Open-access RAÇA E ESCRAVIDÃO EM MEMÓRIAS E ROMANCES: BRASIL, C.1820-1870

Race and Slavery in memoirs and novels: Brazil, c. 1820-1870

Resumo

Este artigo analisa como a hierarquia racial, elaborada por filósofos e anatomistas, prestou-se não somente a defender a escravidão e a condução dos africanos à civilização, mas também a combater o tráfico de almas e incentivar a abolição do cativeiro. De facto, as teorias raciais reforçaram os argumentos escravistas e antiescravistas. O artigo examinou vários letrados brasileiros, mas particularmente os escritos do naturalista Frederico Burlamaque, do político Adolfo Bezerra de Menezes, dos romancistas Joaquim Manuel de Macedo e José de Alencar. Entre 1820 e 1870, eles recorreram à teoria do clima, à monogenia, poligenia, frenologia e fisiognomia para descrever os escravizados e seus descendentes. Assim, enumeravam os males da escravidão ou a contribuição incontornável dos escravizados para a construção do Brasil. Esses letrados defendiam pontos de vista opostos, mas, como parte da elite, não divergiam em relação à supremacia da raça branca.

Palavras-chave: Escravidão; teorias raciais; literatura; século XIX

Abstract

This essay analyzes how the racial hierarchy elaborated by philosophers and anatomists served not only to defend slavery and lead Africans to civilization, but also to combat the slave trade and encourage abolition. Indeed, racial theories reinforced both proslavery and antislavery arguments. The article examined several Brazilian scholars, particularly the writings of naturalist Frederico Burlamaque, politician Adolfo Bezerra de Menezes, and novelists Joaquim Manuel de Macedo and José de Alencar. Between 1820 and 1870, they used climate theory, monogeny, polygeny, phrenology, and physiognomy to describe enslaved people and their descendants, thus listing the evils of slavery or the significant contribution of the enslaved population to the construction of Brazil. Despite holding opposing views, as part of the elite, this literati did not doubt the supremacy of the white race.

Keywords: Slavery; racial theories; literature; 19th century

Esse artigo analisa como as teorias raciais foram empregadas no debate sobre a escravidão no Brasil entre 1820 e 1870. Para o período e tema, a pesquisa histórica avançou muito pouco. As análises sobre a ideia de raça priorizaram o evolucionismo e a eugenia, temas pertinentes ao período posterior a 1870. Aliás, não foi a Guerra do Paraguai que estimulou a elite brasileira a reexaminar o projeto de nação e refletir sobre a inclusão ou exclusão dos escravizados, conforme Thomas Skidmore. Nos documentos aqui analisados, os temas da raça, escravidão e nação eram faces da mesma moeda a partir de 1820. Encontram-se aí as temáticas raciais em memórias e novelas sobre a escravidão, abordando a contribuição incontornável de negros para a economia nacional, a violência do cativeiro e a exclusão social dos africanos e seus descendentes. Entretanto, poucos estudos analisaram essas fontes sob a ótica das teorias raciais3.

Na primeira Constituição brasileira, a escravatura não se assentava sobre quaisquer diferenças naturais ou raciais, mas sobre suas condições históricas e legais. Independentemente da cor, todos os homens livres eram cidadãos brasileiros conforme a Constituição de 1824. Nesse contexto, as classificações e hierarquias raciais eram irrelevantes para a construção da nacionalidade. Hebe Mattos entendeu esse silêncio como estratégia para evitar conflitos4. No entanto, esse princípio constitucional contrariava frontalmente os avanços da hierarquia racial do século das luzes. Aliás, contrariava não somente a ciência, mas também a tradição ibérica de defeito mecânico. Muito antes da Constituição de 1824, a superioridade da raça branca era gestada entre os filósofos. Paulatinamente, a hierarquia racial tornava-se ideologia5. Os estudos setecentistas sobre diversidade humana e anatomia comparada consolidaram não somente a ideia de raça, como também justificaram a própria escravidão6.

Contudo, aos poucos, os abolicionistas minaram a defesa do cativeiro, mas foram incapazes de ameaçar a hierarquia racial. Conforme Silyane Larcher, a liberdade e a cidadania dos libertos eram insuficientes para dissipar o legado excludente promovido pelo escravismo. No ultramar francês, após a abolição, a incapacidade cívica dos libertos e a necessidade de limitar sua liberdade política tornaram-se temas do debate parlamentar. Recorrendo à ideia de raça, os colonos e políticos franceses criaram mecanismos legais para fortalecer a exclusão social dos negros7. Talvez o fim do cativeiro tivesse incentivado ainda mais a hierarquia racial, pois assim ficavam preservados os diferentes níveis de cidadania.

Hebe Mattos destacou a luta e o refinado argumento do conselheiro negro Antônio Pereira Rebouças contra a discriminação racial. Ele defendia a escravidão e a propriedade aos moldes liberais e repudiava a discriminação racial contra os negros livres e libertos8. No entanto, o debate sobre a hierarquia racial era efervescente na Europa e nos Estados Unidos, e as teorias raciais paulatinamente respaldavam a escravatura, a exclusão social dos cativos e seus descendentes e a supremacia dos brancos. Enfim, o parlamentar negro enfrentava oponentes poderosos, pois a hierarquia racial era cada vez mais difusa, convincente e excludente.

No presente artigo, os testemunhos também consideravam os cativos propriedades aos moldes liberais e defendiam o fim lento da escravidão. Recorriam às teorias raciais, cada vez mais imbuídas de hierarquizar os povos e, assim, se distanciavam da argumentação do conselheiro Rebouças. Contrariando a Constituição de 1824, esses políticos e romancistas sabiam que os negros livres e libertos nascidos no Brasil dificilmente exerciam a cidadania como os brancos. Ademais, a noção de raça não era apenas social, mas também parte de teorias científicas, próprias dos séculos XVIII e XIX, divulgadas e popularizadas em livros e jornais, capazes de impulsionar a exclusão cotidiana das populações negras.

O foco do presente artigo não é a construção da cidadania brasileira. Trata-se de pensar como a hierarquia racial construída pela ciência prestou-se não somente a defender a escravidão e a civilização dos africanos, mas também a combater o tráfico de escravizados e indicar o fim paulatino do cativeiro. Devido aos limites do artigo, a análise centrou-se em quatro intelectuais que melhor abordaram a questão. O naturalista Frederico Burlamaque (livro publicado 1837) e o romancista Joaquim Manuel de Macedo (1869) empregaram os argumentos do jornalista francês Charles Comte (1827) e defenderam propostas antiescravistas muito semelhantes. Em seguida, recorre-se ao romance e às cartas de José de Alencar endereçadas ao imperador (1866-1871) e ao livro do político Adolfo Bezerra de Menezes (1869), pois sustentaram a escravidão como instrumento para civilizar os escravizados.

Essas fontes documentais se inseriam em duas conjunturas distintas. As memórias vieram a público sobretudo após a proibição da entrada de escravos africanos no Brasil. Essa norma não inviabilizou o tráfico humano, e a entrada ilegal de escravizados se intensificou, estimulada pela lavoura cafeeira. O embate entre escravistas e antiescravistas se impulsionou devido a essa contradição. Essas memórias certamente inspiraram os romancistas brasileiros, pois seus argumentos favoráveis ou contrários à escravidão se tornaram ficção. Os romances vieram a público após a lei Euzébio de Queiroz de setembro de 1850, quando se discutiam possíveis desdobramentos da lei do Ventre Livre9.

1. Ciência e escravidão

Na segunda metade do século XVIII, a classificação e a hierarquia entre povos seguiam as diretrizes do Conde de Buffon. Os seres humanos formavam uma mesma espécie (monogenismo) e se destacavam pelo uso da razão. Buffon ainda defendia a hierarquização dos povos, baseada no controle social: submissão, costumes fixos, obediência às leis. Destaca-se a defesa do vínculo entre a cor da pele e a maneira de viver. Por certo, a cor dependia do clima e da alimentação, mas os hábitos eram determinantes para evitar miséria, fome e intempéries. A precária condição de sobrevivência e a falta de civilidade produziam a negritude da pele. O homem primitivo era branco, e as mudanças na cor da pele se originaram da degeneração provocada pelo meio hostil. Para Buffon, a mais bela raça da humanidade era a branca, pois desfrutava das condições ideais acima mencionadas10.

No início do século XIX, os antiescravistas recorriam ao princípio monogenista, estribados não somente na ciência, mas também na teologia cristã. Os negros e os brancos se originavam de Adão e Eva, pertenciam à mesma irmandade, membros de uma mesma espécie biológica. O meio determinava as variedades, ou seja, o ambientalismo explicava diferenças transitórias nos corpos e nos hábitos. Por volta de 1840, o médico e etnologista James Cowles Prichard contribuiu de forma decisiva para contestar a teoria climática. As alterações físicas e mentais das raças originavam-se do processo civilizatório. Assim explicava os avanços dos brancos e a estagnação dos homens de pele escura. Com a crítica ao determinismo do meio, a “ciência racial” tornou-se cada vez mais biológica, e a humanidade entendida como parte da natureza. Os novos estudos se distanciaram do otimismo iluminista, minimizaram a capacidade de evoluir dos homens. O pessimismo biológico estava baseado na imutabilidade da natureza racial, na rigidez da hierarquia racial. Assim, o movimento abolicionista, defensor do progresso da raça negra, perdeu em parte a ciência como aliada. Em 1850, o anatomista Robert Knox passou a defender que os tipos raciais eram fixos e distintos, pois a poligenia era a chave para entender os destinos da humanidade11.

Na França pós-revolução, a explicação poligênica para a diferença racial não era incomum. O naturalista Julian-Joseph Virey dividiu a humanidade em duas espécies, entre negros e não negros. Em 1837, sua obra teve grande aceitação nos Estados Unidos, entre os defensores da escravidão que procuravam justificação científica para subordinar os africanos. Assim, os poligenistas contestavam a origem única da humanidade, defendiam a desigualdade entre as raças e o retorno do escravismo no ultramar francês. Nos Estados Unidos, o racismo, como ideologia para explicar a irreversível inferioridade dos negros, emergiu com mais força nos anos de 1830, quando as polêmicas sobre emancipação dos escravos tornaram-se acaloradas, sobretudo no Norte. Os defensores da servidão negra precisavam justificar a supremacia dos brancos e a incapacidade dos negros. Em 1857, a Suprema Corte declarou os libertos como incapazes de exercer a cidadania12.

Essas teorias e polêmicas se difundiram e alimentaram a imaginação dos letrados brasileiros. Os políticos e romancistas abordados nesse artigo não demonstraram ter leituras acuradas sobre as determinações do clima, sobre as mencionadas teorias raciais, tampouco empregavam-nas com rigor para justificar a superioridade ou a inferioridade das raças. Por certo, essas teorias eram potencializadas pelos rumores provenientes do Haiti, pois corroboravam com o pressuposto de que a raça explicava a violência e a destruição provocadas pelos negros amotinados13. De todo modo, esses testemunhos defendiam a hierarquia racial: ora recorriam ao determinismo geográfico, à crença de que as guerras e a vivência em climas áridos degradaram os africanos; ora essa hierarquia se pautava pelas marcas físicas e psicológicas produzidas pelo cativeiro, ou seja, o cativeiro degradava os africanos. Fosse devido ao meio de origem, fosse devido à escravidão, a raça africana se destacava pelo primitivismo dos costumes, pela incapacidade intelectual e pelas deformidades físicas. De diversos modos, essa elite ilustrada avaliava a inserção de homens escravizados à nação brasileira, indicava tanto os malefícios, sobretudo a violência gerada pelo cativeiro, quanto a contribuição incontornável dos mulatos e africanos para a construção do Brasil.

Na historiografia, muitos escreveram sobre a formação da nação, e considero desnecessário reproduzir aqui o debate. O Brasil era composto de povos que deveriam se mesclar para viabilizar a identidade nacional. Entre as décadas de 1830 e 1860, a unidade se formou paulatinamente sob o comando do Estado, de políticos ativos e de uns poucos fazendeiros enriquecidos pelo café. O Estado não controlava apenas o sistema coercitivo, mas também planejava forjar a cultura e a moral da população livre. Aliás, o projeto de nação se tornou mais robusto quando as elites se viram pressionadas pelas revoltas regionais e descobriram que o Estado lhes asseguraria autoridade local14. No entanto, os políticos e os fazendeiros não estavam sozinhos no projeto de imaginar a nação.

A imprensa fazia circular ideias, polêmicas e notícias sobre os projetos de nação. Os homens de letras atuavam como “cidadãos e escritores ativos, como construtores de opinião que almejavam levar a sociedade a algum tipo de progresso e de ordem nacional”. Na capital do império, vivenciam-se as transformações dos espaços públicos; notadamente ali se forjava a noção de “opinião pública” como instrumento de legitimidade política. Entre 1820 e 1830, verificaram-se o crescimento de publicações periódicas e a proliferação de leitores ativos e passivos. O público leitor, também denominado “nobreza cultural”, consumia notícias e as fazia circular em uma sociedade marcada pela escravidão. Vivia-se um paradoxo, pois autores e leitores consideravam o Brasil como nação inspirada pelos valores modernos do liberalismo, mas perpetuavam valores e relações arcaicas. Nesse debate, a escravidão e a hierarquia racial eram temas recorrentes. Os letrados destacavam particularmente os impasses promovidos pela constante entrada de homens escravizados, pela diversidade racial e a gênese do cidadão brasileiro. Vale ainda mencionar que a “opinião pública”, expressa nos periódicos, ora movimentava-se contra o tráfico negreiro, ora defendia seu prolongamento. Desde 1831, os Moderados da Câmara dos Deputados buscavam convencer os brasileiros dos males da escravidão. Aliás, a imprensa dos anos de 1830 e 1840 teve participação intensa nessa polêmica15.

2. Males da escravidão

Durante o crescimento da circulação de periódicos na capital do império, o deputado constituinte José Bonifácio de Andrada e Silva conclamava os políticos e a nação a pensar o cativeiro. Em representação à Assembleia Geral Constituinte, logo após a independência, se perguntava por quanto tempo os brasileiros ainda permaneceriam “surdos aos gritos da razão”, por quanto tempo ainda seria o Brasil a “única Nação de sangue Europeu, que ainda comercia clara e publicamente em escravos Africanos”. Andrada e Silva acusava a escravidão de responsável pela ruína das famílias senhoriais e por transformar homens escravizados em serem bestiais. O constituinte ainda denunciava a escravidão como origem da indolência, origem de todos os vícios. Com o fim do cativeiro, a sociedade se tornaria mais justa, e a “raça africana” se emanciparia: os escravos se converteriam de “brutos imorais em cidadãos úteis, ativos e morigerados”. Assim, pela educação, as características raciais eram reversíveis, mesmo quando se originavam da influência do clima, alimentação e costumes. O político ainda destacou a humanidade dos cativos e sua capacidade de atuar como homens livres e ativos. A liberdade promoveria benefícios não somente aos homens escravizados, mas à toda sociedade16. Para Andrada e Silva, defensor do otimismo das luzes e, por certo, do monogenismo, a teoria do clima o incentivava a traçar planos para incorporar os africanos e seus descendentes à nação.

Nessa mesma conjuntura, o jornalista francês François-Charles-Louis Comte, no livro Traité de Législation (1827) denunciava os males gerados pela escravidão. Indicava como a violência era marca incontornável das sociedades escravistas. As agressões atingiam não somente os escravizados, mas também os senhores e seus familiares. A existência de relações tão violentas estimulava o ódio e corroía a civilidade. O despotismo e a submissão perpassavam todos os estratos sociais e se tornavam quase que hereditários, pois os filhos imitavam os pais e perpetuavam as relações baseadas no ódio e na vingança17. Em geral na América, a escravidão ampliava o fosso entre brancos, negros, indígenas e mestiços. Os brancos nutriam sentimentos de menosprezo pelos descendentes dos povos conquistados, hierarquizados segundo as cores da pele. A mescla de raças era testemunho da união imoral e do despotismo do senhor contra as mulheres escravizadas. Ao percorrer o ultramar, não raro os viajantes denunciavam a existência de inúmeros escravos brancos. Eles pouco percebiam que os brancos escravizados se originavam do adultério e do incesto, comuns em sociedades escravistas18.

Após a independência, alguns brasileiros refletiram sobre como a nova nação enfrentava o tema da hierarquia racial. O escravismo e a mestiçagem multiplicavam as cores e travavam a construção da nação brasileira, da nação homogênea. Era essa a opinião do botânico e mineralogista brasileiro Frederico Leopoldo Cezar Burlamaque, membro do Conselho do Imperador e diretor do Museu Nacional entre 1847 e 186619. Incentivado por concurso lançado pela Sociedade Defensora da Liberdade e Independência Nacional, Burlamaque redigiu a memória dedicada sobretudo a demonstrar a nociva influência dos escravos africanos sobre os costumes, civilização e liberdade. Aliás, ele inspirou-se no tratado de Charles Comte e reproduziu boa parte de seus argumentos favoráveis à abolição. A Burlamaque interessava analisar as inconveniências advindas da importação de escravos e sobretudo alertar para os males permanentes da escravidão doméstica. No entanto, a escrita do naturalista nem sempre responsabilizou o cativeiro pelos entraves à construção da nação. Em seu livro, ele pretendia dissuadir os proprietários da pouca utilidade dos escravos “e dos inconvenientes que causam ao país e aos particulares essa multidão de infelizes, que só servem para desmoralizar nossos costumes e atrasar todas as nossas cousas” 20. Seus argumentos me permitiram indagar se era a escravidão ou a raça africana a responsável pelo retrocesso civilizacional.

Para o botânico, o cativeiro humano era a origem da imoralidade, despotismo e ruína. E ainda gerava a entrada contínua de “numerosa raça de inimigos domésticos, cujo único fito deve ser a destruição e o extermínio de seus opressores”. Assim, os cativos travavam o desenvolvimento da civilização, luzes e indústria, e ainda freavam a “multiplicação de uma população livre e homogênea”21. Dependentes dos cativos, os homens livres se tornavam frouxos, preguiçosos, viciosos e ávidos por novos escravos: “A introdução de novos escravos pode prolongar o mal e aumentá-lo indefinidamente; mas é da existência de um estado de coisas tão contrário ao bem ser, à moral, e à humanidade, que nascem todos os males que pesam sobre as Nações assim organizadas”22. O tráfico nefando potencializava o aumento desordenado da população escravizada e heterogênea. Enfim, o naturalista lutava tanto pela liberdade dos cativos quanto pela homogeneidade da população.

Nesse sentido, as ideias do botânico divergiam da obra de Charles Comte, pois o francês não defendera a hierarquia racial e pouco explorara a relação entre cativeiro e formação da nação. Para o brasileiro, a nação era inviável porque não se podia formar uma unidade composta por “raças inimigas”. O naturalista talvez tivesse se inspirado nos escritos do médico português Francisco Soares Franco, quando defendeu, em livro de 1821, o fortalecimento da casta branca como condição para a felicidade da nação composta por Portugal e Brasil, pois “Um povo composto de diversos povos não é rigorosamente uma nação”23. Em seus escritos, a cor negra associava-se ao medo, à barbárie, à impossibilidade de assimilação. A “natureza inferior” da casta negra assombrava os brancos e debilitava a civilização (branqueamento) dos índios. Assim, para Franco, a mestiçagem com negros era um retrocesso, uma ameaça à estabilidade política do Brasil e à união com Portugal. Nesses planos, a mestiçagem formaria uma única casta no Brasil, mas nessa mistura não poderia predominar o sangue negro24. Esses argumentos refutavam o otimismo iluminista e minimizavam a capacidade de evoluir da casta negra. De fato, o médico defendeu hierarquia racial rígida e separou brancos e índios de negros, como o fez o naturalista Julian-Joseph Virey, mencionado anteriormente. Seu pessimismo biológico, talvez, fosse influenciado pela voga poligenista francesa25.

Burlamaque defendeu a hierarquia racial rígida e alertou a seus leitores sobre o nefasto legado do tráfico. Para manter a segurança, a classe dominante aplicava meios preventivos, empregava castigos e suplícios e, assim, embrutecia a “raça dominada”. Senhores e escravos se tornavam bárbaros: “os assassinatos, os envenenamentos e todas as malvadezas dos celerados serão comuns a um País dividido em raças inimigas. Nunca uma tal associação formará uma Nação homogênea”. A escravidão doméstica não resultava somente na proliferação de oprimidos, mas também no fortalecimento de tiranos. Os desmandos e a opressão originavam intensamente a mestiçagem, os nascimentos de bastardos e a formação de gentes que nem sempre seriam capazes de formar nação26.

Para o botânico, as guerras entre os povos da África eram a origem do tráfico humano, comandado por contrabandistas, também denominados “canibais”, que trocavam armas por seres humanos. A escravidão era de inteira responsabilidade dos moradores da África. A barbaridade e a estupidez bruta dos africanos eram “a origem de todos os males que afligiam a África, que pesam à América e em geral à humanidade inteira”27. Porém, nesse infeliz comércio, não contavam, segundo o cientista, os interesses dos traficantes e fazendeiros da Europa e América. Ele responsabilizou somente aos canibais/traficantes/africanos pela origem da escravatura.

Sua visão negativa não se reduz, porém, aos traficantes/canibais da África. Suas descrições dos escravos recorriam aos piores estereótipos referentes a seres humanos. Para se opor ao tráfico e à escravatura, Burlamaque asseverou que “os indivíduos da raça africana têm uma conformação cerebral que os torna estúpidos, ou esta estupidez seja o resultado da escravidão e do interesse que julgam deve ter os senhores a que eles desenvolvam pouco as suas faculdades intelectuais”. Defendeu o botânico que os africanos vegetavam no “estado do mais bruto animal”, por isso apresentavam muitas dificuldades para exercer funções técnicas28.

Para o naturalista, os africanos apresentavam “conformação cerebral que os torna estúpidos”, tema caro aos frenologistas e fisionomistas. Nesse trecho, ele vinculava a anatomia ao comportamento moral, o corpo a qualidades intrínsecas. Como muitos literatos, Burlamaque talvez tenha recorrido aos estudos do pastor e filósofo suíço Johann Kaspar Lavater, fundador da fisiognomia, a arte de conhecer a personalidade das pessoas através dos traços fisionômicos. Recorrendo a esse pressuposto, os artistas expressavam estereótipos, a alteridade e a exclusão social ao representar corpos. De forma semelhante, Franz Joseph Gall contribuiu para desenvolver teoria capaz de determinar as características da personalidade e o grau de criminalidade pela forma da cabeça. Denominada de frenologia, essa teoria teve grande voga entre 1800 e 1830. O naturalista Georges Curvier defendeu a existência de uma proporção perfeita entre a cabeça/face e as faculdades mentais. A medida da capacidade craniana, ângulo facial, índice cefálico, volume cerebral ou peso cerebral forneceriam indicação segura de habilidade inata. Os filósofos e anatomistas europeus determinavam as características raciais e comprovavam fisicamente a evolução humana29. A literatura e a pintura românticas europeias recorreram muito a esse recurso para compor personagens. Talvez Burlamaque não tenha lido diretamente as teorias de Lavater, Curvier ou Gall, mas encontrou na vulgarização dessas teorias elementos capazes de convencer seus leitores a lutar pela abolição do tráfico e da escravidão. A fisiognomia e a frenologia certamente também influenciaram os romancistas brasileiros, como se pode constatar, com muito mais detalhes, no romance As Vítimas-Algozes, de Joaquim Manuel de Macedo.

Nos escritos de Burlamaque, as limitações intelectuais dos escravos originavam-se não somente das condições adversas do cativeiro, mas também da própria raça africana. Em seus escritos, fica a dúvida sobre se os africanos eram inferiores devido ao clima ou se eram naturalmente inferiores. Fosse a responsabilidade da determinação racial e do clima, fosse desdobramento da escravidão, a visão negativa desses testemunhos são exemplos da hierarquia racial, da exclusão social baseada na ideia de raça, como no trecho a seguir: “São espiões secretos das famílias, os agentes sempre prontos da corrupção do descrédito, das delações; são inventores de calúnias que desonram o mais sagrado interior das famílias; porcos imundos, sujam tudo em que tocam; finalmente corrompem os costumes dos filhos de seus senhores, e até a linguagem que lhes ensinam a estropiar a cada momento”30.

Vale ainda destacar que Burlamaque defendia a liberdade de “indivíduos da raça escrava” depois de 25 ou 30 anos para os homens, e 20 a 25 para as mulheres. Quando libertos, eles não deveriam se incorporar à nação brasileira. O governo encontraria um lugar na África para estabelecer esses grupos, colônias à imitação das que possuíam os americanos do Norte. Para tanto, deveria formar fundos para financiar o transporte, a compra de terras, o fornecimento de alimentos e utensílios, material suficiente para manter a subsistência dos primeiros libertos31. Em sua memória, a determinação natural (raça) e a escravidão explicavam tanto a inferioridade dos africanos quanto os malefícios provocados na sociedade. Eram faces da mesma moeda. Assim, os prejuízos provocados pela imigração forçada de africanos não podiam ser atribuídos somente ao cativeiro e às determinações do meio.

Ao defender a impossibilidade de incorporar os africanos à nação, Burlamaque se posicionava contra os planos de Andrada e Silva em 1825 ou contra o discurso parlamentar do conselheiro mulato, Antônio Pereira Rebouças, em 183232. Defensor de princípios ilustrados, o patriarca da independência considerava a educação capaz de incorporar a raça africana à civilização, ou melhor, contestava a irreversibilidade das características raciais. Enfim, conforme Andrada e Silva, as luzes eram capazes de amalgamar índios, africanos e europeus para formar a nação. No entanto, a ideia de raça em Burlamaque não admitia a educação de africanos, pois eram natural e irreversivelmente inferiores e incapazes de compor a nação brasileira. Talvez, por essa razão, considerava prudente o retorno à África dos libertos.

3. Raça inimiga

Ao ler o romance As vítimas-algozes33, identificam-se a apropriação, pelo romancista, dos escritos de Comte e Burlamaque, e os diálogos implícitos entre Macedo, Comte e Burlamaque. Esse romance é composto de três episódios independentes e veio a público em 1869, em princípio para contribuir com a causa abolicionista. Nessa obra, o médico, jornalista e professor Joaquim Manuel de Macedo abordou temas relevantes, tornando ficção as mazelas do cativeiro. Sua postura antiescravista se vinculava à militância no Partido Liberal, quando atuou como deputado provincial e deputado geral entre 1864 e 188134. Muito antes de Macedo, os antiescravistas já indicavam o tráfico de seres humanos e a escravidão como entraves ao desenvolvimento civilizacional do Brasil. Para a primeira geração de abolicionistas, a escravidão era responsável pelo retrocesso moral, pela difusão de bestialidades perpetradas por senhores, homens livres e escravizados, temas recorrentes nos escritos de Macedo35.

Personagem desse romance, o crioulo Simeão era escravo, embora na infância fosse criado com a filha do senhor. Conviveram quase como irmãos na casa grande porque sua mãe era ama de leite da menina. Protegido da família, Simeão não sofrera com os castigos corporais como os demais cativos da fazenda. De todo modo, ele logo entendeu sua condição; não era homem livre e tampouco escaparia da cruel realidade da escravidão. Essa dupla inserção social se somava a outro dilema mencionado por Macedo. O crioulo percebia os limites de sua liberdade, mesmo depois de alforriado. Não bastava livrar-se do cativeiro, pois dificilmente se sustentaria como homem livre. Em sociedades escravistas, as oportunidades para os livres e pobres eram poucas. Por isso, Simeão urdia planos para roubar seu senhor, obter sua completa liberdade e assim desfrutar, como os senhores, da ociosidade36. Assim, como Charles Comte, Macedo estava ciente dos impasses provocados pela escravidão. Aliás, de forma direta ou indireta, o romancista se inspirou nas reflexões de Comte, ou em seus vulgarizadores, para descrever alguns personagens e tramas de As vítimas-algozes.

Próximo aos vinte anos, da “raça pura africana”, o crioulo Simeão apresentava caracteres físicos “favoravelmente modificados pelo clima e pela influência natural do país, onde nascera, não tinham sido afeiados (sic) pelos serviços rigorosos da escravidão, embora fosse escravo”37. Macedo assim aborda a “modificação” da raça africana sob dois aspetos: a primeira era alteração positiva, responsável por melhorar os povos africanos ao se radicar no Brasil; o segundo era negativa, pois o autor considerava a escravidão responsável por embrutecer os provenientes da África. Em princípio, para Macedo, a raça não era a responsável pela “feiura dos africanos”, mas a brutalidade da escravidão. O romance ainda aborda como o cativeiro afastou os irmãos de leite. Se inicialmente Simeão e Florinda estavam unidos pelo peito, aos poucos a casa grande impôs ao crioulo as mazelas do cativeiro. A passagem de irmão de leite para homem escravizado acelerou a degradação dos princípios morais e sociais de Simeão. Aos poucos, ele se tornou uma enorme ameaça à família que o acolheu desde a infância. Como asseverou o romancista: “Sementeira de venenosos espinhos, a escravidão não pode produzir flores inocentes”38. Na ficção macediana, a escravidão era a ruína das “boas famílias”.

Ao retratar o medo dessa conjuntura, revoltas e convulsões sociais39, Macedo estava empenhado em demonstrar que a escravidão era um cancro social, “abuso inveterado que entrou em nossos costumes, árvore venenosa plantada no Brasil pelos primeiros colonizadores, fonte de desmoralização, de vícios e de crimes...”40. As mesmas malezas, porém, viabilizavam manancial de trabalhadores e impulsionavam a riqueza. Do lado da escravidão estavam o capital e o robusto suporte político de milhares de proprietários. O romancista se posicionava contrário à emancipação absoluta e imediata dos escravizados. No início do romance, reconhecia que a rutura imediata com a ordem escravocrata provocaria a convulsão do Brasil, reconhecia a escravidão como pilar de sustentação da soberania do Império41. Na ficção, o romancista pretendia explorar os motivos para extirpar lentamente a escravidão, e seus argumentos talvez fizessem parte da propaganda favorável à lei do Ventre Livre, aprovada em setembro de 187142, dois anos após a publicação de As vítimas-algozes.

No romance, Macedo considerava que a ingratidão e a perversidade dos escravos “não se explicavam pela natureza da raça, o que seria um absurdo”43. De tal modo, ele refutou a determinação racial, mas ao longo do romance essa negativa nem sempre está evidente, pois o autor recorreu constantemente a estereótipos e descrições negativas dos negros, fossem crioulos ou africanos. Para o autor, o cativeiro tanto pervertia os escravizados quanto vitimava seus senhores. De vítimas, os escravos se tornavam algozes, metamorfose persistente enquanto durasse o cativeiro. Aliás, Macedo fez esse esclarecimento ao longo de todo romance. Ele o empregou como bordão para convencer os leitores dos males do cativeiro, construiu o enredo das três histórias para comprovar essa tese. Como Burlamaque, ele pretendia atribuir à escravidão os principais males que afetavam a sociedade brasileira. Em princípio, não almejava recorrer à distinção racial para explicar a inferioridade intelectual e a perversidade dos escravizados, mas nem por isso ele deixou de externar seu evidente racismo.

A conjuntura de revoltas esparsas e resistências cotidianas certamente inspirou Macedo a tornar ficção os escritos e temores dos antiescravistas. As leituras de jornais e, supostamente, do livro de Burlamaque, permitiram ao romancista criar histórias como a de Simeão, Pai Raiol e Lucinda, onde africanos e crioulos se tornaram protagonistas. Até então os escravos eram parte do cenário de romances, figuras ora transparentes, ora secundárias, perdidas na paisagem ou na casa grande. Em As vítimas-algozes, eles são testemunhos capazes de sensibilizar o leitor para a perversidade da escravidão. Macedo almejava investigar em profundidade “um mal enorme que afeia, infecciona, avilta, deturpa e corrói nossa sociedade”. A escravidão mostrava sua face nos vícios detestáveis, ódios e “ferozes instintos do escravo, inimigo natural e rancoroso do seu senhor”44. Para o escritor, eles nasciam homens, mas o cativeiro os tornava peste e fera. Em contraste, os senhores e seus familiares eram bondosos, vítimas dos escravos e da escravidão. Preservar a retidão dos caros leitores, sobretudo dos senhores escravistas, era indispensável para transmitir os ideais antiescravistas. Entende-se então o maniqueísmo tão explícito nessa obra de Macedo.

Antes de avançar na análise da hierarquia racial no romance, destacam-se as referências à África. O personagem Simeão é crioulo da raça pura africana. Seguindo Buffon e os neo-hipocráticos, Macedo asseverou que os aspectos físicos do crioulo foram “favoravelmente modificados pelo clima e pela influência do país...”45. A comparação entre Brasil e África torna-se recorrente no romance, pois o escravizado teve melhoramentos físicos por nascer no clima ameno da Terra da Santa Cruz. Aliás, Simeão escapara tanto do clima inóspito africano quanto da própria escravidão. Em seus modos, via-se um homem livre, sem a brutalidade comum à gente cativa. Não tinha mãos calejadas, pés esparramados, vestia-se com asseio e usava calçado. Sua fala trazia vícios de linguagem comuns à gente livre do campo. Enfim, sem o cativeiro, os ares do Brasil permitiam o aperfeiçoamento físico e civilizacional da raça africana. No entanto, entre os crioulos, a escravidão promovia sentimentos perversos, paixões desprezíveis: “estragado o crioulo que talvez houvesse nascido com felizes disposições naturais”46. Assim, Macedo defendia a monogenia e a teoria do clima como responsáveis pelo aperfeiçoamento das raças.

A referência à natureza (raça) dos africanos se torna objeto de interesse quando o romancista assevera que a disposição à maldade e ao ódio não se originava da raça. Esses homens, ao sair da África, se tornavam melhores, embora o cativeiro os aviltasse47. Vale destacar aí a incongruência: se a escravidão degrada o homem, o clima inóspito da África não poderia ser responsabilizado pelas mazelas. Em princípio, os africanos viviam livres em sua terra quando foram capturados e metidos em navios negreiros. Afinal, pergunta-se: o que provocava a degradação dos escravos, o clima da África ou a escravidão no Brasil? Por certo Macedo entendia que o mau comportamento dos escravos se originava tanto do clima africano quanto da escravidão, como fica evidente na memória de Burlamaque, embora o romancista repetisse ad nauseam que os males eram provocados pela escravidão.

Para Macedo, desse continente vinham feiticeiros e curandeiros, embusteiros como o personagem do Pai Raiol. No Rio de Janeiro, segundo o escritor, os africanos comandavam as “casas de tomar fortuna”, lesando a população com suas “extravagâncias e grosserias”. Para evitar roubos e mortes de “não poucos infelizes”, as autoridades públicas tentavam persegui-los sem muito sucesso, pois ainda chegavam africanos aos portos brasileiros. Esses males sobreviveriam “enquanto houver no Brasil escravos, e além da emancipação destes, a quem roubamos a liberdade, os restos e os vestígios da última geração escrava de quem hão de conservar muitos dos vícios aqueles que conviveram com ela em intimidade depravadora. O feitiço como a sífilis veio da África”48.

Para além da escravidão, assegurou Macedo, os males vieram da África. A “importação inqualificável” e forçada de homens assegurava a entrada no Brasil de costumes, “as crenças absurdas, as ideias falsas de uma religião extravagante, rudemente supersticiosa, e eivada de ridículos e estúpidos prejuízos”. Eles ainda corrompiam os costumes, a língua falada e a religião do povo. A crença nos feitiços era bem difusa entre a gente livre mais humilde. Eles adotavam e conservavam as fantasias mais pavorosas, as “superstições dos míseros africanos”. Reduzidos ao cativeiro, os negros africanos geravam malefícios para prejudicar a sociedade opressora, tornando-a aviltada e viciada. Africanizaram o quanto puderam todas as colônias e todos os lugares para onde foram arrastados. As sociedades escravistas, segundo Macedo, tornaram-se selvagens como os africanos49.

O racismo da obra macediana não atacou somente a cultura negra, investiu contra os índios e contra a mestiçagem cultural própria do Brasil. Na história do Pai Raiol, o escritor asseverou que pessoas livres e escravas se dirigiam à noite para casebres sinistros, onde procuravam a cura de feitiços ou os meios de provocar o mal de seus inimigos. Aí empregavam instrumentos grosseiros, semelhantes aos usados em “festas selvagens do índio do Brasil e do negro d’África”. Para tanto, recorriam a talismãs rústicos, “símbolos ridículos”, se vestiam como sacerdotes e sacerdotisas, munidos de penachos e adornos emblemáticos. Preparavam-se no fogo ou na velha e imunda mesa de beberagem desconhecida, isto é, de infusão de raízes enjoativas. Esses sacerdotes se rompiam em danças frenéticas, convulsões, contorções e danças do demônio. Somente depois, eles voltavam para anunciar a chegada do espírito, “deus do feitiço”. Iniciava-se então a cura dos doentes, mas o “bacanal” somente se completava com os tormentos das iniciações, concessão de remédios e “segredos de feitiçaria”. Aguardentes e delírios ativavam as chamas “infernais das imaginações depravadas, a luxúria infrene, feroz, torpíssima quase sempre desvergonhada se ostenta”50.

Os estereótipos ficaram mais evidentes quando o autor destacou a origem das crendices selvagens recorrentes no Brasil. Nas entrelinhas do romance, percebe-se que a escravidão não era a responsável pelas tradições religiosas heterodoxas. Os africanos e os indígenas potencializavam o poder dos feiticeiros: “e o escravo, que é feiticeiro, sabe matar”. Macedo gastou muita tinta para descrever os “malefícios” promovidos pelas tradições da África. Os comentários sobre a religiosidade popular antecedem a descrição do principal personagem desse romance, o Pai Raiol, negro africano de 30 a 36 anos, “um dos últimos importados da África pelo tráfico nefando”. O senhor Paulo Borges o escolheu entre vinte escravos, como salientou Macedo, eram vinte homens, míseras máquinas, uns eram a expressão da indiferença, “estupidez e imbecilidade” e outros apreensivos e melancólicos51.

A descrição do Pai Raiol sintetiza os estereótipos empregados pelo romancista. Sua descrição se remete às teorias de Lavater, Curvier e Gall, analisadas anteriormente. Ele era um homem baixo, e seu corpo era bem maior do que as pernas. A cabeça era grande, e os olhos apresentavam estrabismo duplo com magnetismo infernal. Para além dos caracteres anatômicos da raça, Pai Raiol ainda exibia na face cicatrizes vultuosas provocadas por sangrias (sarjadoras) durante a infância na África. Em suma, essa descrição se remete mais à origem africana do que aos males promovidos pela escravidão. Suas deformidades ora eram determinadas pela natureza, sobretudo quando mencionou a estatura e a proporção das partes corporais, ora pela tradição, como a escarificação comum entre várias etnias africanas.

Como os defensores da frenologia, Macedo defendeu que o corpo e a moral são indissociáveis. Pai Raiol possuía má reputação, pois fora comprado uma vez e revendido três vezes devido às desordens provocadas, aos roubos e suspeitas de envenenamento. Era temível pela audácia, força física, agilidade e presteza de movimentos nas lutas. Seus donos lhe impunham castigos severos, como a solidão e açoites do tronco. Macedo descreveu o escravizado com cores terríveis, capaz de envenenar seus senhores, provocar ulcerações por vezes mortais no estômago e intestino. Por fim, Pai Raiol se comunicava com as serpentes, andava pelos matos a procura de ervas, íntimo de plantas e animais. Assim, se afastava da civilização e era o rei das serpentes52.

Tio Alberto era o antagonista do feiticeiro. O maior contraste estava na forma física, pois era um escravo africano de 30 anos e de alta estatura. Com olhos grandes e brilhantes, dentes brancos e perfeitos, ele apresentava ainda largas espáduas, braços fortes e bem torneados, “era bonito para a sua raça, um Hércules negro em suma”. A amante do Pai Raiol tinha predileção pelo belo cativo, que a repudiava por causa do feiticeiro e pelo seu envolvimento com o senhor. A crioula Esmeria pedia ajuda ao Tio Alberto para conter as investidas e ameaças do feiticeiro, sobretudo após se concretizar seu envolvimento com o senhor. Embora fosse nobre e altivo, segundo o romancista, Alberto provara os venenos da escravidão como todo cativo, manchara as mãos com roubos, os lábios com mentiras, o coração com desenfreada luxúria e o estômago com o abuso de álcool. De suas qualidades naturais, pouco restava, pois cultivava o ódio aos senhores e a vingança contra os opositores53.

Alberto evitava entrar em confronto com o feiticeiro. Ainda que fosse o Hércules de ébano, “era negro sem educação, escravo e, portanto, homem condenado às misérias e aos vícios inerentes à baixa condição imposta pelo estrago e depravação de suas qualidades...”. Seus belos atributos não estavam completamente perdidos. Para Macedo, ele jamais atacaria seus oponentes de forma covarde, a usar da torpeza e infâmia para sagrar-se vitorioso. Assim, enfrentou e dominou Pai Raiol, “o negro malvado”. Após receber golpe no estômago, o feiticeiro emitiu um ronco que anunciava sua agonia. O Hércules levantou o corpo do moribundo e o atirou no fundo de pedregoso precipício54. Enfim, para neutralizar o feiticeiro, o romancista evitou castigos e golpes fatais proferidos pelo senhor. Recorreu a outro africano degradado pela escravidão. A bondade do senhor talvez fosse incapaz de punir de forma exemplar os desmandos do Pai Raiol.

Ao longo dos três romances, Macedo procurou distinguir entre os escravizados africanos e crioulos. Os últimos eram mais inteligentes e maliciosos. Quando desprezados e flagelados pelo trabalho árduo, os crioulos se tornavam inimigos ferozes. Procuravam, a todo custo, oportunidades para se vingar, quando ostentavam ferocidade e requintes de malvadeza. Por isso, o romancista procurou explorar como os crioulas e crioulos urdiam planos contra seus senhores. Agiam de forma inteligente e dissimulada, agradavam e demonstravam completa subserviência para depois desferir golpes certeiros. Assim Macedo os diferenciava: “O escravo africano mata o senhor, e se afasta do cadáver: o escravo crioulo antes de matar atormenta e ri das agonias do senhor, e depois de matar insulta e esquarteja o cadáver”55. O trecho demarca as atuações do africano Pai Raiol dos crioulos Simeão, Esméria e Lucinda. Enfim, Burlamaque e Macedo não eram apenas contra o cativeiro, eram sobretudo contra os escravos56.

Em seus escritos, africanos e crioulos, livres ou escravizados, eram incapazes de se inserir à nação, eram incapazes da redenção. Macedo ora defende o clima do Brasil como origem das características positivas do crioulo Simão, ora descreve as malezas da África como origem do barbarismo e assim minimiza os efeitos deletérios da escravidão. O personagem Pai Raiol demonstra a visão pessimista de Macedo, a incredulidade de civilizar os africanos. Embora nem sempre coerente, o romancista indica a fixidez das raças e se aproxima dos poligenistas.

4. Redenção da raça

Joaquim Manuel de Macedo era favorável à liberdade gradual dos cativos, à emancipação promovida pela lei do Ventre Livre, lei promulgada dois anos após a publicação de As vítimas-algozes. Conforme o escritor, a lei era alternativa mais factível, pois a emancipação imediata promoveria o “louco arrojo que poria em convulsão o país...”57. Promulgada em setembro de 1871, a lei do Ventre Livre não estabelecia somente a liberdade para as crianças nascidas de mãe escrava, mas também regulava a sua criação durante oito anos. Promovia a liberdade dos escravos do Estado, a emancipação realizada mediante fundos e pecúlios reunidos pelos próprios cativos. A lei também determinava a criação de uma matrícula geral de todos os escravos do Império. Para além do incentivo à abolição gradual, indicava o fim próximo da escravidão, indicava sobretudo os limites da autoridade do senhor sobre os pecúlios e tornava sumários os trâmites da alforria na Justiça58. No entanto, os opositores do projeto protestavam contra a liberdade dos filhos das escravas, pois a norma lesava o patrimônio.

Com o pseudônimo Erasmo, o escritor e político José de Alencar se posicionou francamente contrário à lei de 1871. Em cartas enviadas ao imperador Pedro II, datadas entre 1866 e 1868, Alencar defendeu abertamente o cativeiro como estratégia para civilizar os africanos: “De efeito, na história do progresso representa a escravidão o primeiro impulso do homem para a vida coletiva, o elo primitivo da comunhão entre os povos. O cativeiro foi embrião da sociedade; embrião da família no direito civil; embrião no direito público”. Ademais, sem escravos, a América permaneceria um vasto deserto, e as duas potências do Novo Mundo, os Estados Unidos e o Brasil, não teriam condições de se desenvolver59.

Por beneficiar a senhores e escravos, Alencar defendia a manutenção do cativeiro. Sustentava a suprema necessidade desse regime de trabalho e apontava para seu abrandamento devido ao “espírito de tolerância e generosidade” comum entre os brasileiros. Conforme seu argumento, a classe proprietária já havia reconhecido a injustiça absoluta desse domínio, e no Brasil não mais existia “a verdadeira escravidão”. Embora a lei ainda os considerasse “coisa”, os escravos eram tratados como homens segundo os costumes e a razão pública60. Em campanha contra os abolicionistas, sobretudo contra a lei do Ventre Livre, o político e escritor aconselhava o imperador a não intervir na escravidão, pois alteraria o processo em andamento, responsável por civilizar e integrar os escravizados à sociedade. Assim, a lei do Ventre Livre seria desastrosa. Para o político, a vagarosa transição entre o cativeiro e a liberdade produziria práticas salutares, capazes de adoçar o vínculo entre senhores e escravizados: “vai lentamente transformando-o em mera servidão, até que chega a uma espécie de orfandade. O domínio do senhor se reduz, então, a uma tutela benéfica”61. No entanto, não era esse o posicionamento de Alencar antes dessa conjuntura.

Em 1857, ele escreveu a peça O demônio familiar para contribuir com a dramaturgia nacional e com o debate sobre a escravidão. Nessa obra, o escritor abordou a escravidão sob a ótica senhorial, desvalorizando a crueldade contra os escravizados. Na peça, o escravo doméstico Pedro atordoava os senhores com mexericos e intrigas. Por ser escravo, era tratado como criança e perdoado por seus delitos e, assim, permanecia imune aos castigos. O senhor terminou por expulsá-lo da casa, lhe concedendo a liberdade como punição, pois desde então, como homem livre, seria responsável por seus atos. Para Flávio Aguiar, esse desfecho permite concluir que: “O senhor branco, ao dar liberdade para o escravo negro, liberta-se da condição de ser escravo do escravo”62. Os senhores eram vítimas da escravidão. Talvez essa peça tenha servido de inspiração para o romance de Macedo. Em 1860, na peça Mãe, Alencar abordou o cativeiro sob outro prisma. A protagonista, Joana, era mulata escravizada que preferiu morrer para não confirmar que era a mãe de seu senhor. Ao conceber uma heroína, Alencar indicava os possíveis mecanismos de inclusão de negros à nação. Para tanto, o autor recorreu ao branqueamento, pois o filho da mulata escravizada tornou-se senhor, considerado como isento da mancha do cativeiro. Assim, se no Demônio familiar o escravizado é expulso da família, em Mãe a tradição e a raça africana tendiam a desaparecer com a mestiçagem.

Durante debate da lei do Ventre Livre, José de Alencar, sob o pseudônimo Senio, publicou O tronco de Ipê (1871), onde explorou, em segundo plano, a vida harmoniosa entre senhores e escravos. A narrativa se passa na fazenda de Nossa Senhora do Boqueirão, às margens do rio Paraíba, e centra-se nos personagens Mario e Alice. O primeiro era neto do antigo proprietário da fazenda e a segunda, filha do proprietário. A trama do romance é secundária para a presente análise. Mais vale destacar os vínculos entre os protagonistas e os escravos. Defensor da escravidão, Alencar relata em detalhes a familiaridade entre escravos e senhores, sobretudo entre os protagonistas, na infância e na juventude, e os pajens e mucama. Mário considerava o escravo Benedito um pai. Aliás, por muitos anos, esse mesmo escravo serviu como pajem ao pai de Mário. Depois de seu falecimento, Mário e Benedito ficaram ainda mais próximos.

Logo no início do romance, o autor menciona a familiaridade que os unia: “E o bom preto expandia-se de júbilo, mostrando suas linhas de dentes alvos como jaspe. Ser motivo de alegria para esse menino que ele adorava, não podia ter maior satisfação a alma rude, mas delicada do africano”. Devido ao gênio laborioso, o Pai Benedito gozava de certa abastança. O reconhecimento de seu valor nada tinha “mescla de interesse; era puro gozo de saber-se lembrado e querido pelo menino”63. Chica era esposa de Pai Benedito e protetora de Alice, filha do proprietário da fazenda. A velha escrava tinha criado a mãe de Alice, e olhava para menina como se fosse a sua neta.

Depois de adulta, Alice passou a administrar a casa, sobretudo nas tarefas culinárias e no cuidado com as roupas e moradias dos escravos. Embora fosse a senhora, tratava os escravos com amabilidade e os integravam aos festejos da fazenda, particularmente nos preparativos da festa de Natal. Nesta data, os escravos participavam ativamente, faziam seus próprios folguedos. Assim, parte da tradição africana estava integrada ao cotidiano da fazenda do Boqueirão. Em O tronco de Ipê, Alencar evitou estereótipos racistas para descrever os escravizados. Nesse romance, talvez como forma de se contrapor ao abolicionismo racista de Macedo, os personagens negros são educados e integrados à família dos senhores. Nessa obra, a integração entre livres e escravizados seguiam em direção oposta à peça Demônio familiar e ao romance As vítimas-algozes.

Somente nas cartas de Erasmo, Alencar esclareceu seu entendimento sobre a hierarquia racial, pois explicitou a inferioridade da raça africana: “Para educar uma raça são necessárias duas coisas: grande capacidade e vigor do povo culto para emergir a massa bruta e insinuar-se por todos os poros: longo tempo para que se efetue essa operação lenta e difícil”. Em seguida, acrescenta que a raça africana estava em cativeiro há “apenas três séculos e meio” enquanto os europeus deixaram de ser bárbaros depois de muitos séculos. No Brasil e na África, a raça africana deveria ser submetida à escravidão: “Foi ela que preparou os precursores negros da liberdade africana”64.

Na mencionada carta, fica esclarecida a defesa do cativeiro como condição para conduzir os africanos à civilização. Estribado na ideia de progresso, Alencar acreditava que o convívio de europeus e africanos permitiria aos últimos avançar na evolução da humanidade. Inspirado pelas luzes e motivado pela preservação do cativeiro, Alencar talvez acreditasse, como Buffon, que o clima tórrido e a alimentação precária produziram a falta de civilidade e a negritude da pele. Se o homem era originalmente branco, as mudanças na cor da pele se originaram do meio hostil65. O romancista recorreu ao otimismo das luzes para prolongar a escravidão, concedendo aos seus leitores motivação científica para combater os abolicionistas. Nas cartas, não mais defendia a expulsão dos demônios familiares da sociedade branca.

Macedo e Alencar acreditavam no declínio eminente da escravidão. O primeiro indicava as dificuldades ou mesmo a impossibilidade de inserção dos libertos à sociedade, enquanto o segundo defendia a continuidade do cativeiro para viabilizar a metamorfose dos libertos e escravizados em homens morigerados. Nesse universo de análise, a principal distinção entre abolicionistas e escravistas encontra-se na contribuição dos escravizados para a construção da sociedade brasileira. Alencar considerava o cativeiro etapa fundamental para civilizar os africanos, mas não mencionou se os libertos seriam cidadãos como os demais. Os abolicionistas como Burlamaque e Macedo repudiavam o regime e, sobretudo, consideravam os escravizados como inimigos internos e incapazes de se integrar à nação.

Nessa conjuntura, o debate sobre o Ventre Livre tornou-se recorrente na imprensa e no legislativo. Para além de Macedo e Alencar, vale aqui analisar o livro do médico cearense, Adolfo Bezerra de Menezes, pois emprega com frequência a ideia de raça para dissertar sobre o destino dos escravizados. O médico era político no Rio de Janeiro, membro da Academia Imperial de Medicina e da Sociedade Geográfica de Lisboa66. Embora não mencione, ele usou os mesmos argumentos do deputado Andrada e Silva para defender a transformação do escravo em cidadão. Reconhecia que os cativos eram embrutecidos pela péssima educação e pela vida dura. Os escravos desconheciam a honra e a repressão moral, somente obedeciam sob violência física. Por isso, o médico defendia a educação doméstica como o mais firme alicerce de uma sociedade, responsável pela “redenção de uma raça inteira, condenada por seus irmãos a uma eterna degradação moral”. Na argumentação do médico, ainda ecoava o horror das guerras no Haiti e nos Estados Unidos. Os escravos eram “verdadeiros animais selvagens, dominados dos mais perigosos instintos”, potencialmente capazes de espalhar rebeliões de norte a sul do Império. Como os demais, Bezerra de Menezes não defendeu a abolição imediata do cativeiro, pois temia tanto o colapso da economia quanto a “desorganização moral e social”. A lei do Ventre Livre era a oportunidade de afastar as crianças do cativeiro e da degradação moral67.

Por volta de 1859, o poligenismo tornou-se a corrente dominante entre os “antropólogos físicos”, particularmente entre os antropólogos estadunidenses. Defendiam o caráter natural e biológico das raças, a hierarquia racial, o princípio da inevitabilidade e inalterabilidade das raças68. Essa corrente defendia que os negros, ou a raça africana, possuíam cérebro pequeno e estavam estagnados enquanto os brancos, intelectualmente superiores, seriam capazes se inserir no progresso e na civilização. A imutabilidade das raças se chocava com a ideia de educação, com a transformação dos seres humanos proporcionada pelas luzes. Nessa conjuntura, a incorporação dos negros à jovem nação brasileira tornou-se tema recorrente nas memórias e romances oitocentistas, embora as teorias raciais em voga afastassem os escravizados da civilização. Desde Andrada e Silva, o tema tornou-se polêmico.

A abolição do cativeiro deveria então se atentar não somente à liberdade, mas à inclusão de membros úteis e morigerados à sociedade. Conforme Bezerra de Menezes, a emancipação viabilizava bons prognósticos para “o presente e o futuro da raça escrava”, pois suspenderia o duplo anátema que “pesa, hoje, sobre o preto, tirando-o ao mesmo tempo da escravidão e da corrupção”69. Em sua análise, a educação era central no processo de liberdade, mas ela seria inviável caso as mães continuassem com seus filhos no cativeiro. As crianças logo seriam submetidas aos ensinamentos perversos da senzala e dos senhores. Bezerra de Menezes asseverava que a lei do Ventre Livre promovia a oportunidade de separar mãe e filhos, de separar os inocentes da perversidade do cativeiro, dos malefícios impostos aos escravizados. Se esses jovens retornassem à sociedade, seriam tratados como escravos, mesmo livres. Para contornar esse impasse, se formariam as “colônias nacionais”, financiadas pelo Estado, onde as crianças complementariam a sua educação moral e artística e viveriam com os demais beneficiados pela lei de 1871. Com esses procedimentos, a “regeneração da raça preta será completa”70.

Enfim, se em Burlamaque e Macedo a escravidão e a raça promoviam a degradação dos africanos, em Bezerra de Menezes fica evidente que a educação era capaz de reverter as morbidades promovidas “no tempo da escravidão”. A determinação da raça poderia ser mitigada pela educação. Enfim, Menezes e Alencar parecem defender a civilização dos negros. Para tanto, se respaldavam na teoria do clima e na monogenia como argumentos para prolongar a escravidão. Longe das guerras e do ambiente inóspito da África, os negros conviveriam com senhores civilizados, se tornariam morigerados e ganhariam a liberdade.

5. Conclusão

O debate sobre a inclusão ou exclusão de diferentes raças à nação não se vinculava somente às teorias monogenistas e poligenistas, mas também a diferentes projetos políticos. Na América hispânica, os políticos conservadores incluíam os negros e índios como parte da nação, embora não os considerassem iguais aos brancos. Os políticos liberais, porém, defendiam a homogeneidade racial como condição para formar a nação71. Essa evidência é perfeita para analisar os projetos de exclusão racial, de Burlamaque e Macedo, e de inclusão, de Alencar e Bezerra de Menezes. Para Alencar, o cativeiro era promotor da civilização dos africanos, responsável por integrá-los às sociedades modernas. Em seus escritos, a hierarquia racial estava baseada na ideia de progresso, e a escravidão era motor que conduzia a humanidade à civilização. Os brancos e os negros se submetiam ao mesmo processo educativo, ambas as raças apresentavam as mesmas condições para alcançar esse objetivo. Por essa razão, em princípio, Alencar defendeu a lenta incorporação dos negros à sociedade brasileira, como o Pai Benedito que recebeu a alforria em O tronco de Ipê. Alencar e Menezes contudo não mencionam se depois de integrados à sociedade, os mulatos e negros livres seriam cidadãos plenos.

A mesma sorte não tiveram o Pai Raiol, o crioulo Simeão e a mucama Lucinda: o primeiro morre ao ser jogado em precipício, o segundo é enforcado e a terceira termina presa em casa de correção. Macedo e Burlamaque não visualizaram a integração de escravos à sociedade. Talvez acreditassem na poligenia para explicar as diferentes raças, contestassem a origem única da humanidade e reforçassem a desigualdade entre brancos e negros, temas debatidos desde o século XVIII na Europa. Os últimos eram irreversivelmente inimigos dos primeiros, incapazes de se transformar pela educação. Possivelmente esse princípio explica a razão para Burlamaque propor a volta dos libertos à África e para Macedo não vislumbrar a metamorfose dos inimigos internos em homens morigerados, mas a morte física ou social.

As mencionadas teorias serviram tanto aos escravistas quanto aos antiescravistas, porque ambos defendiam a mesma hierarquia racial. Entre 1820 e 1870, os literatos brasileiros recorreram à ideia de raça para sustentar seus argumentos em favor ou contra a escravidão. Esses literatos não pretendiam denunciar os maus tratos, a violência dos castigos e a perversidade sexual dos senhores. Entre os cubanos, essa era a tônica das novelas, a descrição detalhada de castigos e a encenação do duro cativeiro rural: os novelistas pretendiam sensibilizar os leitores para a crueldade do regime escravista72. No Brasil, o cativeiro era representado na perspectiva senhorial. Os intelectuais eram homens livres e brancos que publicavam em jornais e livros e se dirigiam a um público livre e branco. Esses políticos e ilustrados concebiam as teorias raciais como prova científica de sua supremacia. Enfim, a ciência tanto legitimava os projetos de abolição do tráfico e do cativeiro e viabilizava o embranquecimento do Brasil, como também preservava os interesses de fazendeiros, ao prolongar por mais anos o cativeiro em nome da civilização.

Agradecimento:

Agradeço a leitura crítica de Karoline Carula.

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  • TODOROV, Tzvetan. Nós e os outros: a reflexão francesa sobre a diversidade humana. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993.
  • 3
    Vale mencionar os estudos de SKIDMORE, Thomas. Preto no branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976, p. 23; COSTA, Emília Viotti da. A abolição. São Paulo: Editora Unesp, 2009; CHALHOUB, Sidney. Visões da Liberdade: uma história das últimas décadas de escravidão na corte. São Paulo: Companhia das Letras, 1990; MATTOS. Hebe. Escravidão e cidadania no Brasil Monárquico. Rio de Janeiro: Zahar, 2000; PARRON, Tâmis. A política da escravidão no Império do Brasil, 1826-1865. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011; GRINBERG, Keila. A Black Jurist in a Slave Society: Antonio Pereira Rebouças and the Trials of Brazilian Citizenship. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2019.
  • 4
    MATTOS, Hebe. Slavery, Race, and the Construction of the Imperial Order. Oxford Research Encyclopedia of Latin American History, 17 dec. 2020.
  • 5
    “It is not essential to the concept of race that one group be considered superior to another. But if hierarchy is assumed we have passed beyond race or racialism per se and into the realm of racism as an ideology that uses a deep sense of difference to justify inequality of treatment”. FREDRICKSON, George M. Mullatoes and métis. Attitudes toward miscegenation in the United States and France since the seventeenth century. International Social Science Journal, n. 57, p. 103-112, 2005, p 104.
  • 6
    CURRAN, Andrew S. The Anatomy of Blackness: Science & Slavery in an Age of Enlightenment. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2011.
  • 7
    LARCHER, Silyane. L’égalité divisée: La race au coeur de la ségrégation juridique entre citoyens de la métropole et citoyens des “vieilles colonies” après 1848. Le mouvement social, n. 252, p. 137-158, 2015.
  • 8
    MATTOS, Hebe. Escravidão e cidadania no Brasil Monárquico, p. 46-47.
  • 9
    COSTA, Emília Viotti da. Op. Cit.; PARRON, Tâmis. Op. Cit.; CHALHOUB, Sidney. Op. Cit.
  • 10
    DUCHET, Michèle. Anthropologie et histoire au siècle des Lumières. Paris: Albin Michel, 1995, p. 229-280; TODOROV, Tzvetan. Nós e os outros: a reflexão francesa sobre a diversidade humana 1. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993, p. 111-121; DORON, Claude-Olivier. L’homme altéré: races et dégénérescence (XVIIe-XIXe siècles). Paris: Champ Vallon, 2016, p. 516-521.
  • 11
    STEPAN, Nancy. The Idea of Race in Science: Great Britain, 1800-1960. London: Macmillan, 1982, p. 1-19.
  • 12
    STOCKING JR., George W. Victorian Anthropology. London: Macmillan, 1987, p. 46-77; STEPAN, Op. Cit., p. 1-82; FREDRICKSON, Op. Cit.
  • 13
    MOREL, Marco. A revolução do Haiti e o Brasil escravista: o que não deve ser dito. Jundiaí: Paco, 2017, p. 222-245.
  • 14
    GRAHAM, Richard. Construindo uma nação no Brasil do século XIX. Diálogos, v. 5, p. 11-47, 2001; MATTOS, Ilmar R. de. O tempo saquarema: a formação do Estado imperial. São Paulo: Hucitec, 1990.
  • 15
    MOREL, Marco. As transformações dos espaços públicos: imprensa, atores políticos e sociabilidades na cidade imperial (1820-1840). 2 ed. Rio de Janeiro, Paço, 2016, p. 171-256.
  • 16
    SILVA, José Bonifácio de Andrada e. Representação à Assemblea Geral Constituinte e Legislativa do Imperio do Brasil. Paris: Typographia de Firmin-Didot, 1825, p. 6-24; SILVA, Ana Rosa Cloclet da. Construção da nação e escravidão no pensamento de José Bonifácio. Campinas: Editora da Unicamp/Fapesp, 1999, p. 199-207.
  • 17
    COMTE, Charles. Traité de législation. Paris: A. Sautelet et Cie, Librairies, 1827. Tomo 4, livro 5, p. 177.
  • 18
    Ibidem, p. 177, 11, 182 e 208.
  • 19
    BLACKE, Augusto V. A. Sacramento. Diccionario Bibliographico Brazileiro. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1883, v. 3, p. 160-163.
  • 20
    BURLAMAQUE, Frederico Leopoldo Cezar. Memoria analytica à cerca do commercio d´escravos e à cerca dos malles da escravidão domestica. Rio de Janeiro: Typographia Commercial Fluminense, 1837, p. III-VI.
  • 21
    Ibidem, p. VII.
  • 22
    Ibidem, p. 19.
  • 23
    FRANCO, Francisco Soares. Ensaio sobre os Melhoramentos de Portugal e do Brazil. Lisboa: Imprensa Nacional, 1821, Quarto caderno, p. 5.
  • 24
    Ibidem, Quarto caderno, p. 1-15.
  • 25
    STEPAN, Op. Cit., p. 1-19; STOCKING JR., Op. Cit., p. 46-77.
  • 26
    BURLAMAQUE, Op. cit., p. 20-22.
  • 27
    Ibidem, p. 10-11.
  • 28
    Ibidem, p. 85.
  • 29
    STEPAN, Op. Cit., p. 14 e 28.
  • 30
    BURLAMAQUE, Op. Cit., p. 87.
  • 31
    BURLAMAQUE, F. L. C. Op. Cit., p. 95.
  • 32
    GRINBERG, Op. Cit., p 41-57.
  • 33
    MACEDO, Joaquim Manuel de. As victimas-algozes: quadro da escravidão. Rio de Janeiro: Livraria Garnier, 1869. 2 tomos.
  • 34
    SÜSSEKIND, Flora. Papéis colados. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2002, p. 134-137.
  • 35
    COSTA, Op Cit., p. 13-50; RAMINELLI, Ronald. Reformadores da escravidão; Brasil e Cuba c. 1790 e 1840, Varia Historia, vol. 37, n. 73, p. 119-154, 2021.
  • 36
    MACEDO, Op. Cit., v. 1, p. 73.
  • 37
    Ibidem, v. 1, p. 17.
  • 38
    Ibidem, v. 1, p. 18.
  • 39
    CHALHOUB, Op. Cit.; AZEVEDO, Célia M. Marinho de. Onda negra, medo branco: o negro no imaginário das elites do século XIX. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
  • 40
    MACEDO, Op. Cit., v. 1, p. XI.
  • 41
    Ibidem, v. 1, p. XII.
  • 42
    CHALHOUB, Op. Cit., p. 150-159.
  • 43
    MACEDO, Op. Cit., v. 1, p. 25.
  • 44
    Ibidem, v. 1, p. VI e XIV.
  • 45
    Ibidem, v. 1, p. 17.
  • 46
    Ibidem, v. 1, p. 32.
  • 47
    Ibidem, v. 1, p. 25.
  • 48
    Ibidem, v. 1, p. 148-149.
  • 49
    Ibidem, v. 1, p. 151-153.
  • 50
    Ibidem, v. 1, p. 154-155.
  • 51
    Ibidem, v. 1, p. 164 e 170.
  • 52
    Ibidem, v. 1, p. 171-186.
  • 53
    Ibidem, v. 1, p. 276 e 280-282.
  • 54
    Ibidem, v. 1, p. 276, 283 e 328-239.
  • 55
    Ibidem, v. 1, p. 122.
  • 56
    HABERLY, David T. Abolitionism in Brazil: anti-slavery and anti-slave. Luso-Brazilian Review, v. 9, n. 2, p. 30-46, 1972.
  • 57
    MACEDO, Op. Cit., v. 1, p. XII.
  • 58
    CHALHOUB, Op. Cit., p. 150-159.
  • 59
    ALENCAR, José de. Cartas de Erasmo. Organização de José Murilo de Carvalho. Rio de Janeiro: ABL, 2009, p. 284-285 e 289.
  • 60
    Ibidem, p. 308-309.
  • 61
    Ibidem, p. 328.
  • 62
    PRADO, Décio Almeida. Os Demônios Familiares de Alencar. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, n. 15, p. 27-57, 1974; AGUIAR, Flávio. A comédia nacional no teatro de José de Alencar. São Paulo: Ática, 1984, p. 74.
  • 63
    SENIO. O tronco de ipê. Rio de Janeiro: Garnier, 1871, v.1, p. 55-57.
  • 64
    ALENCAR, Op. Cit., p. 310-311.
  • 65
    DUCHET, Op. Cit., p. 229-280.
  • 66
    BLACKE, Op. Cit., v. 1, p. 8.
  • 67
    MENEZES, Adolfo Bezerra de. A escravidão no Brasil e as medidas que convem tomar para extinguil-a sem damno para a nação. Rio de Janeiro: Typ. Progresso, 1869, p. 12, 15 e 17.
  • 68
    STOCKING JR., Op. Cit., p. 110-132.
  • 69
    MENEZES, Op. Cit., p. 18.
  • 70
    Ibidem, p. 25.
  • 71
    APPELBAUM, Nancy, MACPHERSON, Anne S. e ROSEMBLATT, Karin Alejandra. Racial Nations. In: APPLEBAUM, Nancy, MACPHERSON, Anne S. e ROSEMBLATT, Karin Alejandra. (ed.) Race and nation in modern Latin America. Chapel Hill: The University of North Caroline Press, 2003, p. 1-31.
  • 72
    LUIS, William. Literary bondage: slavery in Cuban narrative. Austin: University of Texas Press, 1990, p. 27-119.
  • Fomento: CNPq, Faperj e The David Rockefeller Center for Latin American Studies - Harvard University.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    29 Jun 2022
  • Aceito
    12 Jan 2023
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