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Entrevista com Ottmar Ette

Interview with Ottmar Ette

Resumo

A entrevista com o Ottmar Ette, Catedrático de Literatura Comparada e Línguas Românicas, foi realizada na Universidade de Potsdam em 2018 e teve por objetivo expor as ideias do professor acerca de diferentes abordagens teóricas trazidas pelo estudioso em suas obras. Os questionamentos tratam do contexto contemporâneo, da mobilidade nos dias atuais, do conceito de transárea, deslocamentos e influência na formação do “eu”, representados na literatura; abordam também a epistemologia das dimensões dos movimentos em seus níveis e o reconhecimento da literatura como importante provedora de conhecimento sobre e para a vida. Além disso, Ette versa sobre a literatura brasileira e sua relevância no cenário mundial e eleva o reaparecimento de figuras femininas e valorização da escrita feminina. Por último, pronuncia algumas palavras sobre o livro WeltFraktale: Wege durch die Literaturen der Welt e seu conceito de Literaturen der Welt (literaturas do mundo). Assim sendo, a presente entrevista possibilitou uma melhor compreensão de alguns conceitos tratados pelo teórico, bem como trouxe contribuições teóricas e analíticas às diferentes linhas de estudos literários.

Palavras-chaves:
Ottmar Ette; Transárea; Literatura no cenário mundial

Abstract

This interview with Ottmar Ette, Professor of Comparative Literature and Romance Languages, was held at the University of Potsdam in 2018. Its aim was to highlight the theorist’s ideas about different theoretical approaches introduced by him in his works. The questions deal with the contemporary context, mobility in the present day, displacement and influence on the formation of the self as represented in literature; about the epistemology of the movements’ dimensions in their levels and the recognition of literature as an important provider of knowledge about and for life. In addition, Ette discusses Brazilian literature and its relevance worldwide, also highlighting the reappearance of female figures and appreciation of female writing. Finally, Mette briefly alludes to the book WeltFraktale: Wege durch die Literaturen der Welt and his concept of Literaturen der Welt (literatures of the world). Thus, the present interview enabled a better understanding of some concepts approached by the theorist, which brought theoretical and analytical contributions to the different lines of literary studies.

Keywords:
Ottmar Ette; TransArea; Literature Worldwide

Resumen

La entrevista con Ottmar Ette,profesor de Literatura Comparada y Lenguas Románicasse realizó en la Universidad de Potsdam en 2018. Su objetivo es exponer las ideas del teórico sobre diferentes enfoques teóricos aportados por él en sus obras. Las preguntas tratan sobre el contexto contemporáneo, la movilidad actual, el concepto de transárea, los desplazamientos y su influencia en la formación del “yo” - representado en la literatura; también versan sobre la epistemología de las dimensiones de los movimientos en sus niveles y el reconocimiento de la literatura como un importante proveedor de conocimiento sobre y para la vida. Además, Ette se ocupa de la literatura brasileña y su relevancia en el escenario mundial, subraya la reaparición de figuras femeninas y la creciente apreciación de la escritura femenina. Finalmente, comenta el libro WeltFraktale: Wege durch die Literaturen der Welt y su concepto de Literaturen der Welt (literaturas del mundo). Así, la presente entrevista permite una mejor comprensión de algunos conceptos abordados por el teórico, y trae contribuciones teóricas y analíticas para las diferentes líneas de estudios literarios.

Palabras clave:
Ottmar Ette; Transárea; Literatura en el escenario mundial

Ottmar Ette nasceu no ano de 1956, em Zell am Harmerbach, na Floresta Negra, sul da Alemanha. É catedrático de Literatura Comparada e Línguas Românicas na Universidade de Potsdam. Doutor em Romanística, seus maiores projetos de investigação estão relacionados aos diários de viagem de Alexander von Humboldt, a temas como ciência e movimento, literatura e movimento, aos Estudos de Transárea e à teoria filosófica da WetlFraktale.

Entre suas principais obras estão Literatur in Bewegung (2001ETTE, Ottmar. Literatur in Bewegung. Raum und Dynamik grenzüberschreitenden Schreibens in Europa und Amerika. Göttingen: Verbrück Wissenschaft, 2001.), ÜberLebenswissen. Die Aufgabe der Philologie (2004), Zwischen Welten Schreiben: Literaturen ohne festen Wohnsitz (Über Lebenswissen II) (2005ETTE, Ottmar. ZwischenWeltenSchreiben. Literaturen ohne festen Wohnsitz. Berlin: Kulturverlag Kadmos, 2005.), Alexander von Humboldt und die Globalisierung (2009), TransArea. Eine literarische Globalisierungsgeschichte (2012ETTE, Ottmar. TransArea Eine literarische Globalisierungsgeschichte, Berlin/Boston: de Gruyter, 2012.), Roland Barthes: Landschaften der Theorie (2013), WeltFraktale: Wege durch die Literaturen der Welt(2017ETTE, Ottmar. WeltFraktale: Wege durch die Literaturen der Welt. Sttutgard: J.B. Metzler, 2017.) e El caso Jauss. Caminos de la comprensión hacia un futuro de la filología (2018).

As obras publicadas pelo teórico são conhecidas mundialmente e têm trazido muitas contribuições aos estudiosos de literatura, que veem na Filologia os movimentos para além das fronteiras geográficas e disciplinares e na escrita literária, uma forma de sobrevivência. Esta entrevista foi realizada na Universidade de Potsdam, no dia 15 de novembro de 2018.

G&C: No livro Escrever entre mundos: literatura sem morada fixa (2018) e no artigo Pensar o futuro: a poética do movimento nos Estudos de Transárea (2016), publicado nesta mesma revista 1 1 ETTE, Ottmar. Pensar o futuro: a poética do movimento nos Estudos de Transárea. Alea: estudos neolatinos. v. 18, n.2, p.192-209, 2016. Disponível em: <https://dx.doi.org/10.1590/1517-106X/182-192>. . , o senhor trata de nossa época, como uma época de rede, que demanda concepções de ciências móveis e relacionais, transdisciplinares, de Transárea, uma terminologia orientada pelo movimento. Assim, como o senhor vê a representação da literatura nesta época de rede?

OTTMAR ETTE: Eu acho que, em geral, nossa época é caracterizada pelos movimentos mais diversos. Os movimentos de pessoas, de ideias e de artefatos. Esses movimentos são caracterizados em grande parte por movimentos descontínuos que não produzem uma continuidade territorial, nacional etc, mas uma interpenetração dos diferentes pontos de vista, territórios etc. É uma condição de nossa época a descontinuidade. Descontinuidade de nossas viagens através do espaço com o avião, por exemplo, é uma forma de transporte descontínuo que leva a uma percepção descontínua também dos lugares. Neste caso, é importante sublinhar um fato que é de suma importância, que esses movimentos descontínuos produzem relações de ideias, de pessoas, aos seres humanos, relações com artefatos. Essas relações estão traçadas na descontinuidade e precisam de modelos também de atuação no mundo, por exemplo a ideia da WeltFraktale é de que sempre onde existe uma concepção de uma totalidade mais concentrada de forma fractal há um elemento, por exemplo, de literatura. A literatura é como modelo reduzido no tempo, no espaço, na totalidade do mundo. Para representar o ilimitado na totalidade ou reduzido a uma forma precisa, é necessária exatamente essa forma fractal de representação, porque é chave para entender os pensamentos complexos e as estruturas complexas da interação dos seres humanos. Então, é necessário construir e reconstruir os movimentos de uma perspectiva da descontinuidade. Essa descontinuidade é comparada com as ilhas e com os arquipélagos. Vivemos em um mundo em que o Brasil não existe em uma totalidade territorial, mas como parte de diferentes ilhas que se agrupam nos arquipélagos. Esses arquipélagos não produzem uma continuidade do pensamento, mas uma multiperspectiva relacionada com a descontinuidade e com as relações. Nesta linha de pensamento, está, então, a multiperspectividade, é como desenhar um quadro de forma cubista. O cubismo é a interpenetração de diferentes perspectivas não só de objetos. Essa multiperspectividade é característica de nosso mundo. Existe um quarto nível de entendimento dessas formas cubistas que se desenvolvem, e elas são concepções temporais. Então, essa multiperspectividade se produz por uma concepção do movimento. O tempo e o espaço produzem o movimento. E o movimento descontínuo de um viajante, de uma pessoa que atravessa o espaço, dá uma imagem cada vez cambiante do objeto. Então as quatro dimensões de nossa realidade são caracterizadas por elementos que dão a chave para entender nosso mundo na sua totalidade, e, nessa totalidade, o modelo ligado à matemática fractal de Mandelbrod é uma forma fractal da concepção de mundo. Os movimentos vão ser muito diferentes entre si, os movimentos descontínuos não produzem estruturas maiores do entendimento, mas são elementos em que a história contada é de suma importância, porque desenha um mundo que só é perceptivo em uma coopresença das imagens, uma coopresença da visualização, muito descontínuas na sua percepção.

G&C: Pensando nessa mobilidade dos dias atuais, que o senhor estuda em seus livros, pode-se dizer que, de certa forma, essa mobilidade estabelece relações de fluidez, deslocamento e adaptações vinculados ao conceito de Bauman sobre os tempos líquidos?

O.E.: Sim, os conceitos de fluidez, de fluxo estão presentes no movimento na explanação dos conceitos de entendimento de mundo. Nos conceitos de fluidez, o fluxo existe, porém, um elemento que parece trazer um problema, e esse problema está na continuidade de fluxo. Os fluidos constroem um mundo que vive a passar nessa continuidade e creio profundamente que o caráter de nosso mundo é fundado sobre essas descontinuidades. A fluidez é um conceito muito mais embasado no itinerário, na viagem contínua, no transporte seguido, mas seria possível estabelecer um modelo, quiçá, de fluxos descontínuos, de fluxos que não constituem um mundo embasado na seguridade das formas contínuas. Então, seria possível pensar o mundo dos fluxos intermitentes, dos fluxos que não constroem uma fluidez, mas ilhas de fluidez.

G&C: Muitas obras atuais tratam de viagens, deslocamentos, sejam eles reais ou ficcionais, e isso, não tem como negar, influencia a formação do “eu”, como o senhor descreve em uma de suas obras: “O agrupamento de todas essas viagens de leitura ocorre naquele ‘eu’ que, por meio delas, se tornou um ‘eu’ múltiplo inclusive transpessoal carregado do dito e do vivido, assim como as rodas de movimentos, também os personagens de movimentos e os leitores de muitas viagens se sobrepõem”. Então, como essa mobilidade se retrata nos personagens dos livros atuais? E há distinções entre os livros da Europa e da América Latina?

O.E.: é muito difícil dizer que existem grandes diferenças estáticas entre os livros na América ou na Europa. Eu não me atreveria a dizer uma generalidade assim, mas é interessante dizer que o “eu” interage e atravessa as diferentes vetorizações. Essas vetorizações são transpessoais e atravessam as pessoas com uma temporalidade diversa, como, por exemplo, quando o viajante está atravessando diferentes níveis de capas, de temporalidades. Essas temporalidades históricas estão copresentes em nós. Também a temporalidade do futuro, pois quando viajamos estamos reconfigurando também outras viagens do futuro que se realizarão em diferentes temporalidades futuras, então a pergunta não é fácil de responder, porque essa cotemporalidade traz um problema por evocar uma situação controlada por um sujeito, um “eu” itinerante que controla o espaço e o tempo de seu movimento e é, até certo ponto, parte de uma tríade. Existe um triângulo na relação do sujeito “eu”, é um triângulo entre encontrar, ou seja, encontrar um objeto da realidade, e escrever ou descrever a realidade; o segundo polo é inventar, inventamos os objetos, inventamos as ideias e inventamos também o que encontramos porque vem de encontro de nós mesmos. O primeiro polo é encontrar, o segundo polo é inventar e o terceiro polo é viver. Porque ao viver integramos os dois polos anteriores e no encontro com o objeto que domina mais ou menos o trio. O inventar domina muitas vozes que nos precedem, como leitura de outros textos; essas fontes de informação são tão importantes quanto a própria realidade, e no ato de viver integramos esses dois e nos transformamos de uma forma pessoal para formas transpessoais.

G&C: Hoje se percebe que a literatura ainda é uma área não muito valorizada, o que é lamentável. De que forma a epistemologia das dimensões dos movimentos de nível transdisciplinar, transcultural, translinguístico, transcultural, transtemporal, transespacial, transárea podem trazer melhor reconhecimento da literatura como importante provedora de conhecimentos distintos sobre a vida e para a vida?

O.E.: A pergunta é multifacetada. Essa pergunta demanda uma resposta múltipla. A literatura hoje está situada num conjunto midiático muito diverso da época da antiguidade greco-romana, diversa da Idade Média, e diversa também do século das Luzes, mas em todas essas épocas, como a época greco-romana, existiu a literatura como fenômeno e sempre imersa em um contexto midiático diverso, diferente. A mesma situação acontece hoje, a literatura é um fenômeno quase minoritário, práticas de leitura, práticas de produção da escritura, práticas de difusão que se desenvolvem em contextos muito diferentes, mas eu não creio na desaparição da literatura, alguns departamentos norte-americanos decretaram o desaparecimento da literatura. Eu acho que a literatura se situa em um contexto midiático cambiável. Isso não é um fato novo, isso é a normalidade da situação da literatura. A literatura é uma indústria ligeira comparada com o cinema, o filme que precisa de um contexto estrutural muito desenvolvido, um contexto que envolve um sistema de produção e de recepção, é uma indústria que exige muito. A literatura não precisa desses requisitos, ela nos permite uma requisição que parte de um indivíduo que fala e está atravessado pela multiplicidade de vozes; esse indivíduo está escrevendo. Imaginemos um sujeito que escreve, esse sujeito que escreve, escreve num mundo idealizado, que recebe informação, recebe imagens de diversas fontes e está atravessado pela multiplicidade de diversas fontes e está transformado por estas fontes que estão no movimento da escritura. Essa escritura é pessoal e transpessoal ao mesmo tempo. É uma prática que não precisa de um contorno, de um contexto muito sofisticado; de forma extrema, precisa-se de uma caneta e de um papel, precisa-se de um computador ou de um Iphone, precisa-se de um meio de escritura. A literatura se transformou com a introdução da máquina de escrever; uma escritura distante do corpo; agora, com o computador no contexto midiático, a literatura se tornou cada vez mais longe do corpo. Em alemão, temos uma diferença entre “Körper” e “Leib”, entre corpo como objeto, ou seja, ter um corpo, e ter um “Leib” é ser um “Leib”, o corpo que sente dor e prazer, não é um objeto, mas é uma presença, e essa escritura hoje no computador ou smartphone está distante do corpo, pois o corpo é eliminado no mesmo momento da escritura. Em uma escritura à mão, existe toda a personalidade, e a impressão do corpo, e isso desaparece, mas reaparece o corpo e sobretudo “o Leib” nas impressões características dos personagens. Eu acho que, na literatura contemporânea, os atos do corpo são mais importantes do que antes, porque o ato do corpo e do “Leib”, do corpo que não tem, mas some, é uma presença cada vez mais importante. Resumindo, eu acho que a literatura é uma prática social que vai existir sempre e que não desaparece, é uma prática que se situa em contextos históricos sempre diferentes, sempre mudam os contextos históricos, mas a expressão literária que também muda, não muda como prática, pois essa é transgeneracional, é uma prática que continua, nas mudanças de geração em geração.

G&C: Como o senhor vê a literatura brasileira no cenário das literaturas do mundo nesta nova leitura de conceito de literatura de mundo?

O.E.: Eu considero a Weltliteratur como uma época passada, agora vivemos uma época das literaturas do mundo. Nesta, a literatura brasileira ocupa um lugar importante. Esse lugar era historicamente marginal e dominado, mas nos processos de colonização, no mundo lusófono de hoje (contrariamente a outros mundos: anglófonos ou francófonos, por exemplo, onde o mundo de Paris é um mundo dominante do mundo francófono), a ex-colônia Brasil constitui um centro do mundo lusófono. Essa diferença de posição da literatura brasileira dá outro conteúdo à literatura brasileira, pois o mundo lusófono é um mundo globalizado, existe a literatura de Portugal, da Angola, da Ásia, da África e o mundo literário brasileiro está aberto tanto à literatura portuguesa, quanto, por exemplo, à literatura africana. No Brasil, existem escritores que têm relações específicas com a África, relações específicas com Portugal, mas também fora do mundo lusófono, com o mundo árabe, estou pensando em escritores como Milton Hauton e outros escritores brasileiros que estão implantando as relações entre ilhas diferentes. Relações entre a literatura brasileira e Síria, Palestina, Líbano, mas relações também com outras ilhas, ilhas do Cabo Verde, da Angola, Moçambique. Então, essa parece ser a nova responsabilidade da literatura brasileiro do séc. XXI, que é representar uma totalidade do mundo lusófono, não é uma obrigação, mas é uma copresença de diferentes mundos, aí a especificidade da literatura brasileira, pois como, do mundo lusófono: ex-colônia, ex-marginalizada, ex-secundária e dependente, agora representa o mundo em si e para si e que se abre em direção a ele.

G&C: Na escrita feminina, a produção das literaturas do mundo pode ser vista como elemento novo, mais potente ou mais ousado? Poder-se-ia dizer que a produção da escrita feminina sempre esteve presente no cenário literário e muitas vezes foi deixada em segundo plano, não vista ou ignorada?

O.E.: Este semestre tive um seminário sobre as poetas hispano-africanas e o mundo dessas poetas do séc. XIX, XX e XXI; cito que há muitos casos de escritura feminina que não existe nos manuais da história literária, mas ao longo dos últimos vinte anos têm reaparecido imagens de poetas que antes não eram conhecidas, e figuras como a cubana Juana Borerro que, quando morreu, houve uma notícia minúscula em um periódico da época. Agora entendemos que ela era uma das grandes modernistas de seu tempo e, assim, muitos exemplos. Na história da literatura dominam ainda os homens, mas a reescritura dos manuais da história literária está em curso e as literaturas europeias e americanas, no sentido hemisférico, estão sendo reescritas progressivamente, e assim a imagem das será, em 40 anos, uma visão completamente diferente, na qual a presença feminina nas escrituras do mundo é muito mais jovem. Até agora, dominam só algumas mulheres; por exemplo, no século XIX, a cubana Gertrudis Gómez de Avellaneda ou, no século XX, no Brasil, Clarice Lispector. Clarice Lispector é uma mulher de exceção, no futuro a história literária não constituirá uma exceção. Na Europa, agora é um fato, a primeira mulher que recebeu o prêmio Nobel na história da literatura do mundo foi Gabriela Mistral. Agora, é uma situação diferente, figuras como Herta Müller representam também, por sucesso, por seus movimentos transnacionais, transárea, translinguísticos. Penso que as assimetrias continuam a existir, mas no futuro creio que as assimetrias (não as diferenças) entre escritura feminina e masculina desaparecerão.

G&C: Até que ponto seria possível dizer que o livro WeltFraktale: Wege durch die Literaturen der Welt tem uma definição do conceito de literaturas do mundo? O senhor poderia falar um pouco sobre esse livro?

O. E.: Com o livro WeltFraktale eu queria criar uma obra que tem a ideia da existência das diferentes literaturas do mundo, como um conjunto, mas em que não existe uma continuidade as literaturas do mundo não formam uma continuidade territorial, mas um mundo de arquipélagos. Cada arquipélago, lusófono, hispano ou anglófono etc, cada uma dessas áreas culturais e linguísticas se caracteriza por uma lógica específica. Essa lógica específica permite, por sua vez, produzir uma diversidade cultural, linguística, literária muito grande. Assim, cada uma criou um sistema que não é reduzido a uma só lógica, na diversidade produzem o que chamam de polilógica. Essa polilógica, ou seja, a copresença de diferentes lógicas no mesmo espaço e tempo, é característica de nosso tempo, e é cada vez mais forte. Sempre existiu essa diversidade, essa polilógica, mas é um momento característico do desenvolvimento de nossa época. No livro, ao mesmo tempo eu tentei criar uma estrutura para entender como essas diferentes lógicas dentro do mundo polilógico têm a tendência de criar um mundo sempre completo, um mundo total, e, nesses mundos totais, existe sempre um espécie de modelo que permite entender como uma chave que abre o mundo e os exemplos deste livro, exemplos literários se caracterizam pela convicção de que o mundo é um mundo total, por exemplo Guimarães Rosa. João Guimaraes Rosa cria o seu mundo, sua visão do Brasil a partir de uma região, mas essa região do Brasil não representa a totalidade do Brasil, mas representa a totalidade do mundo. Assim, esta é a chave para entender as literaturas do mundo hoje, porque na visão carregada de futuro, cheia de futuro, de Guimarães Rosa, por exemplo, existe a possibilidade de pensar o mundo a partir do Brasil. O Brasil, uma parte, uma região do Brasil, constitui um modelo para viver a totalidade do mundo em um só fractal, e nesse fractal do mundo se representa um mundo inteiro.

G&C: Agradecemos ao professor por aceitar nosso convite para esta entrevista, pelo tempo dispensado para o diálogo e pela possibilidade de aproximar sua obra e seu pensamento ao leitor brasileiro.

Referências

  • BAUMAN, Zygmunt. Tempos líquidos Tradução Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007.
  • ETTE, Ottmar. Literatur in Bewegung. Raum und Dynamik grenzüberschreitenden Schreibens in Europa und Amerika Göttingen: Verbrück Wissenschaft, 2001.
  • ETTE, Ottmar. ZwischenWeltenSchreiben. Literaturen ohne festen Wohnsitz Berlin: Kulturverlag Kadmos, 2005.
  • ETTE, Ottmar. TransArea Eine literarische Globalisierungsgeschichte, Berlin/Boston: de Gruyter, 2012.
  • ETTE, Ottmar. Pensar o futuro: a poética do movimento nos Estudos de Transárea. Alea: estudos neolatinos v. 18, n.2, p.192-209, 2016. Disponível em: <https://dx.doi.org/10.1590/1517-106X/182-192>.
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    ETTE, Ottmar. Pensar o futuro: a poética do movimento nos Estudos de Transárea. Alea: estudos neolatinos. v. 18, n.2, p.192-209, 2016ETTE, Ottmar. Pensar o futuro: a poética do movimento nos Estudos de Transárea. Alea: estudos neolatinos. v. 18, n.2, p.192-209, 2016. Disponível em: <https://dx.doi.org/10.1590/1517-106X/182-192>.
    https://dx.doi.org/10.1590/1517-106X/182...
    . Disponível em: <https://dx.doi.org/10.1590/1517-106X/182-192>. .

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Nov 2019
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    28 Mar 2019
  • Aceito
    31 Ago 2019
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