Acessibilidade / Reportar erro

Modulações em português de imagens, experiências e estesias orientais: revisão das razões do fascínio de alguma dicção poética chinesa e japonesa como utopia da poesia

Modulations in Portuguese of Oriental images, experiences and aesthetics: the fascination with some Chinese and Japanese poetic diction as poetry’s utopia

Resumo

O fascínio do Ocidente pela dicção poética oriental está atestado em várias latitudes e línguas, e resultou numa profícua produção na área da poesia. Sabe-se que a reinvenção da poesia chinesa da autoria de Pound, em grande medida na origem da sua proposta de revolução do idioma poético, nas primeiras décadas do séc. XX, assentou, na verdade, numa falácia; numa concepção errada da natureza da escrita chinesa (e japonesa) como essencialmente pictográfica e ideogramática, na base de propriedades expressivas reconhecidas na poesia que resultariam numa particular eficácia na apreensão e tradução do real. Pessanha enaltece, em termos similares aos da exaltação poundiana, a escrita da poesia chinesa clássica. Interessa-nos rever alguns inventários dos traços da dicção poética chinesa e japonesa que explicam que ela seja tomada como metonímia e metáfora da poesia, ou como meta e utopia da poesia, para perceber o que terá levado autores muito díspares a tentar a mão nos haikus, processo em que sondaremos algumas formulações poéticas em língua portuguesa. Consideramos também que esse fascínio por uma (sonhada) origem da dicção poética, quando cruzada com o habitar (não metafórico, neste caso) do pequenino enclave de Macau, de autores que nele lançaram raízes, resultou em alguns exercícios poéticos particularmente felizes e singulares. Serão trazidos à colação nesta abordagem poemas de Eugénio de Andrade, Sophia de Mello Breyner Andresen, José Tolentino Mendonça, Yao Feng, Fernanda Dias e Fernando Sales Lopes.

Palavras-chave:
poesia; poesia chinesa; haiku; Pound; falácia; trocar de voz; Macau

Abstract

Western fascination for Eastern poetic diction is vastly documented, in several latitudes and languages, and has resulted in an impressive output in the field of poetry. It is known that Pound’s reinvention of Chinese poetry, largely at the origin of his proposal for a revolution in the poetic language, in the first decades of the 20th century, was actually based on a fallacy: on a misconception of the nature of Chinese (and Japanese) writing as essentially pictographic and ideogrammatic, based on expressive properties recognized in poetry that would prove to be particularly effective in the apprehension and translation of the real. Pessanha praises the writing of classical Chinese poetry in terms similar to the Poundian exaltation. We will review some inventories of the features of Chinese and Japanese poetic diction that explain why it is taken as a metonymy and metaphor of poetry, or as a goal and utopia of poetry, in order to understand what led very different authors to try their hand at haikus. Along this process, we will probe some poetic formulations in Portuguese. We also consider that this fascination with a (dreamed of) origin of poetic diction resulted in very interesting poems, when crossed with the (non-metaphorical, in this case) inhabiting of the tiny enclave of Macau, by authors who settled there. In this approach we will comment on poems by Eugénio de Andrade, Sophia de Mello Breyner, José Tolentino Mendonça, Yao Feng, Fernanda Dias and Fernando Sales Lopes.

Keywords:
poetry; chinese poetry; haiku; Pound; fallacy; exchanging of voices; Macau

Resumen

La fascinación occidental por la dicción poética oriental está atestiguada, en diversas latitudes y lenguas, y se tradujo en una fructífera producción en el campo de la poesía.

Se sabe que la reinvención de la poesía china por parte de Pound, en gran parte en el origen de su propuesta de revolución del lenguaje poético, en las primeras décadas del siglo XX, se basó en realidad en una falacia: en una concepción errónea de la naturaleza de la escritura china (y japonesa) como esencialmente pictográfica e ideogramática, basada en propiedades expresivas reconocidas en la poesía que redundarían en una particular eficacia en la aprehensión y traducción de lo real. Pessanha exalta, en términos similares a la exaltación de Pound, la escritura de la poesía clásica china. Nos interesa revisar algunos inventarios de los rasgos de la dicción poética china y japonesa que explican por qué se toma como metonimia y metáfora de la poesía, o como meta y utopía de la poesía, para comprender qué llevó a muy diferentes autores a intentarlo en haikus,

proceso en el que probaremos algunas formulaciones poéticas en portugués. Consideramos también que esta fascinación por un origen (soñado) de la dicción poética, al cruzarse con el habitar (no metafórico, en este caso) del diminuto enclave de Macao, por parte de autores que en él arraigaron, resultó en poemas particularmente interesantes. En este acercamiento se traerán poemas de Eugénio de Andrade, Sophia de Mello Breyner, José Tolentino Mendonça, Yao Feng, Fernanda Dias y Fernando Sales Lopes.

Palabras clave:
poesia; poesía china; haiku; Pound; falacia; cambiar de voz; Macau

A arte é sempre a maneira mais feliz de achar as coisas intactas na existência que delas temos.

(BESSA-LUÍS, 2019BESSA-LUÍS, Agustina. O susto. Lisboa: Relógio D’Água Editores, 2019. 248 p., p. 26)

The Master (Bashô) said: “Learn about a pine tree from a pine tree, and about a bamboo plant from a bamboo plant. 1 1 “Disse o Mestre (Bashô): “Aprende com um pinheiro sobre os pinheiros, e com um bambu sobre os bambus” (UEDA, 1982, p. 167). Tradução nossa.

(UEDA, 1982UEDA, Makoto. Matsuo Bashô. Tokyo: Kodansha International, 1982. 194 p., p. 167).

1. Sublinha Zhang Longxi, reclamando uma visão que o presciente Goethe consignara, e de que partilham os que laboram na abordagem comparativista da literatura-mundo, que só a leitura comparativista da literatura nos permitirá adquirir “the broad perspective for discerning thematic affinities and patterns of literary imagination beyond the gaps of languages and cultures”(ZHANG, 2007ZHANG Longxi. Unexpected Affinities: reading across cultures. Toronto: University of Toronto Press, 2007. p. 23-45, p. 45)2 2 “A perspectiva alargada a permitir discernir afinidades temáticas e padrões da imaginação literária, para além das diferenças entre línguas e culturas” (ZHANG, 2007, p. 45). Tradução nossa. . No que toca particularmente a um certo entendimento de poesia, de facto, “The Orient and the Occident/ Separate will never be”, na tradução que Zhang faz dos versos de Goethe3 3 “O Oriente e o Ocidente /nunca poderão ser separados” (ZHANG, 2007, p. 23). Tradução nossa. (ZHANG, 2007, p. 23). Quando se registra um persistente foco de atenção à tradição poética do Oriente, por parte de poetas ocidentais, mais pertinente se torna a perspectiva intercultural (necessariamente comparatista) preconizada por muitos estudiosos (BUESCU, 2017BUESCU, Helena. Literatura-mundo comparada e os mundos em português. Revista Brasileira de Literatura Comparada, v. 19, n.32, p. 89-92, 2017. Disponível em: Disponível em: https://revista.abralic.org.br/index.php/revista/article/view/441/441 . Acesso em: 18 fev. 2022.
https://revista.abralic.org.br/index.php...
, p. 90). Vejamos de que forma se manifesta essa atenção e quais as razões que a explicam, por meio do comentário de alguns poemas em língua portuguesa.

Há uma longa tradição poética de escrita de haikus, ou de experimentações nessa modalidade do discurso poético - breve, intensa, incisiva -, por parte de diversos autores ocidentais. Como se para muitos fosse uma tentação irresistível o treino da mão nessa forma codificada da dicção num dado momento da sua trajectória poética.

Um dos momentos mais recentes e mais felizes dessa incursão no universo da escrita de haikus na poesia em português foi a que resultou na obra A papoila e o monge, de José Tolentino Mendonça (2013MENDONÇA, José Tolentino. A papoila e o monge. Lisboa: Assírio & Alvim , 2013. p. 9-109.). Significativamente, diz o autor na apresentação do livro, que este surgiu na sequência de uma viagem ao Japão por convite do Centro Nacional de Cultura (durante a qual só conseguiu “estar”, não escrevendo uma linha sequer), se deve igualmente a uma experiência de leitura e, nesse plano, “tanto a Jack Kerouac como a Bashô” (MENDONÇA, 2013MENDONÇA, José Tolentino. A papoila e o monge. Lisboa: Assírio & Alvim , 2013. p. 9-109., p. 9).

A escrita deste livro emerge, na narrativa que o autor inscreve na portada da obra, de uma sequência fortuita de circunstâncias existenciais: o aborrecimento de um amigo italiano numa primeira visita a Lisboa mergulha-os numa “conversa interminável sobre Kerouac”, cuja lição o italiano, curador de uma edição dos seus diários, faculta ao português; “meter-se com os dois pés na experiência e fugir a sentimentos como quem foge a uma carga policial” (MENDONÇA, 2013MENDONÇA, José Tolentino. A papoila e o monge. Lisboa: Assírio & Alvim , 2013. p. 9-109., p. 9). Esse episódio fortuito deu origem ao mergulho de Tolentino Mendonça nos escritos de Kerouac, culminando no Book of Haikus.

Na raiz da cadeia de acontecimentos que gerou (em parte) este livro de haikus de José Tolentino Mendonça, estarão, então, em primeiro lugar, a amizade e o envolvimento com a arte (de dimensão existencial), duas componentes indestrinçáveis da experiência humana no universo deste autor. A cadeia de felizes coincidências, aleatórias, transforma-se num encadeamento presidido por uma determinação ou causalidade que mergulha as suas raízes no natural entretecimento da amizade e do conhecimento da literatura. A amizade nutre-se, desenvolve-se, num convívio com a arte, confundindo-se as duas, de tão indestrinçáveis que se revelam, e é essa experiência intensa que alimenta (também) a escrita desta poesia. Interessante que se inscreva, sob a forma de uma anotação biográfica quase anódina, essa intensidade afetiva na raiz de uma experiência poética de haikus, que só pode ser assumidamente, e antes de tudo, a experiência de uma literatura.

De que literatura? Remonta-se ao seu expoente máximo, o poeta que metonimicamente designa esta tradição - Bashô -, mas via Kerouac. A literatura que foi objeto de uma outra experiência literária, a reflexão a que a sujeitou e se sujeitou Kerouac (no seu isolamento de cerca de dois meses em Desolation Peak, mimando de alguma forma o percurso ascético semi-solitário de Bashô séculos antes na paisagem japonesa). O que permanecerá dos instantâneos captados no Japão de Bashô, nos versos de Tolentino, no séc. XXI?

Mas desviamo-nos do nosso assunto. Em Kerouac, Tolentino destaca a valorização da “capacidade de o haiku trazer à página the real thing, a coisa verdadeira,” libertando, no entanto, a expressão da constrição do modelo japonês, propondo que “o ‘haiku ocidental’ conte simplesmente muito em três curtos versos” (MENDONÇA, 2013MENDONÇA, José Tolentino. A papoila e o monge. Lisboa: Assírio & Alvim , 2013. p. 9-109., p. 10).

Escolho este poema da oficina de Kerouac como síntese da experiência proposta pelo haiku:

The taste of rain - Why kneel? 4 4 “O sabor/ da chuva - / por que razão ajoelhar?” Tradução nossa. (KEROUAC, 2003KEROUAC, Jack. Collected Haikus. 2003. Disponível em: Disponível em: https://terebess.hu/english/haiku/Kerouac-Haikus.pdf . Acesso em 20 Maio 2020. p. 39-40.
https://terebess.hu/english/haiku/Keroua...
, p. 40)

Numa formulação muito breve, por isso lapidar, com elisão de relações de temporalidade e causalidade, temos a justaposição de duas realidades, no entanto complexas em si mesmas. O fenómeno da chuva é a experiência sensorial que dela se tem. Vivemos o cosmos porque nele somos corpo, mas também espírito, que atenta na percepção, a regista (e a constitui implicitamente matéria de análise). Está estabelecido o eixo vertical que cola o homem ao universo e nele o insere como parte integrante, também como segmento da linha a unir terra e céu. O verso final, que é uma interrogação, sublinha a traço grosso a perplexidade de origem metafísica em que se desdobra a nossa existência humana, num cosmos em que nos encontramos sujeitos aos fenómenos físicos. A verticalidade instituída na primeira verificação, a da experiência sensorial do fenómeno, altera-se, e tudo no cosmos ganha a dimensão da perplexidade humana, que decorre da existência cósmica. A atitude do corpo, o ajoelhar, manifesta uma realidade metafísica, e é também (já) o resultado de uma escolha. Mas... o sujeito ajoelha-se, de fato? Ou apenas avança as razões para manifestar nesse comportamento a sua perplexidade, ante o que a experiência sensorial do cosmos lhe oferece? Ou pretende traduzir nesse gesto a sua aceitação (celebratória, votiva) da existência? A irracionalidade ou justificação profunda desse comportamento humano está a ser apresentada como decorrência natural, reação ou consequência inelutável, ou a ser questionada, na verdade exposta como absurdo? Um corpo, uma existência no cosmos. E a sua tradução metafísica, decorrente de um nexo entre a vida humana e a existência cósmica, que só pode colocar-se, dramaticamente, na forma de uma perplexidade veementemente interrogativa, vibrante porque a expressão rarefeita acentua o pathos que lhe é inerente.

Esta operação verbal, que nos suspende de uma vertiginosa revelação sobre a fragilidade do nosso existir, impossibilitando em absoluto a vacuidade e indignidade dos circunlóquios ou derrames sentimentais a que somos propensos (pela natureza intrinsecamente dramática da nossa condição), explica a fortuna poética do haiku.

Chegou agora o momento de revermos algumas das formulações que podem iluminar o fascínio por esta tradição poética oriental, ou resumir o que acerca dela se imaginou, contribuindo para a colocar na raiz de uma das mais expressivas mitificações da linguagem da poesia.

2. Em After Babel, interrogando-se sobre a receptividade de uma dada língua à metáfora, Georg Steiner especula sobre a capacidade metafórica inerente ao hebraico, ao grego, talvez também ao chinês, patente no impacto que tiveram sobre a nossa articulação da realidade (STEINER, 1992STEINER, George. After Babel: aspects of language and translation. Oxford: Oxford University Press, 1992. 560 p.).

Compreenderemos o entusiasmo de quem se abeira da poesia chinesa ao atentarmos numa observação de François Cheng (1996CHENG, François. L'Ecriture poétique chinoise: suivi de une anthologie des poèmes des Tang. Paris: Seuil, 1996. p. 11- 94.) comentando o mais importante tratado de estética ou estilística tradicional chinesa, o Wen-xin diao-long (tradução inglesa: The Literary Mind and the Carving of Dragons), escrito no séc. V por Liu Xie (465?-520?). Wen designaria Literatura, numa cadeia que vai de signo escrito, texto, até cultura e civilização. Na configuração deste carácter, poderíamos reconhecer os vestígios dos traços (rítmicos) deixados pelas aves e animais, que serviram de inspiração ao cronista Cang Jie ao criar, há 5000 anos, os ideogramas. Esta história sobre as origens míticas da escrita chinesa veicula a ideia de que os signos inventados pelo homem só teriam valor se ligados aos ritmos e sinais manifestados pela criação ou cosmos (CHENG, 1996CHENG, François. L'Ecriture poétique chinoise: suivi de une anthologie des poèmes des Tang. Paris: Seuil, 1996. p. 11- 94.).

Não é o princípio da mimese que funciona (ao contrário do que estaria na génese da poética ocidental), porque, de acordo com esta conceção, não existe a necessária dualidade mínima, uma ordem com instâncias separadas que seriam a realidade e a sua representação. O Wen humano (a escrita, a literatura) seria absolutamente paralelo ao Wen natural (entendido como a constelação ou rede de padrões ou configurações reconhecíveis no mundo), sendo ambos entendíveis como manifestação do Dao cósmico (ZHANG, 2005ZHANG Longxi. Allegoresis: reading canonical literature east and west. New York: Cornell University Press, 2005. p. 21-29.). Assim, no Wen-literatura chinesa, a consciência subjetiva faz parte integrante da rede de interações mútuas atuantes no cosmos, traduzíveis numa rede de relações simbólicas entre a esfera do humano e a natureza.

Pessanha e Pound, em épocas próximas no tempo e ambos orientados para um entendimento da escrita poética que se afirmaria no primeiro quartel do séc. XX, coincidem na sua extrema valoração da poesia chinesa.

Sabe-se que a reinvenção da poesia chinesa da autoria de Pound, em grande medida na origem da sua proposta de revolução do idioma poético, nas primeiras décadas do séc. XX, assentou na verdade numa falácia: numa conceção errada da natureza da escrita chinesa (e japonesa) como essencialmente pictográfica e ideogramática, na base de propriedades expressivas reconhecidas na poesia que resultariam numa particular eficácia na apreensão e tradução do real.

Datam de 1912 e 1913 os manifestos de Pound e seguidores, de defesa do Imagismo, ou princípios de poética que visariam revolucionar a dicção poética do seu tempo; e é de 1913 o que alguns consideram o primeiro haiku em inglês.5 5 “In a Station of the Metro”: “The apparition of these faces in the crowd:/ Petals on a wet, black bough.” (KENNER, 1991, p. 197). Pound publicará escritos de Fenollosa, a que teve acesso por esses anos (1913), que se traduzirão numa obra como Cathay (1915), e num ensaio de poética em 1919 (em livro em 1936). No Fenollosa que editou (juntando-lhe notas e suprimindo o que não lhe parecia pertinente do ponto de vista da interpretação que construía), Pound encontrou a fundamentação teórica (sobre a natureza da escrita chinesa) a criar um contexto particular para as suas propostas poéticas: a validação do que ficou conhecido como “método ideogramático” (FENOLLOSA; POUND, 2008FENOLLOSA, Ernest; POUND, Ezra. The chinese written character as a medium for poetry. New York: Fordham University Press, 2008. p. 3-8., p. 8). Fenollosa e Pound (2008) identificam como propriedades da poesia o que descrevem como características inerentes à língua chinesa, no que toca à sua escrita. A escrita chinesa, na sua conservação, através dos ideogramas, da memória etimológica da língua, preservaria igualmente a memória da ligação fundadora do signo ao fenómeno natural que ao primeiro teria dado origem. Na natureza, tudo é movimento e mudança; tudo, na linguagem, se concentra para sugerir essas realidades. Assim, na escrita chinesa estaria em ação uma energia particular, diretamente resultante da sua dimensão não arbitrária; conservando intacta a memória das forças operando na natureza, que motivaram o caracter que as evoca, conserva intacta a energia das metáforas que, num processo analógico, ditaram a configuração dos caracteres. Esse método ideogramático de produção do discurso, na origem de um metafórico tecido compósito na língua chinesa, constituiria uma linguagem ideal (na medida em que o discurso deriva e espelha uma necessidade decorrente do próprio cosmos, está caucionada a sua natureza universal e ao processo de pensamento que lhe subjaz).

Pessanha enaltece, em termos muito similares aos da exaltação poundiana, a escrita da poesia chinesa clássica, como sublinham G. Rubim (2010RUBIM, Gustavo. Camilo Pessanha: o exota encontra a China. In: TOCCO, Valeria. L’Oriente nella língua e nella letteratura portoghese. Pisa: ETS, 2010. 152 p.) e P. Franchetti (2008FRANCHETTI, Paulo. O essencial sobre Camilo Pessanha. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2008.).

Numas conferências sobre estética chinesa (em 1910) e sobre literatura chinesa (em 1915), e sobretudo no prefácio das elegias que traduziu (1914), Pessanha salienta características que estudiosos chineses confirmarão como propriedades capitais da poesia chinesa: a “obscuridade, ambiguidade ou “imprecisão da linguagem” - decorrente da “falta de leis sintácticas que presidam à (...) estrutura da frase” -, agravada pela “concisão epigráfica”, com supressão dos conectores lógicos (PIRES, 1992PIRES, Daniel. (org.). Camilo Pessanha prosador e tradutor. Prefácio e notas de Daniel Pires. Macau: Instituto Português do Oriente, 1992. 319 p., p. 183). Maravilha-se com o carácter simultaneamente vetusto e eterno que faz da escrita chinesa um fenómeno único, bem como com a sua natureza ideográfica, que faz com que os caracteres conservem a “ideia geratriz da sua forma” (PESSANHA, 1993PESSANHA, Camilo. China: estudos e traduções. Lisboa: Vega, 1993. 126 p. , p. 164).

Está estabelecido, e é pacífico, que a convicção de que todos (ou quase todos) os caracteres chineses são ideogramas era uma “misconception”, um equívoco, que se deveu a uma recusa em reconhecer o elemento fonético integrante desses mesmos caracteres (LIU, 1962LIU, James J.Y. The art of chinese poetry. Chicago: The University of Chicago, 1962. 171 p., p. 3). Muitas das conclusões inferidas pelos autores que nela laboraram serão, portanto, incorrectas. Não obstante, a falácia que daí resultou revelou-se como uma das mais produtivas em função do seu impacto na dicção poética ocidental.

Sabemos como as traduções de Pound e Pessanha foram apoucadas por estudiosos que insistiam no seu discutível conhecimento do idioma chinês e na sua incompreensão da natureza da escrita e da língua chinesa. Neste momento, essa questão já está um pouco ultrapassada, apoucadas que foram essas valorações à luz da poesia que apareceu como o resultado dessa oficina de labor poético e de meditação sobre as propriedades da escrita chinesa. Pessanha e Pound participariam do movimento da “sinologia poética”, segundo designação de Gustavo Rubim, daqueles que fizeram “da poesia chinesa meio de aceder um outro pensamento de escrita” (RUBIM, 2010RUBIM, Gustavo. Camilo Pessanha: o exota encontra a China. In: TOCCO, Valeria. L’Oriente nella língua e nella letteratura portoghese. Pisa: ETS, 2010. 152 p., p. 19). A avaliação das interpretações, da autoria de Pound, de poetas chineses e japoneses e da ensaística de Fenollosa, como a invenção poundiana da poesia chinesa e japonesa para o século XX, perdeu a carga de ironia que a ameaçou, num dado período. O seu impacto vai muito para além da sua importância na literatura em inglês, em que compete, por exemplo, nada menos do que com The Waste Land, de T.S. Eliot, nas palavras de Saussy (FENOLLOSA; POUND, 2008FENOLLOSA, Ernest; POUND, Ezra. The chinese written character as a medium for poetry. New York: Fordham University Press, 2008. p. 3-8.); a sua mitificação e invenção da poesia chinesa e japonesa estará na origem do persistente fascínio de que ainda hoje estas gozam. Poucos poetas haverão, em qualquer latitude ou língua, que não tenham experimentado a mão na escrita de um haiku.

Zhang Longxi não é muito complacente para com estes (des)entendimentos (maioritariamente ocidentais, mas não exclusivamente) sobre a natureza da escrita chinesa como um produto em continuidade com o cosmos, portanto também ela parte do mundo natural. Foram, no entanto, estas leituras que a colocaram na origem de uma ideia fecunda, em termos de experimentação literária, sobre a natureza da poesia.

O poeta chinês seria (apenas) um veículo através do qual a natureza se manifesta como Wen ou um “aesthetic pattern” (OWEN, 1985, p. 20 apudZHANG, 2005ZHANG Longxi. Allegoresis: reading canonical literature east and west. New York: Cornell University Press, 2005. p. 21-29., p. 21), não à maneira do poeta platónico do Ion, que canaliza o sopro divino, mas como se a poesia emanasse do próprio cosmos, que apenas prolonga, e de que é produto. Compreende-se a dimensão naturalmente impessoal da poesia chinesa, como se as coisas nela se dissessem sem intermediação. A linguagem é percebida como inseparável do que a linguagem refere (ZHANG, 2005).

Zhang (2005ZHANG Longxi. Allegoresis: reading canonical literature east and west. New York: Cornell University Press, 2005. p. 21-29.) explica que a esta conceção não será porventura estranha a origem missionária da sinologia europeia, que, mergulhando no período da controvérsia dos ritos, assimilou a noção (muito conveniente) de que a língua chinesa não teria a capacidade de expressar o abstrato ou transcendente, enraizando almas e pensamento no aqui e agora da dimensão concreta do mundo natural, inviabilizando a projeção metafísica para lá desse horizonte.

Este suposto deficit da língua chinesa, prejudicial na esfera da teologia (cristã), converte-se, no “ensaio especulativo e amadorístico” de Fenollosa, num trunfo na esfera da literatura, possibilitando o advento de uma “nova estética”, trabalhada por Pound na sua poética imagística (ZHANG, 2005ZHANG Longxi. Allegoresis: reading canonical literature east and west. New York: Cornell University Press, 2005. p. 21-29., p. 25-26). Em boa hora se deu este fecundo mal-entendido, com implicações para a linguagem poética em geral, muito para além da expressão em inglês.6 6 Em termos filosóficos, Derrida lerá nas propostas de Mallarmé, Pound e Fenollosa uma primeira quebra na tradição ocidental logocêntrica e fará da escrita chinesa um símbolo da “Différance” (veja-se a revisão de ZHANG, p. 1992).

3. Vamos rever, agora, sumariamente alguns dos traços da dicção poética chinesa e japonesa já aludidos por autores como Pessanha e Pound e confirmados por estudiosos chineses (como James Liu, François Cheng ou Yao Jingming), na tentativa de perceber as razões desse fascínio.

Combinemos Pessanha e Cheng no seu apego a uma escrita simultaneamente vetusta e intemporal, eterna porque imutável, os chineses teriam com ela conseguido criar uma língua com características específicas, de que os poetas seriam os grandes beneficiários: um sistema semiótico fundado numa relação estreita com o real, evitando uma ruptura entre os signos e o mundo, e, consequentemente, entre o homem e o universo (CHENG, 1996CHENG, François. L'Ecriture poétique chinoise: suivi de une anthologie des poèmes des Tang. Paris: Seuil, 1996. p. 11- 94.). Assim, a língua reproduziria o funcionamento do universo, isto é, espelhando o pensamento mítico que o explica, pode, por sua vez, operar ritualmente, oferecendo-se como palco (ritual) onde se recriam ou reencenam os processos que estruturam o mundo.

Ora, segundo a filosofia chinesa, o vazio é a origem e o suporte de tudo, a condição da manifestação e do sentido. Cheng afirma que a língua poética exacerbou algumas das características intrínsecas da língua comum, mormente no que se refere ao recurso das elipses - de conectores lógicos, pronomes pessoais, verbos copulativos... -, de que resultaria a inserção do vazio (assimilável a sopro rítmico) no discurso (CHENG, 1996CHENG, François. L'Ecriture poétique chinoise: suivi de une anthologie des poèmes des Tang. Paris: Seuil, 1996. p. 11- 94.). Os ideogramas não copiariam o aspeto exterior das coisas; figurá-las-iam antes por meio dos seus traços essenciais, patenteando estes na sua combinação os laços secretos que unem as coisas.

Cheng lembra o uso considerável de metáforas pelos falantes de chinês, recurso também muito presente na poesia, o que decorreria da própria natureza da escrita. Pela relação que instituem com as coisas que designam e pelas relações que entre eles existem, o conjunto dos ideogramas constitui um “sistema metafórico.metonímico”, tradução nossa (CHENG, 1996CHENG, François. L'Ecriture poétique chinoise: suivi de une anthologie des poèmes des Tang. Paris: Seuil, 1996. p. 11- 94., p. 94). A omissão de verbos copulativos e de elementos de comparação faz com que a relação analógica que se estabelece entre dois termos que aparecem como que justapostos, numa relação de contiguidade, pareça ditada por uma necessidade interna que decorre do fenómeno evocado: a ordem metonímica acrescenta-se, ou dobra, (a)o processo metafórico. Como se o sujeito, por meio da ausência de predicação, quisesse ultrapassar o procedimento metafórico, introduzindo nele uma ordem mais metonímica. Contíguos, estabelecem-se entre os termos tensões e interações que sugerem a confusão ou identificação dos fenómenos designados. A constelação de imagens resultante afirma uma relação de implicação entre o drama humano e o plano cósmico (CHENG, 1996). Com a época de ouro da poesia Tang, proliferaram na língua as figuras metafóricas, organizadas num vasto conjunto de símbolos estruturados (CHENG, 1996), que constroem a noção de uma profunda inter-relação, mesmo identificação, do homem e do cosmos.

Georges Mounin, citado por Yao Jingming, fala de uma “rede (...) de correlações subjectivas” (JINGMING, 2001JINGMING, Yao. A poesia clássica chinesa: uma leitura de traduções portuguesas. 2001. Dissertação (Mestrado em Literatura Portuguesa) - Instituto de Estudos Portugueses, Universidade de Macau, Macau, 2001. , p. 17) codificadas, entre todos os elementos do cosmos e da existência humana, intrínseca à poesia chinesa, estranha às suas consortes ocidentais, decorrente da própria natureza da língua /escrita chinesa.

Outra característica da poesia chinesa é a sua natural (natural significa aqui decorrente da língua, das constrições da língua) concisão e economia expressiva. A combinar com a ambiguidade que decorre da fluidez e flexibilidade morfológica e sintática da língua chinesa - a categoria e função dos termos pode depender apenas do seu contexto -, o que se poderia perder em precisão ou significação unívoca, ganha em ressonância universal. Muito importante também é a sua natural tendência para elidir as marcas da presença do sujeito poético, da sua subjetividade, ergo da relatividade e precariedade da sua perceção. Assim se dá ao mundo nomeado e à perceção na base dessa nomeação uma consistência ou fundamento ontológico que não é uma conquista (ou miragem) despicienda, como nos ensina a história do pensamento ocidental. O eu poético dilui-se nas coisas, internalizando-as na medida em que nelas se inscreve, ao falar por meio delas. Daqui decorre um sentido de impessoalidade da perceção que se traduz na afirmação da presença absoluta, objetiva, do mundo.

Miguel Tamen, citado também por Yao Jingming, assinala a convicção, transmitida pelas teses de Fenollosa e Pound, de que, na língua chinesa, o vocabulário da perceção é fiável na sua tradução não arbitrária do mundo; em consequência, e nesta perspetiva, todas as combinações expressivas que ela materializa fomentariam “uma convicção na estabilidade do universo de todas as combinações”, o que contribuiria para fazer dessa língua uma “reconfortante e idealizada encarnação simultaneamente da estabilidade da tradução verbal do funcionamento do mundo e do funcionamento desse mesmo mundo”. Isso é, na língua chinesa, assinalar-se-ia uma possibilidade epistemológica e uma realidade ontológica, apenas utópico ponto de mira no horizonte idealizado das poéticas ocidentais (TAMEN, 1994TAMEN, Miguel. Maneiras de Interpretação - Os Fins do Argumento nos Estudos Literários. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda , 1994: 130., p. 130).

Todas estas observações confirmam, portanto, a intuição de Fenollosa, Pessanha e Pound, e explicam que a poesia chinesa possa ser tomada como metonímia e metáfora da poesia tout court - ou como meta e utopia da poesia.

4. Atardemo-nos, agora, na leitura de alguns poemas em português que, no contexto da nossa proposta de revisão da “falácia poundiana” ou mitificação da escrita / poesia chinesa, remetem ao universo e dição poética que viemos evocando.

O nosso roteiro incluirá Fernanda Dias, Yao Feng, Eugénio de Andrade, Sophia de Mello Breyner Andresen e José Tolentino Mendonça.

Comecemos por um poema de Fernanda Dias, uma autora que, a partir da experiência de Macau, exalta, em variados volumes, a sua descoberta, ou melhor, “adentramento”, na cultura e cosmovisão chinesa, a religá-la a uma ordem celebrada, na sua escrita, como arquetípica e fundadora.

O poema que escolhemos pertence a O Mapa Esquivo, revisitação de uma Macau delapidada, “diminuto pedaço de chão” (DIAS, 2016DIAS, Fernanda. O mapa esquivo. Macau: Livros do Oriente, 2016. 115 p., p. 19) que, no entanto, permite o contato com a ordem sacral que nele rasga sentidos. Poemas em que a paisagem de Macau se confunde com a que poesia e pintura chinesas registaram, durante séculos. Como se esta poesia assentasse num trocar de voz, processo pelo qual descrevemos este assomar, na escrita, de paisagens, tropos e modos de olhar que reconhecemos imediatamente como os que definem a poesia chinesa clássica.

Chuva brava semeia sapos no mangal Sapos grandes que zurram como burros Não há aqui caderno nem caneta À cabeceira da esteira, um livro velho Um candeeiro de estanho fuliginoso E fósforos moles que não acendem De mansinho afasto o mosquiteiro Teia eterna de cassa húmida Saúdo a lua lesta que apedreja Com bagos líquidos e duros o dorso estriado a negro da baía (DIAS, 2016DIAS, Fernanda. O mapa esquivo. Macau: Livros do Oriente, 2016. 115 p., p. 44).

Disse-nos Tolentino Mendonça que não escreveu uma palavra no Japão, onde “só conseguia estar” (MENDONÇA, 2013MENDONÇA, José Tolentino. A papoila e o monge. Lisboa: Assírio & Alvim , 2013. p. 9-109., p. 11). Fernanda Dias afirma enfaticamente que “Não há aqui caderno nem caneta” (DIAS, 2016DIAS, Fernanda. O mapa esquivo. Macau: Livros do Oriente, 2016. 115 p., p. 44): só o real em que o sujeito está imerso, surgindo primeiro (sinestesicamente) como imagem do exterior criada a partir do som, mas evocado a partir do espaço interior, através da referência a objetos que o intemporalizam e idealizam (esteira, livro velho, candeeiro, fósforos...) numa cela ou cabana monástica da poesia clássica chinesa.

Este texto poderia ombrear com muitos outros da Dinastia Tang. Proponho apenas a colação “Yinwu Pavillion”, de Yu Xuanji, em que se contempla as flores da primavera e a lua do outono, tudo matéria de poesia, a partir de um ponto focal situado no eixo de uma montanha - uma janela cujas cortinas nunca se cerram (KELEN et al., 2009KELLEN, C. et al. Fragrance of Damask: women poets of the Tang Dynasty. Macau: Association of Stories of Macau, 2009., p. 373).7 7 O poema está traduzido para português por Ricardo Portugal e Tan Xiao (YU, 2011, 83), mas neste caso particular, prefiro a tradução do volume organizado por Christopher Kelen et al: “spring flowers/ autumn moon/ all good for poems// (...) curtains never rolled down/ I move my bed/ to sleep facing the mountains” (KELEN et al., 2009, p. 373).

Neste poema de Dias, como em muitos outros da Dinastia Tang, temos a mesma relação com a paisagem, que os poetas, sempre vivendo alguma forma de exílio, avistam da sua cela ou cabana nas montanhas. Temos os mesmos gestos. O “afasto o mosquiteiro / teia eterna de cassa úmida”, a permitir o ato de contemplar e a sugerir a simbiose entre a natureza e o artefato humano, como se pertencessem à mesma ordem; na verdade, já se contemplava desde a primeira linha, enquanto este verso com a explicitação do eu surge apenas num segundo momento; antes, já se objetivou o olhar confundindo-o com a paisagem percebida, tornando indestrinçáveis exterioridade e interioridade; o “saúdo” funde de novo sujeito e cosmos, “Saúdo a lua lesta que apedreja/ Com bagos líquidos e duros / o dorso estriado a negro da baía”, projetando-se na paisagem que se animiza, melhor se humaniza, encerrando-se todos os elementos num momento do jogo cósmico, para o que se mobilizam personagens e metáforas que provêm da poesia clássica chinesa. No entanto, é a Macau de O Mapa Esquivo que identificamos, delapidada, sim, mas eterna, porque nela se abre o mesmo espaço em que, no jogo que a dicção poética permite, o sujeito se reconhece ao desaparecer na exultação que unifica um cosmos dito por meio de metáforas imemoriais (talvez milenárias?)... A perspetiva, as imagens, os gestos e os efeitos são os mesmos nesta poesia sobre Macau que ressuscita a perspetiva, imagens e gestos, processos e efeitos por que se definiu a poesia chinesa: porque foi o espaço de Macau a funcionar como porta de entrada, para Fernanda Dias, na ordem cósmica celebrada pelo pensamento mítico chinês.

Passemos, agora, a dois poemas de Eugénio de Andrade, “Nocturno”, de Primeiros Poemas, e “Quase haiku”, de Ostinato Rigore. Pelo meio, consideraremos ainda um texto em língua portuguesa do poeta chinês Yao Feng.

Noite, Noite velha, Nos caminhos. A lua no alto Fingindo-se cega. Estrelas. Algumas Caíram ao rio. As rãs e as águas Estremecem de frio. (ANDRADE, 1987ANDRADE, Eugénio de. Poesia e prosa. Lisboa: Círculo de Leitores, 1987. p. 9-107., p. 9).

Este poema é como que uma paráfrase ou reescrita do mais famoso haiku de Bashô, o da rã e do lago, um dos textos mais profícuos, porque um dos mais glosados, da história da literatura. Mas é também um eco ou uma reminiscência da paisagem noturna da poesia chinesa (como a dos poemas de Meng Haoran), em que estrelas e árvores desenham percursos entre os céus e as águas que os espelham, tudo integrado numa vibrante e ordenada unidade cósmica, na qual, consoladoramente, o homem desaparece, ou se instala como apenas mais um dos elementos.

De Bashô, disse-se que a sua grande arte consistiria em “fazer-se esquecer”, com o eclipse do sujeito, componente de um percurso qualificado como “uma ascese poética” (KERVEN, 1995KERVEN, Alain. Bashô et le haiku. Paris: Bertand-Lacoste, 1995.).

Entre os corpos das estrelas, os das rãs, ou das águas, não há diferença material, ou, noutro plano, ontológica. Os homens (“caminhos”) tem a mesma idade que os elementos do cosmos (como a “noite velha / nos caminhos”) e a mesma sensação perpassa por todos os seres (rãs e águas “estremecem de frio”). “Estrelas. Algumas / Caíram ao rio.” A imagem é obviamente o resultado de uma observação ou seleção, que supõe a intervenção de um sujeito humano - “A lua no alto / fingindo-se cega”. A paisagem deste texto é a de muitos poemas da tradição clássica chinesa e japonesa, recuperando temas, imagens, personagens e até o modo do discurso: a enumeração, simples justaposição de elementos que se correspondem, na medida em que se articulam num trânsito imutável e eterno. A dicção é rarefeita, porque é circunscrita à apresentação exclusiva de “the real thing”, na reflexão de Kerouac lembrada por Tolentino.

Este poema remete-nos imediatamente para a teorização de Pound sobre a imagem de que retemos apenas esta síntese: a doutrina imagista preconiza uma poesia que assente numa forma de apresentação direta da realidade, por meio de imagens concretas que por si solicitam uma reacção emocional. Deste filão poético, o mais alto expoente seria justamente a poesia chinesa: “o máximo de fanopeia (a projecção de uma imagem visual sobre a mente) é provavelmente alcançado pelos chineses, em parte devido à particular espécie de sua linguagem escrita” (POUND, 2006POUND, Ezra. ABC da literatura. São Paulo: Cultrix, 2006. 218 p., p. 45). A brevidade da dicção, a “apresentação imagística”, os elementos e metáforas transitando diretamente das poesias chinesa e japonesa, a sua perfeita combinação, resultando da justaposição de realidades que entre si interagem, num perfeito e equilibrado círculo ou ciclo cósmico em que todos os participantes comungam do mesmo estremecimento, incluindo o leitor, deslumbrado pela revelação da serena unidade cósmica num instante que o poema capta e suspende - todos estes aspectos estão presentes. Estes poemas inserem-se, portanto, num eterno diálogo com a tradição mítica da poesia cunhada a Oriente e difundida pela sua recepção a Ocidente, num processo a que, como vimos, não são alheios alguns felizes equívocos. Na verdade, este produtivo fascínio por uma poesia particular resultou na sua instituição como metáfora da dicção poética na sua forma mais próxima da eficácia da sua origem. Esta noção faz desta utopia um desafio a todo o poeta - e por isso muitos não resistiram a treinar a sua mão num exercício de escrita que os insere numa corrente milenar.

O seguinte poema de Yao Feng surge-nos inevitavelmente como uma reminiscência da “apresentação imagística” da tradição chinesa:

o peixe no aquário bate com a cabeça em todas as direcções a agitar-se o mar, ao longe (FENG, 2014FENG, Yao. Palavras cansadas da Gramática. Poesia e Fotografia. Lisboa: Gradiva, 2014. 204 p. , p. 18).

Porventura não lhe será também estranha a articulação do haiku, em que ao primeiro momento descritivo se segue um desfecho inesperado, ou, nas palavras introdutórias de Jorge Sousa Braga à sua tradução de Bashô, “explosivo” (BASHÔ, 1986BASHÔ, Matsuo. O gosto solitário do orvalho. Tradução de Jorge Sousa Braga. Lisboa: Assírio & Alvim , 1986. 120 p. ). Aqui, procura-se o choque do absoluto contraste resultante da transposição do movimento do peixe enclausurado, feito tormento, para a infinita e remota ondulação marítima. Os efeitos de sentido decorrentes da justaposição de realidades em tensão, serão também contrastantes: descrevendo-se o absurdo da existência, objetivado no simile concreto do peixe, ao evocar-se um longínquo, inatingível sentido - o da existência dos ritmos cósmicos, ou da natureza -, o acto de dizer uma condição pungente, é, paradoxalmente, libertador, ao pôr em relação os dois fenómenos.

O segundo poema de Eugénio de Andrade interessa-nos pelo seu título, “Quase haiku”, que, a bem dizer, poderíamos estender ao poema de Yao Feng que acabámos de comentar.

Que terror te ergueu Pétala a pétala Para eu desfolhar, Ó manhã de oiro. (ANDRADE, 1987ANDRADE, Eugénio de. Poesia e prosa. Lisboa: Círculo de Leitores, 1987. p. 9-107., p. 107).

É um “quase haiku” porque a medida prescrita não se cumpre? Ou por causa da intrusão do sujeito, que se coloca no eixo do poema, do fenómeno evocado, confundindo no mesmo gesto e no mesmo pathos a temporalidade, morte e beleza que assombra o cosmos e o sujeito humano?...

5. Desviemo-nos agora um pouco deste modo de dizer, mas não do efeito (fusional, do homem e do cosmos em que ele se projeta). De Sophia de Mello Breyner Andresen, atardemo-nos não num daqueles poemas que recuperam a expressão aforística ou lapidar de poéticas arcaicas (no sentido próprio do termo), mas num que nos permitirá refletir sobre os fundamentos (filosóficos) da sua retórica unitiva. Dela quero interrogar o impulso unitivo com o real, a celebração duma unidade cósmica que acolhe o sujeito, assim o redimindo da sua condição incompleta, finita, mortal. Repare-se que na abertura do poema “Mar” o sujeito também se inscreve no eixo do universo/poema, numa versão que é ao mesmo tempo mais discursiva, mais explícita (até porque integra uma temporalidade narrativa) que as de Eugénio de Andrade atrás incluídas:

De todos os cantos do Mundo amo com um amor mais forte e mais profundo aquela praia extasiada e nua onde me uni ao mar, ao vento e à lua. (ANDRESEN, 2015ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner. Obra poética. Lisboa: Assírio & Alvim, 2015. p. 65-773., p. 65).

Nestes versos, não temos a enumeração de elementos a oferecer-nos num instante suspenso o vibrante estremecimento do cosmos. Direi que está consignado o gesto, impulso ou anelo unitivo, presente em todos os outros poemas que citámos até aqui. Refere-se um voto, compromisso ou acto ritualístico entre o sujeito humano e o cosmos que subtrai o primeiro à dramática limitação do seu corpo ou existência finita. O cosmos é abertura infinita. Noutros textos, como os que se constroem em torno da casa, percurso de ascese poética em direção ao “vazio que caminha em seus espaços vivos” (ANDRESEN, 2015ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner. Obra poética. Lisboa: Assírio & Alvim, 2015. p. 65-773., p. 521), o sujeito projeta-se no processo que cumpre, materializado no espaço da “casa”, num processo de evasão de si que tem sido aproximado de processos ascéticos místico-religiosos.

Nalguns dos seus textos, Sophia tenta fixar o que designou num poema mais discursivo do seu primeiro livro, como o “gesto de um impulso”. Este “gesto de um impulso” residiria em “Palavras (a murmurar, palavras) que eu despi da sua literatura, / Para lhes dar a sua forma primitiva e pura, / De fórmulas de magia” (ANDRESEN, 2015ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner. Obra poética. Lisboa: Assírio & Alvim, 2015. p. 65-773., p. 68). Na homenagem a Pascoaes, saúda “O ser um com a luz a flor o monte (...) / Seu rosto é de pinhais sombras e mágoas /Aqui o puro emergir: luas e águas/E o antigo tempo irmão do universo” (ANDRESEN, 2015ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner. Obra poética. Lisboa: Assírio & Alvim, 2015. p. 65-773., p. 773). Muito à maneira romântica, Pascoaes encarna a figura do oráculo dos deuses que nas coisas se manifestam, de que o poeta seria o sacerdote ou vate. Em Sophia, em quem reconhece uma vocação afim, Pascoaes saúda a “transparência”8 8 Pascoaes deixou um poema de preito a Sophia, que esta não tomou como comentário à sua obra. Nele, Pascoaes exclama: “Através dos teus versos, /que transparência!?” (PASCOAES, 1950, p. 16 apudBELLO, 2011, p. 2.). , que podemos aqui entender como a elisão do sujeito que desaparece nas imagens percebidas, na captação do real exacerbado a reclamar um “olhar cego”. O impulso é o que reconhecemos como utopia de um determinado filão poético: fazer silêncio para ouvir, deixar subir em si palavras que traduzem a presença concreta do real, experiência objetiva, absoluta, a reclamar um olhar objetivo.

Em “Pascoaes,” como em muitos poemas de Sophia, atualizar-se-ia o que ficou conhecida como a “falácia afetiva”, ou falácia patética, muito presente no romantismo, ecoando na teoria das “Correspondências” de Baudelaire, assente no desejo de fusão do sujeito humano com o cosmos, uma estratégia a permitir iludir a temporalidade, condicionada, da humana finitude. Paul de Man analisou os mesmos “gestos de um impulso” unitivo a traduzir numa relação intersubjetiva com as coisas, com os cosmos, nalguns poemas de Rilke. De Man desmonta como mera encenação retórica o gesto ou impulso rilkeano de tradução do inefável, que reduz a (meros) procedimentos de retórica, de uma retórica eficaz, sim, mas falaciosa (DE MAN, 1983DE MAN, Paul. Blindness and Insight: essays in the rhetoric of contemporary criticism. 2. ed. Londres: Routledge, 1983.). Segundo a análise de de Man, na poesia de Rilke atuaria um dispositivo retórico que ultrapassa a incapacidade de a linguagem poética significar de facto algo, através do poder de evocação das sonoridades estruturadas para esse efeito.

Não me atardarei nessa análise, já revista criticamente por Zhang Longxi (1992ZHANG Longxi. The Tao and the Logos: literary hermeneutics, east and west. Durham & London: Duke University Press, 1992. 258 p.). Mas poderíamos talvez explicar também o fascínio exercido pelas poesias chinesa e japonesa pela alternativa poética que fornecem à encenação retórica de uma relação intersubjetiva homem-cosmos de fôlego mais romântico. A formulação das “correspondências” baudelairianas trai a nostalgia de uma intrínseca unidade entre todos os seres que o acto da nomeação poética permitiria restaurar9 9 Seabra Pereira refere as afinidades entre as “correspondências” de estro Baudelairiano, já trabalhadas pelo visionarismo romântico, e as concepções cosmológicas da tradição esotérica chinesa (PEREIRA, 2015, p. 573). . A falácia patética romântica, que afinal pode ser reconduzida latu sensu, à relação de inextricável dependência entre o homem e o cosmos, reconfortante para o primeiro, essa falácia patética conheceria assim na versão poética de inspiração chinesa e japonesa uma configuração ou confirmação que, esta, não está refém dos “gestos” ou procedimentos retóricos que atravessam ainda muita poesia reminiscente, neste aspecto, de uma mundivisão romântica. Na dicção poética marcada pelo andamento do haiku, por exemplo, a apóstrofe é inviabilizada, já que a nomeação surge sempre como abrupta afirmação ou evocação. O tradutor T. Barnstone lamenta versões ocidentais menos felizes que dão aos poemas chineses andamentos à la Walt Whitman, quando eles deveriam soar antes como os de Emily Dickinson (BARNSTONE, 2005BARNSTONE, Tony; PING, Chou. (ed.). The anchor book of chinese poetry. New York: Anchor Books, 2005. 512 p.). Jorge de Sena fala do “quase desespero de concisão (...) na raiz dos quase epigramas de Emily Dickinson” (SENA, 1994SENA, Jorge de. O Dogma da Trindade Poética (Rimbaud e outros ensaios). Lisboa: Asa, 1994. 426 p., p. 96). Também Camille Paglia sublinhou que “The primary quality of Dickinson style are high condensation and riddling ellipsis. (…) Words are rammed into lines with such force that syntax shatters and collapses into itself. (…) The poems shudder with a huge tremor of contraction”, resultando de todos estes processos uma energia estonteante: “a stupefying energy” (PAGLIA, 1992PAGLIA, Camille. Sexual Personae: art and decadence from Nefertiti to Emily Dickinson. London: Penguin Books, 1992. 736 p., p. 624).10 10 “As qualidades primaciais do estilo de Dickinson são a sua extrema condensação e as enigmáticas elipses. (...) As palavras alinham-se nos versos de tal forma que a sintaxe se estilhaça e se desmorona. (…) Os poemas estremecem, com um tremor enorme, devido à sua contração”. Tradução nossa.

Podemos imaginar ou recordar traduções “whitmanianas” da poesia chinesa e japonesa, expansivas, a tendência para o andamento, marcial, que a explosão emocional ritma. Percebe-se a preferência de T. Barnstone pela tradução à la Dickinson: Jorge de Sena descreve-a como absolutamente “distante da autodramatização romântica”, do seu clamor e lamentações. “Afirma e afirma-se”, num discurso ritmado e “abrupto, tenso, conciso” (SENA, 1979SENA, Jorge de. 80 Poemas de Emily Dickinson. Tradução e apresentação de Jorge de Sena. Lisboa: Edições 70, 1979. 130 p., p. 25). Diríamos que a sua expressão é oracular, enigmática - e decisiva. Na sua exploração da via do Haiku, mediante a versão americana de Jack Kerouac, que liberta a forma da tradição, universalizando-a, também José Tolentino Mendonça se exprime epigramática e oracularmente: o “vazio” transforma-se no mais fecundo e operativo silêncio, que

não é um modo de repouso ou suspensão mas de resistência (MENDONÇA, 2013MENDONÇA, José Tolentino. A papoila e o monge. Lisboa: Assírio & Alvim , 2013. p. 9-109., p. 22).

Isto é, o silêncio, apresentado como parte no processo dialético da criação poética, desde Novalis, passando por Rilke, até à sua consagração mallarmeana como fundamento e afirmação, é, na formulação de Tolentino, um poder que se converte em força emocional.

Encontramos no seu volume A Papoila e o Monge poemas mais orientais, mais perto de Bashô, como este:

Em silêncio o rochedo vê chegar e partir as estações (MENDONÇA, 2013MENDONÇA, José Tolentino. A papoila e o monge. Lisboa: Assírio & Alvim , 2013. p. 9-109., p. 29).

Em última instância, sob a dicção mais serena, mais medida, suporte de uma aparente passividade absoluta (“Em silêncio”, “vê chegar e partir”), estará sempre latente a mais dilacerante realidade: a da passagem inelutável do tempo. Tudo então não será mais do que uma estratégia consoladora para articular o drama da temporalidade - até a projeção da perceção humana, partilhada e absorvida pelo “rochedo”, que pode certamente dar uma medida eterna (a do incessante retorno) à experiência da passagem das estações. No poema, a corda do arco está retesada ao máximo, a tensão atinge o ponto mais alto, mas o movimento, como a temporalidade, está suspenso num eterno presente. No entanto, nessa suspensão ao mesmo tempo serena e intensa, está contido todo o pathos da consciência dolorida, o pathos da roda de incessantes chegadas e partidas que domina a existência cósmica, como a nossa.

Nesta poesia, na linha do nosso fascínio pela dicção poética oriental, chinesa e japonesa, a arte efetivamente resulta como “a maneira mais feliz de achar as coisas intactas” (nas palavras de Agustina (2019) na epígrafe deste artigo). Reporta-nos Doho, um discípulo de Bashô, as palavras do seu mestre: “Learn about a pine tree from a pine tree, and about a bamboo plant from a bamboo plant” (UEDA, 1982UEDA, Makoto. Matsuo Bashô. Tokyo: Kodansha International, 1982. 194 p., 167). Quer-se reduzir, ou apagar mesmo, a distância entre a instância da linguagem e as das coisas que a linguagem nomeia, como se houvesse apenas uma continuidade (portanto, confusão), não uma dualidade (ontológica), entre uma e outra. Já vimos de que modo a construção elíptica do discurso contribui para esse efeito de sentido, e de que maneira alguns dos processos em causa decorrem de certas características ou virtualidades reconhecidas (justamente ou à tort...) na escrita da poesia chinesa e japonesa.

Em última instância, e voltando à lição de Kerouac em guisa de conclusão:

The sound of silence is all the instruction You’ll get 11 11 “O som do silêncio/ é apenas essa a instrução/ que obterás”. Tradução nossa. (KEROUAC, 2003KEROUAC, Jack. Collected Haikus. 2003. Disponível em: Disponível em: https://terebess.hu/english/haiku/Kerouac-Haikus.pdf . Acesso em 20 Maio 2020. p. 39-40.
https://terebess.hu/english/haiku/Keroua...
, p. 39).

Também no poema que conclui o nosso comentário do volume de José Tolentino Mendonça encontramos na expressão tersa, concentrada, serena e medida do haiku, o gosto pela dilaceração dilemática, sempre dramática, e de raiz romântica:

Ao ergueres a tua cabana escolhe por alicerce a escarpa ou o vento (MENDONÇA, 2013MENDONÇA, José Tolentino. A papoila e o monge. Lisboa: Assírio & Alvim , 2013. p. 9-109., p. 109).

A sensatez consiste em procurar um solo no qual erguer a sua habitação (“ergueres a tua cabana”). Bachelard fala do imaginário simbólico da casa, projeção do enraizamento do sujeito no mundo e da sua identidade (BACHELARD, 1961BACHELARD, Gaston. La poétique de l’espace. Paris: Presses Universitaires de France, 1961. 266 p. ). No poema, o fundamento dessa habitação/construção é o precário, mas pregnante, instante, que nos suspende da promessa de um mergulho, ou voo, no vazio. Afinal, seria essa a escolha de Bashô, segundo a visão que dele tem Marguerite Yourcenar: na sua vida e obra manifestar-se-ia a necessidade de sofrer, “subir”, o instante, isto é, de se submeter ao acontecimento e ao incidente (YOURCENAR, 1991YOURCENAR, Marguerite. Bashô sur la route. In: YOURCENAR, Marguerite. Le tour de la Prison. Paris: Gallimard, 1991. 192 p., p. 15). Esta escolha existencial suspende-nos de um abismo, assegurando-se a intensidade absoluta, que este modo de expressão articula com a dispersão e entrega ao infinito (o vento, simultaneamente abismo e transcensão, ou negação do abismo), ou vazio fundador, alfa e ómega de todas as experiências (poético-religiosas nesta tradição).

A apetência para a desmesura resolve-se num desejo libertário que nos reconduz à entrega cósmica, ao sopro universal. Só podemos imaginar que prazerosa seria aos românticos a proposta de fundar a poética, como a vida, numa escarpa ou no vento. E não podemos deixar de ver na formulação do poeta português a mesma vertigem ou “sede de infinito” (aqui, lembro termos de Florbela Espanca, que usa, no entanto, outros metrónomos na sua escrita) do famosíssimo texto de Bashô:

Admirável aquele cuja vida é um contínuo relâmpago (BASHÔ, 1986BASHÔ, Matsuo. O gosto solitário do orvalho. Tradução de Jorge Sousa Braga. Lisboa: Assírio & Alvim , 1986. 120 p. , p. 51).

Assim, o mesmo desejo ou pulsão unitiva de fusão com o cosmos, a coincidir com o retorno à ordem das “correspondências” estruturais do universo e com a recuperação da linguagem que pode nomeá-lo porque o espelha e dele faz intrinsecamente parte, assombraria ou iluminaria uma parte considerável da expressão poética. As qualidades que se reconheceram ou projetaram na poesia chinesa, reconduzíveis à natureza intrínseca da escrita chinesa (Pessanha e Pound dixerunt...), permitiram que ela fosse imaginada como oferecendo fundamento epistemológico e ontológico a essa necessidade unitiva. Assim se explica o favor e o fascínio na raiz da mitificação da dicção poética chinesa e japonesa, tão produtiva na poesia ocidental.

6. Esse fascínio pode também traduzir-se num curioso exercício de aproximação que Catarina Nunes de Almeida estudou, comentando vários textos de poetas portugueses em que a experiência do espaço exótico de Macau é registada segundo modos de expressão, tropos e ritmos que ecoam aqueles que são próprios da poesia chinesa (ALMEIDA, 2018ALMEIDA, Catarina Nunes de. Do olhar português sobre Macau: algumas representações poéticas contemporâneas. Matraga: Estudos Linguísticos & Literários. Rio de Janeiro: UERJ, v.25, n.45, p. 566-57, 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/matraga/article/view/35487 . Acesso em: 25 abr. 2021.
https://www.e-publicacoes.uerj.br/index....
), num processo próximo da acomodação, a estratégia retórica que implica a adequação imposta pelo reconhecimento da estranheza que se quer, no caso vertente, reproduzir, nomeando-a. Proponho dois exemplos do que designo como trocar de voz, com pontos de partida e efeitos bastante diferentes, mas igualmente interessantes.

De Fernanda Dias, temos a evocação de uma das mais sugestivas histórias sobre a pintura chinesa, numa sequência de O Mapa Esquivo intitulada “Ofícios”, numa inquirição sobre a natureza de uma criação que oscila entre a pintura e a escrita, assim abordadas como se do mesmo fenómeno se tratasse, de acordo com uma das traves mestras da arte chinesa, que estabelece relações de identidade e analogia entre a pintura, a caligrafia, a escrita da poesia (CARMO, 2014CARMO, Paulo Maia e. O Pintor no seu labirinto: histórias da pintura chinesa. Macau: Livros do Meio, 2014. ).

Teu gesto é um peixe no negrume um bater de asas, um roçagar de sedas água que escorre e desenha rios e montes nas paredes das casas que resistem No quarto do sol-pôr espreito o céu pela porta meio aberta entra o vento onde foste, onde estás, Yuan Chen? Tanta tinta, oh céus! Tanto papel lamparina a arder até de madrugada (DIAS, 2016DIAS, Fernanda. O mapa esquivo. Macau: Livros do Oriente, 2016. 115 p., p. 55).

Podemos imaginar em Dias elementos da lenda do pintor chinês que teriam entrado dentro da sua própria pintura, desparecendo nela e com ela. Muitas pinturas se perderam porque desses murais apenas restam hoje vestígios, ou ecos delas nas cópias que subsistiram. A primeira quadra evoca o cenário da pintura e o acto de pintar (“Teu gesto (...) nas paredes das casas que resistem”), a partir do que ficou deles; e o que ficou são os fenómenos captados na sua realidade material, sensorial, em que o som e a imagem se combinam. A matéria do real captado transforma-se no medium da pintura (“água que escorre e desenha rios e montes”). Na estrofe intermédia, invoca-se o artista ausente, num quarto orientado para o ocaso, e agora habitado apenas pelo vento que o liga à paisagem exterior, ou ao universo (o céu), e pelos instrumentos do seu labor, metonímia da obra produzida e do seu “ofício”: a tinta, o papel, a lamparina. Desapareceu o sujeito, ou melhor, está reduzido à sua essência... O dístico final parece um comentário cruel sobre a inanidade da criação artística, confundindo-se ou fundindo-se pintura e escrita, em perda face à natureza e às imagens que ela oferece.

Afinal melhor do que tu escreve a lua com seu pincel de sombra nos degraus (DIAS, 2016DIAS, Fernanda. O mapa esquivo. Macau: Livros do Oriente, 2016. 115 p., p. 55).

Na verdade, a natureza transforma-se ela própria numa pintura, ou num poema visível12 12 “Segundo uma concepção antiga, um poema é uma pintura invisível e uma pintura é um poema visível”, nas palavras de Guo Xi, “artista activo cerca de 1070-1123” (CARMO, 2014, p. 20 e 24). , com o mesmo desígnio da arte. Se na natureza projetamos intenção, gestos e efeitos que pertencem à esfera da arte, estamos a estabelecer entre ambas as esferas um nexo que as torna em certa medida indestrinçáveis. A natureza instala-nos no coração de uma realidade apreensível e cognoscível nos mesmos termos que a arte propõe. Se ambas são, assim, de certa forma, indestrinçáveis, como pode a criação artística ser apenas uma aproximação (falaciosa, ilusória, no sentido platónico do conceito) à ordem da realidade? A existência é de per se uma experiência estética. O mágico trânsito entre ambas permite que a arte nos instale no coração de um real que se rege pelos mesmos parâmetros. Por isso a experiência da escrita da poesia, que transporta consigo virtualidades da pintura, pode ser, a montante e a jusante, para o criador e para quem dela beneficia como leitor, uma experiência de cariz filosófico, metafísico, de enraizamento do homem num real orientado, com um sentido.

Descobrimo-nos, neste poema de Fernanda Dias, suspensos de um entendimento da arte e do mundo que nos mergulham no universo da tradição cultural chinesa; a sua voz reconduz-nos aquela que encontramos em inúmeros poemas de autores chineses que, como o dela, nos instalam nas paisagens que a arte chinesa nos foi oferecendo, durante séculos. A voz de Dias é a da cultura, da mundivisão, da estesia para que nos transporta.

Vejamos agora uma experiência de apropriação da voz de cariz semelhante, num poema de Fernando Sales Lopes de Pescador de Margem, “Macau”, escrito em 1997, à flor dos acontecimentos, neste caso, o handover de Macau à China, agendado para 1999.

Abres-te pelo mar adentro querendo fugir da tua sina. Estendes-te E vais conquistando Em arremeços (sic) Brutais O corpo que se prende à terra Sonhas... Sonhas que és O que foste por acaso Mas o teu destino Está escrito No fumo Que protege os homens E acalma os deuses (LOPES, 1997LOPES, Fernando Sales. Pescador de margem. Macau: Livros do Oriente , 1977. 100 p., p. 37).

“Macau” é invocado na segunda pessoa, e ponderada a sua condição, a partir da situação geográfica, o movimento que a abre ao mar, a recuperação do solo com que se tem acrescentado ao longo dos tempos. O primeiro é visto como configurando uma fuga à sua “sina”. A condição periférica de Macau em relação ao Império do Meio, que lhe emprestou uma natureza, digamos, insular, orientada para o horizonte marítimo, aparece como assumido sonho, uma orientação escolhida, afinal apenas determinada pelo acaso. Mas o seu verdadeiro destino, inescapável, está já desenhado no fumo votivo do incenso ritual que sela contratos entre o céu e a terra. A imagem poética final é muito bela e decisiva:

A grande mãe Prende-te em corpo E a alma a ela voltará (LOPES, 1997LOPES, Fernando Sales. Pescador de margem. Macau: Livros do Oriente , 1977. 100 p., p. 37).

Assim é dito o retorno de Macau à China, a “grande mãe” que lhe detém o corpo, e a que regressará natural e inexoravelmente a sua alma. Dizendo-se esse movimento que lhe contrariava a sina ou sonho inicial como um regresso à “grande mãe” a permitir (finalmente) a coincidência harmoniosa do corpo e da alma, de certa forma dá-se um sentido metafísico, sacralizado, a um destino que, apesar de contrariar um “sonho”, ou miragem fugaz (mesmo se de alguns séculos...), assim reconcilia Macau com a sua essência, a sua matriz cultural. Ao acontecimento político é dado um significado espiritual, integrador, que permite também a reconciliação com o que será a restauração de uma ordem natural.

Poderíamos sublinhar o assumir consumado, nesta voz, desse destino de Macau, de reintegração na sua matriz cultural, com que nos reconcilia a versão que nos é dada neste canto. Mais curiosa se torna a colação com “Porto de Macau”, parte da “Canção dos sete filhos,” poema que em 1925 o artista chinês Wen Yiduo escreveu, indignado, como manifestação de desagravo pela apropriação de vários territórios da China por parte de potências estrangeiras.

Tu sabes, porto de Macau não é o meu verdadeiro nome. Há quanto tempo saí eu do teu corpo, Mãe? Se eles me arrancaram de ti, A minha alma permaneceu sempre contigo. Mais de trezentos anos de sonhos que não esquecem! Por favor, chama-me outra vez pelo meu nome de criança, Eu sou Aomen Eu quero voltar, Mãe, eu quero voltar! 13 13 Tradução de Graça de Abreu, https://nenotavaiconta.wordpress.com/2016/10/25/poesia-porto-de-macau-de-wen-yidou. Uma composição de Li Haiying sobre esta “Canção dos sete filhos”, que segundo o seu autor em carta a um amigo, dá voz ao nacionalismo (https://blog.katastros.com/a?ID=00050-a554d36c-740b-4134-9eab-fd2ee2f82796), foi escutada na celebração do 70º aniversário da fundação da República Popular da China e do 20º aniversário do regresso de Macau à pátria, na sessão de encerramento do 33º Festival Internacional de Música de Macau, em 30 de outubro de 2019. (WEN, 2016WEN Yidou. Porto de Macau. Tradução de Graça de Abreu. 2016 Disponível em: Disponível em: https://nenotavaiconta.wordpress.com/2016/10/25/poesia-porto-de-macau-de-wen-yidou . Acesso em 20 Maio 2021.
https://nenotavaiconta.wordpress.com/201...
).

O poema de Sales Lopes (1997LOPES, Fernando Sales. Pescador de margem. Macau: Livros do Oriente , 1977. 100 p.) é como que um prolongamento desta obra: mantém as referências ao corpo, à alma, à mãe, ao regresso matricial, ao sonho, embora elida a menção aos estranhos que perpetraram violentamente o mal, a questão do nome “colonial” por oposição ao nome original, e o sonho tenha claramente um sentido oposto. A versão de Sales Lopes vai sabiamente recuperar as metáforas do canto chinês, inserindo-as num contexto que, expressando o ponto de vista de uma Macau matricialmente chinesa, permite, no entanto, a conciliação (abrangente) com o destino, que se afere numa clave metafísica, recobrindo leituras ideológicas ou políticas.

A cadeia intertextual remonta curiosamente a um ponto mais recuado: esclarece o tradutor português, Graça de Abreu, que as metáforas carreadas pelo poema de Wen Yidou teriam sido sugeridas pela canção nº 32 do Shi Jing, ou Livro das Odes (a mais antiga coletânea de poesia chinesa, datando alguma provavelmente do ano 1000 a. C.), sobre sete filhos perdidos que anseiam pelo reencontro com a mãe.14 14 Vide https://nenotavaiconta.wordpress.com/2016/10/25/poesia-porto-de-macau-de-wen-yidou. Da voz primordial da poesia chinesa, passando pelo canto algo marcial de Wen Yidou, até à invocação conciliatória de Sales Lopes, encontramos as mesmas metáforas, sentimentos afins, como se estes textos partilhassem naturalmente da mesma matriz milenar.

Pelas vicissitudes e caprichos de uma história de hibridez cultural e coexistência sui generis de múltiplas comunidades, durante séculos, Macau revelar-se-á uma oficina poética profícua, a sondar em tempo de interrogações pós-coloniais, também em função do que nos pode esclarecer sobre uma forma de apropriação cultural que é um adentramento amoroso num universo cultural e na sua expressão mais carregada de energia, a poesia (Pound dixit... 15 15 Na verdade, no ABC da Literatura afirma-se que “Grande literatura é simplesmente linguagem carregada de significado até o máximo grau possível” (POUND, 2006, p. 32), recuperando uma asserção de How do Read, de 1931. Num dos ensaios coligidos em A Arte da poesia refere-se que na poesia “a linguagem está carregada, ou energetizada, de várias maneiras”, representando “os chineses” (e alguns japoneses) a mais alta realização nalguns desses modos (POUND, 1991, 37, p. 39). ).

Não podíamos encontrar melhor conclusão para esta revisitação das razões do fascínio pela dicção poética oriental do que o trocar de voz operado por Fernanda Dias e Fernando Sales Lopes. Tomemo-los como dois casos exemplares de poetas que, deitando raízes em Macau (expressão de Pina-Cabral, 2017PINA-CABRAL, João de . Prefácio. In F. Sales Lopes. Os sabores das nossas memórias: a comida e a etnicidade macaense. (pp.7-13). Macau: Instituto Cultural do Governo da R.A. de Macau, 2017., p. 7), nos transportam para um mundo composto de imagens, tropos, experiências e estesias que reconhecemos como as da tradição cultural chinesa. Não temos, nos casos que examinámos, a adoção de traços de uma língua poética ao serviço do registo da estranheza ou do exótico que se quer nomear. Por virtude do processo consignado na formulação camoniana “Transforma-se o amador na cousa amada”, poetas portugueses como Sales Lopes e Fernanda Dias oferecem-nos uma voz que soa como a expressão intrínseca da “cousa amada”. Com sérias implicações em relação às identidades e vozes de que assim se acrescentam - e nos acrescentam.

Referências

  • ALMEIDA, Catarina Nunes de. Do olhar português sobre Macau: algumas representações poéticas contemporâneas. Matraga: Estudos Linguísticos & Literários. Rio de Janeiro: UERJ, v.25, n.45, p. 566-57, 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/matraga/article/view/35487 Acesso em: 25 abr. 2021.
    » https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/matraga/article/view/35487
  • ANDRADE, Eugénio de. Poesia e prosa Lisboa: Círculo de Leitores, 1987. p. 9-107.
  • ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner. Obra poética Lisboa: Assírio & Alvim, 2015. p. 65-773.
  • BACHELARD, Gaston. La poétique de l’espace Paris: Presses Universitaires de France, 1961. 266 p.
  • BARNSTONE, Tony; PING, Chou. (ed.). The anchor book of chinese poetry. New York: Anchor Books, 2005. 512 p.
  • BASHÔ, Matsuo. O gosto solitário do orvalho Tradução de Jorge Sousa Braga. Lisboa: Assírio & Alvim , 1986. 120 p.
  • BELLO, Maria do Rosário Lupi. Contra o elogio mútuo: a paradoxal relação entre Sophia e Cecília. In: BASTAZIN, Vera. (org. e apr.). Travessias poéticas: poesia contemporânea. São Paulo: CAPES/EDUC., 2011. p. 317-338. Disponível em: Disponível em: https://www.academia.edu/34098808/Contra_o_elogio_m%C3%BAtuo_a_paradoxal_rela%C3%A7%C3%A3o_entre_Sophia_e_Cec%C3%ADlia Acesso em: 20 Maio 2020.
    » https://www.academia.edu/34098808/Contra_o_elogio_m%C3%BAtuo_a_paradoxal_rela%C3%A7%C3%A3o_entre_Sophia_e_Cec%C3%ADlia
  • BESSA-LUÍS, Agustina. O susto Lisboa: Relógio D’Água Editores, 2019. 248 p.
  • BUESCU, Helena. Literatura-mundo comparada e os mundos em português. Revista Brasileira de Literatura Comparada, v. 19, n.32, p. 89-92, 2017. Disponível em: Disponível em: https://revista.abralic.org.br/index.php/revista/article/view/441/441 Acesso em: 18 fev. 2022.
    » https://revista.abralic.org.br/index.php/revista/article/view/441/441
  • CARMO, Paulo Maia e. O Pintor no seu labirinto: histórias da pintura chinesa. Macau: Livros do Meio, 2014.
  • CHENG, François. L'Ecriture poétique chinoise: suivi de une anthologie des poèmes des Tang. Paris: Seuil, 1996. p. 11- 94.
  • DE MAN, Paul. Blindness and Insight: essays in the rhetoric of contemporary criticism. 2. ed. Londres: Routledge, 1983.
  • DIAS, Fernanda. O mapa esquivo Macau: Livros do Oriente, 2016. 115 p.
  • FENG, Yao. Palavras cansadas da Gramática Poesia e Fotografia. Lisboa: Gradiva, 2014. 204 p.
  • FENOLLOSA, Ernest; POUND, Ezra. The chinese written character as a medium for poetry New York: Fordham University Press, 2008. p. 3-8.
  • FRANCHETTI, Paulo. O essencial sobre Camilo Pessanha Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2008.
  • KELLEN, C. et al Fragrance of Damask: women poets of the Tang Dynasty. Macau: Association of Stories of Macau, 2009.
  • KENNER, Hugh. The Pound Era London: Pimlico, 1991. 624 p.
  • KEROUAC, Jack. Collected Haikus 2003. Disponível em: Disponível em: https://terebess.hu/english/haiku/Kerouac-Haikus.pdf Acesso em 20 Maio 2020. p. 39-40.
    » https://terebess.hu/english/haiku/Kerouac-Haikus.pdf
  • KERVEN, Alain. Bashô et le haiku Paris: Bertand-Lacoste, 1995.
  • JINGMING, Yao. A poesia clássica chinesa: uma leitura de traduções portuguesas. 2001. Dissertação (Mestrado em Literatura Portuguesa) - Instituto de Estudos Portugueses, Universidade de Macau, Macau, 2001.
  • LOPES, Fernando Sales. Pescador de margem Macau: Livros do Oriente , 1977. 100 p.
  • LIU, James J.Y. The art of chinese poetry Chicago: The University of Chicago, 1962. 171 p.
  • MENDONÇA, José Tolentino. A papoila e o monge Lisboa: Assírio & Alvim , 2013. p. 9-109.
  • PAGLIA, Camille. Sexual Personae: art and decadence from Nefertiti to Emily Dickinson. London: Penguin Books, 1992. 736 p.
  • PEREIRA, João Carlos Seabra. O delta literário de Macau Macau: Instituto Politécnico de Macau, 2015. 576 p.
  • PESSANHA, Camilo. China: estudos e traduções. Lisboa: Vega, 1993. 126 p.
  • PINA-CABRAL, João de . Prefácio. In F. Sales Lopes. Os sabores das nossas memórias: a comida e a etnicidade macaense. (pp.7-13). Macau: Instituto Cultural do Governo da R.A. de Macau, 2017.
  • PIRES, Daniel. (org.). Camilo Pessanha prosador e tradutor Prefácio e notas de Daniel Pires. Macau: Instituto Português do Oriente, 1992. 319 p.
  • POUND, Ezra. ABC da literatura São Paulo: Cultrix, 2006. 218 p.
  • POUND, Ezra. A arte da poesia: ensaios escolhidos. São Paulo: Cultrix , 1991. p. 37-39.
  • RUBIM, Gustavo. Camilo Pessanha: o exota encontra a China. In: TOCCO, Valeria. L’Oriente nella língua e nella letteratura portoghese Pisa: ETS, 2010. 152 p.
  • SENA, Jorge de. 80 Poemas de Emily Dickinson Tradução e apresentação de Jorge de Sena. Lisboa: Edições 70, 1979. 130 p.
  • SENA, Jorge de. O Dogma da Trindade Poética (Rimbaud e outros ensaios). Lisboa: Asa, 1994. 426 p.
  • STEINER, George. After Babel: aspects of language and translation. Oxford: Oxford University Press, 1992. 560 p.
  • TAMEN, Miguel. Maneiras de Interpretação - Os Fins do Argumento nos Estudos Literários. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda , 1994: 130.
  • UEDA, Makoto. Matsuo Bashô Tokyo: Kodansha International, 1982. 194 p.
  • YOURCENAR, Marguerite. Bashô sur la route. In: YOURCENAR, Marguerite. Le tour de la Prison Paris: Gallimard, 1991. 192 p.
  • WEN Yidou. Porto de Macau Tradução de Graça de Abreu. 2016 Disponível em: Disponível em: https://nenotavaiconta.wordpress.com/2016/10/25/poesia-porto-de-macau-de-wen-yidou Acesso em 20 Maio 2021.
    » https://nenotavaiconta.wordpress.com/2016/10/25/poesia-porto-de-macau-de-wen-yidou
  • YU Xuangxi. Poesia Completa de Yu Xuanji São Paulo: Editora UNESP, 2011. 144 p.
  • ZHANG Longxi. The Tao and the Logos: literary hermeneutics, east and west. Durham & London: Duke University Press, 1992. 258 p.
  • ZHANG Longxi. Allegoresis: reading canonical literature east and west. New York: Cornell University Press, 2005. p. 21-29.
  • ZHANG Longxi. Unexpected Affinities: reading across cultures. Toronto: University of Toronto Press, 2007. p. 23-45
  • 1
    “Disse o Mestre (Bashô): “Aprende com um pinheiro sobre os pinheiros, e com um bambu sobre os bambus” (UEDA, 1982UEDA, Makoto. Matsuo Bashô. Tokyo: Kodansha International, 1982. 194 p., p. 167). Tradução nossa.
  • 2
    “A perspectiva alargada a permitir discernir afinidades temáticas e padrões da imaginação literária, para além das diferenças entre línguas e culturas” (ZHANG, 2007ZHANG Longxi. Unexpected Affinities: reading across cultures. Toronto: University of Toronto Press, 2007. p. 23-45, p. 45). Tradução nossa.
  • 3
    “O Oriente e o Ocidente /nunca poderão ser separados” (ZHANG, 2007ZHANG Longxi. Unexpected Affinities: reading across cultures. Toronto: University of Toronto Press, 2007. p. 23-45, p. 23). Tradução nossa.
  • 4
    “O sabor/ da chuva - / por que razão ajoelhar?” Tradução nossa.
  • 5
    “In a Station of the Metro”: “The apparition of these faces in the crowd:/ Petals on a wet, black bough.” (KENNER, 1991KENNER, Hugh. The Pound Era. London: Pimlico, 1991. 624 p., p. 197).
  • 6
    Em termos filosóficos, Derrida lerá nas propostas de Mallarmé, Pound e Fenollosa uma primeira quebra na tradição ocidental logocêntrica e fará da escrita chinesa um símbolo da “Différance” (veja-se a revisão de ZHANG, p. 1992).
  • 7
    O poema está traduzido para português por Ricardo Portugal e Tan Xiao (YU, 2011YU Xuangxi. Poesia Completa de Yu Xuanji. São Paulo: Editora UNESP, 2011. 144 p., 83), mas neste caso particular, prefiro a tradução do volume organizado por Christopher Kelen et al: “spring flowers/ autumn moon/ all good for poems// (...) curtains never rolled down/ I move my bed/ to sleep facing the mountains” (KELEN et al., 2009KELLEN, C. et al. Fragrance of Damask: women poets of the Tang Dynasty. Macau: Association of Stories of Macau, 2009., p. 373).
  • 8
    Pascoaes deixou um poema de preito a Sophia, que esta não tomou como comentário à sua obra. Nele, Pascoaes exclama: “Através dos teus versos, /que transparência!?” (PASCOAES, 1950, p. 16 apudBELLO, 2011BELLO, Maria do Rosário Lupi. Contra o elogio mútuo: a paradoxal relação entre Sophia e Cecília. In: BASTAZIN, Vera. (org. e apr.). Travessias poéticas: poesia contemporânea. São Paulo: CAPES/EDUC., 2011. p. 317-338. Disponível em: Disponível em: https://www.academia.edu/34098808/Contra_o_elogio_m%C3%BAtuo_a_paradoxal_rela%C3%A7%C3%A3o_entre_Sophia_e_Cec%C3%ADlia . Acesso em: 20 Maio 2020.
    https://www.academia.edu/34098808/Contra...
    , p. 2.).
  • 9
    Seabra Pereira refere as afinidades entre as “correspondências” de estro Baudelairiano, já trabalhadas pelo visionarismo romântico, e as concepções cosmológicas da tradição esotérica chinesa (PEREIRA, 2015PEREIRA, João Carlos Seabra. O delta literário de Macau. Macau: Instituto Politécnico de Macau, 2015. 576 p., p. 573).
  • 10
    “As qualidades primaciais do estilo de Dickinson são a sua extrema condensação e as enigmáticas elipses. (...) As palavras alinham-se nos versos de tal forma que a sintaxe se estilhaça e se desmorona. (…) Os poemas estremecem, com um tremor enorme, devido à sua contração”. Tradução nossa.
  • 11
    “O som do silêncio/ é apenas essa a instrução/ que obterás”. Tradução nossa.
  • 12
    “Segundo uma concepção antiga, um poema é uma pintura invisível e uma pintura é um poema visível”, nas palavras de Guo Xi, “artista activo cerca de 1070-1123” (CARMO, 2014CARMO, Paulo Maia e. O Pintor no seu labirinto: histórias da pintura chinesa. Macau: Livros do Meio, 2014. , p. 20 e 24).
  • 13
    Tradução de Graça de Abreu, https://nenotavaiconta.wordpress.com/2016/10/25/poesia-porto-de-macau-de-wen-yidou. Uma composição de Li Haiying sobre esta “Canção dos sete filhos”, que segundo o seu autor em carta a um amigo, dá voz ao nacionalismo (https://blog.katastros.com/a?ID=00050-a554d36c-740b-4134-9eab-fd2ee2f82796), foi escutada na celebração do 70º aniversário da fundação da República Popular da China e do 20º aniversário do regresso de Macau à pátria, na sessão de encerramento do 33º Festival Internacional de Música de Macau, em 30 de outubro de 2019.
  • 14
    Vide https://nenotavaiconta.wordpress.com/2016/10/25/poesia-porto-de-macau-de-wen-yidou.
  • 15
    Na verdade, no ABC da Literatura afirma-se que “Grande literatura é simplesmente linguagem carregada de significado até o máximo grau possível” (POUND, 2006POUND, Ezra. ABC da literatura. São Paulo: Cultrix, 2006. 218 p., p. 32), recuperando uma asserção de How do Read, de 1931. Num dos ensaios coligidos em A Arte da poesia refere-se que na poesia “a linguagem está carregada, ou energetizada, de várias maneiras”, representando “os chineses” (e alguns japoneses) a mais alta realização nalguns desses modos (POUND, 1991POUND, Ezra. A arte da poesia: ensaios escolhidos. São Paulo: Cultrix , 1991. p. 37-39., 37, p. 39).
  • Parecer Final dos Editores

    Ana Maria Lisboa de Mello, Elena Cristina Palmero González, Rafael Gutierrez Giraldo e Rodrigo Labriola aprovamos a versão final deste texto para sua publicação.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    28 Ago 2021
  • Aceito
    30 Abr 2022
Programa de Pos-Graduação em Letras Neolatinas, Faculdade de Letras -UFRJ Av. Horácio Macedo, 2151, Cidade Universitária, CEP 21941-97 - Rio de Janeiro RJ Brasil , - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: alea.ufrj@gmail.com