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TRAJETÓRIA DE UM TEXTO VIRAL EM DIFERENTES EVENTOS COMUNICATIVOS: ENTEXTUALIZAÇÃO, INDEXICALIDADE, PERFORMANCES IDENTITÁRIAS E ETNOGRAFIA

RESUMO

Com base em um estudo etnográfico, analisamos a trajetória de um texto viral em diferentes eventos comunicativos, neste artigo. Busca-se refletir sobre os processos de recontextualização do vídeo de Luisa Marilac, uma mulher trans que se identifica como travesti, na construção das performances identitárias de Luan, um jovem negro e de identificações homoeróticas, em interação na web 2.0 e na sala de aula. O foco aqui é colocado na linguagem-em-movimento enquanto ação sociointeracional, perpassada por valores indexicais e que apontam para fenômenos sociais mais amplos. Este trabalho é guiado pelos pressupostos teóricos da performance, da entextualização e da indexicalidade. Tem como método de pesquisa a etnografia multissituada. Nas análises, buscou-se observar como fragmentos do vídeo de Luisa Marilac eram recontextualizados nas interações de Luan, com colegas de sua sala de aula e da rede social Facebook. As análises apontam que o estudo da circulação de um texto oferece possibilidade diferenciada de acesso aos processos de identificação, às hierarquizações e às relações de poder que constituem as práticas interacionais contemporâneas.

Recontextualização; Performances Identitárias; Indexicalidade; Etnografia multissituada

ABSTRACT

Based on an ethnographic study, this paper analyses the trajectory of a viral text though different communicative events. We aim at examining the recontextualisation processes of a video by Luisa Marilac – a trans-woman who identifies herself as a transvestite – in the identity performances of Luan - a black gay young man -, in Web 2.0 interactional practices and in his classroom. The focus is on language-in-movement as sociointeractional action, which is permeated by indexical values. These, on their turn, point to larger scale social phenomena. This research is guided by performance, entextualisation and indexicality theories and relies on a multi-sited ethnography. In the analysis, we have tried to understand how fragments of the video by Luisa Marilac are recontextualised in Luan’s interactions with his classmates and with his Facebook friends. The analysis points out that the study of the circulation of a text offers different possibilities of accessing identification processes, social hierarchies and power relations, which constitute contemporary interactional practices.

Recontextualisation; Identity Performances; Indexicality; Multi-sited ethnography

Introdução

No dia 27 de junho de 2010, Luisa Marilac, 37 anos, uma mulher trans que se identifica como travesti1 1 Usamos o termo “mulher trans” para nos referirmos, de um modo geral, a pessoas que fazem transição homem – para – mulher, ao se identificarem com o gênero oposto àquele designado em seu nascimento (cf. BORBA, 2014). No caso de Luisa, nas redes sociais, ela se autoidentifica como travesti. , publicou um vídeo caseiro no YouTube com 59 segundos de duração e que se tornou viral2 2 Os vídeos virais são vídeos que adquirem um alto poder de circulação na Internet, alcançando grande popularidade, configurando-se como um fenômeno de Internet típico da Web 2.0 (BLOMMAERT; VARIS, 2014). , ao gerar mais de três milhões de acessos e muitas curtidas e comentários sobre suas performances. Em seu vídeo, Luisa aparece em uma piscina somente de biquíni, segurando uma taça e encenando performances estereotipadas das identificações travestis, pela estilização3 3 Segundo Rampton (2006, p.117), “estilo é visto como um modo de usar a linguagem que é ‘natural’ e característico (de um tópico particular, de um tipo de interação ou de uma pessoa)”. de recursos linguísticos e corporais, que são, no senso comum, compreendidos como signos socialmente reconhecidos das chamadas feminilidades enfatizadas (cf. CONNELL; MESSERSCHMIDT, 2005CONNELL, R. W.; MESSERSCHMIDT, J. W. Hegemonic Masculinity: rethinking the concept. Gender & Society, London: Sage Publications, n.19, p.829-859, 2005.). Nesse vídeo, enquanto fala, Luisa mexe sensualmente os quadris, coloca as mãos no seio, mexe levemente os cabelos, utiliza de uma voz aguda, usa um biquíni que expõe excessivamente o seu corpo e toca levemente a taça. Segue a transcrição do vídeo4 4 Veja, no anexo 1, as convenções de transcrição utilizadas. (Disponível em: <https://www.YouTube.com/watch?v=ikzC29rV75A>. Acesso em: 02 abr. 2015):

  1. Luisa: nesse verão, eu decidi fazer algo de diferente.

  2. ((dentro de uma piscina, Luisa fala olhando para câmera))

  3. decidi ficar na minha casa, na minha piscina, tomando os meus bons drinks!

  4. ((aponta para a piscina e levanta a taça que está em suas mãos))

  5. curtindo esse verão MARAVILHOSO da europa, da espanha.

  6. e dividindo com vocês, esses momentos meus ((levanta a taça, girando o corpo))

  7. a água está geladíssima! ((retira os óculos))

  8. vamos tentar mergulhar?

  9. ((mexe os cabelos, gira novamente o tronco e se prepara para o mergulho.

  10. após mergulho, levanta-se, passa as mãos no cabelo, pega os óculos, a taça e se dirige à câmera))

  11. e teve boatos, que eu ainda estava na pior! se isso é tá na pior, porra!

  12. o que quer dizer tá bem, né? ((fala gesticulando e olhando para a câmera))

Em seus relatos, na sua página do Facebook e em entrevistas para programas de auditório que participou no Brasil, foi possível saber que esse pequeno pedaço de texto foi enunciado e gravado na Espanha, onde ela trabalhava como profissional do sexo. Seu texto viajou (BLOMMAERT, 2005BLOMMAERT, J. Discourse. Cambridge: Cambridge University Press, 2005.; 2010BLOMMAERT, J.The sociolinguistics of globalization. Cambridge: Cambridge University Press, 2010.) para o Brasil, via rede social do YouTube, onde ganhou popularidade e intensa circulação pelo recurso “curtir” e “compartilhar”, típicos dessa rede social. Blommaert (2010)BLOMMAERT, J.The sociolinguistics of globalization. Cambridge: Cambridge University Press, 2010. argumenta que esse movimento de textos em diferentes contextos são práticas de entextualizações contínuas. Nas palavras de Bauman e Briggs (1990BAUMAN, R.; BRIGGS, C. Poetics and performance as critical perspectives on language and social life. Annual Review of Anthropology, California, n.19, p.59-88, 1990., p.73) a entextualização é “[...] o processo de tornar um discurso extraível, de fazer de um trecho de produção linguística uma unidade – um texto – que pode ser levada para fora de seu cenário interacional”5 5 Trecho original: “[…] it is the process of rendering discourse extractable, of making a stretch of linguistic production into a unit-a text-that can be lifted out of its interactional setting.” (BAUMAN; BRIGGS, 1990, p.73) .

O vídeo de Luisa traz aspectos relevantes sobre os processos de deslocamento de textos na contemporaneidade. O vídeo que circulou primeiro na rede social do YouTube deu origem a outros textos. O vídeo foi citado, comentado, curtido, parodiado, tornou-se objeto de discussão em programas de televisão e nas redes sociais. No ano seguinte, por conta da popularidade dessa viagem textual, Luisa retornou ao Brasil, onde novamente seu vídeo circulou com outros formatos em outras trajetórias textuais: em entrevistas para programas de TV, em notícias de jornais on-line etc.

O vídeo viral de Luisa Marilac é em si um convite a visualizar o trajeto pluridirecional dos textos, dando conta principalmente dos atravessamentos sociais, culturais, identitários, semióticos e de circulação, típicos dos processos comunicativos contemporâneos, entrelaçando orientações locais e translocais6 6 De acordo com Fabrício (2012, p.5), uma concepção de contexto como prática reflexiva, não restrito ao que acontece em eventos específicos, envolve uma orientação local/translocal da construção dos significados nos encontros comunicativos ao “abarcar tanto a dimensão interacional imediata – na qual há a contínua interpretação de pistas de contextualização – e uma dimensão mais translocal – na qual pistas e pressuposições utilizadas apontam para um domínio histórico”. . Seu texto traz claramente traços de seu fluxo migratório (Brasil - Espanha), de um grupo identitário específico (texto produzido, na época, por uma travesti profissional do sexo), de um estilo (estilização de feminilidades enfatizadas) e de uma mobilidade sociocultural (produzido na Espanha, mas popularizado no Brasil pela rede social YouTube). A intensificação desse fenômeno de migração de texto, pessoas e de processos sócio-históricos e culturais são típicos da globalização atual. Conforme apontam Blommaert e Rampton (2011)BLOMMAERT, J.; RAMPTON, B. Language and superdiversity: a position paper. Working papers in urban language & literacies, London: King’s College, n.70, p.1-22, 2011., essas mudanças ocorreram, principalmente, pelo surgimento das novas mídias e tecnologias de comunicação e de circulação da informação. Essa nova tecnologia de comunicação impactou diretamente a vida de Luisa, que teve seu vídeo citado, compartilhado, comentado, narrado, tornando-se um novo texto para além do seu contexto “original” (BAUMAN; BRIGGS, 1990BAUMAN, R.; BRIGGS, C. Poetics and performance as critical perspectives on language and social life. Annual Review of Anthropology, California, n.19, p.59-88, 1990.). Seu pequeno “pedaço de texto” recontextualizado, em diferentes eventos comunicativos, convida a reflexão sobre a intensificada mobilidade dos recursos semióticos na contemporaneidade.

Nos termos de Blommaert (2010)BLOMMAERT, J.The sociolinguistics of globalization. Cambridge: Cambridge University Press, 2010., uma agenda de pesquisa sobre linguagem em seu vínculo na sociedade e na contemporaneidade deve contemplar a reivindicação da observação da linguagem-em-movimento, em vez da observação da linguagem-em-um-lugar. A premissa é que os contextos para os quais as pessoas orientam suas interações vão muito além do evento comunicativo em si, extrapolando a fronteira da fala-em-interação (FABRÍCIO, 2012FABRÍCIO, B. F. Trajectories of socialization in school transcontexts: discourse journeys on gender and sexuality. Working Papers on Urban Languages and Literacies. King`s College, n.94, p.1-24, 2012.). Essa é uma compreensão que propõe o olhar para a semiose entre encontros comunicativos (AGHA, 2005AGHA, A. Semiosis across encounters. Journal of Linguistic Anthropology, University of Pennsylvania, n.15, p.1-5, 2005.). Em outras palavras, a discussão é sobre como signos repetidos, que viajam de um evento interacional a outro, estabelecem conectividade entre encontros comunicativos temporal e espacialmente diferentes, assim como produzem novas condições para contextualização (VARIS; BLOMMAERT, 2014VARIS, P.; BLOMMAERT, J. Conviviality and collectives on social media: Virality, memes, and new social structures. Tilburg Papers in Culture Studies, Tilburg University, n.108, p.1-21, 2014.). Isso significa dizer que necessitamos de uma “sociolinguística da mobilidade” (BLOMMAERT, 2010BLOMMAERT, J.The sociolinguistics of globalization. Cambridge: Cambridge University Press, 2010.) não somente porque as novas condições de mobilidade na contemporaneidade exigem a observação dos encontros comunicativos sob lentes da diversidade social, cultural e linguística, mas também porque necessitamos atentar para a complexidade da investigação desses processos. Assim, como argumenta Bauman e Briggs (1990)BAUMAN, R.; BRIGGS, C. Poetics and performance as critical perspectives on language and social life. Annual Review of Anthropology, California, n.19, p.59-88, 1990., textos também carregam normatividades, ideologias e histórias de uso, que envolvem questões cruciais de poder.

Com essa perspectiva como pano de fundo, nosso objetivo é compreender a relação entre entextualizações e a atribuição de sentidos. Para tal, examinamos como a circulação do texto de Luisa Marilac entra na disputa pela construção de significados válidos e na encenação das performances identitárias7 7 Utilizamos o construto teórico “performances identitárias” no lugar de identidades, em apelo à noção de identidade como performances (BUTLER, 1993). Queremos enfatizar o caráter processual, provisório e de sentidos sócio-historicamente sedimentados de nossas identificações de gênero, sexualidade e raça, porque são efeitos de sentidos que produzimos pelas coisas que fazemos, dizemos e vestimos em nossas performances cotidianas (cf. BUTLER, 2003 [1990]). de Luan, um jovem negro e de identificações homoeróticas, em interação na web 2.0 e na sala de aula. As trocas comunicativas focalizadas são parte de um estudo etnográfico, realizado por um dos pesquisadores8 8 Este artigo desenvolve parte da pesquisa de doutoramento realizada por um dos pesquisadores (GUIMARÃES, 2014). (Cf. GUIMARAES, 2014GUIMARAES, T. F. Embates entre performances corpóreo-discursivas em trajetórias textuais: uma etnografia multissituada. 209 f. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.) no contexto de uma escola pública, situada na região das Baixadas Litorâneas do Estado do Rio de Janeiro. Foi um projeto multissituado (MARCUS, 1995MARCUS, G. E. Ethnography in/of the world system. The emergence of multi-sited ethnography. Annual Review of Anthropology, California, n.24, p.95-117, 1995.) porque focalizou as performances identitárias de um grupo de estudantes9 9 Por motivos éticos, substituímos por pseudônimos os nomes de todos os participantes envolvidos. do terceiro ano do ensino médio, no contexto interacional de sua sala de aula e nas suas redes sociais do Facebook e Twitter. Especialmente, a proposta do presente estudo focalizou o ethos interacional10 10 Neste artigo, usamos o conceito de ethos em associação à noção de ethos como hábitos locucionais compartilhados por membros de uma comunidade, conforme C. Kerbrat-Orecchioni (1996). Tal “ethos coletivo” constitui, para os locutores que o compartilham, um “perfil comunicativo”, ou seja, a sua maneira de se comportar e de se apresentar nas interações (KERBRAT-ORECCHIONI, 1996). e as performances de gênero, sexualidade e raça de um dos estudantes, que chamaremos de Luan, na experiência de participação nas redes sociais on-line e nos eventos de letramento escolar. Os dados gerados referiam-se aos textos e aos discursos sobre gênero, sexualidade e raça produzidos por esse estudante em múltiplos contextos interacionais.

Particularmente, nosso interesse é investigar como signos recontextualizados produzem localmente relações históricas, culturais e identitárias que são translocais. Essa perspectiva leva-nos ao questionamento sobre como os indivíduos obtêm direitos a certos modos de transformação da fala no movimento do discurso através dos contextos (BAUMAN; BRIGGS, 1990BAUMAN, R.; BRIGGS, C. Poetics and performance as critical perspectives on language and social life. Annual Review of Anthropology, California, n.19, p.59-88, 1990., p.74). Isso significa, então, que, segundo Blommaert e Rampton (2011BLOMMAERT, J.; RAMPTON, B. Language and superdiversity: a position paper. Working papers in urban language & literacies, London: King’s College, n.70, p.1-22, 2011., p.10):

[...] os contextos de comunicação devem ser investigados em vez de presumidos. O significado toma forma em lugares específicos, atividades, relações sociais, histórias interacionais, trajetórias textuais, regimes institucionais e ideologias culturais, produzidos e construídos por agentes com expectativas e repertórios que devem ser compreendidos etnograficamente.11 11 Trecho original: “[…] the contexts for communication should be investigated rather than assumed. Meaning takes shape within specific places, activities, social relations, interactional histories, textual trajectories, institutional regimes and cultural ideologies, produced and construed by embodied agents with expectations and repertoires that have to be grasped ethnographically.” (BLOMMAERT; RAMPTON, 2011, p.10)

Assim, nossa posição é que a observação etnográfica de como os textos são recebidos, incorporados, refutados, mantidos e alterados por sujeitos com expectativas interpretativas distintas e repertórios linguísticos/discursivos específicos, é fundamental no estudo da relação entre entextualizações e atribuição de sentidos. Para colocar o objetivo deste artigo em ação, na primeira parte, discutiremos a natureza entextualizável, performativa e indexical dos signos linguísticos (BAUMAN; BRIGGS, 1990BAUMAN, R.; BRIGGS, C. Poetics and performance as critical perspectives on language and social life. Annual Review of Anthropology, California, n.19, p.59-88, 1990.; SILVERSTEIN; URBAN, 1996SILVERSTEIN, M.; URBAN, G. (Ed.). Natural histories of discourse. Chicago: The University of Chicago Press, 1996.; BLOMMAERT, 2005BLOMMAERT, J. Discourse. Cambridge: Cambridge University Press, 2005.; 2010BLOMMAERT, J.The sociolinguistics of globalization. Cambridge: Cambridge University Press, 2010.; PENNYCOOK, 2010PENNYCOOK, A. Language as a Local Practice. Londres: Routledge, 2010.). Em seguida, exemplificaremos nosso argumento com um caso específico, ao procedermos à análise de como o vídeo de Luisa Marilac foi recontextualizado nas interações de Luan com colegas de sua sala de aula e da rede social do Facebook12 12 Facebook é uma rede social, onde os usuários criam um perfil pessoal, trocam mensagens privadas e públicas entre si e participam de grupos de interesses comum com outros utilizadores. .

A natureza entextualizável dos textos e a performatividade da linguagem

No cerne da reflexão sobre a circulação de textos está o processo de entextualização. Bauman e Briggs (1990BAUMAN, R.; BRIGGS, C. Poetics and performance as critical perspectives on language and social life. Annual Review of Anthropology, California, n.19, p.59-88, 1990., p.73), ao abordarem aspectos da performance narrativa, chamam nossa atenção para a característica fundamental dos discursos de se descontextualizarem e recontextualizarem. Ao se materializarem em textos, discursos experimentam sucessivos processos de entextualização. Conforme apontado por Blommaert (2005BLOMMAERT, J. Discourse. Cambridge: Cambridge University Press, 2005., p.62), textos viajam, ou seja, seguem trajetórias por diferentes contextos. Essa compreensão envolve o fato de que um “pedaço de texto” ou “excerto”, entendido como objeto semiótico, pode ser extraído de seu contexto original de uso e materializado em um novo contexto (VARIS; BLOMMAERT, 2014VARIS, P.; BLOMMAERT, J. Conviviality and collectives on social media: Virality, memes, and new social structures. Tilburg Papers in Culture Studies, Tilburg University, n.108, p.1-21, 2014.). Também sublinha o fato de que um “mesmo” texto, quando transportado para além do seu contexto “original”, mobiliza processos amplos de mudança na construção dos significados. Assim, Blommaert (2005BLOMMAERT, J. Discourse. Cambridge: Cambridge University Press, 2005., p.47) refere-se aos processos de construção dos significados pelos quais

[...] discursos são sucessiva ou simultaneamente descontextualizados e metadiscursivamente recontextualizados, de modo que se tornam um novo discurso, associado a um novo contexto e acompanhado por uma metadiscursividade particular, que fornece um tipo de “leitura preferida” ao discurso.13 13 Trecho original: “[…] discourses are successively or simultaneously decontextualised and metadiscursively recontextualised, so that they become a new discourse associated to a new context and accompanied by a particular metadiscourse which provides a sort of ‘preferred reading’ for the discourse.” (BLOMMAERT, 2005, p.47)

Nesse sentido, discursos materializados em textos são passíveis de serem retirados de seu ambiente interacional/contextual original e replicados em outro, tornando-se novamente um novo texto e assim sucessivamente (BAUMAN; BRIGGS, 1990BAUMAN, R.; BRIGGS, C. Poetics and performance as critical perspectives on language and social life. Annual Review of Anthropology, California, n.19, p.59-88, 1990.; BLOMMAERT, 2010BLOMMAERT, J.The sociolinguistics of globalization. Cambridge: Cambridge University Press, 2010.). O texto aqui é remodelado, renarrado, reenquadrado e a entextualização torna-se a própria viagem textual. Em termos gerais, esse processo, segundo Silverstein e Urban (1996)SILVERSTEIN, M.; URBAN, G. (Ed.). Natural histories of discourse. Chicago: The University of Chicago Press, 1996., faz parte da “história natural dos discursos”. Quando transportados, os textos são negociados em processos interpretativos, com base em sistemas sociais historicamente estabilizados. Específicas interpretações surgem e textos são renarrados e reenquadrados no encontro interacional, obedecendo a certos predicados construídos em rede e repetidos ao longo do tempo. Amplia-se aqui o foco para além do funcionamento da linguagem em uso, em eventos comunicativos circunscritos a momentos específicos, para a observação do texto percorrendo trajetos múltiplos, de modo que a mobilidade dos textos produzidos construa novas interpretações do contexto interacional a cada fase da entextualização-descontextualização-recontextualização e nas quais signos identitários (WORTHAM, 2006WORTHAM, S. Learning Identity: The joint emergence of social identification and academic learning. New York, CUP, 2006) estão em ação.

Nas performances de Luisa Marilac, podemos afirmar que a viagem de seu texto começa bem antes do próprio vídeo postado. Sua performance se norteia pela entextualização de um estilo identificável em sociedade (RAMPTON, 2006RAMPTON, B. Language in late modernity: interaction in an urban school. Cambridge: Cambridge University Press, 2006.), uma vez que lança mão de recursos semiótico-identitários naturalizados que projetam para si uma identificação estereotipada das performances de travesti: ou seja, aquela que se utiliza de estilos hiperbólicos ao encenar feminilidade, através de atributos simbólicos convencionalmente ligados à chamada feminilidade enfatizada (cf. CONNELL; MESSERSCHMIDT, 2005CONNELL, R. W.; MESSERSCHMIDT, J. W. Hegemonic Masculinity: rethinking the concept. Gender & Society, London: Sage Publications, n.19, p.829-859, 2005.). Assim, é preciso considerar que a performance de Luisa é produto da entextualização de modelos estilizados de gênero e de sexualidade, apresentando-se como uma performance intensa14 14 Em seu estudo sobre performances narrativas, Bauman (1986) distingue entre eventos de performances intensas e performances mundanas. Para o autor, as performances intensas são destacadas temporal e espacialmente do fluxo rotineiro da comunicação. São programadas, planejadas e tipicamente pré-anunciadas, com características metacomunicativas aumentadas, em outras palavras, características que tendem à hipérbole. (BAUMAN, 1986BAUMAN, R. Story, performance and event: contextual studies of oral narrative. Cambridge: Cambridge University Press, 1986.).

A dimensão entextualizável e móvel desses recursos semióticos, culturalmente disponíveis, ajuda-nos a compreender, em diálogo com Butler (1990)BUTLER, J. Problemas de gênero: feminismo e a subversão da identidade. Tradução de Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003 [1990]., que performances identitárias são a “estilização repetida do corpo [...] no interior de uma estrutura reguladora altamente rígida, que se cristaliza no tempo para produzir uma aparência de substância” (BUTLER, 2003BUTLER, J. Problemas de gênero: feminismo e a subversão da identidade. Tradução de Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003 [1990]. [1990], p.59)15 15 Butler (2003 [1990]) se refere à performance de gênero, mas estamos aqui ampliando tal compreensão sobre gênero para outras performances. . Assim as identificações são constituídas por sucessivas repetições de signos identitários (WORTHAM, 2006WORTHAM, S. Learning Identity: The joint emergence of social identification and academic learning. New York, CUP, 2006) que, por entextualização, são transportados de um contexto para outro (SILVERSTEIN; URBAN, 1996SILVERSTEIN, M.; URBAN, G. (Ed.). Natural histories of discourse. Chicago: The University of Chicago Press, 1996.). É possível visualizar nessa trajetória, então, a performatividade da linguagem16 16 Para uma discussão mais profunda, ver Pennycook (2007; 2010). em cena, já que, na jornada realizada por esses textos, algo do contexto anterior é mantido, ao mesmo tempo, em que a novidade, a criatividade e a mudança florescem (PENNYCOOK, 2007PENNYCOOK, A. Performance and performativity. In: PENNYCOOK, A. Global englishes and transcultural flows. London: Routledge, 2007.; 2010PENNYCOOK, A. Language as a Local Practice. Londres: Routledge, 2010.). Como enfatiza Blommaert (2005)BLOMMAERT, J. Discourse. Cambridge: Cambridge University Press, 2005., a entextualização envolve um conjunto de transformações.

Essa perspectiva rejeita assim uma descrição ou análise linguística simplificada, que considera somente as fronteiras textuais, semânticas e linguísticas de um texto. Nesse sentido, a questão a ser problematizada, neste artigo, ao se focalizarem a circulação do vídeo de Luisa, não são apenas os recursos semióticos empregados em sua estilização como travesti (por exemplo, modos de mover o corpo, sotaque, postura, as vozes sociais mobilizadas, pistas indexicais etc.), mas também como essas unidades semióticas que se agruparam em forma de um vídeo produzem localmente relações históricas, culturais, políticas e identitárias. Em outras palavras, como esses pedaços de textos circulam e são recontextualizados em diferentes contextos interacionais, orientados por aspectos locais e translocais (BLOMMAERT; RAMPTON, 2011BLOMMAERT, J.; RAMPTON, B. Language and superdiversity: a position paper. Working papers in urban language & literacies, London: King’s College, n.70, p.1-22, 2011.). Desse modo, importa compreender como os sujeitos sociais enquadram, recebem, e refutam o vídeo (SILVA, 2014SILVA, D. N. O texto entre a entextualização e a etnografia: um programa jornalístico sobre belezas subalternas e suas múltiplas recontextualizações. Linguagem em (Dis)curso, Tubarão, n.14, p.67-84, 2014.), ou seja, como aderem a essa estilização, apresentada no vídeo, com determinados propósitos, evocando signos identitários, ao se envolverem em práticas comunicativas específicas.

Desse modo, é importante, ao tomarmos a entextualização como foco de investigação, considerarmos a vulnerabilidade do entendimento que emerge no aqui-e-agora, onde os textos entram em jogo nas lutas pela construção de significados. Considerando, assim, que texto é movimento e que, ao se mover, é adaptado e modificado, deter-nos-emos, em seguida, à discussão sobre indexicalidade, com vista a apresentar o nexo entre o local e o translocal, ou seja, entre o uso de recursos semióticos em performances situadas e sua vinculação à história de repetição de uso que sedimenta sua semântica e os efeitos performativos esperados.

A Indexicalidade

Como discutido, a afirmação de que textos viajam não significa dizer que os mesmos são objetos autônomos, autossuficientes e que não têm uma historicidade de uso, apontando para regimes de verdades socioculturais e históricos. Os efeitos de sentidos solidificados dos recursos linguísticos podem ganhar destaque através do construto teórico da indexicalidade. Silverstein (2003)SILVERSTEIN, M. Indexical order and dialectics of sociolinguistic life. Language & communication, University of Chicago, n.23, p.193-229, 2003. argumenta que as formas linguísticas são indexicais, indicando aspectos sociais e culturalmente compartilhados entre interlocutores. Dessa forma, no assim chamado português do Brasil, as formas de tratamento ‘senhor/senhora’, diferente do pronome ‘você’, expressariam indexicalmente um nível de respeito e distanciamento na relação entre intercolutores, em que um deles/as pode ser mais velho ou ocupar posição social superior. Nesse caso, tal uso poderá ainda ser avaliado como índice de ‘gentileza’ e ‘boa educação’. A indexicalidade, conforme Silverstein e Urban (1996)SILVERSTEIN, M.; URBAN, G. (Ed.). Natural histories of discourse. Chicago: The University of Chicago Press, 1996., Agha (2007)AGHA, A. Language and social relations. Cambridge: Cambridge University Press, 2007. e Collins (2011)COLLINS, J. Indexicalities of language contact in an era of globalization: engaging with John Gumperz’s legacy. Text & talk, Germany, n.31, p.407-428, 2011. argumentam, é a propriedade do signo linguístico de apontar para projeções semiótico-textuais, que indicam a interpretação de um ato comunicativo ao ser local e culturalmente contextualizado. Mais concretamente, “[...] indexicalidade é a dimensão do significado em que características textuais sinalizam (indexam) significados recuperáveis contextualmente”17 17 Trecho original: “[…] Indexicality is the dimension of meaning in which textual features ‘point to’ (index) contextually retrievable meanings.” (BLOMMAERT; MALY, 2014, p.4) (BLOMMAERT; MALY, 2014BLOMMAERT, J.; MALY, I. Ethnographic linguistic landscape analysis and social change: A case study. Tilburg papers in culture studies, Tilburg University, n.100, p.1-28, 2014., p.4). O ponto aqui é que todos os signos indexicais pressupõem e criam seus contextos, numa dialética entre “pressuposição indexical” e “implicação indexical”18 18 Trecho original: “[...] Now in relation to micro-social context in the most general sense, any such socially conventional indexical (Legi)sign [=type] is dialectically balanced between indexical presupposition and indexical entailment.” (SILVERSTEIN, 2003, p.195) (SILVERSTEIN, 2003SILVERSTEIN, M. Indexical order and dialectics of sociolinguistic life. Language & communication, University of Chicago, n.23, p.193-229, 2003., p.195). Segundo Silverstein (2003SILVERSTEIN, M. Indexical order and dialectics of sociolinguistic life. Language & communication, University of Chicago, n.23, p.193-229, 2003., p.195), o fato indexical envolve as regularidades sociais e normas de uso para os quais os signos apontam, assim como usos e contextos emergentes de uso, derivados do primeiro e para os quais também apontam19 19 De acordo com Silverstein (2003, p.196), o fator de mediação entre pragmática pressuposta e pragmática implicada é a função metapragmática. Nesse sentido, Blommaert (2005, p.47) afirma que a ordem indexical é o princípio de organização metapragmática por trás do que é amplamente compreendido como a pragmática da linguagem. .

Assim, cada vez que o vídeo de Luisa viaja, suscitam-se ligações indexicais que são dependentes tanto do que ocorre nos eventos interacionais locais como de um conjunto de normas e convenções culturais, associadas à história de uso dos recursos semióticos mobilizados. Dessa forma, é possível visualizar que, por exemplo, seu vídeo mobiliza campos semântico-pragmáticos que indexicalmente expressam algo sobre a comunicação de Luisa, tal como seu pertencimento às identificações travesti. Entretanto, tal indexicalidade não é uma equação direta, principalmente no caso do vídeo de Luisa que circulou por variados contextos comunicativos. Assim, qualquer recurso semiótico, por sua dependência dos contextos em que são negociados, pode produzir diferentes identificações para um indivíduo (WORTHAM, 2001WORTHAM, S. Narratives in action. New York: Teacher College Press, 2001.; BLOMMAERT, 2005BLOMMAERT, J. Discourse. Cambridge: Cambridge University Press, 2005.; AGHA, 2007AGHA, A. Language and social relations. Cambridge: Cambridge University Press, 2007.; COLLINS, 2011COLLINS, J. Indexicalities of language contact in an era of globalization: engaging with John Gumperz’s legacy. Text & talk, Germany, n.31, p.407-428, 2011.). Além disso, essas identificações engendram valorizações específicas. Como afirma Blommaert (2010)BLOMMAERT, J.The sociolinguistics of globalization. Cambridge: Cambridge University Press, 2010., na ação de descentrar e recontextualizar textos, os sujeitos das práticas se orientam por ordens discursivas20 20 Foucault (2009/1971, p.8) sublinha que “em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade”. (FOUCAULT, 2009FOUCAULT, M. A Ordem do Discurso. Tradução de Laura Fraga de Almeida Sampaio. São Paulo: Edições Loyola, 2009 [1970]. [1971]), operantes em uma determinada época. Normatividades, sistemas de estratificação e hierarquizações entram em jogo, no modo como definimos sentidos válidos, criamos pertencimento e identificações em sociedade.

Nesse sentido, “as formas linguísticas indexam contextos particulares e, além disso, engendram representações específicas sobre o movimento do discurso e o modo como deve ser reconhecido” (SILVA; ALENCAR, 2014SILVA, D. N.; ALENCAR, C. N. Violência e significação: uma perspectiva pragmática. In.: SILVA, D. N.; FERREIRA, D. M. M.; ALENCAR, C. N. (Org.). Nova Pragmática – modos de fazer. São Paulo: Cortez, 2014., p.266). Esse aspecto torna claro a dependência do contexto interacional em que se dá a entextualização, do mesmo modo que as pistas de contextualização de Gumperz (1982GUMPERZ, J. Convenções de contextualização. In: RIBEIRO, B. T.; GARCEZ, P. M. (Org.). Sociolinguística interacional: antropologia, linguística e sociologia em análise do discurso. Porto Alegre, Edições Loyola, 2002 [1982]. p.98-119., p.131), tais como, nossas escolhas lexicais, gramaticais, fonológicas, entonacionais, qualidade de voz, alinhamento, intertextos etc., não podem ser discutidas fora dos contextos.

Desse modo, as escolhas linguísticas, paralinguísticas e discursivas ajudam a definir os posicionamentos assumidos e a formar tipos de pessoas identificáveis com certas características generificadas, sexualizadas, racializadas, de nacionalidade, de classe social etc., em situações interacionais específicas, sinalizando hierarquizações e relações de poder (MOITA LOPES, 2013MOITA LOPES, L. P. Como e por que teorizar o português: recursos comunicativos em sociedades porosas e em tempos híbridos de globalização cultural. In: MOITA LOPES, L. P. (Org.). O português no século XXI: cenário geopolítico e sociolinguístico. São Paulo: Parábola Editorial, 2013. p.101-119.; 2015MOITA LOPES, L. P. Introduction: linguistic ideology: how Portuguese is being discursively constructed in late modernity. In: MOITA LOPES, L. P. (Org.). Global Portuguese: linguistic ideologies in late modernity. Nova York: Routledge, 2015. p.1-27.). Em resumo, como indica Blommaert e Maly (2014BLOMMAERT, J.; MALY, I. Ethnographic linguistic landscape analysis and social change: A case study. Tilburg papers in culture studies, Tilburg University, n.100, p.1-28, 2014., p.4):

[...] podemos ver signos como pistas indexicais das relações sociais, interesses e práticas, implantados em um campo que é repleto de normas que se sobrepõem e se cruzam – não somente normas de uso da linguagem, mas também normas de conduta, de adesão, de legitimidade, pertencimento e uso; não somente normas do aqui-e-agora, mas normas que são de ordens diferentes e operam em diferentes historicidades.21 21 Trecho original: “[…] we see signs as indices of social relationships, interests and practices, deployed in a field which is replete with overlapping and intersecting norms – not just norms of language use, but norms of conduct, membership, legitimate belonging and usage; and not just the norms of a here-and-now, but norms that are of different orders and operate within different historicities.” (BLOMMAERT; MALY, 2014, p.4)

Assim, ao se propor a investigação da recontextualização do vídeo de Luisa Marilac nas interações de Luan, interessa-nos compreender as “pistas indexicais” mobilizadas nos processos de recontextualização de textos. Ao tratar o fenômeno da indexicalidade, Wortham (2001)WORTHAM, S. Narratives in action. New York: Teacher College Press, 2001. cunhou o termo “pistas indexicais”, inspirado nas pistas de contextualização de Gumperz (2002GUMPERZ, J. Convenções de contextualização. In: RIBEIRO, B. T.; GARCEZ, P. M. (Org.). Sociolinguística interacional: antropologia, linguística e sociologia em análise do discurso. Porto Alegre, Edições Loyola, 2002 [1982]. p.98-119. [1982]), elaborando-as como dicas de como determinado recurso discursivo pode ser interpretado por aqueles envolvidos no encontro interacional. Nas análises realizadas, neste artigo, destacam-se, entre outras, as pistas referência, predicação e citação (WORTHAM, 2001WORTHAM, S. Narratives in action. New York: Teacher College Press, 2001.)22 22 A referência diz respeito à nomeação das coisas e das pessoas e a predicação são os atributos conferidos na nomeação dessas pessoas e do mundo. Já a citação é a apropriação direta ou por ação de paráfrases do discurso de outro (WORTHAM, 2001, p.72). . Apesar de não nos aprofundarmos nas considerações feitas por Wortham (2001)WORTHAM, S. Narratives in action. New York: Teacher College Press, 2001. e de não utilizarmos sua lista de pistas, em sua totalidade, como instrumental analítico, recorreremos à metalinguagem, acima ilustrada, para tratar da indexicalidade como fenômeno orientado tanto pelas condições que envolvem sua produção em contextos específicos quanto por uma ordem macrossocial maior. Isso porque, nas palavras de Fabrício (2013FABRÍCIO, B. F. A “outridade lusófona” em tempos de globalização: identidade cultural como potencial semiótico. In: MOITA LOPES, L. P. (Org.). O português no século XXI: cenário geopolítico e sociolinguístico. São Paulo: Parábola Editorial, 2013., p.155), a comunicação é “uma realização interacional durante a qual processos locais de negociação de sentidos indexicalizam processos socioculturais mais amplos”.

Sob essa perspectiva, ao focalizarmos as recontextualizações do texto de Luisa, inclui-se atenção às performances identitárias que vão surgindo amalgamadas a uma série de discursos não declarados, ancorados nas estruturas sociais, pressuposições dos valores, das hierarquizações, das histórias, das culturas etc. associados àquela atividade comunicativa. A estilização de Luisa é realizada por algumas escolhas semióticas que funcionam como pistas indexicais que apontam para modelos estereotípicos das identificações travesti. Tais modelos são altamente reflexivos e compartilhados, possibilitando Luan e seus colegas da sala e das redes sociais virtuais engajarem-se em ações discursivas sobre as performances de Luisa. São ações que favorecem a compreensão das “lutas metadiscursivas” e “lutas performativas” (SILVERSTEIN; URBAN, 1996SILVERSTEIN, M.; URBAN, G. (Ed.). Natural histories of discourse. Chicago: The University of Chicago Press, 1996.), ou seja, lutas de relações saber-poder nas recontextualizações dos textos, que vão compor as identificações sociais em jogo. Esse olhar, para além do funcionamento da fala-em-interação, tem poderosas implicações para a compreensão da linguagem na globalização, como já indicado acima, em relação ao trajeto pluridirecional dos textos no mundo de fluxos em que vivemos.

Notas sobre o campo etnográfico: contexto de pesquisa, a escolha por Luan, procedimentos metodológicos e analíticos.

Como explicitado inicialmente, o caso estudado é parte de uma pesquisa etnográfica maior, realizada por um dos autores deste artigo e que levou em conta a observação participante em diferentes espaços interacionais, a saber, as redes sociais on-line Facebook e Twitter e o contexto escolar, ao longo de 10 meses. Essa abordagem se fundamentou em uma perspectiva multissituada ou multilocal (MARCUS, 1995MARCUS, G. E. Ethnography in/of the world system. The emergence of multi-sited ethnography. Annual Review of Anthropology, California, n.24, p.95-117, 1995.), na qual o/a pesquisador/a segue as cadeias, as trajetórias e os fios, parte de um fenômeno específico a ser investigado. Tal empreendimento é traçado na justaposição de lugares sociais, onde são vivenciadas as práticas pesquisadas e onde o/a pesquisador/a se faz presente em torno de um traçar conexões (WITTEL, 2000WITTEL, A. Ethnography on the Move: From Field to Net to Internet. Forum: Qualitative Social Research (FQS), v.1, n.1, p.21-41, 2000.) entre tais espaços e práticas. Seguir as práticas e os artefatos culturais de um grupo ou pessoa, seguir uma pessoa e suas histórias é, segundo Marcus (1995MARCUS, G. E. Ethnography in/of the world system. The emergence of multi-sited ethnography. Annual Review of Anthropology, California, n.24, p.95-117, 1995., p.106), uma forma de concretizar tal empreendimento. No caso da referida pesquisa, seguir Luan (o participante focal), suas histórias e discursos, nas interações da escola e das redes sociais on-line, foi o modo como a etnografia multissituada se concretizou.

No processo de delimitação dessa pesquisa, após autorização de entrada na escola pela direção, a turma que se mostrou mais receptiva quanto à presença da pesquisadora em sala de aula e também no mundo virtual foi uma turma do terceiro ano do turno da manhã. Já, no contato com os professores da referida escola, o professor de redação e a professora de filosofia foram bastante receptivos àquela pesquisa. O foco inicial do estudo era o ethos interacional e as performances identitárias de gênero, sexualidade e raça, encenadas na experiência de participação nas redes sociais on-line e nos eventos de letramento escolar. Antes de começar a registrar as interações na escola, todos/as os/as participantes da pesquisa assinaram o “Termo de consentimento Livre e Esclarecido”, autorizaram a utilização das gravações feitas em sala de aula e entrevistas individuais. Entretanto, foi escolhido um aluno focal, Luan, para observação mais acurada das performances identitárias nessas práticas interacionais.

Quanto ao corpus de dados gerados na sala de aula dos referidos professores, foram feitas gravações em áudio, através de dois gravadores: um ficava na mesa do professor e o outro ficava atrás, perto de Luan e da pesquisadora. Outros procedimentos de geração de dados foram: anotações de campo que foram transformadas em diário da pesquisadora; gravações das interações no Facebook e Twitter, por captura de tela, e relatos dos professores e alunos/as, em entrevistas individuais.

Ao longo do trabalho de observação na turma focalizada, um dos alunos chamou a atenção pela trajetória de seus textos sobre gênero, sexualidade e raça nos eventos interacionais observados. Luan, garoto negro posicionado constantemente como gay nas interações da sala de aula e do espaço virtual, ganhou destaque na pesquisa pela aproximação com as questões levantadas pelo projeto etnográfico. Nesse estudo, foi possível notar que uma gama de recursos semióticos, amalgamados por relações de poder, ao indexicalizar seu pertencimento a um gênero/sexualidade e raça também entravam na luta pela negociação de significados válidos e de bases valorativas. Seus textos eram forjados na negociação constante de sentidos sobre corpo, padrões de normatividade, estereótipos sociais, legitimidade de vozes sociais, entre outros. Em destaque, a voz de Luisa Marilac era frequentemente entextualizada pelo jovem, em suas práticas interacionais, tanto na escola como nas redes sociais investigadas. A fala de Luisa trouxe à tona alguns aspectos do modo como Luan interagia no Facebook, podendo ser analisada como uma estratégia de participação nessa rede social. A esse respeito, vale recuperar parte das notas de campo, ao vê-lo entexualizar o texto de Luisa Marilac

[...] Não é a primeira vez que o vejo recuperando a fala da travesti Marilac em seus textos. Ao que parece, é comum Luan fazer citações de textos que circulam na cultura popular ao encenar sua participação ali. Por exemplo, letras de Funk e letras de músicas das cantoras do pop e hip hop internacionais, Beyoncé e Rihanna. (Nota de campo, 19/05/2011)

Por conta dessas entextualizações, Luan era comumente alvo de avaliações pejorativas. Nessa observação etnográfica, foi possível compreender que Luan constrói suas performances identitárias no espaço da escola e entre os/as amigos(as) da sala de aula em lutas performativas pela construção dos significados válidos. Tendo em vista que “práticas de entextualização acabam sendo práticas sobre ‘identidade’” (SILVERSTEIN; URBAN, 1996SILVERSTEIN, M.; URBAN, G. (Ed.). Natural histories of discourse. Chicago: The University of Chicago Press, 1996., p.10)23 23 Trecho original: “[...] entextualisation practices turn out to be about ‘identity’”. (SILVERSTEIN; URBAN, 1996, p.10) , focalizaremos o modo como fragmentos da fala de Luisa são hierarquizados e valorados, ao entrarem em jogo na produção de identificações inteligíveis entre Luan e seus colegas da escola e do Facebook.

Além disso, o mapeamento da valoração dos signos indexicais nos processos de recontextualização do texto de Luisa pode ser operacionalizado por meio da observação sobre como os enquadres e footings vão sendo construídos através das pistas indexicais. Os construtos enquadre e footing, desenvolvidos por Goffman (1974GOFFMAN, E. Frame analysis: an essay on the organization of experience. New York: Harper & Row, 1974.; 1981GOFFMAN, E. Forms of Talk. Filadélfia: University of Pennsylvania Press, 1981.), apresentam-se como ponto importante para a observação do trabalho interpretativo dos/as participantes nas entextualizações de textos sociohistoricamente determinados. De acordo com Tannen e Wallat (2002TANNEN, D.; WALLAT, C. Enquadres interativos e esquemas de conhecimento em interação: exemplos de um exame/consulta médica. In.: RIBEIRO, B. T.; GARCEZ, P. (Org.). Sociolinguística interacional. São Paulo: Loyola, 2002. p.183-214. [1987], p.188), “a noção [...] de enquadre se refere à definição do que está acontecendo na interação”. Este princípio básico está ligado às estruturas de expectativas, que afetam as formas como interpretamos e categorizamos os significados nos eventos interacionais e são construídos a partir do momento em que os indivíduos se veem em uma situação e se perguntam “o que está acontecendo aqui?” (GOFFMAN, 1974GOFFMAN, E. Frame analysis: an essay on the organization of experience. New York: Harper & Row, 1974., p.8). Enquadre se refere ao controle metacomunicativo do texto entextualizado e footing ou alinhamento ligado à negociação dos enquadres, diz respeito aos posicionamentos dos/as participantes. Os enquadres de uma interação são constantemente negociados e os alinhamentos têm papel central nesse processo de negociação (GOFFMAN, 1974GOFFMAN, E. Frame analysis: an essay on the organization of experience. New York: Harper & Row, 1974.). Dessa forma, tais construtos são produtivos, por dar conta das negociações discursivas e das mudanças, em caráter sempre emergente, da construção dos sentidos, o que pressupõe textos em constante movimento em seus processos de entextualização-descontextualização-recontextualização.

Análise da trajetória do texto de Luisa em eventos comunicativos

Os excertos, a seguir, apresentam Luan em práticas discursivas com colegas de sua sala de aula, em contextos interacionais distintos: nas interações do Facebook e em um contexto de sala de aula. Nos excertos apresentados, queremos chamar a atenção para o modo como fragmentos da fala de Luisa são recontextualizados por Luan e como entram na luta pela construção dos significados na interação com seu amigo Sávio. Sávio é estudante da mesma turma de Luan e igualmente participante da referida pesquisa. Nas interações em sala de aula e entrevistas, ao longo da pesquisa, o jovem posicionava-se como heterossexual. Além disso, Sávio era visto frequentemente usando signos estigmatizados de raça e sexualidade nas interações com Luan e outros/as colegas da escola. O primeiro excerto é uma interação no Facebook. Além de Sávio, Luan interage também com Carla, Rocha, Marcela e Maria, colegas de sua sala de aula e da escola. O foco está no olhar que a coletividade dirige às performances de Luan e no modo como Luan negocia determinados regimes de verdades ao recontextualizar fragmentos da fala de Luisa que circulam para além do evento situado. Para resguardar as identificações dos participantes do Facebook foram adotados alguns procedimentos éticos. O anonimato foi adotado em relação aos nomes, fotos e links dos perfis pessoais dos participantes; assim, optamos por transcrever as interações, em vez de colocarmos a captura de tela realizada.

Excerto 1:

  1. Post de Luan: Final de tarde hora de comer um misto quente e tomar bons drinks,

  2. [10 curtir]

  3. Carla: que que isso amiga tamaravilhosa ;x kkkkkkk [1 curtir]

  4. Sávio: negrinha, fala a verdade você vai é beber seu pão com água,

  5. que acabou seu expediente na senzala

  6. Rocha: Kkkkkkkkkkk

  7. Marcela: só porque sou preto, bjs :(

  8. Luan: pode falar nem ligo. Com todo prazer sou NEGRO na senzala.

  9. eu sei que vc vc vc quer...

  10. Maria: depois disso se quiser te deleto do meu face, sem preconceitos Savio

  11. hauhuahuahua :-)

  12. Sabrina: porra se isso é tá na pior, o que é ta bem ;)

Nesse post, Luan descontextualiza o vídeo viral de Luisa Marilac e o recontextualiza em seu texto, adaptando aos propósitos de participação nesse evento interacional. O vídeo é recuperado por meio da citação direta “bons drinks” (l.1) e tal citação aponta para o seguinte fragmento da fala de Luisa: “decidi ficar na minha casa, na minha piscina, tomando os meus bons drinks!” (l.3 cf. Introdução). Luan anima essa fala como se fossem palavras dele e um interlocutor desavisado não conseguiria distinguir a voz de Luan da voz de Luisa Marilac. Nesta postagem, a fala entextualizada engendra a encenação das performances da travesti Luisa Marilac e evidencia o modo como Luan interage no Facebook, podendo ser analisada como uma estratégia de participação nessa rede social.

O post de Luan recebeu 10 ativações do recurso “curtir” até o momento de geração dos dados (l.2), colocando em evidência a avaliação positiva de alguns/as interlocutores/as (não identificados na transcrição), em alinhamento de concordância às performances que Luan encena. Tal recurso parece projetar sentidos de adequação do jovem a esse contexto interacional e sinaliza a compreensão de seu post por seus amigos/as.

Na linha 3, vemos Carla atuando na avaliação das performances identitárias de Luan. A avaliação do post é construída pela repetição com valor interjetivo da expressão “que que isso”, a união de itens lexicais, formando uma nova palavra “tamaravilhosa” e pela predicação “amiga” (l.3). No contexto das interações digitais, o recurso da repetição de uma palavra e a junção de termos formando uma única palavra são frequentemente utilizados entre usuários/as das redes sociais on-line para dar ênfase a um fragmento de fala. Tais pistas contribuem na construção das performances de Luan em semelhança às de Luisa Marilac, principalmente porque os signos “amiga” e “tamaravilhosa” expressam indexicalmente discursos identitários socialmente construídos como do universo feminino. Os índices mobilizados no comentário de Carla parecem promover uma avaliação positiva, quanto aos recursos semióticos utilizados por Luan em suas performances.

Em contrapartida, o comentário de Sávio (l.4 e 5) parece causar um realinhamento comunicativo, ao relocalizar Luan, justapondo identificações sociais de gênero/sexualidade e raça24 24 Para uma discussão mais profunda sobre as intersecções entre performances de gênero, sexualidade e raça, ver Guimarães e Moita Lopes (2016). . Sávio (l.4) inicia sua postagem com o signo de identidade “negrinha”, que indica o pertencimento do jovem a um certo tipo de identificação reconhecível culturalmente. A referência “negrinha” posiciona Luan como um garoto negro e de identificações afeminadas. Esse footing é construído também pelos itens lexicais “pão com água” e “senzala”, que replicam roteiros socioculturais estigmatizados, com base em uma suposta origem racial, que posiciona Luan como ligado à escravidão e ao trabalho pesado. Além disso, o termo “negrinha” recontextualizado no diminutivo é sugestivo de um footing irônico e depreciativo de Sávio em relação às performances de Luan e contribuem na construção de um enquadre de zombaria, que sinaliza negociação das relações de poder nessa interação social.

Ao posicionar Luan como negro e afeminado, Sávio faz uso de signos com alto grau de estabilidade em nossa sociedade e que contribuem relacionalmente para a construção de suas próprias performances identitárias como garoto branco e heterossexual. Vemos aí que Sávio ao receber a entextualização de Luan, produz alinhamentos pejorativos com relação às performances do jovem. Com isso em perspectiva, as ligações indexicais dos referentes “negrinha”, “pão com água” e “senzala” direcionam a citação do texto de Luisa de um modo específico. Enquanto os índices mobilizados no post de Luan e no comentário de Carla (l.3) parecem promover a valoração das performances de Luan; no comentário de Sávio, as indexicalidades apontam para outra direção: a dos sentidos estigmatizados e desprestigiados.

Em resposta a essa postagem avaliativa, pela assertiva “com todo prazer sou NEGRO da senzala” (l.8), Luan lança mão de recursos semiótico-identitários naturalizados em sociedade, que projetam para si uma identificação que aponta para o masculino. Os termos “NEGRO” em caixa alta, indicando voz alta, juntamente com “senzala” assinalam com cores fortes a dimensão estilizada das performances de gênero/sexualidade e raça de Luan. Nessa assertiva, Luan aceita o signo identitário que lhe fora imputado por Sávio, mas em vez de atribuir às suas performances uma inferiorização, reivindica valorização por intermédio da enunciação “com todo prazer” (l.8). Ainda, ao iniciar seu post com “pode falar nem ligo” (l.8), Luan projeta um footing de pessoa não-vitimizada com relação às possíveis práticas depreciativas desse amigo.

Nesse enquadre de embate, Luan reposiciona a participação de Sávio pela entextualização da letra de Funk25 25 “Você Quer?” (também conhecida como Você, Você, Você, Você, Você, Você, Você Quer?) é uma canção da funkeira brasileira Mulher Melão. “eu sei que vc vc vc quer” (l.9). Com apoio da voz da Mulher Melão, ele cria uma associação entre o alinhamento provocador projetado por Sávio e identificações de gênero/sexualidade homoeróticas, sugerindo um suposto desejo sexual de Sávio por Luan. Estrategicamente, o texto mobilizado por Luan parece deslegitimar a vigilância de Sávio, ao colocar em xeque as supostas performances de sexualidade heteronormativas do jovem.

No que tange a esse embate, as interações entre Luan e Sávio vão também ganhar avaliações por outros participantes, sugerindo alinhamento positivo quanto ao modo como Luan responde ao footing provocador de Sávio. Maria (l.11), ao utilizar-se do recurso “hauhuahuahua” (o qual significa risos no contexto das interações on-line) e do emoticon :-) (é uma forma de dizer “legal” ou expressar concordância, no contexto das interações on-line), parece interpretar e reagir a favor do comentário de Luan. Assim também Sabrina (l.12), ao enunciar “porra se isso é ta na pior, o que é ta bem” entextualiza o fragmento da fala de Luisa Marilac (“se isso é tá na pior, porra! o que quer dizer tá bem, né? – cf. introdução), que, nesse contexto interacional, implica apoio à postagem de Luan.

Assim, como parte da luta pela entextualização do texto de Luisa na construção de suas performances nessa rede social, Luan renegocia significados de gênero/sexualidade e raça com base em discursos estereotípicos das identificações sociais. Luan parece conhecer o jogo interacional das relações saber-poder que constroem identificações rígidas para a vida corpórea. Ele se engaja em signos que produzem o efeito de uma identificação específica: negro da senzala, entextualizando aspectos das intersubjetividades racializadas e sexualizadas no nível translocal (da história de repetição de signos que regimenta significados estigmatizados) e, em um nível local, utiliza esses significados a seu favor nas interações do Facebook, em contestação aos footings projetados por Sávio. Tal combinação evidencia as lutas metadiscursivas e performativas em ação nos eventos comunicacionais, possíveis de serem estudadas somente na interposição dos significados mais locais com os translocais.

Abaixo, no excerto 2, segue a análise de mais uma viagem do vídeo de Luisa em outro encontro interacional. O excerto 2 apresenta novamente dados de uma interação entre Luan e Sávio, iniciada após a finalização de uma atividade realizada por Luan, em uma aula de Filosofia. Na proposta da professora, os/as alunos/as deveriam realizar entrevistas com pessoas de diferentes profissões e questioná-las sobre ética e moral. No referido trabalho, Luan entrevista Lohana, uma pessoa que se identifica como travesti. Esse momento interacional em sala de aula foi composto por enquadres que sinalizavam alinhamentos de reprovação à entrevista com a travesti. A esse respeito, as sinalizações indexicais dos referentes avaliativos, trazidos no evento discursivo, apontaram que a fala de Lohana não era legítima nessa prática interacional. Contudo, Luan não se deixa vencer e, novamente, lutas metadiscursivas aparecem em ação.

O excerto 2, abaixo, apresenta parte da conversa entre Luan e Sávio. No excerto, queremos chamar a atenção novamente para o modo como Luan renegocia seus textos, com foco na citação da fala de Luisa Marilac e nas consequências interacionais e identitárias dessa entextualização. Após a apresentação de sua entrevista com a travesti, Luan dirige-se para seu lugar e se engaja em uma conversa com Sávio, projetando um enquadre de conversa não institucionalizada e que ocorre em paralelo ao enquadre institucional de apresentação de trabalho na escola.

Excerto 226 26 Veja no anexo 1 as convenções de transcrição utilizadas. :

59 Sávio: º vocês ficam querendo justificar a boiolice @@@ º ((fala olhando para Luan))

60 Luan >ºvocê fica falando que sou viado por causa disso ?° <=

61 Sávio: =tô brincando

62 Luan: ºeu só acho que farinha do mesmo saco não dá opinião contra

63 [eu sei que você conhece muito bem as gírias de travesti e gayº]

64 Professora: [Talita e João. agora são vocês?]

65 Sávio: nada a ver, todo mundo conhece

66 Bruno: hum:: eu não conheço nenhuma gíria de gay @@@

67 ((fala para Sávio levantando-se da cadeira))

68 Luan: o povo sabe que você gosta de tomar bons drinks! ((risos da turma))

Neste momento interacional, vemos Sávio interpelando as performances de Luan, ao final de sua apresentação. Na linha 59, a expressão “justificar a boiolice”, cria uma aparente relação entre as performances identitárias de Lohana e identificações de gênero/sexualidade homoeróticas. O alinhamento de Sávio parece evocar expectativas de gênero vigentes, que relacionam a fala entextualizada de Lohana às supostas práticas homoeróticas de Luan, além de apontar para um sentido que desqualifica a fala de Lohana e, consequentemente, a apresentação de Luan, nesse contexto interacional.

Na linha 60, em resposta a Sávio, Luan projeta um footing questionador dessa suposta correlação entre a voz de Lohana e suas próprias performances de gênero/sexualidade, ao dizer “você fica falando que sou viado por causa disso?”. Imediatamente, em fala quase simultânea, Sávio reenquadra aquele momento interacional como uma brincadeira, ao enunciar “tô brincando” (l.61). Esse enunciado promove uma ligação indexical que localiza o ato de estigmatização, pela predicação “boiolice”, na ambiguidade da brincadeira (favorecida pela proximidade entre os sujeitos), podendo atenuar, estrategicamente, um posicionamento de maior agressividade de Luan.

Entretanto, tal indexicalidade parece não ser ratificada por Luan, que vai contestar a fala de Sávio, ao dizer que “farinha do mesmo saco não dá opinião contra” (1.62). Nessa declaração, Luan instaura uma relação simétrica entre ele e Sávio, fazendo uso de uma expressão idiomática “farinha do mesmo saco” para posicionar Sávio em semelhança às suas performances homoeróticas. Nesse jogo, Luan produz performativamente o efeito de uma identificação específica para si e para Sávio: garotos de sexualidade homoerótica. Em continuação, na linha 63, ao afirmar “eu sei que você conhece muito bem as gírias de travesti e gay”, Luan posiciona Sávio também em associação a vozes do universo trans e das identificações gay.

No jogo de negociação de sentidos, Sávio responde “nada a ver, todo mundo conhece” (l.65). Nesse fragmento, Sávio parece posicionar-se em defesa de sua heterossexualidade, reenquadrando a situação e protegendo-se dos sentidos indexicais que a expressão idiomática “farinha do mesmo saco” pressupõe na construção daquele contexto interacional. Entretanto, Luan novamente não aceita a discordância de Sávio e faz, na linha 68, uma relação direta entre o footing de Sávio e a performances de Luisa Marilac. A fala de Luisa é recontextualizada, na linha 68, pela citação “bons drinks”, que serve como um recurso semiótico-identitário que indexicaliza as identificações da travesti.

No que tange à negociação das performances identitárias, tal citação é uma pista que posiciona Sávio nas mesmas fronteiras identitárias de Luisa Marilac, colocando em xeque a segurança ontológica das identificações de masculinidade heteronormativa, frequentemente encenada por Sávio nas interações da escola. Estrategicamente, Luan desloca o olhar das diferenças, desestabilizando a autoridade desse outro hegemônico, que fala de um lugar aparentemente heteronormativo. No nível da negociação dos significados válidos em sala de aula, a recontextualização da fala de Luisa entra também no jogo de contestação das sinalizações indexicais que a enunciação “justificar a boiolice” parece promover. Em resumo, o excerto 2 deixa entrever que a disputa pela construção de significados válidos no contexto da escola ocorre na recontextualização de signos identitários cristalizados no tempo, que estão em fricção com performances situadas.

Considerações finais

Acreditamos que este artigo nos faça pensar sobre aspectos relevantes em relação à mobilidade dos recursos semióticos na contemporaneidade e a construção de significados. Em primeiro lugar, as interações analisadas são elucidativas de um tipo de fluxo que é característico das interações contemporâneas. Neste artigo, a mobilidade foi considerada na proposta de uma metodologia etnográfica multissituada (MARCUS, 1995MARCUS, G. E. Ethnography in/of the world system. The emergence of multi-sited ethnography. Annual Review of Anthropology, California, n.24, p.95-117, 1995.), em que um dos autores seguiu as trajetórias dos textos sobre gênero, sexualidade e raça que tiveram a participação de Luan, o participante focal da referida pesquisa. A observação etnográfica de como os sujeitos recontextualizam recursos semióticos em suas interações cotidianas, partindo do texto de Luisa Marilac, que usa uma estilização identificável como pertencente ao universo trans para criar seu próprio vídeo, passando pela observação de sua recepção nas interações de Luan com seus/as amigos/as on-line e na escola, permitiu ver como as viagens textuais estão intensificadas na vida contemporânea.

Em segundo lugar, as interações de Luan com seus colegas entextualizaram vozes e palavras alheias, que não são meras cópias do que foi dito. Como observa Pennycook (2010)PENNYCOOK, A. Language as a Local Practice. Londres: Routledge, 2010., na repetição há também espaço para o exercício da criatividade e para ressignificação. Nas cenas analisadas, Luan e seus colegas, ao recotextualizarem a fala de Luisa Marilac, estão moldando esse discurso aos seus propósitos comunicacionais. Obviamente, a entextualização do vídeo de Luisa promoveu sinalizações indexicais que vão além das fronteiras textuais, semânticas ou linguísticas. Esses textos, ao viajarem de um evento para o outro e ao serem recontextualizados, produziram localmente relações de significado que são históricas, sociais e identitárias. Nos excertos, as performances de Luan são constrangidas por uma matriz branca e heteronormativa, por meio de discursos racistas e homofóbicos que povoam os comentários de Sávio. Na interação com esses discursos, lutas metadiscursivas ocorreram no jogo das relações de força entre Luan e o colega, tanto nas interações on-line como na sala de aula. Estrategicamente, ao contestar os lugares desprivilegiados no qual Sávio o localizou, Luan entextualiza signos cristalizados de raça e de sexualidade e os utiliza a seu favor nas interações com Sávio. Tais embates mostraram como suas entextualizações discursivas são utilizadas produtiva e agentivamente a serviço de uma micropolítica de destruição das posições hegemônicas nas relações com esse colega.

Daí a necessidade de compreender textos (sejam eles orais ou escritos) como elos na cadeia de comunicação discursiva de um determinado campo (BAKHTIN, 2003BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003 [1953]. p.261-306. [1953], p.296). Os ganhos dessa visão para os estudos da linguagem são evidentes, pois deslocam o foco da linguagem como pura, transparente e separada da vida cotidiana para a observação dos efeitos performativos e ideológicos dessas unidades linguísticas que se agrupam como textos (MOITA LOPES, 2013MOITA LOPES, L. P. Como e por que teorizar o português: recursos comunicativos em sociedades porosas e em tempos híbridos de globalização cultural. In: MOITA LOPES, L. P. (Org.). O português no século XXI: cenário geopolítico e sociolinguístico. São Paulo: Parábola Editorial, 2013. p.101-119.; 2015MOITA LOPES, L. P. Introduction: linguistic ideology: how Portuguese is being discursively constructed in late modernity. In: MOITA LOPES, L. P. (Org.). Global Portuguese: linguistic ideologies in late modernity. Nova York: Routledge, 2015. p.1-27.). Compreender a análise linguística sob esse ponto de vista promove um deslocamento teórico, analítico e metodológico da “linguística do sistema” para a “linguística da mobilidade”, percorrendo múltiplas cadeias de entextualizações e trajetórias.

Trata-se de uma reivindicação orientadora de estudos contemporâneos no campo da antropologia linguística (BAUMAN; BRIGGS, 1990BAUMAN, R.; BRIGGS, C. Poetics and performance as critical perspectives on language and social life. Annual Review of Anthropology, California, n.19, p.59-88, 1990.; SILVERSTEIN; URBAN, 1996SILVERSTEIN, M.; URBAN, G. (Ed.). Natural histories of discourse. Chicago: The University of Chicago Press, 1996.) e da sociolinguística (AGHA, 2005AGHA, A. Semiosis across encounters. Journal of Linguistic Anthropology, University of Pennsylvania, n.15, p.1-5, 2005.; 2007; BLOMMAERT, 2005BLOMMAERT, J. Discourse. Cambridge: Cambridge University Press, 2005.; 2010BLOMMAERT, J.The sociolinguistics of globalization. Cambridge: Cambridge University Press, 2010.; BLOMMAERT; RAMPTON, 2011BLOMMAERT, J.; RAMPTON, B. Language and superdiversity: a position paper. Working papers in urban language & literacies, London: King’s College, n.70, p.1-22, 2011.). No Brasil, os trabalhos de Guimarães e Moita Lopes (2016)GUIMARÃES, T. F.; MOITA LOPES, L. P. Entextualizações estratégicas: performances sensualizadas de raça em práticas discursivas na Web 2.0. Linguagem em (Dis)curso – LemD, Tubarão, v.16, n.2, p.289-307, mai.-ago. 2016., Fabrício (2013FABRÍCIO, B. F. A “outridade lusófona” em tempos de globalização: identidade cultural como potencial semiótico. In: MOITA LOPES, L. P. (Org.). O português no século XXI: cenário geopolítico e sociolinguístico. São Paulo: Parábola Editorial, 2013., 2015FABRÍCIO, B. F. Policing the borderland in a digital lusophone territory: the pragmatics of entextualization. In: MOITA LOPES, L. P. (Org.). Global Portuguese: linguistic ideologies in late modernity. Nova York: Routledge, 2015. p.1-27.), Silva (2014)SILVA, D. N. O texto entre a entextualização e a etnografia: um programa jornalístico sobre belezas subalternas e suas múltiplas recontextualizações. Linguagem em (Dis)curso, Tubarão, n.14, p.67-84, 2014., Melo e Moita Lopes (2014)MELO, G. C. V.; MOITA LOPES, L. P. Ordens de indexicalidade mobilizadas nas performances discursivas de um garoto de programa: ser negro e homoerótico. Linguagem em (dis)curso, v.14, n.3, p.653-685, 2014. são exemplos de estudos que contemplam essa perspectiva. São posicionamentos teórico-analíticos e também políticos que apontam para a natureza entextualizável, performativa, indexical da interpretação dos signos e dos textos. Contudo, essa lógica, ainda pouco explorada no campo dos estudos linguísticos, clama por outros estudos que enfoquem diferentes aspectos analíticos das mobilidades contemporâneas dos textos, principalmente no que tange à luta pelas recontextualizações na construção das identificações na vida social.

Agradecimentos

A Profa. Dra. T. Guimarães é grata ao CNPq pela bolsa 163647/2014-3, no âmbito do Edital MEC/CAPES e MCT/CNPq/FINEP Nº 28/2010 - Programa Nacional de Pós-Doutorado - PNPD 2010, que possibilitou este estudo. Tal bolsa foi concedida ao Projeto “Letramentos Digitais Singularidades do Ethos, Performances e Narrativas Identitárias”, de autoria de Luiz Paulo da Moita Lopes - Professor Titular da UFRJ (CNPq 560303/2010-06).

L. P. Moita Lopes (Professor Titular - UFRJ) agradece ao CNPq pela Bolsa de Produtividade que propiciou esta pesquisa (CNPq 3033-1/2009-0), assim como ao auxílio à pesquisa da FAPERJ (E -26/110.065/2012) e ao PNPD 2010 (MEC/CAPES e MCT/CNPq/FINEP) referido na nota anterior. Agradece também ao CNPq pelo auxílio (470547/2012-0), concedido pelo Edital Universal (14-2012).

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  • 1
    Usamos o termo “mulher trans” para nos referirmos, de um modo geral, a pessoas que fazem transição homem – para – mulher, ao se identificarem com o gênero oposto àquele designado em seu nascimento (cf. BORBA, 2014BORBA, R. (Des) aprendendo a “ser”: trajetórias de socialização e performances narrativas no Processo Transexualizador. 206 f. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.). No caso de Luisa, nas redes sociais, ela se autoidentifica como travesti.
  • 2
    Os vídeos virais são vídeos que adquirem um alto poder de circulação na Internet, alcançando grande popularidade, configurando-se como um fenômeno de Internet típico da Web 2.0 (BLOMMAERT; VARIS, 2014VARIS, P.; BLOMMAERT, J. Conviviality and collectives on social media: Virality, memes, and new social structures. Tilburg Papers in Culture Studies, Tilburg University, n.108, p.1-21, 2014.).
  • 3
    Segundo Rampton (2006RAMPTON, B. Language in late modernity: interaction in an urban school. Cambridge: Cambridge University Press, 2006., p.117), “estilo é visto como um modo de usar a linguagem que é ‘natural’ e característico (de um tópico particular, de um tipo de interação ou de uma pessoa)”.
  • 4
    Veja, no anexo 1, as convenções de transcrição utilizadas.
  • 5
    Trecho original: “[…] it is the process of rendering discourse extractable, of making a stretch of linguistic production into a unit-a text-that can be lifted out of its interactional setting.” (BAUMAN; BRIGGS, 1990BAUMAN, R.; BRIGGS, C. Poetics and performance as critical perspectives on language and social life. Annual Review of Anthropology, California, n.19, p.59-88, 1990., p.73)
  • 6
    De acordo com Fabrício (2012FABRÍCIO, B. F. Trajectories of socialization in school transcontexts: discourse journeys on gender and sexuality. Working Papers on Urban Languages and Literacies. King`s College, n.94, p.1-24, 2012., p.5), uma concepção de contexto como prática reflexiva, não restrito ao que acontece em eventos específicos, envolve uma orientação local/translocal da construção dos significados nos encontros comunicativos ao “abarcar tanto a dimensão interacional imediata – na qual há a contínua interpretação de pistas de contextualização – e uma dimensão mais translocal – na qual pistas e pressuposições utilizadas apontam para um domínio histórico”.
  • 7
    Utilizamos o construto teórico “performances identitárias” no lugar de identidades, em apelo à noção de identidade como performances (BUTLER, 1993BUTLER, J. Bodies that Matter: on the discursive limits of ‘sex’. Nova York e Londres: Routledge, 1993.). Queremos enfatizar o caráter processual, provisório e de sentidos sócio-historicamente sedimentados de nossas identificações de gênero, sexualidade e raça, porque são efeitos de sentidos que produzimos pelas coisas que fazemos, dizemos e vestimos em nossas performances cotidianas (cf. BUTLER, 2003BUTLER, J. Problemas de gênero: feminismo e a subversão da identidade. Tradução de Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003 [1990]. [1990]).
  • 8
    Este artigo desenvolve parte da pesquisa de doutoramento realizada por um dos pesquisadores (GUIMARÃES, 2014GUIMARAES, T. F. Embates entre performances corpóreo-discursivas em trajetórias textuais: uma etnografia multissituada. 209 f. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.).
  • 9
    Por motivos éticos, substituímos por pseudônimos os nomes de todos os participantes envolvidos.
  • 10
    Neste artigo, usamos o conceito de ethos em associação à noção de ethos como hábitos locucionais compartilhados por membros de uma comunidade, conforme C. Kerbrat-Orecchioni (1996)KERBRAT-ORECCHIONI, C. La conversation. Paris: Seuil, 1996.. Tal “ethos coletivo” constitui, para os locutores que o compartilham, um “perfil comunicativo”, ou seja, a sua maneira de se comportar e de se apresentar nas interações (KERBRAT-ORECCHIONI, 1996KERBRAT-ORECCHIONI, C. La conversation. Paris: Seuil, 1996.).
  • 11
    Trecho original: “[…] the contexts for communication should be investigated rather than assumed. Meaning takes shape within specific places, activities, social relations, interactional histories, textual trajectories, institutional regimes and cultural ideologies, produced and construed by embodied agents with expectations and repertoires that have to be grasped ethnographically.” (BLOMMAERT; RAMPTON, 2011BLOMMAERT, J.; RAMPTON, B. Language and superdiversity: a position paper. Working papers in urban language & literacies, London: King’s College, n.70, p.1-22, 2011., p.10)
  • 12
    Facebook é uma rede social, onde os usuários criam um perfil pessoal, trocam mensagens privadas e públicas entre si e participam de grupos de interesses comum com outros utilizadores.
  • 13
    Trecho original: “[…] discourses are successively or simultaneously decontextualised and metadiscursively recontextualised, so that they become a new discourse associated to a new context and accompanied by a particular metadiscourse which provides a sort of ‘preferred reading’ for the discourse.” (BLOMMAERT, 2005BLOMMAERT, J. Discourse. Cambridge: Cambridge University Press, 2005., p.47)
  • 14
    Em seu estudo sobre performances narrativas, Bauman (1986)BAUMAN, R. Story, performance and event: contextual studies of oral narrative. Cambridge: Cambridge University Press, 1986. distingue entre eventos de performances intensas e performances mundanas. Para o autor, as performances intensas são destacadas temporal e espacialmente do fluxo rotineiro da comunicação. São programadas, planejadas e tipicamente pré-anunciadas, com características metacomunicativas aumentadas, em outras palavras, características que tendem à hipérbole.
  • 15
    Butler (2003BUTLER, J. Problemas de gênero: feminismo e a subversão da identidade. Tradução de Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003 [1990]. [1990]) se refere à performance de gênero, mas estamos aqui ampliando tal compreensão sobre gênero para outras performances.
  • 16
    Para uma discussão mais profunda, ver Pennycook (2007PENNYCOOK, A. Performance and performativity. In: PENNYCOOK, A. Global englishes and transcultural flows. London: Routledge, 2007.; 2010PENNYCOOK, A. Language as a Local Practice. Londres: Routledge, 2010.).
  • 17
    Trecho original: “[…] Indexicality is the dimension of meaning in which textual features ‘point to’ (index) contextually retrievable meanings.” (BLOMMAERT; MALY, 2014BLOMMAERT, J.; MALY, I. Ethnographic linguistic landscape analysis and social change: A case study. Tilburg papers in culture studies, Tilburg University, n.100, p.1-28, 2014., p.4)
  • 18
    Trecho original: “[...] Now in relation to micro-social context in the most general sense, any such socially conventional indexical (Legi)sign [=type] is dialectically balanced between indexical presupposition and indexical entailment.” (SILVERSTEIN, 2003SILVERSTEIN, M. Indexical order and dialectics of sociolinguistic life. Language & communication, University of Chicago, n.23, p.193-229, 2003., p.195)
  • 19
    De acordo com Silverstein (2003SILVERSTEIN, M. Indexical order and dialectics of sociolinguistic life. Language & communication, University of Chicago, n.23, p.193-229, 2003., p.196), o fator de mediação entre pragmática pressuposta e pragmática implicada é a função metapragmática. Nesse sentido, Blommaert (2005BLOMMAERT, J. Discourse. Cambridge: Cambridge University Press, 2005., p.47) afirma que a ordem indexical é o princípio de organização metapragmática por trás do que é amplamente compreendido como a pragmática da linguagem.
  • 20
    Foucault (2009FOUCAULT, M. A Ordem do Discurso. Tradução de Laura Fraga de Almeida Sampaio. São Paulo: Edições Loyola, 2009 [1970]./1971, p.8) sublinha que “em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade”.
  • 21
    Trecho original: “[…] we see signs as indices of social relationships, interests and practices, deployed in a field which is replete with overlapping and intersecting norms – not just norms of language use, but norms of conduct, membership, legitimate belonging and usage; and not just the norms of a here-and-now, but norms that are of different orders and operate within different historicities.” (BLOMMAERT; MALY, 2014BLOMMAERT, J.; MALY, I. Ethnographic linguistic landscape analysis and social change: A case study. Tilburg papers in culture studies, Tilburg University, n.100, p.1-28, 2014., p.4)
  • 22
    A referência diz respeito à nomeação das coisas e das pessoas e a predicação são os atributos conferidos na nomeação dessas pessoas e do mundo. Já a citação é a apropriação direta ou por ação de paráfrases do discurso de outro (WORTHAM, 2001WORTHAM, S. Narratives in action. New York: Teacher College Press, 2001., p.72).
  • 23
    Trecho original: “[...] entextualisation practices turn out to be about ‘identity’”. (SILVERSTEIN; URBAN, 1996SILVERSTEIN, M.; URBAN, G. (Ed.). Natural histories of discourse. Chicago: The University of Chicago Press, 1996., p.10)
  • 24
    Para uma discussão mais profunda sobre as intersecções entre performances de gênero, sexualidade e raça, ver Guimarães e Moita Lopes (2016)GUIMARÃES, T. F.; MOITA LOPES, L. P. Entextualizações estratégicas: performances sensualizadas de raça em práticas discursivas na Web 2.0. Linguagem em (Dis)curso – LemD, Tubarão, v.16, n.2, p.289-307, mai.-ago. 2016..
  • 25
    “Você Quer?” (também conhecida como Você, Você, Você, Você, Você, Você, Você Quer?) é uma canção da funkeira brasileira Mulher Melão.
  • 26
    Veja no anexo 1 Anexo 1 Adaptado de Bucholtz (2000) [ ] sobreposição de turnos (mais de um interlocutor falando ao mesmo tempo) MAIÚSCULAS volume mais alto > texto< fala mais acelerada ((texto)) marcações da cena, comentários do transcritor texto ênfase no som : alongamento de vogal , subida leve na entonação (entonação contínua) ? Fim da unidade de entonação; Entonação crescente. ! Fim da unidade de entonação; Ênfase na entonação decrescente. . Entonação decrescente º fala º volume baixo fala = turno de fala contíguos (sem lapso de tempo interveniente) risada as convenções de transcrição utilizadas.

Anexo 1

Adaptado de Bucholtz (2000) [ ] sobreposição de turnos (mais de um interlocutor falando ao mesmo tempo) MAIÚSCULAS volume mais alto > texto< fala mais acelerada ((texto)) marcações da cena, comentários do transcritor texto ênfase no som : alongamento de vogal , subida leve na entonação (entonação contínua) ? Fim da unidade de entonação; Entonação crescente. ! Fim da unidade de entonação; Ênfase na entonação decrescente. . Entonação decrescente º fala º volume baixo fala = turno de fala contíguos (sem lapso de tempo interveniente) risada

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2017

Histórico

  • Recebido
    Set 2015
  • Aceito
    Set 2016
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