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Editorial

EDITORIAL

A proposta de um número sobre a recuperação de vestígios, resíduos, rastros e testemunhos memoriais nas literaturas da contemporaneidade prende-se, sobretudo, ao grande interesse que vêm suscitando os estudos sobre as teorias da memória na modernidade tardia.

Oferecemos, assim, aos leitores um conjunto de textos que, a partir de diversas posições analíticas, de distintos universos teóricos e focalizados nos mais variados corpus artísticos e literários, abordam a temática dos rastros. Uma leitura de conjunto permitirá apreciar o vasto universo que o tema abrange na atualidade.

Abre o volume um texto de Roland Walter que, partindo da noção de trace-mémoire (P. Chamoiseau), investiga o modo como a memória literária traduz a brutalização das pessoas e do espaço em textos de Margaret Atwood (Canadá), Linda Hogan (USA), Maryse Condé (Guadalupe) e Benedicto Monteiro (Brasil). Zilá Bernd enfoca a questão da recuperação da memória da imigração polonesa através de vestígios memoriais como velhas fotografias, cartas, e demais objetos esparsos na obra da gaúcha Letícia Wierzchowski. Elena Palmero González articula uma teoria do rastro ao estudo de textos autobiográficos de escritores cubanos contemporâneos, lendo no traço memorial individual um fragmento da memória cultural insular e argumentando como rastro e ruína alicerçam a poética escritural de Abílio Estevez e Antonio José Ponte. Sandra Regina Goulart de Almeida ilumina, através das teorias dos traços e vestígios memoriais, a memória como herança familiar, percurso individual e legado histórico, articulando o conceito de "rememoração" de Toni Morrison com as teorizações de Freud, Ricoeur, Benjamin, Derrida e Spivak. Rogelio Rodriguez Coronel segue o rastro da cultura chinesa na cultura cubana, centralizando seu estudo na obra de quatro mestres da modernidade literária em Cuba: Ramón Meza, Hernandez Catá, Severo Sarduy y Lezama Lima. Integra também esse primeiro conjunto de artigos, o trabalho de Julio Ortega sobre a reconversão cultural em terras americanas de um gênero pictórico de origem europeia, o bodegón. Ortega demonstra como a alegoria pictórica dos restos, dos desperdícios da mesa espanhola, se recodifica e enriquece com a abundância americana, plena de frutas e lendas exóticas de fecundidade. Norah Giraldi, por sua vez, contribui com instigante reflexão sobre a postura crítica do relacional que admite modalidades transversas, traduções e relações múltiplas tanto no campo do social quanto no da criação.

Três ensaios se articulam, na sequência, em torno do tema da pós-memória e das maneiras de assumir verbalmente o trauma: o texto de Eurídice Figueiredo indaga a questão da pós-memória na chamada Segunda Geração, através da análise de romances de Patrick Modiano e de W.G. Sebald, demostrando como a geração que nasce com a guerra assume literariamente o silêncio que recebeu como herança; o trabalho de Ana Basevi parte dos limites da linguagem para narrar a tragédia do extermínio nazista, ao mesmo tempo em que mostra como a literatura pode, nos caminhos da fabulação, superar as falhas da linguagem; já o artigo de Rafaela Scardino discute os mecanismos textuais que interrogam as possibilidades ou impossibilidades de reconstituição da experiência na contemporaneidade, centrando seu olhar em um texto de Ricardo Piglia.

Por fim, iniciando um último conjunto de artigos, o texto de Adriana Kanzepolski analisa o trabalho do luto pela morte de uma amiga no romance El desperdício (2007) de Matilde Sánchez, tendo como base os estudos de J. Derrida, sobretudo aqueles referentes ao discurso funerário como um discurso organizado em torno da vida e do entrecruzamento entre a ficção e a verdade. Marcos P. Natali toma igualmente por base uma obra de J. Derrida: Circonfissão, que revisita a questão do sacrifício. Ressalta possíveis relações entre literatura e teologia, via estrutura sacrificial, tentando mostrar como a literatura responde a dilemas éticos presentes em todo texto. Luciana Hidalgo discute o conceito de autoficção - clássico na teoria da literatura francesa - e o modo pelo qual ele se inscreve na literatura brasileira contemporânea, rendendo uma multiplicidade de formas de apropriação que reclamam novas teorizações. Nesse sentido alude às narrativas da violência e do limite e adianta a possibilidade de pensar em uma autoficção-limite.

Incluímos também no presente número uma entrevista de Diogo de Hollanda com o escritor colombiano Juan Gabriel Vásquez assim como uma resenha do livro Walter Benjamin: rastro, aura e história, elaborada por Lisa Carvalho Vasconcellos.

Os Editores, com a colaboração de Zilá Bernd e Elena Palmero González.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Maio 2013
  • Data do Fascículo
    Jun 2013
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