras ao sujeito, em sua concepção de desejo e produção de laço social. Os autores trazem contribuições que muito nos interessam e nos servem de âncora para sustentar as teorizações que iniciamos, contudo, acreditamos que não fica claro ainda acerca de qual política estão comentando. Em torno da práxis psicanalítica da qual partimos e a partir do objeto de estudo recortado, este aspecto que ressaltamos é imprescindível.

Rozitchner (1989ROZITCHNER, L. Freud e o problema do poder. São Paulo: Escuta, 1989.); Zizek (1996ZIZEK, S. Um mapa da ideologia. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.); Góes (2008GOÉS, C. Psicanálise e capitalismo. Rio de Janeiro: Garamond, 2008.); Braunstein (2010BRAUNSTEIN, N. A. O discurso capitalista: quinto discurso? O discurso dos mercados (PST): sexto discurso? A Peste: Revista de Psicanálise, Sociedade e Filosofia, v. 2, n. 1, p. 143-165, jan./jun. 2010. Disponível em: Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/apeste/article/view/12079/8752 . Acesso em: 11 jul. 2018.
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) e Poli (2017POLI, M. C. Freud e Lacan com Marx: mais, ainda. In: COELHO DOS SANTOS, T.; MALCHER, F. (orgs.). Psicanálise no século XXI: ideologias políticas, subjetividade, laços sociais e intervenções psicanalíticas. Curitiba: MRV, 2017.) nos possibilitam dar conta desta lacuna, ao passo que estão ao encontro do que optamos ao redor da articulação entre Psicanálise e política. Antes de enveredarmos para uma política da Psicanálise, preferimos debater sobre qual política confere materialidade ao sofrimento psíquico e às demandas populares em seus clamores. Esse olhar muda a nossa empreitada, exigindo-nos recorrer a outros campos do saber. Neste caso, seguindo de Lacan aos escritos de Marx, em especial à caracterização conhecida do que é a mais-valia em sua obra.

Mais-valia e mais-de-gozar: o sujeito e o objeto

Fundamentamos, através de uma parte do ensino de Lacan, a aproximação que estamos empreendendo no texto, entre os campos da política e da Psicanálise. Esta pode ser retratada por meio das homologias entre as noções de mais-valia em Marx e mais-de-gozar em Lacan (POLI, 2017POLI, M. C. Freud e Lacan com Marx: mais, ainda. In: COELHO DOS SANTOS, T.; MALCHER, F. (orgs.). Psicanálise no século XXI: ideologias políticas, subjetividade, laços sociais e intervenções psicanalíticas. Curitiba: MRV, 2017.). Na introdução de O seminário, livro 16: de um outro ao outro, Lacan (1968-69/2008bLACAN, J. Da mais-valia ao mais-de-gozar (1968-1969). Rio de Janeiro: Zahar, 2008b. (Seminário, 16: de um outro ao outro)) se refere à mais-valia como um correlato ao que acontece com o sujeito a nível do sintoma.

Não será isso calcado no fato de que, no que Marx decifrou, isto é, a realidade econômica, o sujeito do valor de troca é representado perante o valor de uso? É nessa brecha que se produz e cai a chamada mais-valia. Em nosso nível, só importa essa perda. Já não idêntico a si mesmo, daí por diante, o sujeito não goza mais. Perde-se alguma coisa que se chama o mais-de-gozar (LACAN, 1968-69/2008bLACAN, J. Da mais-valia ao mais-de-gozar (1968-1969). Rio de Janeiro: Zahar, 2008b. (Seminário, 16: de um outro ao outro), p. 21).

Para o que nos cabe, do sujeito em torno do seu mais-de-gozar, Lacan (1968-69/2008bLACAN, J. Da mais-valia ao mais-de-gozar (1968-1969). Rio de Janeiro: Zahar, 2008b. (Seminário, 16: de um outro ao outro)) nos indica que as referências e configurações econômicas postuladas por Marx podem nos ser mais propícias do que as provenientes da termodinâmica, oferecidas por Freud, embora estas não nos sejam totalmente impróprias. A tese lacaniana de que Marx teria sido o inventor do sintoma versa sobre o entendimento do que afinal de contas é a mais-valia no Modo Capitalista de Produção. Utilizamos este conceito para compreender o modo como o sujeito se relaciona com os objetos, o que faz semblante de desejo no laço social.

A produção da mais-valia se dá no instante em que o trabalhador produz um objeto; este é a metáfora do seu trabalho depois transformada em dinheiro. E é mais-valia em pelo menos três aspectos. Primeiro, existe em forma de renúncia: o produto criado pelas mãos do trabalhador não retorna para ele, vai para as mãos do capitalista.

O segundo aspecto manifesta-se como excesso. “Aí vai ecoar a crítica de Marx quando mostra que o sistema não tende ao equilíbrio, mas à produção de um excesso” (GÓES, 2008, p. 78). Em seu caráter de excedente da mercadoria, produzir mais em menos tempo é a ordem de lei do capital. Na concepção de mais-valia, na qual esta é interpretada como trabalho não remunerado, o trabalho a mais do trabalhador é o não remunerado, é desproporcional ao tempo gasto e ao seu dispêndio de energia na produção dos objetos-mercadoria.

Em seu terceiro aspecto, a mais-valia ganha forma de resto, ou trabalho-resto, conforme nomeia Góes (2008)GOÉS, C. Psicanálise e capitalismo. Rio de Janeiro: Garamond, 2008.. Em seu processo de circulação e produção de capital, a mercadoria é resto daquilo que foi útil ao trabalhador, agora sem sentido e significado. O trabalho abstrato perde o seu valor de útil, de uso, quando transformado em mercadoria, valor-de-troca, conquistando por consequência a propriedade de número e cifra na economia [do] capitalista ao ser revertido em dinheiro.

Segundo Lacan (1968-69/2008bLACAN, J. Da mais-valia ao mais-de-gozar (1968-1969). Rio de Janeiro: Zahar, 2008b. (Seminário, 16: de um outro ao outro)), com o sintoma não acontece diferente. Ao considerarmos o sintoma como uma metáfora, localizamo-lo como uma renúncia que o sujeito foi obrigado a fazer para ascender à linguagem. A renúncia ao Outro materno é o que enlaça o sujeito no discurso. É “em torno do ser do a, do mais-de-gozar, que se constitui a relação que nos permite, até certo ponto, ver consumar-se a solda, a precipitação, o congelamento que faz com que possamos unificar um sujeito como sujeito de todo um discurso” (LACAN, 1968-69/2008bLACAN, J. Da mais-valia ao mais-de-gozar (1968-1969). Rio de Janeiro: Zahar, 2008b. (Seminário, 16: de um outro ao outro), p. 22). O sujeito na relação com o objeto mais-de-gozar é o sujeito na repetição, à procura daquele gozo que falta e que um dia o capturou, alienando-o ao discurso, ao desejo do Outro. A insistência por reaver este gozo o sustenta na ligação com os objetos de desejo ao seu redor. Entendamos que a renúncia ao gozo enlaça o sujeito numa falta-a-gozar que é a marca de sua constituição. Nesta medida, no regime da realidade compartilhada, de uns convivendo com os outros, o sujeito se ordena nas relações à procura do reencontro com os representantes significantes do gozo interrompido, designado a partir do Outro de sua história. Figura-se neste ponto, portanto, a dimensão de excesso que se apresenta. O sujeito está às voltas de buscar em seu horizonte este objeto a causa de desejo, para sempre perdido.

Por efeito, isto que se mostra como excesso, em repetição, na tentativa de retorno ao [narcisismo] estado de completude, entre o infans e o agente da maternagem, é excesso no diz respeito à busca por um resto. O objeto a também é nomeado como “resto” de desejo. E porque é resto? Tal como em Marx, e mais do que nunca chegamos perto da noção de mais-valia, é resto porque o objeto mais-de-gozar não entra na “conta” do sujeito; ele está perdido com a substituição dos significantes. Alienado ao desejo do Outro, aos significantes que vêm do Outro (campo da fala e do simbólico), ele está preso imaginariamente a este objeto que faz semblante. Conforme Lacan (1968-69/2008bLACAN, J. Da mais-valia ao mais-de-gozar (1968-1969). Rio de Janeiro: Zahar, 2008b. (Seminário, 16: de um outro ao outro)), o sujeito na realidade econômica [social/sexual/inconsciente] é o sujeito do valor de troca [objeto semblante de desejo - mais-de-gozar] que é representado perante o valor de uso [objeto causa de desejo].

Lacan, ao se aproximar de Marx, eleva a renúncia pulsional a outro patamar. Mais, ou antes, do que renúncia e pura perda, trata-se de ganho de gozo pelo sujeito, por estar regulado à positividade do objeto a, mais-de-gozar, que é produzida pelos discursos dominantes (POLI, 2017POLI, M. C. Freud e Lacan com Marx: mais, ainda. In: COELHO DOS SANTOS, T.; MALCHER, F. (orgs.). Psicanálise no século XXI: ideologias políticas, subjetividade, laços sociais e intervenções psicanalíticas. Curitiba: MRV, 2017.). O ganho de gozo é inscrito por uma marca de impossibilidade que é instaurada, conduzindo o sujeito a obter a satisfação por outras vias. Contudo, deparando-se com o impossível de se satisfazer plenamente com este objeto mais-de-gozar que se esvaiu, o sujeito padece, sofrendo, em seu sintoma, por esta falta-a-gozar (KAUFMANN, 1996KAUFMANN, P. Dicionário enciclopédico de Psicanálise: o legado de Freud e Lacan. Rio de Janeiro: Zahar, 1996.). De acordo com Poli, o destino da noção de “mais-de-gozar” na Psicanálise, considerando o seu lugar de articular a Psicanálise e o marxismo, “mereceria um desdobramento com consequências importantes para uma abordagem psicanalítica do social e da política” (POLI, 2017POLI, M. C. Freud e Lacan com Marx: mais, ainda. In: COELHO DOS SANTOS, T.; MALCHER, F. (orgs.). Psicanálise no século XXI: ideologias políticas, subjetividade, laços sociais e intervenções psicanalíticas. Curitiba: MRV, 2017., p. 103). O psicanalista francês Hervé Hubert, com os Ateliers Pratiques de Psychanalyse Sociale [Oficinas práticas de Psicanálise Social], parece desdobrar o que ensaia Poli (2017) sobre uma abordagem psicanalítica do social e da política. Revela-se promissor o que o psicanalista social propõe de uma Psicanálise Social, fundada em Marx nas suas conexões com Freud e Lacan2 2 Fonte: http://www.apps-psychanalyse-sociale.com/atelier-pratique-psychanalyse-sociale. Acesso em: 16 mar. 2020. .

E por quê insistimos na articulação da Psicanálise ao materialismo histórico marxiano? Por partimos da hipótese de que a singularidade do sujeito do inconsciente, em sua assunção como ente de linguagem, está em sua polissemia de produção de significantes e em pulsação, explicada pelos seus variados modos de poder desejar e se reposicionar face aos sintomas (ao que lhe faz sofrer). O que é original em sua constituição não é o estranhamento de si no capital, muito menos estar colado ao objeto. Ocupamo-nos de explicitar o que disseram Lacan (1968-69/2008bLACAN, J. Da mais-valia ao mais-de-gozar (1968-1969). Rio de Janeiro: Zahar, 2008b. (Seminário, 16: de um outro ao outro)), Kaufmann (1996KAUFMANN, P. Dicionário enciclopédico de Psicanálise: o legado de Freud e Lacan. Rio de Janeiro: Zahar, 1996.), Góes (2008)GOÉS, C. Psicanálise e capitalismo. Rio de Janeiro: Garamond, 2008. e Poli (2017POLI, M. C. Freud e Lacan com Marx: mais, ainda. In: COELHO DOS SANTOS, T.; MALCHER, F. (orgs.). Psicanálise no século XXI: ideologias políticas, subjetividade, laços sociais e intervenções psicanalíticas. Curitiba: MRV, 2017.). A torção operada na realidade psíquica pelo Modo Capitalista de Produção, em sua política imperialista, é o sujeito sucumbindo ao objeto mercadoria - apresentado como promessa de gozo ilimitado; nesse caso, é o sujeito ser colocado/estar/permanecer como objeto.

A noção de política e a sua necessária compreensão

Uma pequena digressão sobre o conceito de política é oportuna para o desenvolvimento de nossa reflexão. A mínima compreensão deste conceito, em Bordieu (2014BORDIEU, P. O campo político. In: Castro, C. Textos básicos de sociologia. Rio de Janeiro: Zahar, 2014.) e Marx (1859/2005; 1844/2010), na leitura que fizemos dos textos cotejados de suas obras, faz parte das contribuições da Psicanálise, apropriando-se da estética, a uma escuta que alcance a política em vigor no nosso tempo.

Antes de definir o que é a “política”, Bordieu (2014BORDIEU, P. O campo político. In: Castro, C. Textos básicos de sociologia. Rio de Janeiro: Zahar, 2014.) introduz a concepção de “campo”. O campo seria um “microcosmo”, componente do mundo social, o espaço onde ocorrem as disputas, as lutas, os jogos de forças. Como exemplo da definição citada, por exemplo, há o campo artístico, o campo religioso, os campos da Saúde e da Assistencial Social, pensados como instituições. A política, enquanto isso, “[...] é uma luta em prol de ideias, mas um tipo de ideias absolutamente particular, a saber, as ideias-força, ideias que dão força ao funcionar como força de mobilização” (BORDIEU, 2014BORDIEU, P. O campo político. In: Castro, C. Textos básicos de sociologia. Rio de Janeiro: Zahar, 2014., p. 108). A política, vista sob a perspectiva de um dispositivo de produção, de um específico laço social, seria um conjunto de ideias que agencia alguém ou alguma coisa a produzir um produto.

Bordieu (2014BORDIEU, P. O campo político. In: Castro, C. Textos básicos de sociologia. Rio de Janeiro: Zahar, 2014.) lembrou que existem condições diferentes de acesso à política e, para cada condição social de ingresso à política, isto é, se o sujeito é mulher ou homem, negro ou branco, pobre ou rico, há uma propensão maior ou menor de responder aos problemas colocados por essa política. No funcionamento do campo político, um certo número de pessoas - a minoria em termos de proporção numérica, mormente os donos do capital - detém as condições sociais de acesso a este campo, ao passo que os demais estão excluídos; no caso, a grande massa populacional.

Do ensaio que utilizamos de Bordieu (2014BORDIEU, P. O campo político. In: Castro, C. Textos básicos de sociologia. Rio de Janeiro: Zahar, 2014.), levantamos duas perguntas, às quais, em nossa compreensão Marx pôde responder há um século e algumas décadas atrás: via de regra, quem são aqueles que fazem política e quem são os políticos? No campo político, as lutas travadas em vista do poder sobre o Estado são entre quais adversários? Principiando as respostas, de pronto, por intermédio do próprio sociólogo Bordieu, existe no campo político um jogo particular de forças, dentre as quais uma delas instaura a imposição de princípios que determinam uma visão e uma divisão do mundo social.

Em relação à segunda pergunta, Bordieu (2014BORDIEU, P. O campo político. In: Castro, C. Textos básicos de sociologia. Rio de Janeiro: Zahar, 2014.) observou que as lutas pelo poder do Estado são entre adversários desiguais, de capitais, de poderes e de armas desiguais. Interessante como o pensamento materialista, de base marxiana, ajuda-nos a não associar essa desigualdade unicamente com uma injustiça. Porém, na desigualdade de condições, na luta pelo poder, o que enxergamos é uma “luta de classes” (BOTTOMORE, 1988BOTTOMORE, T. (org.). Dicionário do pensamento marxista, 2. ed.Rio de Janeiro: Zahar, 1988.): a subordinação de um polo social (o trabalho) a um polo social que é o dominante (o capital), uma das expressões máximas de uma visão que aceita os fundamentos da divisão social do trabalho no mundo (BRAVERMAN, 1987BRAVERMAN, H. Trabalho e capital monopolista: a degradação do trabalho no século XX, 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987.).

No pensamento de Marx, a política é mediada pela economia. Não por menos, Marx não deixou de medir esforços para criticar a economia e a política de sua época. O questionamento do pensamento marxiano aponta para uma organização social do trabalho na qual o trabalhador recebe apenas uma pequena parte do produto que ele mesmo ajudou a produzir, para depois este mesmo produto circular no mercado como mercadoria. Este mecanismo se associa ao que chamamos de economia política (nos Manuscritos econômico-filosóficos, por estar dialogando com Adam Smith, Marx prefere adotar a locução “economia nacional” no lugar de “economia política”), em outros termos, esta é a política arregimentada pelo modo de produção do capital, ao ver de Marx, com o desígnio de instituir a infelicidade da sociedade.

Sustentada no livre-comércio, e na consequente não intervenção do Estado, o caráter capitalista da economia política visa a acumulação do excedente que se extrai pela circulação da mercadoria, venda e capital ganho. E o que permitiria a acumulação do excedente? A exploração do proletariado, os trabalhadores que existem senão para (re)produzir a perda de sua humanidade ao se tornarem uma classe de escravos, como afirmara Marx (BOTTOMORE, 1988BOTTOMORE, T. (org.). Dicionário do pensamento marxista, 2. ed.Rio de Janeiro: Zahar, 1988.; MARX, 1844MARX, K. Manuscritos econômico-filosóficos (1844). São Paulo: Boitempo, 2010./2010).

A afirmação parece forte, entretanto - de acordo com Braverman (1987BRAVERMAN, H. Trabalho e capital monopolista: a degradação do trabalho no século XX, 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987.), Rozitchner (1989ROZITCHNER, L. Freud e o problema do poder. São Paulo: Escuta, 1989.) e Zizek (1996ZIZEK, S. Um mapa da ideologia. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.), ao evidenciar o que disse Marx -, estruturam o mundo do trabalho e as relações humanas. E quanto àquela primeira pergunta que levantamos com Bordieu, respondemo-la considerando que o acesso ao poderio dos meios de produção, ao conhecimento e às condições sociais para viver a política está com os que “supostamente” são os donos da propriedade privada e da riqueza monetária. Não nos resta outra conclusão que não identificar as classes sociais mais pobres como aquelas que, em especial, não são e não fazem a política.

Onde estão concentradas as informações? Quem são os que determinam o que é de direito e para quem é de direito na sociedade? Por que muitas pessoas acreditam que o conhecimento não é para elas, que a elas é destinado o trabalho braçal e degradante ao corpo e a representação dos seus interesses cabe somente aos governantes na cidade, do Estado e do país? Pensamos que não é surpresa descobrir que, para muitos sujeitos na particularidade de suas histórias, algumas verdades são naturalizadas, como se fossem as únicas existentes, por intermédio de enredos na cena social que foram propagados a estes desde o seu ato de nascimento.

Em A lógica do fantasma, Lacan lança mão de um axioma de bastante impacto pra nós: “O inconsciente é a política!” (LACAN, 1966LACAN, J. A agressividade em Psicanálise (1966). In: LACAN, J. Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998, p. 104-126.-1967LACAN, J. A lógica do fantasma (1966-1967). Recife: CEF, 2008a. Publicação para circulação interna. (O seminário, 14)/2008a, p. 348, itálicos no original). Em seguida, ele diz que o que liga os homens entre si é uma motivação. De modo livre, interpretemos o enigma. Somos constituídos pela política, pelos significantes que são veiculados por um Outro (que não está aquém das injunções sociais produzidas pelo seu tempo histórico). E, na política, sobretudo enquanto analistas (ou trabalhadores advertidos pela Psicanálise), não há como não ocupar um lugar, um “partido”, ou seja, se estamos num universo “linguageiro” e nos entendendo enquanto entes no mundo, é impossível não tomar um partido de uma situação; agimos assim ainda que inadvertidamente (BROUSSE, 2003BROUSSE, M-H. O inconsciente é a Política. São Paulo: Escola Brasileira de Psicanálise, 2003.). Por conseguinte, afirmar que o inconsciente é a política, é reconhecer que o posicionamento diante dos desejos tem a sua vinculação com os ideais difundidos pela cultura. Isso não é “fanstamagoria” ou um mero pensamento “quimérico”; isso é evidente. Não cai mal prestarmos atenção no que está escancarado aos nossos olhos e não estamos escutando.

Em definitivo, de uma perspectiva de análise dentre as muitas que existem, ficarmos confortáveis no conformismo é sermos condescendentes com todo o tipo de violência e violações aos princípios de humanidade, resultantes da política econômica “escutada”. Porém, da postura ética que escolhemos, uma das dimensões do trabalho é ser sensível aos fenômenos do psiquismo humano e às suas formas de existir e se manifestar no âmbito das relações sociais. Importa-nos, com a práxis psicanalítica nos domínios da estética, protestar e reivindicar uma política que seja do sujeito do desejo (CHECCIA, 2015CHECCIA, M. Poder e Política na clínica psicanalítica. São Paulo: Annablume, 2015.).

Psicanálise, estética e a [economia] política

O recurso aos domínios do saber derivados da estética é crucial para a Psicanálise em seu arcabouço ético-político-clínico. A ética que corresponde ao desejo, a política de fazer oposição a toda ou qualquer prática que ameaçe extinguir a diferença, a clínica com sua técnica amparada nos pilares anteriores, aliadas à estética, ganham em oportunidade de abertura e sensibilização aos sentidos constantemente ignorados no convívio social.

No início do ensaio intitulado O ‘Estranho’, Freud afirmou que entendia por estética “[...] a teoria das qualidades do sentir” (FREUD, 1919/1996, p. 237). Ele mencionou que raramente os psicanalistas se sentem convocados a pesquisar este tema. Buscando contribuir com Freud, perguntaríamos: a estética se preocupa com as qualidades do sentir; e a Psicanálise, também não se preocuparia? Não é para o que sente o sujeito em suas experiências no sofrimento e no desejo que a escuta do analista está voltada? E, se raramente os analistas estudam o tema da estética, por outro lado, ou pelo menos acreditamos que assim deveria ser, os analistas não fazem outra coisa que não estarem atentos aos temas que tocam no interesse da estética.

Em tempos de indiferença e insensibilidade a acontecimentos que subestimam a vida humana, tratando-a somente a partir da posição (status quo) social que ela ocupa, propomos aproximar a Psicanálise do ramo da estética. Diante da atual política e do regime de relações de poder existentes nas instituições do Estado, torna-se fundamental dar um destino, nomear as sensações que nos são provocadas. As elaborações teóricas de Dionísio (2010DIONÍSIO, G. H. Pede-se abrir os olhos. Psicanálise e reflexão estética hoje. 320f. Tese (Doutorado em Psicologia), Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo/SP, Brasil. 2010.; 2018) sobre a relação entre Psicanálise, estética e arte são bem-vindas para o objeto de trabalho neste artigo.

Dionísio (2010DIONÍSIO, G. H. Pede-se abrir os olhos. Psicanálise e reflexão estética hoje. 320f. Tese (Doutorado em Psicologia), Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo/SP, Brasil. 2010.) investe numa aproximação entre a recepção-estética e a Psicanálise quando em relação ao sujeito do inconsciente, à experiência de si defronte às injunções apresentadas pela realidade. O autor destaca que a análise toca naquilo que há de mais íntimo do sujeito no plano das suas sensações, à semelhança do que seria o encontro do artista e do espectador com a obra de arte. Segundo Rancière (2009RANCIÈRE, J. O inconsciente estético. São Paulo: Ed. 34, 2009.), na teoria freudiana, a relação entre o pensamento (consciente) e o não-pensamento (inconsciente) se forma no terreno da estética.

Tanto a Psicanálise quanto a estética tratariam do indizível, do que não se pode dizer em palavras e do que está na enunciação dos discursos. Nesse sentido, parece-nos interessante o que discorreu Dionísio (2018DIONÍSIO, G. H. Da pesquisa psicanalítica como estratégia do detalhe: ensaio sobre um "método". São Paulo: Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho. 2018 (inédito).) sobre a dimensão sensível da escuta flutuante em Psicanálise e o seu tom análogo ao trabalho de recepção-estética. Das aproximações sugeridas pelos autores, é pertinente uma escuta que seja estética, sensível e implicada nos eventos irrompidos da política econômica capitalista (DIONÍSIO, 2010DIONÍSIO, G. H. Pede-se abrir os olhos. Psicanálise e reflexão estética hoje. 320f. Tese (Doutorado em Psicologia), Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo/SP, Brasil. 2010.; 2018; RANCIÈRE, 2009RANCIÈRE, J. O inconsciente estético. São Paulo: Ed. 34, 2009.).

Na esteira da presente reflexão, perguntarmos sobre como estamos escutando a política, precavidos pela Psicanálise, é o mesmo que respondermos: há que se ter um posicionamento, lê-se implicação, frente à política pautada na manutenção de privilégios. Frayze-Pereira (2010)FRAYZE-PEREIRA, J. A. Arte, dor: inquietudes entre estética e Psicanálise. Cotia-SP: Ateliê Editorial, 2010., no que toca a relação da obra de arte com o intérprete/espectador, trouxe a noção de “Psicanálise implicada” para expressar a escuta analítica que se faz num contexto diferente do tradicional setting. Rosa também decidiu aderir ao termo, contudo, localizando-o nas problematizações possíveis a serem feitas em relação ao sujeito no laço social, nos seus modos de gozar e desejar na relação com o Outro. Este é o trabalho que nos conduz à “[...] perspectiva da Psicanálise implicada, aquela em que as teorizações sobre desejo e gozo incluem o modo como os sujeitos são capturados e enredados na máquina do poder, de modo que algumas vezes tenha suspendido seu lugar discursivo” (ROSA, 2016ROSA, M. D. A clínica psicanalítica em face da dimensão sociopolítica do sofrimento. São Paulo: Escuta/Fapesp, 2016., p. 28-29, itálicos no original).

A escuta estética, na marcação que expomos, alcança a arte do bem-dizer, a implicação e a responsabilidade do sujeito nas escolhas que tateiam o desejo que o habita. O reconhecimento do sujeito naquilo que a maquinaria do poder em suas capturas o impele a sentir é o ponto-de-estofo necessário para que outros sentidos sejam criados com base neste vínculo. A Psicanálise implicada no registro de uma intensão ampliada, para além dos consultórios, mostra-se em seu ato estético como um proveitoso meio de operar junto aos sujeitos e aos efeitos (danosos à singularidade do desejo na dimensão criativa) da política econômica capitalista (ROSA, 2006ROSA, M. D.; CARIGNATO, T. T.; BERTA, S. L.. Ética e Política: a Psicanálise diante da realidade, dos ideais e das violências contemporâneos. Ágora, v. 9, n. 1, jan./jun. 2006, p. 35-48. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-14982006000100003&lng=en&nrm=iso&tlng=pt. Acesso em: 11 jul. 2018.
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).

A escuta dos fenômenos do psiquismo entrelaçados às produções do campo social nos é um posicionamento clínico, a restituição rigorosa do seu caráter político, ético e estético. Trata-se de notarmos a pertinência da dimensão estética concatenada à Psicanálise em tempos de indiferença às singularidades de gozo dissonantes das subjetivações tradicionais comuns.

Vimos que o desamparado discursivo e a alienação social são produzidos pelo discurso do capitalista, fatores que provocam a violência, suprimindo a diferença, em suas diversas formas de manifestação: de gênero, de sexo e de raça, para citar algumas. O discurso da Universidade, na sua produção desenfreada de conhecimentos que servem tão somente a uma abstração da realidade desprovida de sua matéria, bem como o discurso do Mestre, em sua funcionalidade contemporânea neo-liberal, corroborariam o discurso do capitalista. No discurso do capitalista, o sujeito é confundido com o objeto e guiado por sentidos que o aprisionam a ideais de estatuto narcísico. A escuta psicanalítica alinhada à recepção-estética propõe o funcionamento de uma práxis que pretende histericizar, interrogar, questionar o discurso social, intercedendo nas maneiras sutis de discriminação e preconceito que intentam a tomar o outro por objeto (CHECCIA, 2015CHECCIA, M. Poder e Política na clínica psicanalítica. São Paulo: Annablume, 2015.; DIONÍSIO, 2010DIONÍSIO, G. H. Pede-se abrir os olhos. Psicanálise e reflexão estética hoje. 320f. Tese (Doutorado em Psicologia), Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo/SP, Brasil. 2010.; 2018; ROSA, 2016ROSA, M. D. A clínica psicanalítica em face da dimensão sociopolítica do sofrimento. São Paulo: Escuta/Fapesp, 2016.).

Góes, em seu interessantíssimo livro Psicanálise e capitalismo, nos oferece uma valiosa contribuição sobre o que seria a função da política, a qual deveria visar uma ação sustentada em um discurso. Enquanto que, com a Psicanálise, em Lacan, teríamos a proposta de uma política ancorada na diferença. A ação política da Psicanálise se apoia em um discurso, que, como sabemos, é sem-palavras, não promete garantias de felicidade plena ou de isenção de sofrimentos. A ética da Psicanálise não está amparada em um discurso dentro da lógica dos grupos-massa, nos quais são imprescindíveis a presença de um grande líder, a alienação e a subordinação dos sujeitos (seu rebanho) a ele (GÓES, 2008).

Tendo em vista o que nos trouxe Góes (2008)GOÉS, C. Psicanálise e capitalismo. Rio de Janeiro: Garamond, 2008., ficamos com a seguinte questão: talvez, antes de partir da Psicanálise para tecer considerações acerca da política, não seria interessante partirmos de Marx? E a partir do que nos trouxeram, em especial os autores Rancière (2009RANCIÈRE, J. O inconsciente estético. São Paulo: Ed. 34, 2009.); Dionísio (2010DIONÍSIO, G. H. Pede-se abrir os olhos. Psicanálise e reflexão estética hoje. 320f. Tese (Doutorado em Psicologia), Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo/SP, Brasil. 2010.) e Frayze-Pereira (2010): é a Psicanálise um campo absoluto capaz de dar conta de todos os embaraços inerentes à experiência humana?

Considerações finais

Durante o ensaio teórico, sob a orientação da Psicanálise, expomos a conceituação de política em suas expressões na sociedade e na subjetividade dos sujeitos. Referenciados no materialismo histórico, discutimos o entendimento de política com o qual procuramos debater. E, por fim, sugerimos uma interlocução da Psicanálise com a estética, para escutar e interceder na política do Modo Capitalista de Produção.

Sobre a escuta à política, concordamos com o que falou Rosa (2016ROSA, M. D. A clínica psicanalítica em face da dimensão sociopolítica do sofrimento. São Paulo: Escuta/Fapesp, 2016.), com quem dialogamos ao longo deste artigo. A autora faz menção a uma face sociopolítica que há no sofrimento psíquico. Ao lado dos sujeitos mergulhados no Real, em extrema angústia, a escuta sensível ao “trauma” é o início da construção de um lugar para a alteridade e para a diferença. A saída subjetiva é possibilitar que o sujeito crie sentidos a isso que lhe é inominável, direcionando toda a ambivalência de sentimentos, primordialmente os odiosos, para um trabalho de criação, de e-laboração, de ciframento de gozo.

A dimensão estética no exercício da psicanálise é igualmente uma chance para a bifurcação de sentidos, ao ter no horizonte um trabalho de produção que toma a vida como obra de arte. Incluímos na mesma direção os questionamentos aos imperativos da psicanálise individual, à neutralidade do analista e à prática liberal psicanalítica distanciada da crítica. Neste sentido, não teria a estética as propriedades de pensar também sobre as questões mais amplas que ultrapassam a clínica tradicional?

Destarte, a política da Psicanálise, aliada ao campo da estética - atenta às qualidades do sentir - é sensível a uma necessária aposta irrevogável no desejo. Em sua ética, a política da Psicanálise assegura, como as únicas garantias de entrada na linguagem: a falta constitutiva e o não saber, motor indispensável para a separação do sujeito de sua dependência absoluta ao discurso do Outro, à “ditadura” da imagem - tão imperiosa no narcisismo (BROUSSE, 2003BROUSSE, M-H. O inconsciente é a Política. São Paulo: Escola Brasileira de Psicanálise, 2003.; GÓES, 2008; ROSA; PENHA; FERREIRA, 2018ROSA, M. D.; PENHA, D. A.; FERREIRA, P. P. Intolerância: fronteiras e Psicanálise. Revista subjetividades, 18iEsp(6739), p. 105-113, 2018. Disponível em: Disponível em: http://periodicos.unifor.br/rmes/article/view/6739/pdf . Acesso em: 08 out. 2018.
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). A estratégia fundante contra a alienação política e social ainda se posiciona numa retificação subjetiva que ajude o sujeito a se reposicionar nos discursos. Rumo à transformação social, também compreendemos que a revolução acontece nos discursos, não desconsideramos a micropolítica e as brechas a serem ocupadas. Como disse Lacan (1974LACAN, J. Televisão (1974). In: LACAN, J. Outros escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 2003, p. 508-543./2003), será progresso subvertermos o discurso do capitalista se as oportunidades de condição à palavra e ao desejo não forem apenas para alguns.

Propomos que a política da Psicanálise se iniciaria no instante em que começássemos a nos dar conta da política que mais vigora no seio da sociedade. E este primeiro momento, primordialmente, por justiça ética, requer um posicionamento contraditório à política genocida, ultraconservadora e segregatória do capital. Diferente dos psicanalistas estudados, que discutem a política, apreciamos que a principal contribuição deste artigo se insere por outro caminho: é explicitar de maneira mais nítida que a postura visada pela Psicanálise é face à política contemporânea capitalista.

Isso implica podermos arriscar a propor uma política de um outro estatuto. Por que não falarmos de uma política pública, tão difundida no âmbito dos movimentos sociais de base? Uma Psicanálise que se posiciona frente à política do capital, não seria uma Psicanálise que pode reconhecer outras formas de fazer e pensar a política, por exemplo, as políticas públicas que são originadas e construídas das reais necessidades e demandas populares: saneamento básico, educação, assistência social e saúde? As práticas coletivas, de grupo, as oficinas, as ações da Psicanálise em espaços abertos, tendo como direção a singularização dos desejos e a sua não massificação em larga escala, não viriam a ser um tipo de lugar na escuta do psicanalista em oposição à política classista de Estado?

Todavia, existem pontos deste artigo que são dignos de terem melhores desdobramentos em futuros trabalhos: um aprofundamento nos referenciais analíticos de Marx, para entendermos o funcionamento da política capitalista e nela intercedermos deslocando-a do seu lugar de poder. E uma maior investigação sobre a estética, vista como um factível campo de conhecimento com as suas múltiplas maneiras de acessar as qualidades do sentir, bem como as vias que conduzem ao sujeito do inconsciente. Orientada pelas políticas públicas sociais não capitalistas e conectada à estética, a Psicanálise é convidada a se reinventar diante das novas condições postas pelo tempo histórico no qual está inserida.

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  • 1
    In memoriam: Dedico a publicação deste artigo ao psicanalista, meu antigo orientador de Iniciação Científica, Especialização, Mestrado e Doutorado, Abílio da Costa-Rosa. O texto que se apresenta, derivado das reflexões empreendidas até o momento para a Tese, foi inspirado nas ideias e supervisões prático-teóricas do professor Abílio, a quem tive e sempre terei como referência de postura ética na práxis da vida. O seu legado continua, por meio daqueles que indireta ou diretamente conseguiram ter a oportunidade de viver a sua transmissão, seja de Psicanálise (Freud e Lacan), Marx ou de Deleuze e Guattari.
  • 2
    Fonte: http://www.apps-psychanalyse-sociale.com/atelier-pratique-psychanalyse-sociale. Acesso em: 16 mar. 2020.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2020

Histórico

  • Recebido
    27 Out 2018
  • Aceito
    14 Mar 2020
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