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A teoria e a história da literatura, e o Maneirismo* Matheus de Brito. Licenciado em Português con laudabiliter et honorifice pela Universidade de Coimbra (2011). Doutorado summa cum laude em Materialidades da Literatura pela Universidade de Coimbra, e em Teoria e História Literária pela Universidade Estadual de Campinas, sob cotutela (2017). Realiza atualmente investigação pós-doutoral na Universidade Estadual de Campinas, com o projeto “O ethos do dissídio na lírica camoniana”, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. É membro do Centro Interuniversitário de Estudos Camonianos (Universidade de Coimbra). * Apoio: FAPESP

Literary theory and history, and “Mannerism”

Resumo

A obra Teoria da Literatura, de Aguiar e Silva (2011 [1973]), foi referência para gerações de pesquisadores em Portugal e no Brasil. Afastando-se de antigos modelos, a obra surge dividida entre interesses propriamente teóricos, universais e de caráter explicativo, e o imperativo à compreensão historicamente ancorada do objeto. A fundamentação que aí se oferece para o programa disciplinar da História Literária esforça-se por conciliar premissas disciplinares diversas e fá-lo num quadro institucional particular, hoje diferente no tocante quer aos interesses cognitivos, quer aos meios disponíveis para a investigação. Entender como se engendrou a matriz teórica desse programa é importante para pensar as possibilidades que a História Literária oferece para as Letras. Este artigo dedica-se ao conceito do literário implicado nesse modelo de História de que a Teoria da Literatura partilha e que assenta. Também procuramos justificar a busca por alternativas ao catálogo periodológico, especialmente respeitante à tese do autor sobre Maneirismo e barroco (1971).

Palavras-chave
Teoria da Literatura; História literária; Maneirismo

Abstract

Aguiar e Silva'sTeoria da Literatura has been a reference for many generations of literary scholars. Departing from old scholarly models, this work seems however torn between its properly theoretical interests, which are potentially universal and explanation-based, and the imperative tounderstandits object in a strict adherence to its historical character. The work strived to reconcile incompatible disciplinary premises, affording to do so in an institutional framework that recently underwent deep transformations. These concerned both the cognitive purposes and the means through which Literature is studied. Nevertheless, understanding how the theoretical matrix of this investigation was brought about is important if we intend to grasp the possibilities that it might still offer for Literary Studies. This article addresses the concept of “literature” employed in this model of History, theorized in Aguiar e Silva’s textbook. We also discuss the search of alternatives to the current periodological catalog, especially concerning the author’s doctoral thesis on Mannerism and Baroque.

Keywords
Literary Theory; Literary History; Mannerism

Resumen

Teoría de la Literatura de Aguiar e Silva fue referencia para generaciones de investigadores de la literatura em Portugal e Brasil. Alejándose de viejos modelos académicos, esta obra parece dividida entre sus propios intereses teóricos, universales y de carácter explicativo y el imperativo de comprender su objeto históricamente. La fundamentación de un programa disciplinar de Historia de la Literatura que aquí se ofrece se esfuerza en conciliar premisas disciplinarias diversas, y lo hace en el marco de un cuadro institucional particular, hoy diferente en lo tocante a intereses cognitivos y a los medios disponibles para la investigación. Entender cómo se engendró la matriz teórica de ese programa es importante para pensar las posibilidades que la Historia Literaria ofrece para las Letras. Este artículo se dedica al concepto de literatura implicado en ese modelo de Historia teorizado por Aguiar e Silva. También intentamos justificar la búsqueda de alternativas al catálogo periodológico, especialmente concerniente a la tesis del autor sobre Maneirismo e Barroco.

Palabras claves
Teoría de la Literatura; Historia literaria; Manierismo

Produzida junto à redação de sua Teoria da Literatura, a tese doutoral de Aguiar e Silva1 1 Sobre o tema, veja-se o volume das comunicações das Conferências do Cinquentenário (Coimbra e Braga, 2017); pensamos sobretudo no comentário de Rita Patrício sobre seu magistério (PATRÍCIO; SILVESTRE, [no prelo]). trazia uma provocação às velhas histórias literárias positivista e “estética”:

Este esquema periodológico que, com algumas variantes, tem conhecido largas aceitação e difusão, envolve graves problemas e dificuldades. O mais espinhoso desses problemas é sem dúvida o seguinte: como conceituar este classicismo que se estende do século XVI até aos alvores do século XIX? Que espécie de literatura clássica é esta que se subdivide numa escola seiscentista, gongórica ou culterana? Nunca Mendes dos Remédios e Fidelino de Figueiredo se preocuparam com perguntas como estas ou outras semelhantes, mas é óbvio que os modernos estudos sobre o barroco, tão numerosos e tão importantes sobretudo desde os finais da década de quarenta, haviam de provocar o exame crítico deste esquema periodológico e determinar mesmo a sua dissolução, tal como aconteceu com outras literaturas europeias. (1971 AGUIAR E SILVA, Vítor Manuel de. Maneirismo e barroco na poesia lírica portuguesa. Coimbra: Centro de Estudos Românicos, 1971., p. 193. Itálicos do autor.)

Noutras palavras, assume que seu Maneirismo e barroco na literatura portuguesa não apenas era de uma metodologia moderna, como lograria decisivas consequências da cooperação com o movimento mais amplo de renovação dos estudos literários. A consistência de sua investida está evidenciada na incursão da categoria em outros manuais disciplinares de igual importância, a exemplo do da História da Literatura Portuguesa de A. J. Saraiva, e o sem conta de estudos que posteriormente apendem “Maneirismo” ao título.

O que decidiu da produtividade do trabalho não foi apenas a vitória da fundamentação teórica sobre obstáculos encontrados, senão também a reflexão das inquietações de uma geração cujo conceito do literário já se livrava das peias nacionalistas e morais, isto é, das coordenadas do ensino literário da primeira metade do século. “Maneirismo”, assim, não somente designava o objeto de pesquisa do jovem professor, mas portava consigo todo um quadro institucional. Sem sofrer grandes variações a partir dos recortes nacionais, os usos dessa categoria periodológica parecem mesmo ocupar, arriscaríamos dizer, um espaço continental de renegociação de tradições investigativas e transmissão cultural semelhante ao que na academia anglófona foi preenchido em parte pela explosão da “theory”, em parte pela variedade de “studies” que se multiplicaram dos anos 1980 a 2000. Maneirismo renegocia, mantendo, uma tradição. Para mencionar alguns manuais em que se conserva a mesma matriz teórica, vejam-se os conhecidos títulos de A. J. Saraiva, Massaud Moisés, ou também o bem mais recente (e distante) Manuale di letteratura italiana medievale e moderna, de Santagata e Casadei, o qual inclui também uma discussão sobre o Maneirismo; e, em suas linhas teóricas, como dizíamos, a História concisa de Alfredo Bosi, Antonio Candido (e sua tríade), J. G. Merquior - em que o Barroco como crise do Renascimento é raiz espiritual do Brasil2 2 Suprimimos as referências a essas obras de, se não cabe dizer ampla circulação, relativa constância curricular. A outras, apesar de aqui figurarem como menções menores, ocorrerá de oferecermos referências completas. . Como dissemos, a escolha por tomar o argumento de Aguiar e Silva como fio condutor deve-se sobretudo à sua exemplaridade, à maturidade lograda com anos de ensino e orientação, à partilha de preocupações com seu contexto institucional e ao papel preceptor que tem, e sua geração, junto às reformas que configuram os atuais programas curriculares de Letras.

Apesar da relativa estabilidade do catálogo descritivo de manuais acadêmicos de ampla circulação, haveria “literaturas europeias” ou em qualquer sentido comensurável com o conceito propriamente teórico corrente? Parafraseando aquela questão: “que espécie de literatura é a que vai da década de 1980 do século XX até o XVI, e então Homero, etc.?” Não é novidade que o conceito teórico de literatura tende a destacar a coisa literária daquelas instituições que lhe fatoram, reduzi-la à semiose textual e suspender sua temporalidade. Tanto faz se, com isso, se advoga o papel ativo do leitor na construção do sentido ou a imanência do texto em sua forma “orgânica”; o que determina o sucesso disciplinar da Teoria e seus desdobramentos é a compreensibilidade que imprime sobre as coisas. Seus conceitos e categorias perfazem a colonização hermenêutica das Letras, a esse propósito remodelando a ideia de História literária. Na primeira parte do trabalho, dedicar-nos-emos às considerações de Aguiar e Silva sobre como se deve fazer essa história, sobretudo por sua exemplaridade e autoridade argumentativa. Questionamos como a fundamentação teórico-literária limita a abordagem histórica quando exacerbado o critério compreensivo que está em sua base. Na segunda parte, procuraremos uma alternativa junto à bibliografia sobre o período a que sua contribuição doutoral se refere. Para isso, importa entender a divergência entre o modelo de História que constrói e hoje integra a ciência comum dos estudos literários e outra abordagem, não necessariamente hermenêutica, mas passível de construção sistemática.

1 Uma história da literatura baseada na textualidade “literária”

A teoria da história da literatura de Aguiar e Silva - doravante “AS” - mobiliza uma resposta àquela pergunta, que literatura é essa. O compromisso ético na intenção de cientificidade do projeto faz com que essa teoria da história responda a circunstâncias do magistério. De um lado, o conceito teórico de literatura dá legitimidade “científica” ao campo de estudo e abre um horizonte disciplinar comum para negociar valores. A Teoria é preocupação típica de uma geração que se educa entre uma última onda do pessimismo cultural associado à sociedade de massas e à euforia do acesso ao ensino universitário no contexto do pós-guerra - isso fica muito claro na recolha de ensaios As Humanidades, os Estudos Culturais. Ensino da Literatura e a Política da Língua Portuguesa (2010AGUIAR E SILVA, Vítor Manuel de. As Humanidades, os Estudos Culturais, o Ensino da Literatura e a Política da Lígua Portuguesa. Coimbra: Almedina, 2010. ). Do outro lado, o estudo da história literária justifica a existência da área, que depende do ensino e, portanto, dos interesses políticos e, onde houver fracassado o projeto da escola pública nacional, do mercado. Mediando a metarreflexão disciplinar e o quadro socioinstitucional e econômico, o ensino da história literária é o lugar privilegiado de escoamento teórico3 3 Veja-se a coletânea que André Cechinel organizou (2017) sobre o tema no âmbito brasileiro. .

Ao mesmo tempo, essa história justifica a concepção de literatura como manifestação cultural de valor formativo (2010AGUIAR E SILVA, Vítor Manuel de. As Humanidades, os Estudos Culturais, o Ensino da Literatura e a Política da Lígua Portuguesa. Coimbra: Almedina, 2010. , passim), num processo assegurado pela Teoria. A periodização serviria, diz também, para a “elaboração de modelos de inteligibilidade do processo literário” (2011 AGUIAR E SILVA, Vítor Manuel de. Teoria da Literatura. 8a ed. Coimbra: Almedina, 2011., p. 404). Em momento algum AS se põe de assombro e adota uma fórmula como “literatura é linguagem” a aplicar sem mais a textos do passado. Ao contrário. Junto à semiótica de Iuri Lotman e de Itamar Even-Zohar (2011, p. 107, 393), procura dar atenção à cultura num quadro não redutor, considerando uma matriz “polissistêmica” em que fatores semântico-pragmáticos organizam sucessivas dimensões textuais, por fim entendendo a entidade texto literário como policódigo. É de se notar que uma história da literatura está já implicada na construção da ideia de “texto” que se possa predicar “literário”. Frise-se história da literatura, no sentido de que AS assume sem reservas a memória da instituição “literatura”, num compromisso hermenêutico válido tanto para o objeto como para o sujeito. No polo do objeto, é literário o que se realiza conforme as convenções estabelecidas por uma certa “tradição”; no polo do sujeito, a condição para a devida apreciação dessas convenções depende do reconhecimento de sua validade. Seria preciso, no entanto, que o pacto hermenêutico fosse entendido como apenas um momento da investigação literária, talvez nem mesmo o mais importante. AS, num argumento brilhante, distingue a “literatura” da “paraliteratura” (2011, p. 113) não pela remissão aos códigos por meios dos quais os textos se constituem, posto que o paraliterário mimetiza o policódigo literário e sua articulação com o diassistema linguístico no polissistema da cultura - isto é, é a imitação (às vezes “pobre”) das técnicas com que a literatura intervém no espaço da língua e da cultura -, mas remetendo ao milieu semântico-pragmático da arte. Apesar de parcial, é boa solução: paraliterário é tudo o que não faz o pacto da tradição e, portanto, o que a academia não reconhecerá como legítimo nesse ínterim. Observemos ainda que a construção de uma narrativa fundada na categoria teoricamente reelaborada do “texto literário” leva a uma circularidade epistêmica, uma vez que essa categoria é ela mesma abstraída do conjunto de objetos que nós antes de tudo predicamos literários. O problema não é apenas a história ser construída a partir de uma tese, pois a crítica é ineludível. O problema é o excesso de coerência interna: é como se um dos eventos da história se tornasse, elevado em forma, a única chave interpretativa possível, à qual todas as demais entidades - supondo que de entidades se trate - tivessem de se conformar. Isso dá origem à prosopopeia das variações dessa entidade - “avatares”, nos dizeres de Dámaso Alonso (AGUIAR E SILVA, 2011 AGUIAR E SILVA, Vítor Manuel de. Teoria da Literatura. 8a ed. Coimbra: Almedina, 2011., p. 474). Maneirismo é o desengano do Classicismo, o qual se opunha à mentalidade artesanal medieval, e mais, depois surge o esplendor do Barroco…

Não temos aí uma história “formalista”, que acentuasse o caráter transcendental da literariedade e postulasse uma dinamicidade própria como puro fator diacrônico, ou seja, fazendo daí derivar logicamente toda a variação dos fenômenos literários, mas ficamos com uma afim imputação aos fenômenos de uma lógica intrínseca. Estilo, de um lado, e mundividência, do outro. Essa imputação se dá como descrição de estados e explicação de causas a um só tempo, ou seja, a mundividência deve conformar o estilo - e isso é assegurado pelo que o teórico chama de “transcendentalia mitigados” (2010AGUIAR E SILVA, Vítor Manuel de. As Humanidades, os Estudos Culturais, o Ensino da Literatura e a Política da Lígua Portuguesa. Coimbra: Almedina, 2010. , p. 198) ou “universais epistêmicos”. Veja-se o que diz:

O modelo do sistema semiótico literário e do policódigo literário que descrevemos no capítulo anterior representa mecanismos semióticos de natureza pancrônica (...) [que] são transcendentes em relação às mutações históricas e às variações geográficas e sociais do fenômeno literário. Quer na literatura renascentista, quer na literatura simbolista, [etc.] (...) os diversos códigos constitutivos do policódigo literário devem ser considerados como universais essenciais da literatura, pois representam elementos racionalmente necessários do conceito de literatura. (2011 AGUIAR E SILVA, Vítor Manuel de. Teoria da Literatura. 8a ed. Coimbra: Almedina, 2011., p. 255)

Dados esses “universais” necessários ao conceito, isto é, “universais” supostos pela elaboração teórica, os quais são “não determinado[s] e não atualizado[s] empiricamente” como diz, resta que à história ficaria a atualização, ou, melhor dizendo, os particularismos contingentes ao hardcore teórico. A formulação iria bem se “literatura” fosse uma definição a preencher por comutação. A história literária seria uma sucessão descontínua, em que os universais do nosso conceito - nos de AS, a escala de “certo vocabulário, certos códigos e uma certa metalinguagem” (2011 AGUIAR E SILVA, Vítor Manuel de. Teoria da Literatura. 8a ed. Coimbra: Almedina, 2011., p. 413) - permanecem emoldurando as figuras. Na década tal, entre o grupo (geográfico e) social tal, o texto literário usou tais palavras-chave, de tal modo, à vista de tal expectativa. Ela não se interessaria pelo processo interno da cultura, e tampouco explicaria a história da constituição do próprio “sistema” literário - a história literária não pensa a si própria. E não há problema nesse modelo de sincronização, já que, como construto sem a pretensão de ir ao “ser” da coisa, sem a pretensão de correspondência “mimética” (ou isomórfica, ou objetiva, ou ontológica), ele pode realizar funções propedêuticas úteis e necessárias, a exemplo do ensino de literatura na escola. Periodologia e estilo de época, lembremos, são esquemas cujo propósito é antes de tudo didático. Resta é determinar do que é que se trata quando se trata de literatura na escola ou quando se pesquisa com essas ferramentas.

“Num dado momento histórico e numa dada comunidade literária”, diz, “não se pode escrever nem se pode ler um texto literário de qualquer modo” (2011 AGUIAR E SILVA, Vítor Manuel de. Teoria da Literatura. 8a ed. Coimbra: Almedina, 2011., p. 413). É preciso estar atento ao predicado literário aí, que não é fruto de uma intenção determinativa específica. Basta perguntar: textos não literários serão lidos “de qualquer modo”? É evidente que qualquer instituição se responsabiliza, eficiente e finalmente, pelos processos que lhe constituem. O que o eco “comunidade … texto literário” atesta, no entanto, é a regressão infinita entre as categorias da Teoria e aquelas da história literária. Talvez interesse o non confundar que o autor exprime em relação a Michel Foucault. O modelo “arqueológico” d’As Palavras e as Coisas seria “radicalmente incompatível com o princípio do poliglotismo semiótico e com a fenomenologia, historicamente observável, da dinâmica dos sistemas semióticos” (2011 AGUIAR E SILVA, Vítor Manuel de. Teoria da Literatura. 8a ed. Coimbra: Almedina, 2011., p. 419). É a tomada de partidos que produz as discrepâncias específicas entre uma periodologia homogeneizada pelo conceito, como seria a de Foucault, e outra assumidamente fluida e feita de sobreposições como a que pretende avançar AS, muito embora os elementos discretos de que se compõe sejam mais ontologizados. O autor assume uma fenomenologia das obras, remetendo as materializações da linguagem a entidades ideais mais ou menos em disputa (“mundivisões”) num determinado espaço civilizacional, ao passo que Foucault tenta esboçar certos transcendentalia historicamente configurados que permitiriam, em primeiro lugar, as disputas e, com isso, determinariam também a norma no interior de instituições. O construto foucaultiano epistema atina a uma forma de relação discursiva, uma ratio a serviço da legitimação institucional característica de uma época. A divergência de “epistemas”, como aquela que o próprio AS pareceria exibir em relação a Foucault, impossibilitaria o entendimento recíproco sobre o qual é assente a comunicação. A introdução súbita de Foucault é sintomática da oscilação entre a Teoria como construção e a História como referente empírico. Seria improdutivo, nesse passo, avançar que os universais essenciais são eles mesmos históricos, de acordo com a matriz epistemológica e institucional do contemporâneo conceito de literatura (e de AS), pois de nossa parte não passaria de ninharia lógico-semântica. A rica dificuldade do programa histórico-teórico é explicar como o preenchimento empírico do conceito se dá a partir de uma dinâmica intrínseca às obras e, por conseguinte, ao “sistema” de que as obras literárias “necessariamente” participam. Noutra palavra, explicar como o particular e contingente é mediado em sua gênese pelo universal que a Teoria apreende, aceite com fins heurísticos. Sem essa ancoragem na realidade empírica, no que AS chama de realismo mínimo, a questão é toda um despropósito, pois qualquer conceito de literatura seria inócuo se não pudesse sustentar sua historicidade efetiva (2011 AGUIAR E SILVA, Vítor Manuel de. Teoria da Literatura. 8a ed. Coimbra: Almedina, 2011., p. 222). Mas o conceito transcendentalizado do texto literário, de que modo “minimamente realista” será preenchido?

AS tem também um modelo para a dinâmica histórica. Fala numa “entropia” como perda progressiva da capacidade das “formas e significados (...) de modelizar os realia e de produzir informação, tornando-se por isso inevitável a sua substituição” (2011 AGUIAR E SILVA, Vítor Manuel de. Teoria da Literatura. 8a ed. Coimbra: Almedina, 2011., p. 426), uma senescência natural das formas a ser superada num “conflito intergeracional” sociologicamente determinado. Ora, aqui se dá um salto da ideia de período como construção hipotética - e do conceito necessário de literatura como modelização - para uma ontologia da história e da sociedade, em que agentes reais como autores e leitores devem ser apreciados. Esse plano contingente deve ser acolhido pelo que é postulado como essencial, e por isso cada estilo se deve entender como expressão de uma mundividência particular (2011 AGUIAR E SILVA, Vítor Manuel de. Teoria da Literatura. 8a ed. Coimbra: Almedina, 2011., p. 476 ss.), disponível ao investigador por meio da interpretação reconstrutiva e, então, destinada à explicação teórica. O enquadramento hermenêutico mais amplo permanece algo romântico: o que vemos são formas e temas cujo desgaste experiencial é sempre disputado no âmbito privado pelos autores, que ficam assim incumbidos de renovar a tradição. É uma projeção metalógica da história da técnica do estrato industrial do capitalismo, em que a inovação determina a obsoletização do maquinário e a perda do monopólio em virtude dos lucros auferidos. O papel que a inovação tem contra o status quo parece incompatível com a doutrina da entropia4 4 A não ser que para isso se postule ainda que a entropia chega a um nível de saturação tal que promove a reversão do sistema, seguindo uma teoria da catástrofe - mas a transposição do argumento, em alguma medida capitaneada por Umberto Eco (Obra Aberta, 1971), requer imensa inclinação para o bizantinismo. . Um movimento desbanca o outro, cada geração questiona a precedente, todas são, por necessidade lógica, “absolutamente modernas” - desconte-se o epigonismo - porque as mundividências progridem ou porque uma delas há de ser mais verdadeira ao curso das coisas. Desgaste e substituição ditam a dinâmica das formas textuais que envelopam mundividências. De uma perspectiva não-hermenêutica, porém, a história do conceito de literatura, comensurável com a da própria instituição, apontaria outra hipótese: a saturação do conceito por meio de usos discrepantes e convencionalizações, num “percurso” que vai de normas em si mesmas contingentes à neutralidade regulativa da Teoria. Esse é o problema originário a que se dedica a disciplina e que a situa na universidade, e a razão também da persistência regulativa de axiomas da estética romântica - o critério da nação, a vocação social, o conceito de autoria, etc. - em seu discurso.

AS sustenta sua obra num lugar difícil entre uma intenção referencial forte e uma compreensão construtivista, também um pouco entre Karl Popper e Wittgenstein, também um pouco entre a Poética e a Hermenêutica - ou Historicismo e Formalismo, como certa vez disse Eduardo Prado Coelho sobre a estilística de Alonso (COELHO, 1982COELHO, Eduardo Prado. Os Universos da Crítica. Lisboa: Edições 70, 1982. , p. 410). É difícil localizar o quid, quer na própria coisa literária, quer no entendimento que dela é feito. Aquelas entidades espirituais em disputa, resultarão de um recorte investigativo ou serão propriedade objetiva emergente da prática de escrita? Na “Revisão” que AS propõe do seu Maneirismo:

Os períodos não são pois invenções nominalistas nem universalia ante rem, porque são construídos poetológica e historiograficamente com uma base empírica constituída pelos autores e pelas suas obras, prestando especial atenção à sua poética explícita e à sua poética implícita, às metalinguagens que circulam no espaço estético, aos discursos críticos e hermenêuticos que acompanham a produção dos objectos artísticos e analisando as respostas e reacções dos públicos destinatários. A função e a lógica heurística dos períodos são semelhantes às do círculo hermenêutico: o período como totalidade deve iluminar a interpretação de cada texto e a interpretação de cada texto deve iluminar o entendimento da totalidade que é o período. (2012 AGUIAR E SILVA, Vítor Manuel de. Para a revisão do conceito de Maneirismo. In: FERRO, Manuel; FRAGA, M. do Céu; MARTINS, J.C. Oliveira(Org.). Camões e os Contemporâneos. Coimbra / Ponta Delgada / Braga: Centro Interuniversitário de Estudos Camonianos (CIEC) / Universidade dos Açores (DLLM) / UCP, 2012., p. 22)

É nesse ponto que precisamos entender que a periodologia de AS permanece como um compromisso entre a disciplina teórica que o autor avança e o lugar social reservado à literatura, o ensino. Aparece, assim, demasiado vinculada à memória institucional pré-teórica para levar a cabo as transformações que a Teoria promete - sua obra está desde o início comprometida e empenhada em restaurar uma noção de literatura eticamente vocacionada (2010AGUIAR E SILVA, Vítor Manuel de. As Humanidades, os Estudos Culturais, o Ensino da Literatura e a Política da Lígua Portuguesa. Coimbra: Almedina, 2010. ). Podemos resumir alguns problemas que herda: a exacerbação da figura autoral como critério de validade do saber sobre a época (1999 AGUIAR E SILVA, Vítor Manuel de. Camões: Labirintos e Fascínios. 2a ed. Lisboa: Cotovia, 1999., passim); o parcial desprezo da pragmática histórica, pois não diferencia entre o trabalho teórico-descritivo e a normatividade inerente ao sistema de comunicação; o preconceito da unidade necessária do “sistema das artes” e da “literatura nacional” (como “racionalidade da cultura”), que só mediante complexos mecanismos dialogaria com outros âmbitos da cultura nacional e do estrangeiro; uma ancoragem factualista, embora não propriamente causal (2011 AGUIAR E SILVA, Vítor Manuel de. Teoria da Literatura. 8a ed. Coimbra: Almedina, 2011., p. 469); inversões fenomenológicas, como na ideia de que “racional e irracional” se amalgamam para produzir estilemas (tropos e figuras) (2011 AGUIAR E SILVA, Vítor Manuel de. Teoria da Literatura. 8a ed. Coimbra: Almedina, 2011., p. 498), quando aqueles seriam efeitos da linguagem aplicada. Mais de uma vez AS enfatiza a premência de fatores semântico-pragmáticos (2011 AGUIAR E SILVA, Vítor Manuel de. Teoria da Literatura. 8a ed. Coimbra: Almedina, 2011., p. 415) - portanto, o espaço institucional que se projeta e se deixa entender nos textos literários -, mas o esquema básico que oferece para a abordagem dos períodos em sua obra Teoria da Literatura depende ainda de uma fenomenologia de textos e da “visão de mundo” (2011 AGUIAR E SILVA, Vítor Manuel de. Teoria da Literatura. 8a ed. Coimbra: Almedina, 2011., p. 416), ainda remetendo ao programa de Afrânio Coutinho como suficiente para essa questão disciplinar (2011 AGUIAR E SILVA, Vítor Manuel de. Teoria da Literatura. 8a ed. Coimbra: Almedina, 2011., p. 433).

As dificuldades surgem sobretudo da matriz hermenêutica. Pensemos naquela figura do círculo. Ele não a emprega apenas para considerar a função propedêutica de período. O todo do período daria ao leitor coordenadas para a compreensão da obra particular, e a obra particular, por sua vez, permitiria compreender melhor o todo. Isso também serviria à sofisticação progressiva da explicação periodológica, isto é: a investigação avança conforme a globalidade do saber for corrigida pela imersão no particular num processo de refutação e corroboração, e a imersão no particular é a cada vez novamente propiciada pelo avanço global. AS estabelece uma analogia incompleta entre gênero e período para explicar a cientificidade, em modo popperiano, do programa investigativo. Eles seriam

construções teoréticas elaboradas hipotético-dedutivamente a partir de um conjunto de dados observacionais, isto é, de fenómenos literários, artísticos e culturais, e que podem, como qualquer construção teorética, ser corroboradas ou informadas por via intrateórica (coerência interna), por via interteórica (adequação, ou contradição, com outras teorias não infirmadas) e através de provas de testabilidade empírica (existência, ou inexistência, de capacidade descritiva e explicativa em relação aos fenómenos sob análise) (2011 AGUIAR E SILVA, Vítor Manuel de. Teoria da Literatura. 8a ed. Coimbra: Almedina, 2011., p. 415)

Mas não seriam os gêneros históricos dotados de uma consabida normatividade? É com ela incompatível o princípio descritivo implicado na ideia de ciência da literatura, e, por conseguinte, também o são as suas ferramentas investigativas (período, “código” semiótico, etc.). Ainda hoje, poética tem conotação normativa, já teoria, nenhuma. Além disso, essa definição ampla não diferencia a autorreferência antitética regulativa, como as “querelas”, os arrivismos de vanguarda e, mais recentemente, os entusiastas do pós-etc., e descrições ex post facto com algum propósito específico, com premissas necessariamente não isomórficas à autorreferência da época. Isso lhe leva a não especificar a pragmática histórica da escrita (CHARTIER et al., 1996CHARTIER, Roger et al. Práticas de Leitura. São Paulo: Estação Liberdade, 1996. ; cf. também PÉCORA, 2001PÉCORA, Alcir. Máquina de Gêneros. São Paulo: EDUSP, 2001. ), cujo uso não se pode reduzir ao testemunho da época, embora este seja sem dúvida preliminar para seu conhecimento. Isso está muito claro em uma formulação como a da necessidade de se atender “às metalinguagens que circulam no espaço estético” (2012 AGUIAR E SILVA, Vítor Manuel de. Para a revisão do conceito de Maneirismo. In: FERRO, Manuel; FRAGA, M. do Céu; MARTINS, J.C. Oliveira(Org.). Camões e os Contemporâneos. Coimbra / Ponta Delgada / Braga: Centro Interuniversitário de Estudos Camonianos (CIEC) / Universidade dos Açores (DLLM) / UCP, 2012., p. 22), já que não apenas a definição e o conceito respectivos são em si destemporalizados, como também a escolha por essas categorias coloca a reconstrução do passado numa dependência conceitual estrita relativamente ao presente. Existirá “metalinguagem” no século XVI que seja comensurável ao nosso aparato teórico ou ainda “espaço estético” no entorno de qualquer texto anterior à constituição do moderno conceito de literatura? “Maneirismo” prometia articular essa ponte entre um conceito-chave da época e a nossa compreensão. Por fim, a dinâmica da infirmação-confirmação funciona para teorias científicas porque leis precisam ser estabelecidas de modo a gerar previsões e assegurar o interesse do experimento, mas, no conhecimento humanístico, o que podem ser “resultados esperados”, quando adotamos o modelo investigativo das ciências duras, senão a supressão dos fatores que não se adequam ao pressuposto teórico? A história literária, para fazer jus ao seu propósito cognitivo mais fundamental, não pode se servir de meios compreensivos, visando à solução de objetos históricos numa hermenêutica “fusão de horizontes”. Por essa razão, a infirmação intra ou interteórica não é seu instrumento investigativo primário.

A fusão entre hermenêutica e ciência, entre história e teoria, tem duas consequências epistemológicas: 1) a dinâmica da relação entre todo e particular corrobora de modo logicamente necessário àquele “essencial” sem o qual o particular não se deixa ver, e, com isso, faz surgir elementos estranhos, residuais, não incorporáveis ao todo; 2) quando a imagem do todo é derivada das categorias que foram assumidas como constitutivas da coisa particular, então o próprio todo se limita a reproduzir suas imagens residuais. O predicado repete extensionalmente o sujeito, projeta uma série de variações do mesmo. Na prática, a segunda consequência se vê naquela metafísica das “constantes” históricas (racional vs irracional, maneirismo vs classicismo, etc.), como na obra de Heinrich Wölfflin, nos “éons” de Eugeni d’Ors, em Gustav Hocke, um pouco em Eurich Auerbach, a contragosto em E. R. Curtius, de modo mais asséptico nos binômios e oposições fundamentais dos vários estruturalismos, mas também medra nos tópicos post hoc ergo propter hoc “o autor antecipa”, “primeiro moderno”, como em Erwin Panofsky, Arnold Hauser, A. J. Saraiva e todos os que de algum modo fazem recurso à história numa hermenêutica do presente. O anacronismo e a petição de princípio em si não são problemas, mas o são as restrições intelectuais que tais modelos investigativos condicionam no processo de transmissão de saber.

Em grande medida, e sobretudo no caso das manifestações literárias anteriores ao conceito romântico ou burguês de literatura, o amálgama teórico-histórico deriva da equivocidade que ainda soa na palavra “estilo”, que em artes plásticas e na retórica designam objetos ontologicamente diversos e os quais apenas com o trabalho de uma fantasia histórica - derivada da (re-)adaptação da retórica à tratadística da pintura ou por via horaciana - e uma abstrata semiótica da cultura se correlacionam. Ao dizer que uma característica literária é “equivalente” a uma pictórica (2011 AGUIAR E SILVA, Vítor Manuel de. Teoria da Literatura. 8a ed. Coimbra: Almedina, 2011., p. 475), por exemplo, falta dizer em que base poderiam sê-lo senão em alguma dimensão como “sentimento vital” (2011 AGUIAR E SILVA, Vítor Manuel de. Teoria da Literatura. 8a ed. Coimbra: Almedina, 2011., p. 468), por sua vez não passível de observação ou verificação. Por outro lado, devemos reconhecer que, nessa insistência pela unidade espiritual do sistema da cultura, há uma tentativa, em grande medida um gesto herdado e comum às disciplinas de Literatura, de reconciliar as esferas cindidas do espaço público e privado, bem como, nesse processo, de acolher as transformações por que a Universidade democratizada passava. Noutras palavras, as simplificações explicativas procuram uma legitimidade hermenêutica porque, além de tudo, desempenharam uma função na história recente dos estudos literários. Entretanto, outra vez, o problema está nos resultados últimos. Com alguma frequência, AS busca desmerecer os “nominalistas” por desacreditarem a “racionalidade” da cultura, mas, apesar da legitimidade do argumento no quadro a que nos referimos, não será essa suposição de racionalidade também responsável por erros de que a disciplina teórica queria livrar o estudo e a crítica da literatura? Dela derivam a metafísica “hegeliana” de essências que se concretizam e a teleologia marxista, contra as quais repetidamente fala o autor (2011 AGUIAR E SILVA, Vítor Manuel de. Teoria da Literatura. 8a ed. Coimbra: Almedina, 2011., p. 405). O ideal de unidade espiritual da cultura e sua relativa autonomia faz com que a segmentação periodológica permaneça aquém dos sucessos da Teoria.

Porém, há ainda outras duas implicações. A primeira é a problemática algo “zenoniana” da periodologia. Resulta do paradoxo teórico a contraposição já algo consagrada nas histórias literárias, e fundamental à tese de AS, entre o que se designa por “Maneirismo” e o que seria o “Classicismo renascentista”. Defendida nos anos 1950 por Jorge de Sena (1980SENA, Jorge De. Trinta anos de Camões. 1948-1978 . I Vol. Lisboa: Edições 70, 1980. ) com proparoxítona grandiloquência (e um germaníssimo entusiasmo5 5 O lugar político da ideia de Maneirismo como crise do status quo representado pelo Classicismo, subscrita pelos historiadores da cultura de profissão marxista como A. Hauser ou marxista a maior parte do tempo como António José Saraiva, e com seu porta-voz num Sena insurgente e então autoexilado, precisa de uma discussão à parte. ), essa categoria recolhe os elementos residuais estranhos que não cabiam no conceito muito reduzido de “Classicismo” que J. Burckhardt e depois H. Wölfflin elaboraram, e que AS resume à obra de Pietro Bembo (1470-1547) sentenciosamente (2011 AGUIAR E SILVA, Vítor Manuel de. Teoria da Literatura. 8a ed. Coimbra: Almedina, 2011., p. 466). Surge, assim, por defeito. Quando se inquirem as generalizações associadas ao Renascimento, dificultam a dissolução desse conceito tanto sua utilidade discursiva - pois designa a transição dos mundos da vida feudal-católico e burguês-secular -, por um lado, quanto, por outro, o relativo consenso que ele gera, oferecendo um ponto mais ou menos a partir do qual divergências podem ser sustentadas e confrontadas. No entanto, quando Renascimento ganha significação mais específica, na forma de uma poética inferida por via do esquema teórico, a categoria se mostra insuficiente e, por isso, para que de algum modo a disciplina literária possa continuar seu diálogo com os estudos da história e da cultura em geral, passa a solicitar corretivos menores. É assim que de dicotomias estilísticas redutoras do século XIX a abordagem teórica passa a uma complexa engrenagem de códigos, resultando daí que a história literária seja uma narrativa da entidade “texto literário”, cujo preenchimento empírico determina a fenomenologia da “época”, e de uma correspondente “mundividência” sempre mais ou menos sujeita à renegociação no tempo histórico. Novamente, a base para isso é o colapso do uso reflexivo da categoria - que permitiria, com a construção hipotética de um “ismo”, mensurar um quadro histórico da cultura - e o seu uso determinante, isto é, quando uma hipótese explicativa vira regra de compreensão. Outro exemplo, para demonstrá-lo, encontramos numa tese doutoral como a de Rita Marnoto sobre o petrarquismo de Quinhentos. Embora obra de inquestionável mérito, quando em certo passo da obra a autora se refere a outro período de transição entre Maneirismo e Barroco (2007 MARNOTO, Rita. Sete Ensaios Camonianos. Coimbra: Centro Interuniversitário de Estudos Camonianos, 2007., p. 43, 2015, passim), fica claro que a premissa teórico-histórica é assegurada a partir de emendas menores ao esquema, que não o modificam no todo. O efeito zenoniano é tão comum que ainda podemos exemplificar com um “tardo-quinhentismo” a que se referiu Barbara Spaggiari, lexema que se compõe de cronologia e hermenêutica histórica sem maior caráter explicativo que dizer “no final de Quinhentos”. Esse uso ressoa e ratifica, mantém coerência relativamente à sua construção (que remete a W. Bouwsma) do Outono do Renascimento (2011SPAGGIARI, Barbara. Camões e o Outono do Renascimento. Coimbra: Centro Interuniversitário de Estudos Camonianos, 2011. ) - Outono, tardo -, crise…

Seja como for, esse modelo de história literária, que acata de pronto os qualia da textualidade como fio condutor de explicações - com a intenção de se preservarem os valores institucionais das Letras, sob a indeterminada rubrica do “estético” -, esse fenomenologismo é prática normal na investigação da literatura, não se restringe apenas ao estudo do objeto cronologicamente afastado como constitui quase toda a crítica contemporânea. A narrativa hermenêutica transforma a história literária numa memória que precisa ser a cada vez renegociada. A segunda implicação é, assim, mais danosa: na medida em que todas as categorias empregadas para a abordagem do fenômeno são de tipo “compreensivo”, isto é, como os fenômenos são “explicados” em conformidade com os “essenciais necessários” ao conceito que se faz da coisa, aqueles elementos que permitiriam pensar a história como algo de outro ou aparecem deformados pelas expectativas compreensivas atuais ou não aparecem. Sua matriz teórica não está tão distante da crítica do cânone e das reivindicações de representação alavancadas com os cultural studies - basta ressuscitar aquela “ninharia”, a de que o universal a partir do qual se perspectiva o objeto é, ele mesmo, um particular determinado histórica e institucionalmente. Exemplos de articulação a gosto corrente como literatura-mais-alguma-teoria ou ainda a-figura-social-na-obra-tal têm, afinal, respaldo disciplinar, apesar do ínfimo alcance de seus resultados (decerto chamariam à literatura aqueles que estão envolvidos com uma ou outra pauta, mas o que diriam da literatura senão o que já se espera encontrar?). A restrição do estudo do artefato à injeção de temas contemporâneos é colateral à sensação de que a investigação acabou com os estudos exemplares da área e que não há mais que fazer, dados os rigores epistêmicos, senão tirar quantos autores ao esquecimento. E seria ainda necessário fazê-lo incluindo os autores no catálogo de que dispomos.

2 Algumas observações para uma longue durée literária, suas instituições e práticas

Voltando à pergunta que o jovem doutor lançava aos antigos. Existe uma incomensurabilidade entre a ontologia do objeto literário, orientada pela possibilidade de sua caracterização sistemática e sob um interesse cognitivo atual, e a materialidade das instituições e processos históricos implicada no arcaico esquema período-escolas, que visa capturar quadros comunicacionais que medeiam os artefatos literários do passado, esses sendo demasiado amplos e complexos para se deixar reconduzir ao esquema. Ou seja, o empenho teórico apenas com dificuldades se imiscuiria, de um modo ou de outro, ao histórico. Essa seria outra forma de pensar a dívida das obras de Fidelino de Figueiredo e Mendes dos Remédios para com a disciplina da História. Em vez de lhes censurar a pouca elaboração de seu conceito de literatura e o enorme peso que critérios não-literários sobre eles exerceria - não havendo mesmo um que sistematizasse o campo de forças de suas abordagens -, poderíamos confrontar aquele “espinhoso” Classicismo que alcança o século XIX com discussões atuais sobre o esquema periodológico. O quadro pré-teórico é um ecletismo desconcertado, em que fatores explicativos da história do século XIX e categorias destemporalizadas típicas da reformulação das instituições de saber levada a cabo pelas burguesias nacionais (e.g., “estética”) se fundem6 6 Para um comentário à história literária em Portugal, veja-se Cunha (2011). . Hoje temos melhores condições para a reconstrução aproximada do espaço ético-retórico desse “branco” temporal pré-burguês, cujo desconhecimento obrigou a história literária à prosopopeia hermenêutica. É preciso, porém, abrir mão da especificidade literária dessa história, entendê-la algo afim à “história social”, reconstruir seus agentes institucionais e seus usos protocolares, se queremos repensar o que foi e o que veio a ser a escrita literária, os autores e obras “canônicos”, as práticas de leitura e produção de textos artísticos.

Podemos partir da observação cautelar de que o relativo apagamento da preceptiva na memória da crítica - i.e., das instituições e práticas comunicacionais que produzem textos - leva ao excesso teórico que de algum modo o compensaria, determinando o ímpeto homogeneizador sobre o passado e, no plano de sua lógica interna, a produção autocorroborante das categorias periodológicas da História Literária. Não devemos limitar a compreensão da cultura escrita àquilo que se toma por “literário”, apenas sob ressalva admitindo menções - lugar comum dos primeiros manuais brasileiros - aos textos “informativos”. Talvez não tenhamos já um programa disciplinar de “História literária” cujo objeto seja “o texto literário” enquanto algo em devir histórico, com seus universais e categorias necessárias, mas um corpo de saberes e métodos que elucida práticas de comunicação que, em virtude do moderno conceito de literatura, assumimos como relevantes para os interesses do presente. Se não é possível fazer história de formas e temas num continuum de transformações, é razoável pensar as convenções que regulam usos da comunicação. Ainda que aplicássemos aqueles universais teórico-literários, porém, “certo vocabulário, certos códigos e uma certa metalinguagem” (2011 AGUIAR E SILVA, Vítor Manuel de. Teoria da Literatura. 8a ed. Coimbra: Almedina, 2011., p. 413), não seria possível diferenciar “estilos” no interior de alguns contextos senão em virtude da exacerbação de fatos idiomáticos, a exemplo da imitação de usos autorais normativa no século XVI, e da contingência “não-literária” dos temas sobre os quais uma obra versa. Diferenciar tendências como épocas sui generis, porém, é hipertrofiar oposições estruturantes, criando ou ratificando limitações de leitura, a exemplo do anacronismo reconhecidamente depauperante do recorte “nacional” e vernacular para as práticas de escrita anteriores ao nacionalismo burguês. O estudo das convenções poderia evitar os impasses hermenêuticos. Seria produtivo determo-nos com mais demora, por exemplo, sobre os nexos que a literatura portuguesa do período mantém não apenas com o quadro ibérico como sobretudo ao filão novilatino das Letras, que se manteve até o despontar do século XVIII. Há trabalhos recentes sobre essa produção literária mais ou menos transcontinental, como o de V. Wels, Der Begriff der Dichtung in der Frühen Neuzeit (2009WELS, Volkhard. Der Begriff der Dichtung in der Frühen Neuzeit. Berlin & New York: Walter de Gruyter, 2009. ), centrado sobre a preceptiva poética dos humanistas norte-europeus, e o de M. Korenjak, Geschichte der Neulateinischen Literatur (2015KORENJAK, Martin. Geschichte der Neulateinischen Literatur. Vom Humanismus bis zur Gegenwart. München: C. H. Beck, 2015. ), cujo mérito é fazer uma história da produção artística seguindo o modelo habitual dos manuais, ou também o compêndio organizado por Tom Deneire, Dynamics of Neo-Latin and the Vernacular (2014DENEIRE, Tom (Org.). Dynamics of Neo-Latin and the vernacular. Leiden & Boston: Brill, 2014. ), em que abunda a preocupação quanto à metodologia a adotar para o pretendido estudo, ou ainda, sem os mencionar em particular, alguns daqueles que adotam o sintagma “República das Letras”. O título Humanismo em Portugal, de Sebastião Tavares de Pinho (2006PINHO, Sebastião De. Humanismo em Portugal: estudos I e II. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2006. ), não diz prontamente que sua investigação se dedica a humanistas portugueses que produziram em latim mais do que à construção conceitual de um “humanismo” com cor local. Na sequência, não esqueçamos a coleção Portugaliae Monumenta Neolatina, organizada pela Associação Portuguesa de Estudos Neolatinos para a Imprensa da Universidade de Coimbra.

Embora não seja de hoje questionar a validade da designação “Renascimento”, uma tendência é enfatizar sua continuidade em relação aos séculos anteriores. Jacques Le Goff, por exemplo, insistiu que o período fosse compreendido no desenvolvimento final duma Idade Média de longa duração, estendida até o terço final do século XVIII (LE GOFF, 2015LE GOFF, Jacques. A história deve ser dividida em pedaços? São Paulo: UNESP, 2015. ). O autor pensa o marco histórico - no caso a Encyclopédie (1751-1772) de Diderot e d’Alembert - como necessariamente pertencendo ao fim de um quadro e ao início de outro. A ideia de um “Classicismo” até o século XIX português apresenta muito maior afinidade com essa solução, além de, por si só, parecer algo mais epistemologicamente adequado do que reivindicar a gênese da Modernidade conforme aquele critério compreensivo que há pouco acusávamos. A intervenção de Le Goff, não bastando a série de estudos que elenca sobre a cultura material, pode também em parte ser corroborada por argumentos tão distintos em amplitude como os do estudo de Belmiro Fernandes Pereira sobre a Retórica e Eloquência em Portugal na Época do Renascimento (2012PEREIRA, Belmiro Fernandes. Retórica e eloquência em Portugal na época do Renascimento. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2012. ) e um trabalho de outra área e de mais ampla circulação como Mudança Estrutural da Esfera Pública (2014 HABERMAS, Jürgen. Mudança Estrutural da Esfera Pública. São Paulo: Editora UNESP, 2014. [1962]), de Jürgen Habermas. Mencionemo-lo aqui en passant a propósito do lugar que a literatura ocupa no quadro social de que trata Habermas, a nosso ver precisamente aquele registrado, como discutimos, no conceito teórico de literatura e na teoria da história literária de Aguiar e Silva. A conformação burguesa da cultura emergiria, seguindo sua tese, junto à disseminação das práticas de escrita e coletivização da cultura aristocrática como patrimônio nacional, não sem que, para isso, um certo estrato conceitual dessas práticas fosse subtraído (HABERMAS, 2014HABERMAS, Jürgen. Mudança Estrutural da Esfera Pública. São Paulo: Editora UNESP, 2014. , p. 100, 384 et passim) - a marcha institucional burguesa depende da usurpação da cultura elite. Com isso, há uma interna solução de continuidade entre essas duas dinâmicas culturais, a Modernidade politicamente burguesa e a longa Idade Média. A distinção nos “mundos da vida” da sociedade de corte e da burguesia, que em suas linhas gerais parece tributária ao conhecido argumento de Norbert Elias, faz bastante justiça aos interesses de Aguiar e Silva quanto ao tipo de estudo que ele concebe como legítimo para a elucidação do “período” literário - com a ressalva, como já exploramos, ao uso da expressão algo porosa “mundividência” e à hipertrofia do estilo como fator da literariedade e fio condutor historiográfico.

O argumento não está distante de historiadores como Peter Burke, especialmente em Uma história social do conhecimento (2003BURKE, Peter. Uma história social do conhecimento: de Gutenberg a Diderot. Rio de Janeiro: Zahar, 2003. ), ou Roger Chartier, em A mão do autor e a mente do editor (2014CHARTIER, Roger. A mão do autor e a mente do editor. São Paulo: UNESP, 2014. ). Nenhum concordando com a periodização de Le Goff ou seguindo Habermas, ambos endossariam a diferença que existe entre as práticas socioculturais - da organização do saber às motivações da comunicação - daqueles círculos letrados e as atuais, confirmando a necessidade de uma melhor adequação do estudo teórico da literatura às obras que nesse conceito hoje incluiríamos. Se a exposição de Burke responde, como também a de Le Goff, a questões de caráter geral, tem alcance mais particular e interessante a de Chartier, ao fazer derivar as práticas associadas ao moderno conceito de literatura de questões materiais florescentes no século XVIII, relativas à difusão da impressão e ao problema jurídico dos direitos autorais (CHARTIER, 2014CHARTIER, Roger. A mão do autor e a mente do editor. São Paulo: UNESP, 2014. , p. 103 ss.). Essa matéria ganha em rigor pelo diálogo com outras áreas, mas, na Teoria Literária, Franco Moretti (2007MORETTI, Franco. Signos e estilos da modernidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. [1983]) argumentou a necessidade de historicizar as transformações sofridas pelos gêneros, que, como convenções de produção, respondem diretamente aos aspectos materiais da culturamente, e, com isso, podem oferecer referências mais epistemologicamente estáveis para a discussão quando os contrapomos às entidades dependentes de processos inferenciais - no fundo, como também já esboçara Siegfried Schmidt (1979SCHMIDT, Siegfried J. Empirische Literaturwissenschaft as perspective. Poetics, v. 8, p. 557-568, 1979.). Na Teoria da História, por exemplo, a Begriffsgeschichte forneceria algumas ferramentas para mapear as diferenças semânticas internas a determinados conceitos, de modo a solucionar inércias discursivas. Dois trabalhos de H. U. Gumbrecht, de sugestivos títulos “A Mídia Literatura” (1998 GUMBRECHT, Hans Ulrich. Modernização dos Sentidos. São Paulo: Editora 34, 1998b.b) e “Patologias no Sistema da Literatura” (1998aGUMBRECHT, Hans Ulrich. Corpo e Forma. Rio de Janeiro: Eduerj, 1998a. ) fornecem narrativas das transformações pragmáticas da escrita literária e, dessa feita, experimentam prismas para perspectivarmos hoje o nosso interesse no estudo da produção escrita de outras épocas. De resto, o próprio R. Wellek, em tantos passos acompanhado por Aguiar e Silva, confessava em “The Fall of the Literary History” (inKOSELLECK; STEMPEL, 1973KOSELLECK, Reinhart; STEMPEL, Wolf-Dieter (Org.). Geschichte- Ereignis und Erzählung. München: Wilhelm Fink Verlag, 1973. ) a necessidade de dar uma ênfase institucional à história. Por fim, é de se notar também que é com um pequeno elogio ao gênero como ferramenta investigativa que Aguiar e Silva apresenta a tese doutoral, publicada pelo CIEC, de Maria do Céu Fraga sobre Os géneros maiores na poesia lírica de Camões (2003FRAGA, Maria do Céu. Os Géneros Maiores na Poesia Lírica de Camões. Coimbra: Centro Interuniversitário de Estudos Camonianos, 2003. ).

Já a obra de Belmiro Pereira merece atenção mais detalhada. Por um lado, o seu argumento tem algo do aspecto autocorroborante que queríamos evitar - sua figura total está já contida nas premissas investigativas - e o seu texto por vezes sofre a introdução súbita de categorias da história literária, embora não em seu nível mais fundamental. Por outro, certamente traz à tona problemas mais específicos e alarga o quadro que precisa ser construído para uma melhor compreensão da literatura pré-burguesa no espaço ibérico. O autor parte, com efeito, de uma perspectiva que não toma o Renascimento como ruptura com a Idade Média e, assim, como uma genética “Baixa Modernidade”, mas apenas como fase final do processo histórico-cultural. O argumento se refere àquele encontrado no verbete “Renascimento” do Dicionário de História de Portugal (1985) e ao de Paul O. Kristeller, sobre os cultores das Humanidades surgirem a partir dos dictatores medievais (KRISTELLER, 1978KRISTELLER, Paul Oskar. Humanism. Minerva, v. 16, n. 4, p. 586-595, 1978.), e difere da intervenção de Le Goff apenas no estatuto de que o designativo “Renascimento” goza. Pereira desenvolve uma abordagem de compêndios escolares, orationes e epístolas que revela como a preceptiva retórica sofre influxos diversos a partir das principais instituições com que a Corte travava contato e, também em sua variedade, acolhe os conflitos temporâneos que ocupam o concílio de Trento. O trabalho não cede à polarização Classicismo-Maneirismo, nem mesmo à ideia de “crise” de valores que lhe subjaz, pois a reconstrução histórica limita os conceitos-chave hermenêuticos (“euforia renascentista”, “antropocentrismo” e congêneres) que dão suporte a esses argumentos. O autor refere-se à variedade das questões como derivando de três estratos temporais: a incepção disciplinar com a influência de rhetores italianos, a maturação pela participação de mestres portugueses e estudantes nos Colégios franceses, e novamente a determinação italiana, ou romana ou jesuíta. Além disso, incluam-se entre essas “fases” não homogêneas também o lugar muito particular de Erasmo de Roterdã e, em menor escala, do questionamento da autoridade de Aristóteles e Cícero no espaço norte-europeu. Podemos recordar aquela normatividade que atribuímos ao gênero, elucidável a partir de dois expedientes abordados por Pereira: o herético Philip Melanchton tentou no século XVI introduzir na preceptiva um gênero próprio à pregação, e foi em geral rechaçado; pior aconteceu a Pierre de la Ramée em sua reordenação dos cânones da retórica e do trivium - o circuito de ensino da Gramática, da Retórica e da Dialética. O primeiro caso era um erro metodológico menor, pois as engrenagens da máquina retórica funcionavam então bem demais para acatar novidades7 7 Intervindo nos tria genera causarum de origem aristotélica (epidítico, deliberativo, judiciário), a proposição de um gênero próprio ao ofício do pregador cristão se deixava refutar pelas demais estruturas triádicas, a das provas (pisteis), e, conforme a contribuição de Cicero, dos officia do orador e correspondentes (três) genera dicendi. . Já o caso de de la Ramée consistia em submeter a inventio e a dispositio retóricas à “Dialética”, acentuando sua natureza meramente processual, e, com isso, reduzindo “Retórica” a uma doutrina do ornato. Essa tendência “beletrística”, hoje a todos familiar, derivava de uma epistemologia linguística incompatível com a tradição aristotélico-ciceroniana, que ainda preceituava - “teorizava”, legalizava - a adequação estrita dos uerba à res, das palavras à coisa.

Ainda seguindo Belmiro Pereira, a Retórica - a um só tempo disciplina, doutrina e arte - progressivamente dominaria as demais artes sermocinales pelo valor distintivo adquirido no espaço da Corte, estando desde o início indissoluvelmente ligada à religião e, como as mais reformas da Casa de Avis, à vida política. O olhar micrológico sobre a oratória sacra não permite que acolhamos o sermão, por exemplo, “apenas excepcionalmente” como literário, mas o coloca no cerne da vida cultural da elite, como avança Alcir Pécora no Teatro do Sacramento (2008PÉCORA, Alcir. Teatro do Sacramento. Campinas: Unicamp, 2008.), sem descontar as implicações políticas do projeto teológico jesuítico e as implicações escato e soteriológicas dos eventos específicos ao Portugal da Restauração8 8 O quadro pressupõe, como demonstra a referida tese, tanto a maior uniformização da preceptiva por obra do ensino da Companhia enquanto braço tridentino, quanto a maturação de uma “mentalité pathétique” cujo resultado é, na oratória de Vieira, uma essencialização da história enquanto material e campo sobre o qual intervir. . Nos séculos XVI e XVI, Retórica define e dá coesão a todo o horizonte da comunicação social, sendo aí a linguagem inseparável das coisas dos homens e da verdade sagrada. No espaço peninsular, Pereira salienta o interesse do De Eloquentia do ex-jesuíta Tomé Correia (1536-1595), para quem a Retórica levaria à superação do dissidium linguae et cordis, reconciliando os homens. Essa concepção psicagógica cada vez mais central nos tratados e manuais do século XVI, caracterizada por um relativo crescimento das seções dedicadas a questões de etologia - o estudo da invenção do caráter do orador como mecanismo que asseguraria aquele propósito - parece encontrar reflexo nos livros de civilidade. Ou seja, a constituição de qualquer simulacro enunciativo subjetivo, longe de caracterizar a expressão de estados de alma (não se pondo ainda o problema do estatuto da prática imitativa), passa por um projeto institucional cujas linhas fundamentais escapam, como vemos, ao bojo ético do moderno conceito do literário. Especialmente em se tratando das instituições ibéricas, ao menos conforme o mapa oferecido por essa tese, é exíguo o espaço para imaginar a autonomia do “poético” como algo diferenciado das demais práticas de conversação civil. Assim, entender um “Classicismo” que vai até o século XIX, pace o designativo, e distinguir “escolas” em seu interior é talvez melhor acerto: há um ordenamento de saberes relativamente ao qual “Poética” não tem prerrogativas como nos modernos movimentos literários, e, assim, há ainda menos garantias para a equiparação por meio dos esquemas diacrônicos que mapeariam suas flutuações no interior daquele quadro institucional. A designação “escola” sugere uma dinâmica de grupo (mestre e aprendizes) que tampouco se sustenta quando avaliada em sua constituição mais concreta, embora seja tópica recorrente nos quadros em que uma autoridade precisa ser reclamada com propósitos de legitimação e normalização. No entanto, retenhamos sua tentativa de ancoragem referencial, já que destacar esses circuitos em nome de uma fenomenologia de textos produz um horizonte insatisfatório para a investigação crítica da cultura, apesar de útil para a atualização memorial característica da legibilidade literária.

Além disso, seria possível argumentar ainda que a subteorização da poesia lírica e a decorrente dificuldade de estabilizar designações como Classicismo ou Maneirismo apenas por referência às obras do período devem-se sobretudo ao fato de que esse gênero não gozava do estatuto que hoje a história literária lhe atribui. Aquela “metalinguagem” que é preciso estabilizar por via da Teoria não será reconstruída sem que antes se entenda como a comunicação funcionava, e, com isso, se perceba como modos diferentes de funcionamento produzem artefatos diversos. Nas retóricas - como se sabe, quase todas - fiéis à base aristotélico-ciceroniana, os “gêneros discursivos” e “estilos” (genera causarum e dicendi) eram preceituados numa estrita adequação a interesses previamente codificados, polarizados entre os uerba e a res. Antes mesmo, porém, da aplicação direta de preceitos na escrita, a partir do qual poderíamos reconstruir uma mais ou menos segura (embora não única) metalinguagem, havia uma ênfase à aquisição do usus por via da imitatio, ou seja, uma espécie de normatividade consuetudinária. É um dos sentidos de decoro. Essa característica obriga a leitura da poesia lírica a trilhar os processos inferenciais que levam, destacados da preceptiva retórica, à necessidade de designações periodológicas para sanar a instabilidade. Em sua tese doutoral, a que já aludimos, Maria do Céu Fraga esteve atenta a essa “fragilidade” da teorização retórica de Quinhentos, um pouco em virtude da qual justifica sua empresa investigativa (2003FRAGA, Maria do Céu. Os Géneros Maiores na Poesia Lírica de Camões. Coimbra: Centro Interuniversitário de Estudos Camonianos, 2003. ). Porém, herdada a história literária, em seu comentário ela opta por submeter a investigação poético-retórica dos gêneros àquelas categorias periodológicas - primeiro as de Aguiar e Silva (1971 AGUIAR E SILVA, Vítor Manuel de. Maneirismo e barroco na poesia lírica portuguesa. Coimbra: Centro de Estudos Românicos, 1971.) e então o “petrarquismo” estudado por Rita Marnoto (2015MARNOTO, Rita. O Petrarquismo Português do Cancioneiro Geral a Camões. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2015.) - e se ocupa de questões de índole filológico-hermenêutica. O problema poético-retórico do lírico não é muito endereçado. O mesmo não se passa, por exemplo, com a muito mais formalizada poesia épica, já que as transformações que suas convenções e esquemas sofrem foram mais criticadas em sua recepção imediata - até em virtude das condições materiais da produção livresca -, criando um sistema de referências que prescinde, ressalvado o apagamento histórico, de qualquer ulterior elaboração hermenêutica. Como demonstrou Hélio Alves a propósito da épica humanista (2001ALVES, Hélio J. S. Camões, Corte-Real e o sistema da épica quinhentista. Coimbra: Centro Interuniversitário de Estudos Camonianos, 2001. ), não apenas ela obedecia à codificação específica de conhecimento escolar geral, ditado pela preceptiva a partir do modelo bipartite virgiliano, como o princípio da imitação mediava, como norma, todo o plano da inventio, indo até os expedientes de vituperatio que deram ao poema camoniano a alcunha de “maneirista”, e o prêmio heroico do himeneu (“euforia renascentista”, etc.), este por contaminatio com o romance. O procedimento - uma dinâmica de enriquecedora usurpação de textos que Alves explica como “substituição” (2001ALVES, Hélio J. S. Camões, Corte-Real e o sistema da épica quinhentista. Coimbra: Centro Interuniversitário de Estudos Camonianos, 2001. , p. 43) - engendra a coerência que autoriza o estudo “sistemático”9 9 De resto, a importância do épico está extensivamente documentada, quer na tratadística (ALMEIDA; MUHANA, 2006; 2002), na representação corrente do poeta laureado, na frequência do tópico do serviço de armas e letras (cf. e.g.RAMALHO, 1994). .

Com a atenção que detinha o poema heroico como crônica rimada, a lírica e os outros gêneros textuais e dramáticos seriam um recreio de Corte ou popular - ocupações menores que quase pertenceriam a algum “reino da liberdade” pré-romântico, não fosse tão clara a impositividade de seus modelos e a necessidade de defender tais passatempos com base na sua cota de “erudição, doutrina e filosofia”, como disse na Década Oitava Diogo do Couto (1542-1616) do Parnaso de Camões, ou como um século antes Cataldo (1455-1517) defendia a poesia (e “até mesmo” a sátira) para “a emenda e a correção da vida” (RAMALHO, 1994RAMALHO, Américo da Costa. Latim Renascentista em Portugal. Lisboa: Calouste Gulbenkian; Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica, 1994. , p. 43). Obliterar as convenções que medeiam o conjunto das representações literárias, ainda que elas não se enquadrem naqueles universais do conceito, com o fito de derivar de suas formas e temas uma “mundividência” assente em dados histórico-biográficos, isso mais produz um conceito novo de poesia do que reconstrói o então em uso. A escrita cumpre um fim social lançando mão dos meios à disposição, no interior de atividades hierarquizadas e num quadro ético estável. Só o ideal romântico redimensiona a relação da escrita à sua finalidade, com o recalcamento da coordenada ética e a autonomização dignificante da “criação artística”, mais tarde universalizados pela elaboração teórica do conceito. Apesar disso, talvez aqui conte algo daquela “entropia” de Aguiar e Silva: sem fixação preceptiva extensiva, a difusão da lírica pela Corte não era homogênea, pois nem se associava em particular a um programa curricular, nem estava isenta das questões que se colocavam na tratadística - a exemplo da tendência à demissão da moral entre os rhetores norte-europeus, que deixaria, segundo Pereira, traços em retóricas peninsulares. A variedade solicitava então intervenções ordenadoras. Podemos aceitar aqui que os séculos XVI e XVII se diferenciam um do outro sobretudo pelo incremento normativo (CARVALHO, 2004CARVALHO, Maria do Socorro Fernandes De. Poesia de Agudeza em Portugal. 2004. Universidade Estadual de Campinas, 2004. , p. 222) que avança com as instituições escolares ibéricas, e não tanto por questões de “estilo” ou por sua temática. Do processo seriam representantes a obra já mencionada de Tomé Correia, os tratados de Manuel Pires de Almeida (1597-1655) a que já se dedicou Adma Muhana (2006; 2002MUHANA, Adma Fadul. Poesia e Pintura ou Pintura e Poesia: Tratado Seiscentista de Manuel Pires de Almeida. São Paulo: EDUSP, 2002. ), e mesmo um livrinho como Corte na Aldeia (1619). O declínio do decorum - a descontinuidade percebida entre os modelos disponíveis e o que se poderia postular como única norma aceitável - foi também objeto de vitupério poético, como no célebre poema de Baltazar Estaço (1570-?) contra os “olhos verdes” ou já na caricatura que Camões glosa do namorado galante10 10 É curioso retrato de costumes da Corte, o que faz Camões numa carta que segue a tópica do elogio ao campo: “Uns vereis encostados sobre as espadas, os chapéus até os olhos e a parvoíce até os artelhos, cabeça entre os ombros, capa curta, pernas compridas; nunca lhes falta uma conteira dourada, que luz ao longe. (...) carregam as pernas para fora, torcem os sapatos para dentro, trazem sempre Boscão na manga, falam pouco, e tudo saudades, enfadonhos na conversação pelo que cumpre à gravidade de amor” (2008, p. 791-2). Continua com esses estarem especialmente sujeitos aos ardis das alcoviteiras. .

Para resumir nosso apanhado, havemos de reconhecer que, perante qualquer história literária de base teórica, como o texto a partir do qual fazer surgir o sistema de características “literárias” não está no centro desse tipo de estudo, essas abordagens não ofereceriam soluções imediatas para os problemas do ensino da história literária. Mas não será a hipertrofia do “literário” como fator explicativo e sua aplicação a uma multidão de manifestações culturais diacronicamente diversas que torna difícil a compreensão, por um lado, daquilo que é específico a essas manifestações e, por outro, o que põe em xeque a validade do próprio conceito de literário11 11 Talvez aqui possamos introduzir uma observação extemporânea: é mais econômico, considerando os quadros institucionais da universidade democratizada às pressas, como a especialização e a aceleração da máquina, etc., dar as coisas por resolvido ao se chegar num nível de generalização “ótimo”, isto é, com o critério do espírito nacional de um lado e a regra do “estilo” do outro. Por um lado, como algures sustentou Alcir Pécora, trata-se de elidir o trabalho descritivo pormenorizado; por outro, quantos são hoje os que ainda se encontram em condições institucionais favoráveis à investigação, com o engrossamento do corpo discente e da carga horária, e o lugar econômico secundário das Humanidades? ? Não é pequena a emenda a ser feita. Essas categorias de caráter hermenêutico colocam textos do passado numa relação com a cultura e resolvem necessidades a seu tempo, promovendo um tipo de inteligibilidade cujo alcance não é universalizável. De fato, imprimem uma legibilidade literária por uma redução ao mesmo tempo metodológica e “transcendentalmente” epistêmica, em virtude da coextensividade do ensino de literatura às práticas sociais de leitura. Com isso, uma solução particular se enraizou como um problema geral.

Diante do exposto, como convém falar em período? Não como algo a predicar “literário”. Mesmo nos “ismos” menos recentes, de um contexto em que já a literatura se deixa explicar como um sistema social de cujos usos o atual ensino literário é herdeiro direto, nada parece haver neles que os torne comensuráveis com o conceito de “época” à qual correspondesse uma “mundividência” específica e cuja existência afinal justifique a imputação retroativa de designativos estruturalmente análogos. O conceito de Maneirismo não goza de legitimidade, adequação referencial e alcance descritivo, como a seu modo o fazem os de Romantismo, Realismo e demais conceitos de uso autorreferencial após eles modelados, e muito menos como os ismos concebidos como palavras de ordem. Também nesses todos, sem dúvida, a unidade cultural a que pretendem remeter ou o programa que de algum modo descreveriam é mais um problema para a crítica do que uma solução. Seja como for, a imediata sobreposição entre “escolas” ou “movimentos” e história muitas vezes justificou o mal-estar social que os intelectuais sob a máxima do progresso jeremiavam - talvez ainda - na forma de uma defasagem, de uma falha de adaptação da “literatura nacional” às tendências recentíssimas da época. Isso se percebe de Mendes dos Remédios a A. J. Saraiva, passando também - essa tendência - para alguns críticos brasileiros. Mas esse pano de fundo ético será ainda necessário quando estudamos objetos tão afastados quanto os que se designam por Maneirismo, Barroco, etc.? Com efeito, as designações, depuradas dos conteúdos particulares, serviriam ainda como estenografia, como ao falar em “período maneirista” ou Barroco situar algo entre os anos tais e tais. Mas então para quê? Aqui cabe dobrar o bom senso exibido por Mendes dos Remédios na apresentação ao seu manual de história, pois essas elaborações, contrapostas à complexidade das referências hoje possível, aos materiais bibliográficos disponíveis, ao amadurecimento teórico…, enfim, essas elaborações já não se “salvam em suas linhas gerais”. Se esperamos alternativas discursivas que sejam mais do que simples capitulação da herança disciplinar sob quaisquer imperativos, é preciso, como tentamos fazer ao abordar os argumentos de Aguiar e Silva, entender o quadro complexo em que a Teoria e a História se entretecem. Por fim, o estudo especializado de questões retórico-poéticas da poesia anterior ao século XIX avançou muito, não faltando no contexto mais amplo das Letras trabalhos modelares que, embora nem sempre ofereçam pronta informação para a complementação dos hiatos, não deixam de fornecer sólidos subsídios para a renovação das práticas investigativas.

Referências bibliográficas

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  • WELS, Volkhard. Der Begriff der Dichtung in der Frühen Neuzeit Berlin & New York: Walter de Gruyter, 2009.
  • *
    Apoio: FAPESP
  • 1
    Sobre o tema, veja-se o volume das comunicações das Conferências do Cinquentenário (Coimbra e Braga, 2017); pensamos sobretudo no comentário de Rita Patrício sobre seu magistério (PATRÍCIO; SILVESTREPATRÍCIO, Rita; SILVESTRE, Osvaldo Manuel (Org.). Conferências do Cinquentenário. A Teoria da Literatura de Vítor Aguiar e Silva. Coimbra / Braga: 2017. , [no prelo]).
  • 2
    Suprimimos as referências a essas obras de, se não cabe dizer ampla circulação, relativa constância curricular. A outras, apesar de aqui figurarem como menções menores, ocorrerá de oferecermos referências completas.
  • 3
    Veja-se a coletânea que André Cechinel organizou (2017CECHINEL, André; SALES, Cristiano De (Org.). O que significa ensinar literatura? Florianópolis / Criciúma: EdUFSC / Ediunesc, 2017. ) sobre o tema no âmbito brasileiro.
  • 4
    A não ser que para isso se postule ainda que a entropia chega a um nível de saturação tal que promove a reversão do sistema, seguindo uma teoria da catástrofe - mas a transposição do argumento, em alguma medida capitaneada por Umberto Eco (Obra Aberta, 1971ECO, Umberto. Obra Aberta. São Paulo: Perspectiva, 1971. ), requer imensa inclinação para o bizantinismo.
  • 5
    O lugar político da ideia de Maneirismo como crise do status quo representado pelo Classicismo, subscrita pelos historiadores da cultura de profissão marxista como A. Hauser ou marxista a maior parte do tempo como António José Saraiva, e com seu porta-voz num Sena insurgente e então autoexilado, precisa de uma discussão à parte.
  • 6
    Para um comentário à história literária em Portugal, veja-se Cunha (2011CUNHA, Carlos M. F. Da. A história literária no seculo XX: o positivismo e depois. Revista de Estudos Literários, v. 1, n. 1, p. 37-57, 2011.).
  • 7
    Intervindo nos tria genera causarum de origem aristotélica (epidítico, deliberativo, judiciário), a proposição de um gênero próprio ao ofício do pregador cristão se deixava refutar pelas demais estruturas triádicas, a das provas (pisteis), e, conforme a contribuição de Cicero, dos officia do orador e correspondentes (três) genera dicendi.
  • 8
    O quadro pressupõe, como demonstra a referida tese, tanto a maior uniformização da preceptiva por obra do ensino da Companhia enquanto braço tridentino, quanto a maturação de uma “mentalité pathétique” cujo resultado é, na oratória de Vieira, uma essencialização da história enquanto material e campo sobre o qual intervir.
  • 9
    De resto, a importância do épico está extensivamente documentada, quer na tratadística (ALMEIDA; MUHANA, 2006ALMEIDA, Manuel Pires De; MUHANA, Adma Fadul. Discurso sobre o poema heróico. Revista Eletrônica de Estudos Literários, v. 2, n. 2, p. 1-23, 2006.; 2002), na representação corrente do poeta laureado, na frequência do tópico do serviço de armas e letras (cf. e.g.RAMALHO, 1994RAMALHO, Américo da Costa. Latim Renascentista em Portugal. Lisboa: Calouste Gulbenkian; Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica, 1994. ).
  • 10
    É curioso retrato de costumes da Corte, o que faz Camões numa carta que segue a tópica do elogio ao campo: “Uns vereis encostados sobre as espadas, os chapéus até os olhos e a parvoíce até os artelhos, cabeça entre os ombros, capa curta, pernas compridas; nunca lhes falta uma conteira dourada, que luz ao longe. (...) carregam as pernas para fora, torcem os sapatos para dentro, trazem sempre Boscão na manga, falam pouco, e tudo saudades, enfadonhos na conversação pelo que cumpre à gravidade de amor” (2008CAMÕES, Luís de. Obra completa de Luís de Camões. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2008. , p. 791-2). Continua com esses estarem especialmente sujeitos aos ardis das alcoviteiras.
  • 11
    Talvez aqui possamos introduzir uma observação extemporânea: é mais econômico, considerando os quadros institucionais da universidade democratizada às pressas, como a especialização e a aceleração da máquina, etc., dar as coisas por resolvido ao se chegar num nível de generalização “ótimo”, isto é, com o critério do espírito nacional de um lado e a regra do “estilo” do outro. Por um lado, como algures sustentou Alcir Pécora, trata-se de elidir o trabalho descritivo pormenorizado; por outro, quantos são hoje os que ainda se encontram em condições institucionais favoráveis à investigação, com o engrossamento do corpo discente e da carga horária, e o lugar econômico secundário das Humanidades?

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Jul 2019
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2019

Histórico

  • Recebido
    16 Set 2018
  • Aceito
    01 Abr 2019
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