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Editorial

EDITORIAL

Com artigos, entrevistas e traduções inéditas em português, organizadas em torno de diferentes rubricas, o presente volume reúne os nomes de Georges Bataille (1897-1961) e Jean-Luc Nancy (1940-) aos de Pierre Alferi (1963-) e Jean-Marie Gleize (1946-) para pensar o lugar de uma exterioridade à literatura e ao pensamento na contemporaneidade. O que os une? Uma mesma preocupação com a saída, ou em inscrever a literatura (ou a poesia) fora dela mesma, ao afirmar sempre polemicamente que ela é sempre fora dela mesma. Deve partir sem dúvida de Bataille ou de suas proximidades a proposição segundo a qual a arte é desde sempre, inicial e essencialmente, aquilo que não é arte, aquilo que apenas secundariamente, a posteriori, e a partir de uma mecânica duvidosa, chamou-se e considera-se arte. Este é o sentido forte da noção de "documento" que pauta as preocupações de Bataille em suas primeiras intervenções ensaísticas na revista Documents, que ele codirigia e que é desentranhada por Denis Hollier em seu artigo sobre "o valor de uso" dos documentos, antes histórico e etnográfico que estético. Trata-se, acima de tudo, de sujar a arte, de contaminá-la com as impurezas de um real de que ela tenta estruturalmente se separar. De fazer com que a antiestética invada os contornos da arte, retomando-lhe os seus mais célebres monumentos: "Não é à história da arte que pertence Vincent Van Gogh", afirma Bataille.

Arte e literatura indicam, portanto, sempre, algo que é antes de mais nada não arte ou não literatura ou não poesia. Esse é o mote que faz com que Pierre Alferi pense a prosa como "ideal baixo da literatura", algo que não deixa de lembrar o "baixo materialismo" de Bataille. Ou com que Jean-Marie Gleize fale de "poesia pobre" (poor), "apoesia" ou poesia literal, poesia que para o escritor é a história de sua prosaização. Jean-Luc Nancy propõe uma definição de poesia que se comunica perfeitamente com isso tudo: poesia é limiar de sentido. A poesia pode ser igual ao contrário da poesia ou à recusa de toda a poesia, o próprio da poesia sendo essa impropriedade mesma, a não coincidência consigo mesma. Poesia assombrada pela prosa, dirá Pierre Alferi. Pensemos então a poesia como prosa, o que consiste em uma política da literatura. Falemos da "literatura enquanto prosa", propõe ele. Literatura, esse excesso ao discurso, essa exterioridade a que chamamos "existência efetiva", nos diz Jean-Paul Michel. Ainda Nancy, escrevendo sobre Bataille, denunciará o equívoco essencial que governa a sua escrita-grito, "excrit", segundo o neologismo que cunha. Escrever fora de si mesmo, escrever sempre e por definição o que não permite ser escrito: este o objeto impossível da escrita. Por isso, escrever é escrever fora, ex-, excrever.

O volume contém uma série de artigos que giram em torno de Georges Bataille, assinados por alguns de seus mais renomados especialistas: além do já mencionado Denis Hollier, Michel Surya e Francis Marmande. Donde a pergunta: por que retornar hoje a Bataille pouco mais de cinquenta anos depois de sua morte? Francis Marmande diagnostica com agudeza a ciclotimia da recepção de sua obra: "Ciclicamente, Bataille desaparece, retorna. Sentimos que ele se alça em direção à notoriedade – o 'reconhecimento' que é, em si, o reverso de sua sorte – para tão logo daí retornar ao fundo." E a cada retorno parecemos mais distantes do escândalo de sua obra, da obscenidade que, no entanto, ele sempre perseguiu, ele que reagira sistematicamente contra qualquer forma de apaziguamento da literatura e da política: contra o surrealismo, contra Breton, contra Sartre. Essa difícil recepção está sem dúvida ligada à prática recorrente em Bataille de interrupções, retomadas de projetos de publicação, reconfigurações de ideias de volume, deixando muitas vezes tudo em estado de inacabamento. O que não deixa de evocar o désœuvrement do amigo Blanchot, que cunhara o termo pensando a sua importância na modernidade, mas que se aplica muito mais à obra de Bataille do que à sua própria. É ainda Francis Marmande quem narra a surpresa de Leiris diante dos últimos volumes das obras completas do escritor: "Que coisa, quem podia ter desconfiado de que ele escreveu tanto!" Michel Surya, biógrafo e profundo conhecedor da obra de Bataille, restitui judiciosamente a parte que lhe é própria dentro do que dele diz Blanchot, e o que este lhe acrescenta, sob o signo (bem-intencionado?) da amizade, retornando ao debate sobre a comunidade iniciado pelo ensaio de Jean-Luc Nancy, La Communauté désœuvrée (de 1983). Chama a atenção em todos os textos aqui apresentados o lugar que neles ocupa um pensamento do impossível. "O domínio político que nos resta é o domínio do possível", escreve Bataille a Dionys Mascolo, ao se negar a aliar-se com ele na luta contra o golpe dado por De Gaulle em 1958. O que de maneira nenhuma implicaria em apoiar De Gaulle, muito pelo contrário. À política como compromisso, como "arte do possível" – essa é a fórmula consagrada – Bataille opõe a "soberania", uma "recusa incondicional".

Como a seu modo lembra também Nancy quando evoca a afirmação de Bataille da "impossibilidade para os amantes de se unirem de maneira a exceder suas individualidades", união que significaria a morte. Trata-se da mesma impossibilidade no que toca ao sacrifício, que rodeia a morte ao transformá-la em representação, ou em comédia! A qual, por sua vez, Christophe Bident explora particularmente em seu artigo ao confrontar a experiência da dramatização no trabalho de formação do ator por Stanislavski à "experiência interior" de Bataille. O volume conta ainda com a tradução inédita do ensaio essencial de Bataille sobre Hegel, "Hegel, a morte e o sacrifício", tentativa de extrair da Fenomenologia do espírito de Hegel, lida através do comentário de Alexandre Kojève, uma teoria do sacrifício, isto é, da experiência impossível da morte.

Os Editores, com a colaboração de João Camillo Penna (UFRJ)

ERRATA

À p. 274, ONDE SE LÊ: Jean-Michel, LEIA-SE: Jean-Paul Michel.

À p. 373, ONDE SE LÊ: Jean-Michel, LEIA-SE: Jean-Paul Michel.

Da p. 373 à p. 386, no rodapé, ONDE SE LÊ: Jean-Michel, LEIA-SE: Jean-Paul Michel.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Ago 2013
  • Data do Fascículo
    Dez 2013
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