Resumo
A crença de que a saúde do corpo estava intimamente atrelada às virtudes da alma fez-se premissa entre clérigos, religiosos, moralistas - e também entre médicos -, razão pela qual tratar os males da carne a partir de medicamentos para o espírito não foi incomum na América Portuguesa ao longo do período colonial, especialmente no século XVIII. Dos muitos “remédios” que poderiam ser aplicados àqueles corpos doentes e às almas pecaminosas, o recurso aos santos salta aos olhos como o mais eficaz, e obras como a Botica preciosa, e thesouro precioso da Lapa, escrita pelo missionário paulista Ângelo de Siqueira (1707-1776) e publicada em 1756, passam a ser cada vez mais usuais. Neste estudo, serão perscrutados os escritos produzidos por uma série de letrados católicos que, ao instruir os fiéis, prescreviam, a exemplo de Siqueira, as melhores formas de conservar ou reestabelecer, ao mesmo tempo, a saúde do espírito e do corpo.
Palavras-chave:
Devoção; medicina; Brasil colonial
Abstract:
The belief that bodily health was closely tied to the virtues of the soul was a shared topic among clerics, religious, moralists - also among physicians -, which was why treating the ills of the flesh from the medicines for the spirit was not uncommon in Portuguese America throughout the colonial period, especially in the 18th century. Among the many “remedies” that could be applied to those sick bodies and sinful souls, claiming for the help of the saints can be highlighted as the most effective strategy, and books such as the Botica preciosa e thesouro precioso da Lapa, written by the missionary Ângelo de Siqueira (1707-1776) and published in 1756, became more and more usual. This study will examine the writings produced by a series of Catholic scholars who, in instructing the devotee, prescribed, as Siqueira, the best ways to preserve or re-establish the health of spirit and body.
Keywords:
Devotion; medicine; colonial Brazil
E que dirão em um caso destes os filósofos e os críticos que avaliam por encarecimento as doutrinas dos pregadores, se não concordam com as suas físicas e com os seus discursos? Dirão que o pecado é uma entidade moral que não pode produzir efeito físico em nossos corpos, e menos pode nas nossas almas manchar a natural pureza ou escurecer a claridade que tem pela nobreza de seu espírito.5 5 PINA, Mateus da Encarnação. Cinco Sermoens nas Tardes das cinco Domingas da Quaresma, Prégados no Mosteiro de S. Bento do Rio de Janeiro. Anno de 1738. Sermão IX. Na tarde da Primeira Dominga da Quaresma. In: PINA, Mateus da Encarnação. Viridario Euangelico, em que as flores da virtude se illustram com discursos Moraes, e os fructos da Santidade se exornão com Panegyricos, em varios Sermoens. Lisboa: Officina de Francisco da Silva, 1747. pt. 3, p. 332.
As críticas do frei Mateus da Encarnação Pina (1687-?), pregadas no Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro em 1738 e registradas em um de seus Cinco Sermoens nas tardes das cinco domingas da quaresma, referem-se a um tema que encontrou solo fértil na literatura do Brasil colonial: a relação, tida por ele e tantos outros como indissociável, entre os males do espírito e os males do corpo. Ali, fora ele assertivo nos juízos feitos sobre os que colocavam tal vínculo em dúvida ou que creditavam às ciências do homem toda a possibilidade de saber e remediar os achaques, defendendo que apenas nos ensinamentos divinos constariam as respostas para resguardar ou reestabelecer o corpo do indivíduo e da comunidade. Dizia, ainda:
Mas guardem eles as suas doutrinas tão cheias de presunção, como vazias de verdade, que o conhecimento do pecado e dos seus efeitos não pertence às filosofias naturais, só se acha nas escrituras divinas: e o que nos ensinam estas é que a fealdade de um pecado basta para afear não só o corpo e a alma de quem o contraiu, mas também o mundo todo; porque nele se cometeu.6 6 PINA, Mateus da Encarnação. Loc. Cit.
Nessa perspectiva, o tratamento das doenças só seria completo se a alma fosse, também, considerada, tratada, “medicada” e remediada. Pautados pela crença de que o corpo são abrigava uma alma livre de pecados e redimida - e mais, que a correta intervenção no corpo espiritual poderia sanar as doenças físicas -, diversos homens, maiormente clérigos e religiosos7 7 Não é demais ressaltar que a questão encontrou significativo espaço, também, entre os médicos da época. Cf. ABREU, Jean Luiz Neves. Prédicas para a alma e o corpo: algumas questões para a compreensão da doença no contexto luso-brasileiro do século XVIII. Revista Brasileira de História & Ciências Sociais, Porto Alegre, v. 9, n. 17, p 119-137, jan./jun. 2017. , empunharam suas penas para prescrever os melhores medicamentos e atitudes para curar os males do corpo a partir de intervenções espirituais. Por isso, a recomendação de remédios para a alma, que identificariam e emendariam os pecados, como defendera o frei Pina, não foi incomum na América Portuguesa ao longo do período colonial, especialmente no século XVIII.
Orações, novenas, suplícios: muitos eram os remédios que poderiam ser aplicados àqueles corpos doentes e às almas pecaminosas. É nesse escopo que obras como a Botica preciosa, e thesouro Precioso da Lapa, escrita pelo missionário paulista Ângelo de Siqueira, e publicada em 1756, por exemplo, vêm a lume. Ali, Siqueira, a partir da devoção à Nossa Senhora da Lapa, propunha como tratar dos achaques, escrutinava suas causas e prescrevia a melhor forma de apartá-los, crente na efetividade das devoções aos santos para a plena recuperação dos doentes. O objetivo do presente artigo, nesse sentido, é tratar da prática dessa “medicina do ânimo” ou “medicina da alma”, localizar a produção de obras e a disseminação desses preceitos e, especificamente, apresentar e discutir o livro de Siqueira como uma das muitas manifestações escritas dessa concepção que se caracteriza, ao mesmo tempo, como médica e teológica.
De partida, vale destacar que a reflexão, ao mobilizar escritos de cunho edificante ou moralizante, considera que tais textos constituíram, delinearam e conformaram importantes parâmetros das ações dos homens da época, e procura compreender sob que condições seria possível utilizar esses registros como instrumentos de decodificação daquela sociedade. A noção de adoecimento presente nas concepções de “medicina da alma” ou “do ânimo” - recorrente entre religiosos, clérigos e moralistas - não é tomada como um conceito estável ou atemporal, portanto aplicável, tampouco como uma ideia de um grupo específico, letrado, e apartada de seus “receptores”, mas, antes, como noções passíveis de serem desmontadas, reagrupadas, relacionadas e, finalmente, organizadas pelos parâmetros dados por aqueles homens. Ao considerar a descrição de como esses indivíduos construíram e registraram a sua realidade, forjaram e edificaram os seus valores, estabeleceram seus hábitos, desenvolveram e definiram a sua moral8 8 Essas proposições estão afinadas com o que tem sido discutido e produzido no âmbito do grupo “Escritos sobre os novos mundos: uma história da construção de valores morais em língua portuguesa”, em projeto temático homônimo financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) (Processo 13/14786-6). Para mais, ver: https://www.grupoescritos.com/. , procuraremos compreender o papel da devoção na cura dos achaques. Serão, pois, explorados, neste estudo, os escritos produzidos por uma série de letrados católicos que, ao instruir os fiéis, prescreviam, a exemplo de Siqueira, as melhores formas de conservar ou reestabelecer, ao mesmo tempo, a saúde do espírito e do corpo.
1. Um clima fértil e vicioso
O jesuíta Simão de Vasconcelos (1597-1671), reitor dos colégios da Bahia e do Rio de Janeiro e procurador da Companhia de Jesus, afirmou, em sua Crônica da Companhia de Jesus, escrita na primeira metade do Seiscentos e publicada no ano de 1663 pela oficina lisboeta de Henrique Valente, que a origem das doenças humanas estava intimamente relacionada à narrativa da “Queda”, presente no livro bíblico do Gênesis. Segundo Vasconcelos, o paraíso terreno, habitado por Adão e Eva, caracterizava-se pela perfeita qualidade do clima, fator que possibilitava o adequado equilíbrio dos humores9 9 Em linhas muito gerais, a teoria humoral, também conhecida como teoria hipocrática ou galênica, pregava ser a vida saudável o equilíbrio entre quatro humores: sangue, fleuma, bílis amarela e bílis negra, procedentes, respectivamente, do coração, sistema respiratório, fígado e baço. As doenças, nesse sentido, dar-se-iam pelo desequilíbrio dos humores - falta, excesso ou corrupção de algum ou algumas de suas porções -, pelo que a terapêutica seria administrar elementos (remédios, água, alimentos) ou retirar os que estariam em demasia (através, sobretudo, de purgas e/ou sangrias). Essa explicação para a saúde e a doença angariou adeptos e direcionou as ideias de doença, tratamento e cura com vigor até pelo menos meados do século XVIII (NUTTON, Vivian. Humoralism. In: BYNUN, William F.; PORTER, Roy. Companion encyclopedia of the history of medicine. London: Routledge, 1997. p. 281-291). e a saúde corporal dos primeiros pais. A partir, no entanto, do cometimento do pecado original e da consequente expulsão do paraíso, os climas tornaram-se doentios e todos os seres humanos passíveis de inúmeras moléstias. Todavia, o religioso estava convicto de que havia alguns lugares no mundo onde o clima não havia decaído totalmente, e esse era o caso do Brasil.
Ao exaltar e enumerar as diversas qualidades e virtudes dos ares e frutos do Novo Mundo e narrar os feitos heroicos dos inacianos no combate dos vícios dos “gentios” e dos portugueses nos primeiros tempos de colonização, o intuito de Vasconcelos era comprovar para seus companheiros de ordem que, nos trópicos, seria possível levar a cabo uma vida sã, de corpo e de alma. Para ele, estava clara a dependência de fatores externos para a manutenção da saúde e da felicidade dos homens, tais como a qualidade do clima que, no Brasil, possibilitava o “temperamento proporcionado” de seus humores, mas que só encontraria plenitude através da observação dos valores morais e doutrinais da Igreja Católica, com uma vida reta e livre de pecados, valores esses que os jesuítas estavam empenhados em difundir na colônia10 10 VASCONCELOS, Simão de. Chronica da Companhia de Jesu do Estado do Brasil e do que obraram seus filhos n’esta parte do Novo Mundo. Lisboa: Casa do Editor A. J. Fernandes Lopes, 1845, p. X-CXXXIX. .
Tal interpretação teológica da teoria humoral foi recorrente11 11 CAIRUS, Henrique. Os limites do sagrado na nosologia hipocrática. 1999. 175f. Tese (Doutorado em Letras Clássicas, Língua e Literatura Grega) - Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1999. nos escritos produzidos por padres, moralistas e religiosos das mais diversas ordens, mas, sobretudo, entre os jesuítas, homens que tiveram grande impacto na formação doutrinal e moral daqueles que viveram nos trópicos durante os séculos XVII e XVIII. Diversos foram os sermões, os livros de devoção, os manuais de confessores, as crônicas e os livros de moral produzidos pelos religiosos jesuítas, carmelitas, franciscanos e beneditinos, bem como por padres e moralistas formados nos colégios ou seminários da colônia12 12 Os jesuítas, franciscanos, beneditinos e carmelitas foram os membros das principais ordens religiosas que atuaram no Brasil colônia. Eles estabeleceram seus primeiros conventos e suas instituições de ensino já no século XVI, a começar pelos religiosos da Companhia de Jesus, os primeiros a oferecerem ensino gratuito e sistematizado aos colonos religiosos ou leigos dos trópicos. Desde o momento em que aportaram no Novo Mundo, em 1549, os jesuítas dedicaram-se à escrita de cartas para seus companheiros de ordem e, posteriormente, escreveram crônicas, sermões, elogios, livros de moral e devoção. As demais ordens religiosas fixaram-se no Brasil em finais do século XVI, e começaram a ter papel relevante na produção escrita da colônia em meados do século XVII e ao longo do século XVIII. A respeito dos padres e moralistas, é possível identificar o grande papel desses letrados no século XVIII, quando os seminários clericais e episcopais do Brasil se desenvolvem, assim como os conventos das ordens religiosas atuantes na colônia, locais em que esses homens eram formados. Cf. HOORNAERT, Eduardo; AZZI, Riolando; BRENO BROD, Klaus Van Der (org.). História da Igreja no Brasil: ensaio de interpretação a partir do povo. Primeira Época. Petrópolis: Editora Vozes, 1983; RUBERT, Arlindo. A Igreja no Brasil. Rio Grande do Sul: Pallotti, 1991-1993. 4 v.; RODRIGUES, Ana Maria Moog. Moralistas do século XVIII. Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica, 1979. , que propalaram a assertiva de que os achaques eram fruto dos vícios e pecados do gênero humano e, no caso específico do Brasil, das más condutas de seus habitantes.
É o que se lê, por exemplo, em um dos sermões pregados na Bahia de finais do Seiscentos pelo irmão do célebre poeta Gregório de Matos (1636-1696), o carmelita Eusébio de Matos (1629-1692), no Sermam sexto, prégado em a terceira dominga da quaresma. Dizia o religioso para aquele público, constituído provavelmente por nobres, plebeus, escravos e libertos - como era corriqueiro na ocasião daquela santa quarentena -, que o pecado, como qualquer outra enfermidade grave, deveria ser tratado com agilidade e cuidado, caso contrário, a alma e o corpo do pecador estariam comprometidos por toda a eternidade à morte e ao inferno. “Que coisa é o pecado senão enfermidade da alma?”, indagava o religioso13 13 MATOS, Eusébio de. Sermam sexto, Prégado em a terceira Dominga da Quaresma. In: MATOS, Eusébio de. Sermoes do Padre Eusébio de Mattos. Lisboa: Officina de Miguel Deslandes, 1694, p. 137. . O intuito de Matos, como de outros pregadores que atuavam nos diversos púlpitos espalhados pelo Brasil colônia, era fazer dos habitantes daquela terra, homens e mulheres, verdadeiramente católicos, aptos a viverem e morrerem virtuosamente, isto é, de acordo com os ditames do reino e da fé católica professada no Império Português. Contudo, foram inúmeras as dificuldades que religiosos e clérigos enfrentaram para corrigir os costumes dos habitantes do Brasil, a começar pelas distâncias percorridas nas missões e pregações, os percalços para administrarem os sacramentos, a carestia de recursos para a celebração adequada do culto divino em localidades afastadas das cidades e, sobretudo, a falta de comprometimento dos fiéis católicos, uma das maiores frustrações dos eclesiásticos.
E não foram poucos os pecadores que residiram na cabeça do Estado do Brasil14 14 A Bahia foi o centro de poder político e cultural do Brasil Colônia até meados do século XVIII, quando o foco muda para o Sudeste, nomeadamente, para o Rio de Janeiro. Cf. SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Bahia, a corte da América. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2010. , segundo apontam os escritos edificantes daquele tempo15 15 Os religiosos, clérigos e moralistas da colônia denominavam “escritos edificantes” todos aqueles livros que tratavam sobre questões religiosas e morais, tais como os sermões, os livros de devoção, os livros de moral, as biografias devotas, os manuais para boa morte, as crônicas religiosas, os elogios, entre outros registros que foram produzidos ao longo do período colonial. Na visão dos letrados e religiosos, essa literatura edificante era considerada como o tipo de saber mais útil existente no mundo, pois ele estimulava a prática das virtudes cristãs e o aperfeiçoamento da alma dos fiéis católicos. Para mais informações sobre os documentos levantados e analisados para a elaboração do presente estudo, conferir o acervo denominado “Livros, sermões e outros impressos escritos em português e publicados nos séculos XVI, XVII e XVIII”, do banco de dados do grupo de pesquisa “Escritos sobre os novos mundos: uma história da construção de valores morais em língua portuguesa” (GRUPO ESCRITOS SOBRE OS NOVOS MUNDOS. Acervo Digital. Franca: Grupo Escritos, 2018. Disponível em: https://www.grupoescritos.com/colecoes. Acesso em: 27 dez. 2018). . Vaidosos no trato da aparência, soberbos no procedimento, preguiçosos nos trabalhos manual e espiritual, luxuriosos por viverem amancebados com escravas e escravos, irados em razão dos inúmeros maus-tratos que dispensavam aos cativos, aos filhos, entre outros subordinados: essas eram, pois, algumas das práticas pecaminosas das quais os homens e as mulheres baianos foram frequentemente acusados por religiosos, clérigos e moralistas da colônia.
Na capitania de Pernambuco, o quadro não era muito diferente, de acordo com os registros do religioso capucho Antônio do Rosário (1647-1704), impressos em Lisboa, em finais do século XVII e limiar do XVIII16 16 ROSÁRIO, Antônio do. Carta de Marear: delineada pelo R. P. Mestre Fr. Antonio do Rosário, filho da Capucha de Santo Antonio do Brasil, & missionario no dito Estado, &c.: dirigida ao senhor D. Francisco de Sousa, Fidalgo da Casa de Sua Magestade, Cavalleyro professo, & Commendador da Ordem de Christo, & Coronel da Cavallaria de Pernambuco. Lisboa: Officina de Antonio Pedrozo Galrão, 1698; Idem. Feyra mystica de Lisboa: armada em hua trezena do divino portuguez, Santo Antonio, offerecida à soberana magestade da Senhora do Rosário Pelo illustrissimo, & reverendissimo senhor Dom Mathias de Figueyredo e Mello, bispo, & governador de Pernambuco, & do Conselho de S. Magestade. Lisboa: Officina de João Galrão, 1691; Idem. Frutas do Brasil: numa nova, e ascética Monarchia, consagrada a santissima Senhora do Rosário. Lisboa: Officina de Antônio Pedrozo Galram, 1702; Idem. Sortes de S. Antônio: celebradas em huma trezena historica, moral, e panegyrica que o senhor Cayetano e Castro, do Conselho de Sua Magestade, commendador da Ordem de Christo, governador, e capitão general de Pernambuco e mais capitanias annexas. Lisboa: Officina de Miguel Manescal da Costa, 1701. . Alertava o religioso sobre a frequência com que os habitantes de toda a costa do Brasil, e particularmente os pernambucanos, praticavam o pecado da vaidade. Lá havia muitos negociantes que enganavam a si e aos seus clientes com mercadorias e contratos, e esqueciam de tratar do negócio que, na visão daquele religioso, era o mais fundamental, a salvação da alma. Os clientes, por sua vez, alimentavam a vaidade com “alimentos para a sensualidade”, nomeadamente os “curiosos vestidos tão profanos e ventosos”, que serviam como adornos para o corpo e ocasião para a prática dos pecados da carne17 17 ROSÁRIO, Antônio do. Feyra mystica de Lisboa. Op. Cit., p. 16. . Os religiosos e clérigos também foram rechaçados por Rosário pela vaidade, pois muitos deles faziam de suas mortalhas e cilícios, gala, “da pobreza, riqueza, da aspereza, regalo, da penitência, melindre e do céu, século”18 18 Ibidem, p. 27. . Os pecados e os pecadores teriam se tornado tão corriqueiros que Rosário precisou recorrer a Santo Antônio, padroeiro dos portugueses e um dos santos mais cultuados no Brasil. Em verdadeiro colóquio estabelecido com o santo, rogava o capucho:
como cidade e procurador destas miseráveis cidades tão oprimidas e castigadas do céu por pecados, e dos homens por ambição, como santo para todos e para tudo, procurai a luz, e procurai o sal, procurai o remédio para as almas e para os corpos, que de tudo necessita hoje o miserável e enfermo Brasil.19 19 Ibidem, p. 188-189.
As reprimendas difundidas sobre pecados dos colonos tornaram-se ainda mais graves ao longo do século XVIII, momento em que houve maior desenvolvimento da estrutura eclesiástica no Brasil, o acréscimo do número de clérigos e religiosos, assim como de fiéis leigos, e a maior diversificação dos lugares e ocasiões de culto e devoção a Deus e aos santos. Neste mesmo período, a descoberta do ouro e, posteriormente, das pedras preciosas nos sertões motivaram o fluxo de aventureiros de diferentes cores, condições e estados, em busca de melhores condições de vida nas Minas Gerais20 20 BOXER, Charles Ralph. A idade de ouro do Brasil: dores de crescimento de uma sociedade colonial. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1963, p. 49-54; MAXWELL, Kenneth. A devassa da devassa: a Inconfidência Mineira: Brasil-Portugal 1750-1808. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977, p. 109. . A falta de fixidez nas habitações e o fluxo constante de gentes e coisas passam a dar o tom da vida naquelas paragens21 21 FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Almeida; CAMPOS, Maria Verônica (org.). Códice Costa Matoso: coleção das notícias dos primeiros descobrimentos das minas na América que fez o doutor Caetano da Costa Matoso sendo ouvidor-geral das do Ouro Preto, de que tomou posse em fevereiro de 1749, & vários papéis. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1999, p. 437. . Para muitos eclesiásticos e moralistas do Setecentos, no entanto, essa mobilidade foi encarada como desordeira, pecaminosa e causa de muitos dos males que os habitantes daquela região ou os transeuntes sofriam22 22 Entre os principais registros sobre os pecados dos mineiros, destacamos dois escritos publicados no século XVIII: ANTONIL, André João de. Cultura e opulência no Brasil por suas drogas e minas: com varias noticias curiosas do modo de fazer o assucar; plantar, e beneficiar o tabaco, tirar Ouro das Minas, e descobrir as da Prata. Lisboa: Oficina Real Deslandesiana, 1711; LIMA, José de Araújo. Sermão que na quarta dominga da quaresma expoz em a cathedral de Mariana nas Minas do Ouro anno de 1748. Lisboa: Officina dos Herd. de Antonio Pedrozo Galram, 1749. .
Entre os críticos da movimentação para as Minas, o moralista Nuno Marques Pereira (1652-1728?) foi, sem dúvidas, o mais ferrenho. No Compêndio narrativo do peregrino da América, um best-seller moral da colônia23 23 FRANÇA, Jean Marcel Carvalho. O Rio de Janeiro em língua portuguesa (1576-1808), 2018, p. 22-23. No prelo. [manuscrito fornecido pelo autor]. , Pereira narra a trajetória de um peregrino que sai da Bahia e caminha até as recém-colonizadas “Minas do Ouro de São Paulo” em busca da salvação de sua alma. Durante as andanças, o peregrino deparou-se com as mais diversas gentes e costumes: colonos senhores de engenho, religiosos ou clérigos, colonas recolhidas ou matronas, escravos e escravas, mulatos e mulatas. Enfim, pessoas de diferentes condições e estados, algumas delas, fiéis aos preceitos da fé católica, outras nem tanto. Contudo, o peregrino buscava aprender com as virtudes e os pecados de todos, já que este seria o caminho mais certo para a remissão das suas faltas.
Logo no início de sua jornada, o peregrino encontrou-se com um ancião em frente a uma igreja localizada na Bahia, templo em que realizava suas orações cotidianas. Um de seus primeiros diálogos morais estabelecidos com a personagem foi, justamente, sobre a quantidade de pecadores que viajavam rumo àquelas Minas do Ouro. O peregrino mostrava-se extremamente perplexo e preocupado com a soberba e o interesse por riquezas que moviam os moradores do Estado do Brasil; assim, decidiu alertar o ancião sobre os problemas ocasionados pela busca dos bens terrenos:
[…] reparai e notai com atenção. Ide a Pernambuco, passai ao Rio de Janeiro, subi a São Paulo, entrai nesta cidade, correi essas vilas e seus recôncavos; vereis em quantos têm a soberba e os interesses feito notáveis destroços. A uns, arrimar bastões; a outros, largar ginetas; a muitos, encostar bengalas; a alguns, deixar alabardas e fugirem muitos soldados, despejar engenhos, desamparar fazendas. E se perguntares a essas ruínas quem lhes causou tão lastimosos estragos, vos responderão em ecos essas arruinadas paredes e medonhas fornalhas dos engenhos: que tudo lhes procedeu da soberba e demasiada ambição.24 24 PEREIRA, Nuno Marques. Compendio narrativo do peregrino da America: em que se tratam vários discursos espirituais, e Moraes, com muitas advertencias, e documentos contra os abusos, que se achão introduzidos pela malicia diabolica no Estado do Brasil. Lisboa: Offic. de Antonio Vicente da Silva, 1760, p. 18.
A ambição por enriquecer facilmente, identificada pelo moralista em todos os tipos sociais que se deslocavam para os sertões, era ainda mais explícita nos paulistas. Foi o que também notou e anotou o padre jesuíta Manoel da Fonseca (1703-1772), em sua Vida do venerável padre Belchior de Pontes, uma biografia devota de meados do século XVIII, que tinha como propósito contar os principais feitos virtuosos e santos do jesuíta paulista Belchior de Pontes, conhecido, na época, pela fama de milagreiro e profeta. Foi quando realizou uma de suas profecias, o anúncio do “primeiro levantamento que houve nas Minas Gerais” ou Guerra dos Emboabas (1707-1709), como então ficou conhecida, que o padre teve provas concretas do enorme desejo por riquezas e superfluidades dos paulistas. Conta-nos Fonseca que o padre previra a calamidade, e logo prontificou-se a avisar seus conterrâneos aventureiros para não seguirem viagem à região. Contudo, Antônio Furtado Pontes não deu ouvidos às suas palavras, deixando a ambição pelas superfluidades terrenas o consumir, e como castigo padeceu “grandes trabalhos com o levantamento que houve nesse tempo”25 25 FONSECA, Manoel da. Vida do veneravel padre Belchior de Pontes, da Companhia de Jesus da Provincia do Brasil. Lisboa: Officina de Francisco da Silva, 1752, p. 201. .
As guerras, as fomes, os terremotos e as tempestades foram, sob o prisma dos religiosos, algumas das principais consequências dos pecados praticados pelos colonos nos trópicos. Contudo, de acordo com os escritos edificantes do Seiscentos e, sobretudo, do Setecentos, as pestes e moléstias constituíram os principais meios pelos quais Deus procurou alertar os homens e as mulheres do Estado do Brasil sobre os danos e perigos das doenças do ânimo, isto é, dos pecados, para seus corpos e almas. Vejamos, a seguir, as razões que levaram clérigos, religiosos e moralistas da época a definirem os pecados como doenças da alma, e como esses homens de fé procuraram tratar esses achaques.
2. A medicina da alma e o combate ao pecado
A partir, pois, de meados do século XVII e, principalmente, ao longo do XVIII - quando a colônia tornou-se cada vez mais populosa e heterogênea, e os centros urbanos aglomerados e focos irradiadores de inúmeras doenças26 26 Sobre a composição social do Brasil nos séculos XVII e XVIII e o problema da difusão de doenças nos centros urbanos, cf. BOXER, Charles Ralph. Op. Cit.; RUSSEL-WOOD, John. Fidalgos e filantropos: a Santa Casa da Misericórdia da Bahia, 1550-1755. Brasília, DF: Editora UnB, 1981; RIBEIRO, Márcia Moisés. A ciência dos trópicos: a arte médica no Brasil do século XVIII. São Paulo: Hucitec, 1997. -, os escritos de clérigos e moralistas, agora mais numerosos e incisivos, deixaram de lado a exaltação do clima do Brasil e passaram, cada vez mais, a condenar os pecados de colonos e escravos “de Guiné”, principais alvos de suas prédicas, pois eram concebidos como os motivadores dos males nos trópicos e, portanto, necessitados do pasto espiritual para reforma de seus costumes. Pautados no pressuposto de que atuavam como médicos de almas - já que eram concebidos pela Igreja pós-tridentina27 27 O Concílio de Trento (1545-1564) representa importante marco na história das reformas institucionais e religiosas da Igreja Católica. Os propósitos principais do concílio eram garantir a unidade da Igreja e a difusão da fé católica mediante, sobretudo, a reafirmação dos dogmas do catolicismo frente às ameaças protestantes e heréticas; a reforma do clero; e a renovação das ordens religiosas e da vida religiosa e moral dos fiéis. A ênfase no papel salvífico dos sacramentos; a preocupação com a formação do clero; a renovação institucional e religiosa das ordens, sobretudo mendicantes; a criação de outras, como a Companhia de Jesus; a consideração dos membros do estado eclesiástico como os principais representantes de Deus e difusores da palavra divina na terra; a valorização de práticas religiosas ou devocionais, como do uso das imagens sagradas e da devoção aos santos; e a reforma das condutas dos fiéis, por meio da interiorização da ética cristã, compõem algumas das principais medidas suscitadas por Trento e que vigoraram na Igreja Católica pós-tridentina. No entanto, a difusão e adesão das normas conciliares e das práticas religiosas e morais tridentinas não ocorreram de forma instantânea e homogênea no Velho Mundo, nomeadamente, em Portugal. No Brasil, a despeito de vigorarem as Constituições extravagantes do Arcebispado de Lisboa (1565), é possível conjecturar que a difusão e a adesão das normas conciliares foram ainda mais lentas e precárias, e sempre de acordo com as possibilidades do padroado régio e as condições geográficas, materiais, institucionais e morais da colônia. É importante recordar que o Brasil começava a ser efetivamente colonizado durante as reuniões conciliares (1545-1563) e a confirmação do decreto tridentino em Roma (1564). Além disso, a imensidão do território; a inexistência de estrutura eclesiástica consistente; os poucos bispados e a vacância deles certamente dificultaram o processo de implementação. A segunda metade do século XVII e o decorrer do século XVIII constituem momentos em que é possível identificar com mais recorrência a difusão de normas, de práticas religiosas e de valores morais tridentinos nos trópicos. O desenvolvimento da malha diocesana e paroquial; a criação de seminários e a organização do primeiro sínodo nas terras de cá, promovido pelo arcebispo D. Sebastião Monteiro da Vide (1642-1722), do qual resultaram as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia (1719), compreendem algumas das principais implementações institucionais e normativas tridentinas adaptadas à realidade local. Todavia, diversas práticas religiosas, regras e guias de condutas já se faziam presentes, principalmente nas pregações e escritos edificantes produzidos por clérigos e religiosos que atuaram no Brasil colonial. As Constituições representam, pois, verdadeira síntese dessas normas e desses valores, entre outros, considerados indispensáveis ou dispensáveis à vida religiosa e moral da Igreja pós-tridentina e da comunidade de fiéis do Brasil. Sobre essa questão, conferir, sobretudo: DELUMEAU, Jean. De la prerreforma al Concilio de Trento. In: __ DELUMEAU, Jean. El catolicismo de Lutero a Voltaire. Barcelona: Labor, 1973, p. 3-27; VAINFAS, Ronaldo. A contrarreforma e o além-mar. In: VAINFAS, Ronaldo. Trópico dos pecados: moral, sexualidade e Inquisição no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997, p. 19-43; FERNANDES, Maria de Lurdes Correia. Da reforma da Igreja à reforma dos cristãos: reformas, pastoral e espiritualidade. In: AZEVEDO, Carlos Moreira (dir.). História religiosa de Portugal. Lisboa: Círculo de Leitores, 2000, v. 2, p. 15-47; MARQUES, João Francisco; GOUVEIA, Antônio Camões. Rituais e manifestações de culto. In: AZEVEDO, Carlos Moreira (dir.). Op. Cit., p. 517-601; PAIVA, José Pedro. A recepção e aplicação do Concílio de Trento em Portugal: novos problemas, novas perspectivas. In: PAIVA, José Pedro; GOUVEIA, Antônio Camões; BARBOSA, David Sampaio (coord.). O Concílio de Trento em Portugal e nas suas conquistas: novos olhares. Lisboa: Centro de Estudos de História Religiosa, 2014, p. 13-40; FEITLER, Bruno. Quando Trento chegou ao Brasil? In: PAIVA, José Pedro; GOUVEIA, Antônio Camões; BARBOSA, David Sampaio (coord.). Op. Cit., p. 157-174; SOUZA, Evergton Sales de. A construção de uma cristandade tridentina na América portuguesa (séculos XVI-XVII). In: PAIVA, José Pedro; GOUVEIA, Antônio Camões; BARBOSA, David Sampaio (coord.). Op. Cit., p. 175-196; LAGE, Lana. As constituições da Bahia e a Reforma Tridentina do Clero no Brasil. In: FEITLER, Bruno; SOUZA, Evergton Sales de. A Igreja no Brasil: normas e práticas durante a vigência das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. São Paulo: Editora Unifesp, 2011, p. 147-177; PALOMO, Federico. Como se fossem seus curas: os jesuítas e as missões rurais na América portuguesa. In: FEITLER, Bruno; SOUZA, Evergton Sales de. Op. Cit., p. 231-266. como intermediários da palavra de Deus na terra28 28 Cf. MENDES, Margarida Vieira. A oratória barroca de Vieira. Lisboa: Caminho, 1989; PÉCORA, Alcir. Teatro do Sacramento: a unidade teológico-retórico-política dos sermões de Antônio Vieira. São Paulo: Edusp, 1994; MASSIMI, Marina. Palavras, almas e corpos no Brasil colonial. São Paulo: Loyola, 2005. -, esses homens acreditavam e divulgavam nos púlpitos e livros pios que o cuidado dos colonos e escravos com a salvação era, em última instância, o caminho mais eficaz para combater os males que afligissem seus corpos.
As Constituições primeiras do Arcebispado da Bahia, elaboradas como regra e modelo para o funcionamento do aparelho religioso e da sociedade católica a que aspirava seu autor, o arcebispo D. Sebastião Monteiro da Vide (1643-1722), não somente reiteravam essa prerrogativa como apresentavam as diretrizes primevas para a cura dos indivíduos, de corpo e de alma. A legislação, num trabalho inédito de adaptação das normas eclesiásticas à realidade local de uma diocese baiana29 29 Para alguns estudos específicos sobre as Constituições, cf. FEITLER, Bruno; SOUSA, Evergton Sales. A Igreja no Brasil: normas e práticas durante a vigência das Constituições primeiras do arcebispado da Bahia. São Paulo: Editora Unifesp, 2011. , dava as seguintes indicações sobre essa matéria:
Como muitas vezes a enfermidade do corpo procede estar a alma enferma com o pecado, (como se prova das palavras que Cristo nosso Senhor disse ao paralítico) conformando-nos com a disposição do direito, e Constituição do Papa o Santo Pio V, mandamos a todos os médicos e cirurgiões, e ainda barbeiros que curam os enfermos nas freguesias, onde não há médicos, sob pena de cinco cruzados para obras pias e meirinhos geral, e das mais penas de direito, que indo visitar algum enfermo (não sendo a doença leve) antes que lhe apliquem medicinas para o corpo, tratem primeiro da medicina da alma, admoestando a todos a que logo se confessem, declarando-lhes que se assim o não fizerem, os não podem visitar e curar, por lhes estar proibido por direito, e por esta Constituição: de tal sorte que entendam que esta admoestação se lhes faz por bem da saúde da alma e do corpo; e no segundo dia os tornam a admoestar; e se ao terceiro lhes não constar que estão confessando, os não visitem mais sob as mesmas penas.30 30 VIDE, Sebastião Monteiro da. Constituiçoens primeyras do Arcebispado da Bahia: feytas, & ordenadas pelo illustrissimo, e reverendissimo senhor D. Sebastião Monteyro da Vide, Arcebispo do dito Arcebispado, & do Conselho de Sua Magestade, propostas, e aceytas em sinodo diecesano que o dito Senhor celebrou em 12 de junho do anno de 1707. Lisboa: Officina de Pascoal da Sylva, 1719, p. 74.
Em poucas palavras, na perspectiva do arcebispo - e, portanto, para todos aqueles que deveriam seguir suas indicações -, mesmo os profissionais que tinham como prerrogativa e dever remediar as doenças de forma oficial, licenciada, deveriam respeitar a primazia do tratamento da alma ou, de forma mais específica, deveriam considerar que o corpo só poderia estar, permanecer ou tornar-se saudável se abrigasse uma alma sã. A ação dos doutores, nesse sentido e como registrou um deles, Brás Luís de Abreu (1692-1756), dava-se à semelhança do próprio filho de Deus: “Cristo nosso bem, também foi o verdadeiro médico, que nos livrou de todo o mal […] ele curou leprosos, paralíticos, lunáticos, licantrópicos, cegos, mudos, surdos, febricitantes, hidrópicos e tísicos”31 31 ABREU, Brás Luis de. Portugal médico, ou monarquia médica lusitana: história, prática, simbólica, ética e política: fundada e compreendida no dilatado âmbito dos dois mundos criados, macrocosmo e microcosmo. Coimbra: Officina de Joam Antunes, 1726, p. 243. . E se aos médicos, pois, cabia observar o estado das almas para obrar sobre os corpos32 32 Não foi incomum, entre os doutores luso-brasileiros dos séculos XVII e XVIII, atribuir causas espirituais e/ou sobrenaturais às doenças e epidemias, razão pela qual muitos deles recomendavam assistir as almas e a emenda dos pecados e ações como o primeiro remédio. Cf. RIBEIRO, Márcia Moisés. Op. Cit., p. 89-108; NOGUEIRA, André Luís Lima. Entre cirurgiões, tambores e ervas: calundezeiros e curadores ilegais em ação nas Minas Gerais (século XVIII). Rio de Janeiro: Garamond, 2016, p. 58-63; BETHENCOURT, Francisco. O imaginário da magia: feiticeiras, adivinhos e curandeiros em Portugal do século XVI. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p. 131-141. , aos religiosos e moralistas não se escusava a tarefa de dar conta de um povo “mole, doente e frouxo”33 33 MACHADO, Roberto; LOUREIRO, Ângela; LUZ, Rogério; MURICY, Kátia. Danação da norma: a medicina social e constituição da psiquiatria no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1978, p. 106. . Isso poderia se dar, grosso modo, de duas formas: a primeira, a partir da ação direta dos padres sobre os doentes, uma “medicina do corpo” exercida pelos religiosos; a segunda, pela própria concepção do que a doença era, na aplicação de uma “medicina da alma”.
Embora não seja o mote desta reflexão abordar com minúcia o primeiro dos aspectos, cumpre apenas sublinhar que a atividade dos padres como médicos e, sobretudo, enfermeiros e boticários34 34 Registrando, inclusive, suas experiências curativas em receituários. Cf. COLLEÇÃO de várias receitas e segredos particulares das principaes boticas da nossa Companhia de Portugal, da Índia, de Macao e do Brazil. Roma: [s. n.], 1766. v. 17; FORMULARIO médico: manuscrito atribuído aos jesuítas e encontrado em uma arca da Igreja de São Francisco de Curitiba. Curitiba: [s. n.], 1703. Biblioteca de Manguinhos (Fundação Oswaldo Cruz - Fiocruz), Seção de Obras Raras. Apenas para citar os livros conhecidos que se referem ao Brasil. , foi comum no Brasil35 35 Cf., entre outros: ALDEN, Dauril. The making of an enterprise: the Society of Jesus in Portugal, its empire, and beyond, 1540-1750. Stanford: Stanford University Press, 1996; O’MALLEY, John William (ed.). The Jesuits: cultures, sciences, and the arts, 1540-1773. Toronto: University of Toronto Press, 2000; MAIA, Patrícia Albano. Práticas terapêuticas jesuíticas no Império colonial português: medicamentos e boticas no século XVIII. 2012. 241 f. Tese (Doutorado em História) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012. e em outros domínios lusos, como Macau e Goa36 36 AMARO, Ana Maria. Influência da farmacopéia chinesa no receituário das boticas da Companhia de Jesus. Revista de Cultura, Macau, v. 30, p. 53-68, 1997. , e também nas partes da Hispano-América37 37 FLECK, Eliane Cristina Deckmann. A Companhia de Jesus e artes de curar na América platina setecentista: uma análise de manuscritos jesuíticos inéditos. Revista de Estudos de Cultura, São Cristóvão, n. 5, p. 119-136, 2016; Idem. A medicina da conversão: apropriação e circulação de saberes e práticas de cura (Província Jesuítica do Paraguay, século XVIII). Revista de Estudios Marítimos y Sociales, [s. l.], n. 11, p. 34-80, 2017; Idem. As artes de curar em um manuscrito jesuítico inédito do Setecentos: um estudo do Paraguay natural ilustrado do padre José Sanchez Labrador (1771-1776). São Leopoldo: Oikos: Editora Unisinos, 2015; Idem. Entre a caridade e a ciência: a prática missionária e científica da Companhia de Jesus (América platina, séculos XVII e XVIII). São Leopoldo: Oikos: Editora Unisinos, 2015; Idem. Para além da medicina da alma: a atuação de missionários jesuítas nas artes de curar (América platina, séculos XVII e XVIII). Anuário do Centro de Estudos de História do Atlântico, Funchal, v. 7, p. 1-28, 2015; FLECK, Eliane Cristina Deckmann; OBERMEIER, Franz. O libro de medicina, cirugía e botica: um manuscrito anônimo de matéria médica rioplatense da primeira metade do século XVIII. Antíteses, Londrina, v. 11, n. 21, p. 132-156, 2018. . Os jesuítas, em particular, obtiveram destaque no tratamento de toda a sorte de doenças de gentios, colonos e escravizados, estabelecendo hospitais, enfermarias38 38 LEITE, Serafim. Serviços de saúde da Companhia de Jesus no Brasil (1549-1760). Brotéria, Lisboa, v. 4, n. 4, p. 386-403, 1952. e boticas39 39 LEITE, Bruno Martins Boto. Verdes que em vosso tempo se mostrou. Das boticas jesuíticas da Província do Brasil, séculos XVII-XVIII. In: KURY; Lorelai (org.). Usos e circulação de plantas no Brasil, séculos XVI-XIX. Rio de Janeiro: Andrea Jakobsson Estúdio, 2013. p. 52-93. em reduções e missões, em centros urbanos e em comunidades mais distantes dos litorais. Curar os males corporais, dos comezinhos aos mais complexos, ao passo que atenuava as dores e salvava os doentes da morte, aproximava os religiosos daquelas populações e dava cores mais vivas - e necessárias - aos atos missionários; a edificação pia, a conversão e o tratamento da carne andavam, nesse sentido, muito atrelados, em complemento, e caracterizaram as práticas de assistência da ordem entre os luso-brasileiros e asiáticos.
Em relação às acepções das doenças, nomeadamente suas causas, esses letrados católicos - religiosos, moralistas, mas também doutores - tinham muito a dizer. Elas poderiam ter origem espiritual, no desvio das condutas, ou, ainda, poderiam ser um sinal dos céus para a remissão de comportamentos execráveis, uma espécie de oportunidade dada por Deus para a salvação das almas por um flagelo do corpo. Era amplamente disseminada, por exemplo, a ideia de que as “paixões da alma” reverberavam nos corpos como pústulas, como feridas; que os pecados “da lascívia e frouxidão moral”40 40 SCHWARTZ, Stuart. A América Latina no período colonial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. p. 230. dos habitadores dos trópicos convertiam-se em manifestações pestilenciais individuais ou coletivas. A título de ilustração, e para dimensionarmos o alcance e a interrelação entre as prédicas dos padres41 41 A ideia de que religião e ciência trilharam caminhos totalmente divergentes na modernidade, inclusive a de que as práticas religiosas teriam se dado de forma refratária às cientificas - o que as colocaria em uma posição de total divergência -, tem sido alvo de críticas por uma série de estudiosos há pelo menos três décadas. Nesses estudos, são observados os avanços que a matemática, a astronomia, a física, a farmácia e a história natural puderam alcançar justamente pela atuação de religiosos, com destaque para aqueles pertencentes à Companhia de Jesus, em áreas tidas como “técnicas”. Cf., entre outros, BARTHET, Bernard. Science, histoire et thématiques ésotériques chez les Jésuites en France (1680-1764). Bordeaux: Presses Universitaires de Bordeaux, 2012; PRIETO, Andrés. Missionary scientists: Jesuit science in Spanish South America, 1570-1810. Nashville: Vanderbilt University Press, 2011; ROMANO, Antonella. La contre-reforme mathématique: constitution et diffusion d’une culture mathématique jésuite à la Renaissance (1540-1640). Rome: École Française de Rome, 1999; FLECK, Eliane Cristina Deckmann Fleck. Entre a caridade e a ciência…., Op. Cit., 2004; MELGAREJO, Angélica O. Contribución a la medicina natural: Pohã Ñana, um Manuscrito inédito en Guaraní (Paraguay, S. XVIII). Corpus: Archivos Virtuales de la Alteridad Americana, [s. l.], v. 4, n. 2, p. 1-15, 2014; RABIN, Sheila J. Early modern jesuit science. A historiographical Essay. Journal of Jesuit Studies, Leiden, v. 1, n. 1, p. 88-104, 2014; HELLYER, Marcus. Catholic physics: Jesuit natural philosophy in early modern Germany. Notre Dame: University of Notre Dame Press, 2005; UDÍAS, Augustín. Searching the Heavens and the Earth: The History of Jesuit Observatories. Dordrecht: Kluwer Academic, 2003. e os escritos “técnicos”, que a priori vislumbrariam a morbidez sob outros parâmetros, observemos a descrição de um exame narrado por João Pedro Xavier do Monte (17??-1788), que além de médico e autor da importante O homem medico de si mesmo (1760), narrou A egidea, ou historia da portentosa vida do grande penintente S. Fr. Gil, portuguez (1788). Ele conta que um douto, ao realizar uma espécie de avaliação no corpo já cadavérico de uma mulher, encontrou o seguinte quadro:
[…] a veia espermática esquerda extremamente dilatada com a veia cava naquele lugar entre as ilícitas mui estreita. Não se refere o autor da observação se esta mulher fora na vida tão luxuriosa como mostrava esta conformação. Acusamos temerariamente de viciosos aqueles que não podem corrigir-se da frequência dos atos luxuriosos, da bebedice, de jogar as cartas e furtar. São estes vícios enfermidades, na verdade, do ânimo e que têm a sua origem na conformação e nos humores do corpo. Nestes casos pertence ao teólogo decretar a consciência e instruir como se pode alcançar a graça divina para curar aquele ânimo e aos legisladores retê-lo pelo medo e pelo terror dos castigos públicos, mas ao médico pertence ou curar o corpo ou induzir outra enfermidade que produza paixões diferentes.42 42 MONTE, João Pedro Xavier do. O homem medico de si mesmo: ou sciencia, e arte nova de conservar cada hum a si próprio a saúde e destruir a sua doença. Lisboa: Officina de Antonio Vicente Silva, 1760, p. 18.
Num entendimento mais amplo e com marcada inclinação religiosa, porém, a cura de qualquer doença, as do ânimo e as da carne, seria um livramento divino. De acordo com o Peregrino da América, “Se Deus porventura livrou o homem das doenças é para que esse pudesse melhor lhe servir, razão pela qual o cristão deveria fazer bom uso de sua saúde”43 43 PEREIRA, Nuno Marques. Compêndio narrativo do Peregrino da América. Rio de Janeiro: ABL, 1939, v. 1. p. 231. . A dissociação das esferas secular e sagrada é, aqui, senão impossível, bastante difícil de ser empreendida - pelo menos até o avançar do Setecentos, aliás44 44 No contexto luso-brasileiro, uma separação mais clara das esferas religiosa e científica, e, portanto, na esfera médica, não será vislumbrada até a escritura e disseminação das críticas ao sistema de ensino até então monopolizado pelos jesuítas. Para esse assunto, ver, entre outros: CARNEIRO, Ana; SIMÕES, Ana. DIOGO; Maria Paula, Enlightenment Science in Portugal: The estrangeirados and their communication networks. Social Studies of Science, v. 30, n. 4, p.591-619, 2000. p.74.; CARNEIRO, Henrique. A Igreja, a medicina e o amor: prédicas moralistas da época moderna em Portugal e no Brasil. São Paulo: Xamã, 2000. .
Por fim, entre as muitas definições de “doença”, ou melhor, entre as causas usuais para a manifestação corpórea de um mal, ser ela uma espécie de penitência para a emenda moral dos fiéis figurava ordinário. Desta feita, afirmações como as do já citado Nuno Marques Pereira, de que “a virtude da alma se aperfeiçoa com a enfermidade do corpo”45 45 PEREIRA, Nuno Marques. Compêndio narrativo do Peregrino da América, Op. Cit., p. 318. , ou de que o livramento da doença seria sinal de uma espécie de segunda chance ao homem, que deveria voltar-se ao serviço a Deus e fazer, deste modo, bom uso de sua saúde46 46 Ibidem, p. 231. , não surpreendem. A doença, que poderia ser uma forma de alcançar a santidade do corpo, conseguiria ser tratada com as ferramentas espirituais - ou as mais corporais pelas mãos de religiosos, como o fizeram, especialmente, os jesuítas47 47 Cf., entre outros: GESTEIRA, Heloísa Meireles. A cura do corpo e a conversão da alma: conhecimento da natureza e conquista da América, séculos XVI e XVII. Topoi, Rio de Janeiro, v. 5, n. 8, p. 71-95, jan./jun. 2004; MAIA, Patrícia Albano. Op. Cit.; AMARO, Ana Maria. Op. Cit.; JARNAGIN, Laura. Portuguese and Luso-Asian legacies in Southeast Asia, 1511-2011: the Making of the Luso-Asian World: intricacies of engagement. Singapore: ISEAS: Yusof Ishak Institute, 2011; MARQUES, Vera Regina Beltrão. Natureza em boiões: medicinas e boticários no Brasil setecentista. Campinas: Editora Unicamp, 1999. -, e sua cura tinha o potencial de ganhar as cores de edificação religiosa, valorizando-se os feitos dos missionários.
Nesse sentido, foram diversos os meios ou “remédios” fornecidos por esses clérigos e moralistas aos habitantes do Brasil para a remissão de suas almas e cura de seus achaques, tais como o comparecimento às missas e pregações, os exercícios espirituais, as mortificações, as orações vocais e mentais, as confissões; em poucas palavras, práticas devotas que definiam o bom católico e estimulavam o exercício das virtudes cristãs. Entre os remédios propostos nos escritos religiosos da época, a devoção aos santos católicos teve um lugar fundamental.
3. Santos para tudo e para todos
Presentes na vida de colonos a escravos diariamente - na hora do parto, no nome de batismo, nos apelidos das embarcações que os transportavam de Portugal ou da África com destino à América, nos inúmeros oratórios, capelas e igrejas que encontravam pelas ruas da colônia ou anexados às casas-grandes, nos santuários destinados às peregrinações, nos relicários e altares, nas devoções das irmandades, nos aparatos e imagens que acompanhavam as cerimônias litúrgicas, nas festividades e cerimônias públicas, e na hora da morte, quando suas imagens e invocações envolviam os moribundos -, os santos, homens e mulheres considerados como verdadeiros heróis, intercessores da graça divina e imbuídos de poderes miraculosos, não poderiam se ausentar, do mesmo modo, do momento da doença48 48 Cf. FREYRE, Gilberto. Casa-grande e senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. São Paulo: Global, 2006; MOTT, Luiz. Cotidiano e vivência religiosa: entre a capela e o calundu. In: SOUZA, Laura de Mello e (org.). História da vida privada no brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. v. 1, p. 155-220; VAIFAS, Ronaldo; SOUZA, Juliana Beatriz de. Brasil de todos os santos. Rio de Janeiro: Zahar, 2002. .
E não foram poucos os fiéis, leigos ou religiosos, da colônia que recorreram a esse auxílio sobrenatural quando enfrentavam suas moléstias. Mesmo quando tinham condições de recorrer aos médicos e cirurgiões, os santos sempre faziam-se presentes no cotidiano dos fiéis, fosse intercedendo pela saúde do doente através das mãos daqueles que tinham como profissão ou arte o cuidado dos corpos, fosse nas diversas imagens dispostas junto ao convalescente ou mesmo em presença física, como muitos devotos acreditavam e registravam em seus ex-votos - os quadrinhos encomendados e pintados à mão, muito populares nas Minas Gerais e em São Paulo dos séculos XVIII e XIX, e que representavam a promessa feita pelos fiéis e o milagre realizado pelos santos49 49 SCARANO, Julita. Fé e milagre: ex-votos pintados em madeira, séculos XVIII e XIX. São Paulo: Edusp, 2004. . Na verdade, a devoção a homens e mulheres que tinham a prerrogativa de interceder junto a Deus pela saúde dos fieis acabava difundida, inclusive, pelos “médicos do corpo”, a exemplo de João Ferreira da Rosa que, em seu Tratado único da constituição pestilencial de Pernambuco (1694ROSA, Joao Ferreira da. Tratado unico da constituicao pestilencial de Pernambuco: oferecido a El Rey N. S. por ser servido ordenar por seu governador aos medicos da America, que assistem aonde ha este contagio, que o compusessem para se conferirem pelos Corifeus da Medicina aos ditames com que he tratada esta pestilencial febre. Lisboa: Oficina de Miguel Menescal, 1694.), ao descrever os melhores tratamentos para conter a epidemia da bicha - supostamente a febre amarela - que grassou Pernambuco entre 1685 e 1692, recomendava o seguinte:
Seja fervorosa com a reforma em nós a intercessão da Santíssima Virgem Maria Mãe de Deus para com a Divina Majestade; e invoquemos também todos os Santos, e particularmente a São Sebastião e São Roque que são Advogados da peste; fazendo todas estas deprecações com jejuns, procissões e outros atos devotos […].50 50 ROSA, João Ferreira da. Tratado único da Constituição pestilencial de Pernambuco: oferecido a El Rey N. S. por ser servido ordenar por seu Governador aos Médicos da América, que assistem aonde há este contagio, que o compusessem para se conferirem pelos Corifeus da Medicina aos ditames com que he tratada esta pestilencial febre. Lisboa: Oficina de Miguel Menescal, Impressor do Príncipe Nosso Senhor, 1694, p. 58.
A devoção aos santos era tão popular na colônia que alguns tipos sociais que dominaram aquela sociedade poderiam fazer preces aos advogados que possuíam sua mesma cor ou ofício. Brancos, pretos e pardos, todos eles frequentavam irmandades devotadas a um santo específico51 51 Sobre o papel das irmandades de brancos, pretos e pardos no Brasil colônia, conferir: RUSSEL-WOOD, John. Op. Cit.; BOSCHI, Caio César. Os leigos e o poder: irmandades leigas e política colonizadora em Minas Gerais. São Paulo: Ática, 1986; SCARANO, Julita. Devoção e escravidão: a irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos no Distrito Diamantino no século XVIII. São Paulo: Editora Nacional, 1978; SOARES, Mariza de Carvalho. Devotos da cor: identidade étnica, religiosidade e escravidão no Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000; QUINTÃO, Antônia Aparecida. Lá vem meu parente: as irmandades de pretos e partos no Rio de Janeiro e em Pernambuco (século XVIII). São Paulo: Annablume, 2002. ou oravam em seus aposentos, nas igrejas ou nos oratórios, à Santa Bárbara, à Nossa Senhora do Rosário, a São Benedito, a Santo Elesbão, à Santa Efigênia, a São Gonçalo Garcia, entre outros santos brancos, pretos e pardos da colônia52 52 Alguns dos principais estudos sobre os santos cultuados na colônia são: MOTT, Luiz. Rosa egipcíaca: uma santa africana no Brasil. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1993; VAIFAS, Ronaldo; SOUZA; Juliana Beatriz de. Brasil de todos os santos. Rio de Janeiro: Zahar, 2002; OLIVEIRA, Anderson José Machado de. Devoção negra: santos pretos e catequese no Brasil colonial. Rio de Janeiro: Editora Quartet, 2008. . Outros, como aqueles que foram classificados pelo franciscano Antônio do Rosário como circunscritos ao estado do povo, poderiam cultuar santos que exerceram ofícios ou atividades semelhantes às deles nos trópicos: Jesus Cristo, São José e São Jacobo de Boêmia para os carpinteiros, torneiros, marceneiros e serradores; São Próculo para os pedreiros; São Dustano para os ferreiros, caldeiros, serralheiros, latoeiros, cuteleiros e espadeiros; Santo Elígio para os ourives do ouro e prata; São Crispim para os sapateiros; São Áquilas para os correeiros; São Gualfundo para os celeiros; São João de Deus para os livreiros; São Isidoro e São Maurício para os lavradores e hortelões; São Aroldo, São Partênio, São Alderico e São Henrique para os vaqueiros, carniceiros, pescadores e marinheiros; São Homobono para os alfaiates; São Francisco para os mercadores; São Cosme e Damião para os médicos, cirurgiões e boticários53 53 ROSÁRIO, Antônio do. Frutas do Brasil… Op. Cit., p. 144-157. .
Contudo, não eram todos aqueles que possuíam fama de milagreiros que deveriam ser denominados como santos54 54 MOTT, Luiz. Santos e santas no Brasil colonial. Varia História, Belo Horizonte, n. 13, p. 44-66, jun. 1994. , por isso a necessidade de difundir entre os fiéis da colônia os modos adequados de cultuar, solicitar a intercessão e agradecer o auxílio do coro divino constituído por santos e santas reconhecidos pela Igreja Católica. Entre os meios mais eficazes para a divulgação dos milagres e para a indicação dos modos como os fiéis deveriam proceder para com os seus advogados, sem incorrerem em pecados ou delitos55 55 Nas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, código normativo da Igreja que guiou a vida religiosa e moral da colônia a partir de 1719, há um título específico do livro primeiro dedicado ao culto devido às relíquias e imagens dos santos, e outro do livro quinto que aborda o crime do sacrilégio e suas devidas penas. Cf. VIDE, Sebastião Monteiro da. Op. Cit. , a escrita e difusão impressa de livros de devoção ou pios, escritos por religiosos e clérigos que atuaram nos trópicos, era, pois, fundamental.
Os livros considerados de devoção ou pios constituíam-se de novenas, vidas de santos, manuais para a boa morte, exercícios espirituais, obras místicas, entre outras produções escritas em prosa, de cunho edificante, elaboradas em formato pequeno, para que pudessem ser transportados e manipulados facilmente pelos fiéis, e que tinham como objetivo difundir práticas de devoção para um público amplo, que poderia ser leigo ou religioso, letrado ou não56 56 ALGRANTI, Leila Mezan. Livros de devoção, atos de censura: ensaios de história do livro e da leitura na América portuguesa (1750-1821). São Paulo: Hucitec: Fapesp, 2004, p. 209; ARAÚJO, Ana Cristina. A morte em Lisboa: atitudes e representações (1700-1830). Lisboa: Notícias, 1997, p. 147-149. . É importante destacar que a modalidade de leitura mais popular na colônia era aquela realizada para mais de uma pessoa, e que poderia ser o conjunto de fiéis de uma paróquia ou missão, a família, os escravos, grupos de alunos que frequentavam os colégios jesuítas, os mosteiros das demais ordens religiosas ou as freiras dos conventos femininos. Era, portanto, em voz alta57 57 HANSEN, João Adolfo. Leituras coloniais. In: ABREU, Márcia (org.). Leitura, história e história da leitura. Campinas: Mercado de Letras; São Paulo: Associação de Leitura do Brasil, 1999, p. 173; VILLALTA, Luís Carlos. O que se fala e o que se lê. In: SOUZA, Laura de Mello e (org.). História da vida privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. v. 1, p. 331-386; DRUMMOND, Maria Francelina Silami Ibrahim. Leitor e leitura na ficção colonial. Ouro Preto: Ler, 2006, p. 25. que os fiéis da colônia liam os seus livros de devoção.
A literatura devota sempre marcou presença na colônia. A predominância do catolicismo nas instituições, no ensino, na produção livresca manuscrita e impressa, bem como na vida religiosa e moral dos habitantes do reino, certamente contribuiu para que a maioria dos livros que circularam na principal colônia lusa se reduzisse a obras de caráter edificante ou moralizante58 58 Cf.: FRANÇA, Jean Marcel. Op. Cit. . Os livros poderiam vir do Velho Mundo com colonos - eclesiásticos ou leigos - ou ser escritos por clérigos, religiosos e moralistas formados nos conventos e seminários dos jesuítas, franciscanos, carmelitas ou beneditinos existentes no Brasil, e posteriormente encaminhados ao reino para serem impressos. A inexistência de imprensa local, de universidades e de vida cultural diversificada dificultou a produção letrada nos trópicos, mas não a impediu de se constituir. A partir de meados do século XVII e, principalmente, ao longo do século XVIII, os livros, nomeadamente de devoção, começam a ser produzidos com mais recorrência pelos letrados que aqui atuaram.
Durante esses dois séculos, a estrutura eclesiástica tornou-se mais desenvolvida, as normas tridentinas foram sistematizadas nas Constituições primeiras do Arcebispado da Bahia, os católicos tornaram-se mais numerosos e a necessidade de aproximar e reunir o conjunto de fiéis ao grêmio da Igreja tornou-se cada vez mais evidente nos trópicos59 59 RENOU, René. A Igreja: suporte da cultura. In: MAURO, Frédéric (org.). Nova história da expansão portuguesa: o Império Luso-Brasileiro (1620-1750. Lisboa: Estampa, 1991, p. 384-403. . Ademais, o interesse dos religiosos e fiéis da colônia por obras devotas pode ter aumentado devido aos estragos ocasionados pela epidemia de febre amarela em Pernambuco e na Bahia de finais dos Seiscentos, além da propagação de outras moléstias após a colonização da região das Minas Gerais60 60 VIOTTI, Ana Carolina de Carvalho. As práticas e os saberes médicos no Brasil colonial (1677-1808). São Paulo: Alameda, 2017, p. 56-96. .
É verdade que os religiosos e clérigos buscavam combater os pecados e as práticas consideradas heterodoxas dos homens e das mulheres que viviam no Brasil mediante a condenação de seus vícios e a propagação de exemplos virtuosos de santos e santas católicos, mas o culto e a devoção aos santos também cumpriram o importante papel de confortar e auxiliar desde colonos a escravos nos momentos mais conturbados, dolorosos, decisivos ou comezinhos de suas vidas. Daí a importância da leitura de obras pias, particularmente daqueles livros que ensinavam rezas e remédios dos advogados contra as sarnas e gripes, entre outras doenças, contagiosas ou não, e que, para bem ou para mal - para purgar um pecado ou condenar um pecador -, faziam parte da vida e da morte dos moradores da colônia.
O mencionado franciscano Antônio do Rosário foi um dos religiosos que mais se dedicou à produção de obras de caráter devocional, com o intuito de acudir as necessidades mais imediatas dos fiéis do Brasil. Em sua já mencionada Feyra mystica, de 1691, dedicada à devoção de Santo Antônio, há uma licença em que o membro do Santo Ofício da Inquisição ressalta a grande utilidade do livro de devoção escrito por Rosário, afirmando que Santo Antônio é “médico” capaz de curar e aplicar “remédios para livrar do letargo e apoplexia do descuido de que tantos morrem no lazareto pestilencial do século”61 61 ROSÁRIO, Antônio do. Approvaçam do S. Officio. Eminentissimo Senhor. In: ROSÁRIO, Antônio do. Feyra mystica de Lisboa, Op. Cit. . Dez anos após a impressão da Feyra mystica, o franciscano publica uma trezena consagrada inteiramente a Santo Antônio, na qual relata o caso de uma mulher que sofria de “fluxo de sangue” e, por isso, gastou todo o dinheiro que possuía com médicos que a curassem do mal. Mas, foi apenas com o milagre operado pelo santo que a mulher recuperou a saúde62 62 ROSÁRIO, Antônio do. Sortes de Santo Antônio, Op. Cit., p. 79-80. . Em outro impresso de 1717, um roteiro para a oração mental e vocal, escrito especialmente para os colonos pobres e remontados de Pernambuco, o religioso elabora uma “Receyta espiritual” que contém indicações para o direcionamento adequado da vontade dos fiéis e o tratamento de suas doenças da alma. Nas palavras de Rosário, todo pecador deveria tomar “água cozida com as raízes do desprezo do mundo”, pílulas de penitência para alma, e realizar sangrias em todas as suas veias, “porque enquanto o corpo anda forçoso, anda o espírito fraco”63 63 ROSÁRIO, Antônio do. Carta de Marear, Op. Cit., p. 60. .
Além de Santo Antônio, o advogado lusitano, Nossa Senhora foi a santa que mais mereceu a reverência dos fiéis da colônia. O culto à mãe de Deus foi disseminado por diversos eclesiásticos que atuaram nos trópicos ou que produziram obras pias sobre o Brasil. O Santuário Mariano do frade agostiniano Agostinho de Santa Maria (1642-1728) é exemplo da importância da santa para a história religiosa e moral da colônia. A obra, composta por dez tomos, tem como objetivo narrar a história das aparições de Maria em Portugal e nas suas possessões ultramarinas, e contém dois tomos dedicados ao Brasil. O nono tomo, publicado no ano de 1722, trata das imagens e milagres ocorridos no arcebispado da Bahia e nos bispados de Pernambuco, do Maranhão e do Grão-Pará; e o décimo, e último tomo, impresso em 1723, aborda as notícias das aparições da Virgem nos bispados do Rio de Janeiro e das Minas Gerais64 64 MARIA, Agostinho de Santa. Santuario mariano: e historia das imagens milagrosas de Nossa Senhora, e milagrosamente manifestadas, & apparecidas em o Arcebispado da Bahia, & mais bispados; de Pernambuco, Paraiba, Rio Grande, Maranhão, & Grão Parà, em graça dos Prégadores, & de todos os devotos da Virgem Maria Nossa Senhora. Lisboa: Officina de Antonio Pedrozo Galram, 1722. t. 9; Idem. Santuario mariano: e historias das imagens milagrosas de Nossa Senhora, e das milagrosamente apparecidas, que se venerão em todo o Bispado do Rio de Janeyro, & Minas, & em todas as ilhas do oceano, em graça dos prégadores, & dos devotos da Virgem Maria nossa Senhora. Lisboa: Officina de Antonio pedrozo Galram, 1723. t. 10. .
Relatava ali o frade que Nossa Senhora da Saúde foi a principal advogada dos pardos da Bahia, já Nossa Senhora dos Remédios, santa que remediou e amparou muitos dos pecadores daquele arcebispado, teve sua primeira capela erguida no recôncavo por um devoto agradecido, chamado João Campés, homem que sofria de enfermidade grave e foi milagrosamente curado por uma imagem da santa65 65 MARIA, Agostinho de Santa. Santuario Mariano…, Op. Cit., t. 9, p. 63-66. . Nossa Senhora dos Remédios foi igualmente cultuada na vila de Parati, no bispado do Rio de Janeiro, e Nossa Senhora da Saúde, na cidade de São Paulo. Nas Minas Gerais, Nossa Senhora do Pilar teve papel fundamental na fundação de Vila Rica, segundo apontou o religioso agostiniano, pois ela auxiliou muitos daqueles homens ambiciosos “com a ânsia de enriquecerem com aquele metal que a todos enfeitiça” a lembrarem-se de que eram católicos e de que deveriam cultuar a Virgem. Por esse motivo, a matriz daquela região foi dedicada àquele orago66 66 MARIA, Agostinho de Santa. Santuario Mariano…, Op. Cit., t. 10. p. 232-240. .
É nesse escopo, aliás, que está inserida uma das mais significativas obras de devoção produzidas na colônia sobre aquela que ficou conhecida como “medicina da alma” ou “medicina do ânimo”, a Botica Preciosa, e Thesouro Precioso da Lapa, em que como em botica e tesouro se acha todos os remédios para o corpo, para a alma e para a vida, e uma receita das vocações dos santos para remédio de todas as enfermidades e vários remédios e milagres de Nossa Senhora da Lapa, e muitas novenas, devoções e avisos importantes para os pais de família ensinarem a doutrina cristã a seus filhos e criados, escrita em 1754 pelo padre e missionário paulista Ângelo de Siqueira.
O padre reuniu em sua botica muitos santos nomes conhecidos pelos milagres operados no momento da doença dos fiéis católicos, fosse nos males comezinhos, fosse nas angústias corporais mais profundas: São Marculfo Abade contra as alporcas, São Marino Mártir contra as sarnas, Santo Onofre ou São Roque contra a peste, Santo Ovídio de Braga para a dor dos ouvidos, Santa Quitéria Virgem para as mordeduras de cães danados, os Reis Magos para febres e feitiços, o Anjo São Miguel ou São Pedro Nolasco, entre outros, para a boa morte67 67 Todas essas associações constam na Botica preciosa, de Ângelo de Siqueira. . Todos esses santos, anjos, arcanjos, beatos e mártires foram alguns dos muitos socorros com os quais os fiéis puderam contar para tratar de seus males, e graças a seus poderes curativos foram reunidos de forma prática na botica de Nossa Senhora da Lapa, santa considerada como “a principal advogada para todas as enfermidades corporais e espirituais”68 68 SIQUEIRA, Ângelo de. Botica Preciosa, e Thesouro Precioso da Lapa, Em que como em Botica, e Thesouro se achão todos os remedios para o corpo, para a alma, e para a vida. Lisboa: Offic. de Miguel Rodrigues, 1754, p. 6. . Cabe, pois, verificarmos o escopo do livro de Siqueira e os principais remédios milagrosos indicados para os enfermos que habitavam o Brasil.
4. Botica para o corpo, para a alma e para a vida
Destinada aos devotos que residiam nos bispados do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, e nas capitanias de Campos dos Goitacazes e Cuiabá, mas principalmente aos paulistas que se embrenhavam pelos sertões, a Botica Preciosa, e Thesouro Precioso da Lapa constitui o exemplo mais ilustrativo do tipo de literatura considerada adequada à maioria dos colonos, homens rústicos, que se confrontavam diariamente com os perigos do corpo e as tentações da alma em uma colônia imensa e inóspita, que possuía poucos médicos e curas de almas, uma malha paroquial precária, e muitos habitantes dados aos deleites da carne; mas que era, acima de tudo, uma colônia católica e, por esse motivo, necessitava ser remediada com o pasto espiritual. Era, pois, no que acreditavam padres como Ângelo de Siqueira, clérigo que viveu e atuou no Brasil do século XVIII, e que buscava fazer valer as normas tridentinas nos trópicos, as quais recordavam, desde 1707, quando foram sistematizadas nas mencionadas Constituições primeiras do Arcebispado Bahia, a importância dos sacerdotes na vida dos fiéis da colônia para a correta administração dos sacramentos e difusão da piedade católica, bem como a propósito da necessidade e obrigatoriedade de todo o rebanho venerar a Virgem Maria e os santos autorizados pela Igreja pós-tridentina, pois, segundo aquele código normativo, os santos “interced[ia]m continuamente por nós em nossos trabalhos e aflições diante do mesmo Senhor”69 69 VIDE, Sebastião Monteiro da. Op. Cit., p. 10. ]
O dito Ângelo de Siqueira, natural de Santana do Parnaíba, antiga vila de São Paulo, nasce no ano de 1707 e morre em 1776, no Rio de Janeiro. Oriundo de família paulista abastada, Siqueira, como muitos homens de sua estirpe que viviam na colônia, formou-se em uma instituição de ensino jesuíta, o colégio da Companhia de São Paulo, e obteve o grau de mestre em artes. Todavia, preferiu seguir carreira eclesiástica, tornando-se presbítero secular do hábito de São Pedro. Ângelo de Siqueira atuou como missionário na capitania de São Paulo, confessor e visitador diocesano, e percorreu quase toda a atual região centro-sul do Brasil, bem como cidades portuguesas e castelhanas, difundindo devoções à Nossa Senhora da Lapa, sua santa protetora.
Siqueira desempenhou papel importante na história institucional da Igreja e na história das práticas devotas luso-brasileiras. No Brasil, sua terra natal e local onde exerceu a maior parte de seus ministérios, foi fundador de inúmeras capelas, igrejas e de dois dos poucos seminários eclesiásticos existentes na colônia, e destinados à formação de padres: os seminários de Nossa Senhora da Lapa, erguidos em 1750 e 1751, e localizados, respectivamente, em Campos dos Goitacazes e no Rio de Janeiro. Em Portugal, entre os anos de 1754 e 1757, Siqueira pregou e realizou diversas peregrinações, nomeadamente na cidade do Porto, onde fundou a capela e a irmandade em honra ao mesmo orago. O clérigo foi, igualmente, grande devoto e divulgador, nos dois lados do Atlântico, das práticas de piedade relacionadas à Nossa Senhora da Lapa, entre outras invocações de Maria e santos católicos associados à cura de achaques e à contenção de calamidades, tal como era o caso das pestes70 70 A propósito da vida e atuação do padre Ângelo de Siqueira, conferir: ALMEIRA, Cônego luís de. Padre Ângelo de Siqueira, missionário, fundador e escritor ascético (1700-1776), Revista Eclesiástica Brasileira, Petrópolis, v. 7, n. 4, p. 836-848, dez. 1947; PINHEIRO, Péricles da Silva. Manifestações literárias em São Paulo na época colonial. São Paulo: Conselho Estadual de Cultura/Comissão de Literatura, 1961; RUBERT, Arlindo. O “Missionário do Brasil”: Padre Ângelo de Siqueira. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 320, p. 136-161, 1978. Agradecemos a Eva Cordeiro, responsável pelo arquivo da Igreja de Nossa Senhora da Lapa do Porto, quem gentilmente nos forneceu informações sobre a trajetória do padre Siqueira. .
Os principais meios de divulgação das devoções promovidas pelo padre na América portuguesa e na cidade do Porto eram duas: as missões e pregações realizadas nos entornos de seus seminários e nas matas e nos lugares recônditos das regiões das Minas Gerais, de Goiás e do Mato Grosso; e os livros de sua autoria, especificamente seis, impressos em Portugal, e que reuniam práticas, orações, ladainhas e roteiros de confissão propalados por Siqueira nas suas andanças e nos seus ministérios realizados junto aos infiéis e fiéis da colônia e do reino, e destinados a todos aqueles que desejassem curar suas almas e seus corpos. É, pois, o que nos aponta os prólogos aos leitores de seus livros.
O primeiro livro de Siqueira de que temos notícia, uma novena dedicada à Nossa Senhora da Lapa, publicada no Porto no ano de 1753, intitulada Pedra íman da novena milagrosíssima, foi escrito, segundo ele próprio, com o propósito principal de acudir “homens e mulheres brancos e pretas” do Rio de Janeiro, Campos dos Goitacazes e do bispado de São Paulo que o auxiliaram a erigir os seminários e capelas em honra à santa na colônia. A Pedra íman destinava-se, igualmente, aos fiéis de Portugal, que com as suas devoções e esmolas contribuíram com a difusão do culto de Nossa Senhora da Lapa na cidade do Porto. Ali, Siqueira já anunciava a importância e a fortaleza com que se apresentavam na devoção à Santa e as implicações para os que não seguissem o reto e saudável caminho anunciado por ela. Em suas palavras: “certo é que não sabe ser verdadeiro devoto da milagrosíssima senhora da Lapa quem não sabe conhecer os seus prodígios, e observar os seus milagres e mercês”71 71 SIQUEIRA, Ângelo de. Prólogo ao leitor. In: SIQUEIRA, Ângelo de. Pedra Iman da Novena da Milagrosissima Senhora da Lapa, que se venera nos seminários do Rio de Janeiro, e Campos dos Guaitacazes, e mais Igrejas, Capellas, e altares nos bispados de S. Paulo, e Rio de Janeiro, e mais partes do Brasil, e Portugal. Porto: Officina Episcopal do Capitão Manoel Pedroso Coimbra, 1753. . No ano seguinte à impressão da primeira novena destinada aos devotos da Lapa, saiu, da Oficina de Miguel Rodrigues, em Lisboa, a primeira edição da citada Botica preciosa.
É possível inferir, a partir do título, que a obra, embora fosse consagrada à Nossa Senhora da Lapa, não compreendia apenas um conjunto de novenas, tal como o primeiro livro publicado pelo padre, mas sim um verdadeiro manual ou roteiro de devoção e condutas cristãs. A Botica preciosa diferia-se, ainda, dos outros três livros publicados por Siqueira: o Penitente arrependido, de 1757, um manual de confessores também dedicado à Nossa Senhora da Lapa, e que apresentava roteiro aos confessores atuantes em Portugal e no Brasil; o Livro do vinde e vede, uma reunião de sermões sobre o Juízo Final pregados pelo padre durante suas missões nos dois lados do Atlântico, e impresso em 1758; e os Exercícios devotos com que os padres da Igreja de N. S. da Lapa das Confissões da Cidade do Porto costumam louvar a Rainha do Céu, que, como o próprio título sugere, compreendia mais uma coleção de novenas em louvor de Nossa Senhora da Lapa, porém ofertadas aos devotos residentes na cidade do Porto, e publicadas no ano de 1759.
Voltemos, no entanto, àquelas recomendações diretamente relacionadas ao benefício dos corpos, quais sejam, as principais recomendações ou remédios de Nossa Senhora da Lapa, entre outros santos católicos, reunidos na Botica preciosa de Siqueira e destinados à cura das enfermidades dos corpos e das almas dos colonos do Brasil. Mediante uma série de recomendações “das vocações dos santos, para remédio de todas as enfermidades, e vários remédios e milagres de Nossa Senhora da Lapa”72 72 SIQUEIRA, Ângelo de. Botica Preciosa, e Thesouro Precioso da Lapa…, Op. Cit. , Siqueira tinha a pretensão de ajudar na cura dos achaques e pecados dos colonos que eram pais de família e possuíam filhos e criados, e, intentava amparar aqueles colonos paulistas que se confrontavam cotidianamente com uma série de perigos, enfermidades e tentações ao desbravarem os sertões em busca de ouro e pedras preciosas. Por meio da análise de alguns títulos do índice do livro, pode-se constatar a variedade das recomendações prescritas pelo padre. Havia, por exemplo, conteúdo voltado para o ensino da “doutrina cristã e mais orações para os pais de família ensinarem a doutrina à sua família”, uma série de novenas à Nossa Senhora da Lapa, e inúmeros “remédios” recomendados por santos como Santo Antônio, Santo Amaro (c. 512-c. 584), Santo André (?-60) e Santo Agostinho (354-450). Alguns desses remédios poderiam ser úteis para dores nas pernas, outros, para dores no peito e contra picadas de cobras e mordidas de bichos. Havia também aqueles remédios que auxiliavam a “inteligência das artes liberais”, que espantavam as “visões diabólicas e as murmurações”; contra os “perigos do mar e da guerra”, e aqueles que propiciavam boa morte aos católicos. No Quadro 1, é possível ter ideia do volume de “receitas” e “remédios” apresentados por ele na Botica preciosa73 73 Por se tratar de uma obra de mais de 600 páginas que é composta, em linhas gerais, de “receitas” para as doenças espirituais e corporais - dispostas em uma antífona e uma oração, na maioria dos casos -, seria demasiado extenso listar todas as referências mobilizadas pelo autor. Por isso, o quadro apresenta o levantamento apenas dos títulos de remédios que acompanham um santo intercessor - mais de uma centena. Além deles, poderíamos destacar uma série de outras “receitas” selecionadas e prescritas por Siqueira, como, por exemplo: contra a avareza, contra a luxúria, contra a ira, contra a gula, contra a preguiça, para os escrupulosos, para os que cuidam que não se confessam bem, para os que cuidam que sempre julgam mal do próximo, para os que se afligem, porque se não doeram dos pecados quanto deviam doer-se, para os escrupulosos rezarem o ofício divino, para os que cuidam que pecam em tudo, para os que padecem securas espirituais nos seus exercícios, para vencer as tentações da predestinação ou reprovação, para curar melancolia; até mesmo indicações de exorcismo, tido como “eficaz e remédio para todos os achaques de que houver suspeita que são causados pelo demônio, etc.” .
No prólogo de seu livro, Siqueira também fornece alguns contornos da vida dos sertanistas durante o período colonial. De acordo com o padre, desde o princípio da povoação da capitania de São Vicente, os paulistas deixavam “a comodidade de suas casas, a companhia de suas mulheres, o amparo de seus filhos, e a comunicação dos parentes para explorarem e reconhecerem” os sertões “à custa das suas próprias vidas e fazendas”. Para tanto, os sertanistas abateram “altas e grossas árvores, abriram caminhos, atravessaram caudalosos rios”, lutaram com índios, “devastaram animais ferozes, que os acometiam nos matos, e destruíram bichos formidáveis e venenosos, e com as mesmas armas que levaram para a sua defesa, caçaram seu próprio sustento e alimento”. Segundo Siqueira, quando os paulistas não encontravam víveres para se sustentarem nas matas, comiam raízes de árvores e plantas desconhecidas para aliviar a fome, “cuja venenosa qualidade os condenava a uma arrebatada morte”. Alguns sertanistas, para não morrerem de sede, cavavam a terra, vasculhavam as árvores e plantas à procura de água. Outros preferiram buscar a própria morte como alívio do trabalho das marchas, fomes, sedes e doenças que os acometiam74 74 SIQUEIRA, Ângelo de. Botica Preciosa, e Thesouro Precioso da Lapa…, Op. Cit. .
Ciente da importância dos livros de devoção para a propagação de valores católicos entre os colonos, sobretudo entre os paulistas, os mais necessitados de lições espirituais por viverem transitoriamente, distantes de igrejas, capelas e seminários religiosos, o padre Ângelo de Siqueira escreveu sua Botica preciosa. Para ele, o intuito principal de sua obra era semelhante ao dos seus conterrâneos sertanistas. Assim afirmava Siqueira:
Eu, que sou paulista pelo meu nascimento e por meus avós também tenho logrado o influxo de explorador, e se não descobri, como os meus parentes, tesouros de bens temporais, faço agora manifesto ao mundo um tesouro de riquezas mais preciosas. Os meus patrícios os descobriram para o uso da vida, eu o manifesto para a utilidade das almas. Nesta obra, que dou ao prelo, exponho a todos os fiéis um erário de bens espirituais, uma botica cheia de remédios, que todos poderão conseguir sem mais custo e despesa que o da sua devoção.75 75 Ibidem.
Entre as devoções e recomendações contidas no livro de Siqueira, há um “remédio eficaz para alcançar a Deus e não morrer repentinamente”. Tal remédio constituía-se de sinais da cruz que os paulistas deveriam fazer repetindo as seguintes palavras: “livrai-nos, virgem gloriosa e bendita, de morte súbita e improvisa”76 76 Ibidem, p. 120. . Outra mezinha recomendada na obra de Siqueira serviria para curar “as mordeduras de cobras, contra as aranhas, bichos venenosos, feitiços e peste”. Para tanto, os sertanistas precisavam fazer uma oração para São Bento, solicitando ao referido santo que os livrassem “não só das mordeduras dos bichos venenosos, como também dos laços do demônio”77 77 Ibidem, p. 195. . Além disso, são narrados diversos episódios da bem-sucedida intercessão daquela padroeira, Nossa Senhora da Lapa, como a obrada, certa vez, em favor de uma religiosa, possuída por dores inenarráveis nos joelhos, cuja cura fora obtida, ao modo do remédio supracitado, pela imposição de diversos sinais da cruz, mas, aqui, com o auxílio de um azeite bento78 78 “Depois que entrei com a missão, e a afervorar a devoção de nossa Senhora da Lapa, e o Rosário cantado e rezado com outras devoções a nossa Senhora, e a benzer o azeite, e a curar com ele aos enfermos, teve tal fé Soror Maria do Carmelo, religiosa do mesmo Mosteiro de Odivelas, que padecendo insofríveis dores em um joelho inchado, e deslocado, pose-lhe o azeite da nossa Senhora, e ao amanhecer se achou com esse todo são, e livre de toda a moléstia, e lesão, que lhe impedia o andar, e para mais se confirmar na devoção e fé de nossa Senhora da Lapa, padecendo um forte defluxo no peito sem poder tomar respiração, e pondo-lhe o azeite em forma de cruz nos peitos, logo ficou aliviada, livre das ânsias e aflições com que estava. Assim socorre Maria Santíssima a quem a procura e serve. O certo é que quem se chega a MARIA Santíssima nossa Senhora da Lapa, não volta sem experimentar muitas melhorias: cheguemos todos a esta Botica preciosa, recorramos com viva fé, choremos aos seus soberanos pés, que deles nos havemos de levantar são e salvos, e seja ela louvada de dia e de noite, para que a louvemos em companhia de seu muito amado filho eternamente nessa glória. Amém.” (SIQUEIRA, Ângelo de. Botica Preciosa, e Thesouro Precioso da Lapa…, Op. Cit., p. 319-320). .
Em linhas bastante gerais, a Botica Preciosa abordava desde questões pragmáticas, como o tratamento de um ferimento, até questões que exigiam um empenho maior por parte dos paulistas católicos, como cultivar as virtudes cristãs e manter a pureza da alma até a hora da morte, sempre a partir do exercício da fé, da resiliência, da remissão e da observância das indicações do padre, que afirmava, ainda nas primeiras páginas de seu manual:
E com a devoção do rosário nos deixou a verdadeira medicina para todas as enfermidades do corpo e da alma, com as rosas bentas, óleos bentos, águas bentas, rosários bentos, tudo uma Botica Preciosa e Tesouro Precioso para quem se quiser utilizar dela e dele. Ora, isto assim posto e experimentado, como adiante mostrarei com evidência e experiência ocular, considero que diria hoje Salomão, vendo os prodígios e milagres de Nossa Senhora da Lapa, estampados nesta Botica Preciosa, que deixa a perder de vista a todas as ciências e prodígios da natureza; e se hoje ressuscitara a vista do fruto que se colhe das rosas do Rosário e Tesouro precioso da Lapa!79 79 Ibidem, p. 2-3.
Nesse sentido, não é impertinente destacar alguns artifícios de que Siqueira lança mão para validar a obra. Em primeiro lugar, evoca o carisma e a devoção a uma manifestação mariana que já lograva certo sucesso entre os fiéis; depois, reitera a relação indissociável, então corrente, entre corpo e alma; em seguida, lista uma série de elementos comuns aos devotos como sinal de intercessão divina - óleos e águas bentas, por exemplo -, e destaca, por fim, um argumento de autoridade que se fazia presente entre crentes e céticos, entre religiosos e médicos: o valor da experiência. Destacando que suas indicações haviam sido testadas e comprovadas, de modo que mesmo os mais versados nas artes de curar, nas “ciências” daquele tempo, ficariam surpresos com os sucessos das receitas por ele apresentadas, o padre dava as cores de prova aos milagres operados pelo uso de sua Botica preciosa.
5. Considerações finais
Esse formato de livro foi muito comum durante os séculos XVII e XVIII, reunindo um saber geral e pragmático sobre a doutrina e moral católicas. Era, pois, considerado como o tipo de literatura mais adequada aos colonos leigos do Brasil, os quais, frequentemente, necessitavam de lição mais urgente sobre as questões da fé, fosse pela falta de engenho, interesse ou cabedais para adquirir e ler livros específicos e mais complexos sobre moral e teologia, fosse pela dificuldade de acesso a esses artefatos, como era o caso dos sertanistas. Na concepção difundida por esses escritos, obter a saúde ou manter-se são era, ao fim e ao cabo, obra divina, ou, para usarmos uma vez mais as palavras do Peregrino da América, “se Deus porventura livrou o homem das doenças é para que esse pudesse melhor lhe servir, razão pela qual o cristão deveria fazer bom uso de sua saúde”80 80 PEREIRA, Nuno Marques. Compêndio narrativo do Peregrino da América [1728], Op. Cit., p. 231. . Portanto, malgrado a distinção entre assuntos do corpo e assuntos da alma tenha tomado contornos e caminhos diferentes ao longo do Setecentos luso-brasileiro, vê-se, com frequência, ainda na segunda metade dessa centúria, traços fortes das manifestações escritas de uma concepção que se caracterizava, ao mesmo tempo, como médica e teológica: religiosos seguem prescrevendo e operando nas matérias físicas, impondo suas mãos, terços e óleos sobre as chagas, sublinhando o alcance da Santa Mãe Igreja nas mais diferentes e profundas nuanças da vida do colono nos trópicos.
Bibliografia
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-
5
PINA, Mateus da Encarnação. Cinco Sermoens nas Tardes das cinco Domingas da Quaresma, Prégados no Mosteiro de S. Bento do Rio de Janeiro. Anno de 1738. Sermão IX. Na tarde da Primeira Dominga da Quaresma. In: PINA, Mateus da Encarnação. Viridario Euangelico, em que as flores da virtude se illustram com discursos Moraes, e os fructos da Santidade se exornão com Panegyricos, em varios Sermoens. Lisboa: Officina de Francisco da Silva, 1747. pt. 3, p. 332.
-
6
PINA, Mateus da Encarnação. Loc. Cit.
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7
Não é demais ressaltar que a questão encontrou significativo espaço, também, entre os médicos da época. Cf. ABREU, Jean Luiz Neves. Prédicas para a alma e o corpo: algumas questões para a compreensão da doença no contexto luso-brasileiro do século XVIII. Revista Brasileira de História & Ciências Sociais, Porto Alegre, v. 9, n. 17, p 119-137, jan./jun. 2017.
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8
Essas proposições estão afinadas com o que tem sido discutido e produzido no âmbito do grupo “Escritos sobre os novos mundos: uma história da construção de valores morais em língua portuguesa”, em projeto temático homônimo financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) (Processo 13/14786-6). Para mais, ver: https://www.grupoescritos.com/.
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9
Em linhas muito gerais, a teoria humoral, também conhecida como teoria hipocrática ou galênica, pregava ser a vida saudável o equilíbrio entre quatro humores: sangue, fleuma, bílis amarela e bílis negra, procedentes, respectivamente, do coração, sistema respiratório, fígado e baço. As doenças, nesse sentido, dar-se-iam pelo desequilíbrio dos humores - falta, excesso ou corrupção de algum ou algumas de suas porções -, pelo que a terapêutica seria administrar elementos (remédios, água, alimentos) ou retirar os que estariam em demasia (através, sobretudo, de purgas e/ou sangrias). Essa explicação para a saúde e a doença angariou adeptos e direcionou as ideias de doença, tratamento e cura com vigor até pelo menos meados do século XVIII (NUTTON, Vivian. Humoralism. In: BYNUN, William F.; PORTER, Roy. Companion encyclopedia of the history of medicine. London: Routledge, 1997. p. 281-291).
-
10
VASCONCELOS, Simão de. Chronica da Companhia de Jesu do Estado do Brasil e do que obraram seus filhos n’esta parte do Novo Mundo. Lisboa: Casa do Editor A. J. Fernandes Lopes, 1845, p. X-CXXXIX.
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11
CAIRUS, Henrique. Os limites do sagrado na nosologia hipocrática. 1999. 175f. Tese (Doutorado em Letras Clássicas, Língua e Literatura Grega) - Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1999.
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12
Os jesuítas, franciscanos, beneditinos e carmelitas foram os membros das principais ordens religiosas que atuaram no Brasil colônia. Eles estabeleceram seus primeiros conventos e suas instituições de ensino já no século XVI, a começar pelos religiosos da Companhia de Jesus, os primeiros a oferecerem ensino gratuito e sistematizado aos colonos religiosos ou leigos dos trópicos. Desde o momento em que aportaram no Novo Mundo, em 1549, os jesuítas dedicaram-se à escrita de cartas para seus companheiros de ordem e, posteriormente, escreveram crônicas, sermões, elogios, livros de moral e devoção. As demais ordens religiosas fixaram-se no Brasil em finais do século XVI, e começaram a ter papel relevante na produção escrita da colônia em meados do século XVII e ao longo do século XVIII. A respeito dos padres e moralistas, é possível identificar o grande papel desses letrados no século XVIII, quando os seminários clericais e episcopais do Brasil se desenvolvem, assim como os conventos das ordens religiosas atuantes na colônia, locais em que esses homens eram formados. Cf. HOORNAERT, Eduardo; AZZI, Riolando; BRENO BROD, Klaus Van Der (org.). História da Igreja no Brasil: ensaio de interpretação a partir do povo. Primeira Época. Petrópolis: Editora Vozes, 1983; RUBERT, Arlindo. A Igreja no Brasil. Rio Grande do Sul: Pallotti, 1991-1993. 4 v.; RODRIGUES, Ana Maria Moog. Moralistas do século XVIII. Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica, 1979.
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13
MATOS, Eusébio de. Sermam sexto, Prégado em a terceira Dominga da Quaresma. In: MATOS, Eusébio de. Sermoes do Padre Eusébio de Mattos. Lisboa: Officina de Miguel Deslandes, 1694, p. 137.
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14
A Bahia foi o centro de poder político e cultural do Brasil Colônia até meados do século XVIII, quando o foco muda para o Sudeste, nomeadamente, para o Rio de Janeiro. Cf. SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Bahia, a corte da América. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2010.
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15
Os religiosos, clérigos e moralistas da colônia denominavam “escritos edificantes” todos aqueles livros que tratavam sobre questões religiosas e morais, tais como os sermões, os livros de devoção, os livros de moral, as biografias devotas, os manuais para boa morte, as crônicas religiosas, os elogios, entre outros registros que foram produzidos ao longo do período colonial. Na visão dos letrados e religiosos, essa literatura edificante era considerada como o tipo de saber mais útil existente no mundo, pois ele estimulava a prática das virtudes cristãs e o aperfeiçoamento da alma dos fiéis católicos. Para mais informações sobre os documentos levantados e analisados para a elaboração do presente estudo, conferir o acervo denominado “Livros, sermões e outros impressos escritos em português e publicados nos séculos XVI, XVII e XVIII”, do banco de dados do grupo de pesquisa “Escritos sobre os novos mundos: uma história da construção de valores morais em língua portuguesa” (GRUPO ESCRITOS SOBRE OS NOVOS MUNDOS. Acervo Digital. Franca: Grupo Escritos, 2018. Disponível em: https://www.grupoescritos.com/colecoes. Acesso em: 27 dez. 2018).
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16
ROSÁRIO, Antônio do. Carta de Marear: delineada pelo R. P. Mestre Fr. Antonio do Rosário, filho da Capucha de Santo Antonio do Brasil, & missionario no dito Estado, &c.: dirigida ao senhor D. Francisco de Sousa, Fidalgo da Casa de Sua Magestade, Cavalleyro professo, & Commendador da Ordem de Christo, & Coronel da Cavallaria de Pernambuco. Lisboa: Officina de Antonio Pedrozo Galrão, 1698; Idem. Feyra mystica de Lisboa: armada em hua trezena do divino portuguez, Santo Antonio, offerecida à soberana magestade da Senhora do Rosário Pelo illustrissimo, & reverendissimo senhor Dom Mathias de Figueyredo e Mello, bispo, & governador de Pernambuco, & do Conselho de S. Magestade. Lisboa: Officina de João Galrão, 1691; Idem. Frutas do Brasil: numa nova, e ascética Monarchia, consagrada a santissima Senhora do Rosário. Lisboa: Officina de Antônio Pedrozo Galram, 1702; Idem. Sortes de S. Antônio: celebradas em huma trezena historica, moral, e panegyrica que o senhor Cayetano e Castro, do Conselho de Sua Magestade, commendador da Ordem de Christo, governador, e capitão general de Pernambuco e mais capitanias annexas. Lisboa: Officina de Miguel Manescal da Costa, 1701.
-
17
ROSÁRIO, Antônio do. Feyra mystica de Lisboa. Op. Cit., p. 16.
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18
Ibidem, p. 27.
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19
Ibidem, p. 188-189.
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20
BOXER, Charles Ralph. A idade de ouro do Brasil: dores de crescimento de uma sociedade colonial. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1963, p. 49-54; MAXWELL, Kenneth. A devassa da devassa: a Inconfidência Mineira: Brasil-Portugal 1750-1808. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977, p. 109.
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21
FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Almeida; CAMPOS, Maria Verônica (org.). Códice Costa Matoso: coleção das notícias dos primeiros descobrimentos das minas na América que fez o doutor Caetano da Costa Matoso sendo ouvidor-geral das do Ouro Preto, de que tomou posse em fevereiro de 1749, & vários papéis. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1999, p. 437.
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22
Entre os principais registros sobre os pecados dos mineiros, destacamos dois escritos publicados no século XVIII: ANTONIL, André João de. Cultura e opulência no Brasil por suas drogas e minas: com varias noticias curiosas do modo de fazer o assucar; plantar, e beneficiar o tabaco, tirar Ouro das Minas, e descobrir as da Prata. Lisboa: Oficina Real Deslandesiana, 1711; LIMA, José de Araújo. Sermão que na quarta dominga da quaresma expoz em a cathedral de Mariana nas Minas do Ouro anno de 1748. Lisboa: Officina dos Herd. de Antonio Pedrozo Galram, 1749.
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23
FRANÇA, Jean Marcel Carvalho. O Rio de Janeiro em língua portuguesa (1576-1808), 2018, p. 22-23. No prelo. [manuscrito fornecido pelo autor].
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24
PEREIRA, Nuno Marques. Compendio narrativo do peregrino da America: em que se tratam vários discursos espirituais, e Moraes, com muitas advertencias, e documentos contra os abusos, que se achão introduzidos pela malicia diabolica no Estado do Brasil. Lisboa: Offic. de Antonio Vicente da Silva, 1760, p. 18.
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25
FONSECA, Manoel da. Vida do veneravel padre Belchior de Pontes, da Companhia de Jesus da Provincia do Brasil. Lisboa: Officina de Francisco da Silva, 1752, p. 201.
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26
Sobre a composição social do Brasil nos séculos XVII e XVIII e o problema da difusão de doenças nos centros urbanos, cf. BOXER, Charles Ralph. Op. Cit.; RUSSEL-WOOD, John. Fidalgos e filantropos: a Santa Casa da Misericórdia da Bahia, 1550-1755. Brasília, DF: Editora UnB, 1981; RIBEIRO, Márcia Moisés. A ciência dos trópicos: a arte médica no Brasil do século XVIII. São Paulo: Hucitec, 1997.
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27
O Concílio de Trento (1545-1564) representa importante marco na história das reformas institucionais e religiosas da Igreja Católica. Os propósitos principais do concílio eram garantir a unidade da Igreja e a difusão da fé católica mediante, sobretudo, a reafirmação dos dogmas do catolicismo frente às ameaças protestantes e heréticas; a reforma do clero; e a renovação das ordens religiosas e da vida religiosa e moral dos fiéis. A ênfase no papel salvífico dos sacramentos; a preocupação com a formação do clero; a renovação institucional e religiosa das ordens, sobretudo mendicantes; a criação de outras, como a Companhia de Jesus; a consideração dos membros do estado eclesiástico como os principais representantes de Deus e difusores da palavra divina na terra; a valorização de práticas religiosas ou devocionais, como do uso das imagens sagradas e da devoção aos santos; e a reforma das condutas dos fiéis, por meio da interiorização da ética cristã, compõem algumas das principais medidas suscitadas por Trento e que vigoraram na Igreja Católica pós-tridentina. No entanto, a difusão e adesão das normas conciliares e das práticas religiosas e morais tridentinas não ocorreram de forma instantânea e homogênea no Velho Mundo, nomeadamente, em Portugal. No Brasil, a despeito de vigorarem as Constituições extravagantes do Arcebispado de Lisboa (1565), é possível conjecturar que a difusão e a adesão das normas conciliares foram ainda mais lentas e precárias, e sempre de acordo com as possibilidades do padroado régio e as condições geográficas, materiais, institucionais e morais da colônia. É importante recordar que o Brasil começava a ser efetivamente colonizado durante as reuniões conciliares (1545-1563) e a confirmação do decreto tridentino em Roma (1564). Além disso, a imensidão do território; a inexistência de estrutura eclesiástica consistente; os poucos bispados e a vacância deles certamente dificultaram o processo de implementação. A segunda metade do século XVII e o decorrer do século XVIII constituem momentos em que é possível identificar com mais recorrência a difusão de normas, de práticas religiosas e de valores morais tridentinos nos trópicos. O desenvolvimento da malha diocesana e paroquial; a criação de seminários e a organização do primeiro sínodo nas terras de cá, promovido pelo arcebispo D. Sebastião Monteiro da Vide (1642-1722), do qual resultaram as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia (1719), compreendem algumas das principais implementações institucionais e normativas tridentinas adaptadas à realidade local. Todavia, diversas práticas religiosas, regras e guias de condutas já se faziam presentes, principalmente nas pregações e escritos edificantes produzidos por clérigos e religiosos que atuaram no Brasil colonial. As Constituições representam, pois, verdadeira síntese dessas normas e desses valores, entre outros, considerados indispensáveis ou dispensáveis à vida religiosa e moral da Igreja pós-tridentina e da comunidade de fiéis do Brasil. Sobre essa questão, conferir, sobretudo: DELUMEAU, Jean. De la prerreforma al Concilio de Trento. In: __ DELUMEAU, Jean. El catolicismo de Lutero a Voltaire. Barcelona: Labor, 1973, p. 3-27; VAINFAS, Ronaldo. A contrarreforma e o além-mar. In: VAINFAS, Ronaldo. Trópico dos pecados: moral, sexualidade e Inquisição no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997, p. 19-43; FERNANDES, Maria de Lurdes Correia. Da reforma da Igreja à reforma dos cristãos: reformas, pastoral e espiritualidade. In: AZEVEDO, Carlos Moreira (dir.). História religiosa de Portugal. Lisboa: Círculo de Leitores, 2000, v. 2, p. 15-47; MARQUES, João Francisco; GOUVEIA, Antônio Camões. Rituais e manifestações de culto. In: AZEVEDO, Carlos Moreira (dir.). Op. Cit., p. 517-601; PAIVA, José Pedro. A recepção e aplicação do Concílio de Trento em Portugal: novos problemas, novas perspectivas. In: PAIVA, José Pedro; GOUVEIA, Antônio Camões; BARBOSA, David Sampaio (coord.). O Concílio de Trento em Portugal e nas suas conquistas: novos olhares. Lisboa: Centro de Estudos de História Religiosa, 2014, p. 13-40; FEITLER, Bruno. Quando Trento chegou ao Brasil? In: PAIVA, José Pedro; GOUVEIA, Antônio Camões; BARBOSA, David Sampaio (coord.). Op. Cit., p. 157-174; SOUZA, Evergton Sales de. A construção de uma cristandade tridentina na América portuguesa (séculos XVI-XVII). In: PAIVA, José Pedro; GOUVEIA, Antônio Camões; BARBOSA, David Sampaio (coord.). Op. Cit., p. 175-196; LAGE, Lana. As constituições da Bahia e a Reforma Tridentina do Clero no Brasil. In: FEITLER, Bruno; SOUZA, Evergton Sales de. A Igreja no Brasil: normas e práticas durante a vigência das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. São Paulo: Editora Unifesp, 2011, p. 147-177; PALOMO, Federico. Como se fossem seus curas: os jesuítas e as missões rurais na América portuguesa. In: FEITLER, Bruno; SOUZA, Evergton Sales de. Op. Cit., p. 231-266.
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28
Cf. MENDES, Margarida Vieira. A oratória barroca de Vieira. Lisboa: Caminho, 1989; PÉCORA, Alcir. Teatro do Sacramento: a unidade teológico-retórico-política dos sermões de Antônio Vieira. São Paulo: Edusp, 1994; MASSIMI, Marina. Palavras, almas e corpos no Brasil colonial. São Paulo: Loyola, 2005.
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29
Para alguns estudos específicos sobre as Constituições, cf. FEITLER, Bruno; SOUSA, Evergton Sales. A Igreja no Brasil: normas e práticas durante a vigência das Constituições primeiras do arcebispado da Bahia. São Paulo: Editora Unifesp, 2011.
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30
VIDE, Sebastião Monteiro da. Constituiçoens primeyras do Arcebispado da Bahia: feytas, & ordenadas pelo illustrissimo, e reverendissimo senhor D. Sebastião Monteyro da Vide, Arcebispo do dito Arcebispado, & do Conselho de Sua Magestade, propostas, e aceytas em sinodo diecesano que o dito Senhor celebrou em 12 de junho do anno de 1707. Lisboa: Officina de Pascoal da Sylva, 1719, p. 74.
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31
ABREU, Brás Luis de. Portugal médico, ou monarquia médica lusitana: história, prática, simbólica, ética e política: fundada e compreendida no dilatado âmbito dos dois mundos criados, macrocosmo e microcosmo. Coimbra: Officina de Joam Antunes, 1726, p. 243.
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32
Não foi incomum, entre os doutores luso-brasileiros dos séculos XVII e XVIII, atribuir causas espirituais e/ou sobrenaturais às doenças e epidemias, razão pela qual muitos deles recomendavam assistir as almas e a emenda dos pecados e ações como o primeiro remédio. Cf. RIBEIRO, Márcia Moisés. Op. Cit., p. 89-108; NOGUEIRA, André Luís Lima. Entre cirurgiões, tambores e ervas: calundezeiros e curadores ilegais em ação nas Minas Gerais (século XVIII). Rio de Janeiro: Garamond, 2016, p. 58-63; BETHENCOURT, Francisco. O imaginário da magia: feiticeiras, adivinhos e curandeiros em Portugal do século XVI. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p. 131-141.
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33
MACHADO, Roberto; LOUREIRO, Ângela; LUZ, Rogério; MURICY, Kátia. Danação da norma: a medicina social e constituição da psiquiatria no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1978, p. 106.
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34
Registrando, inclusive, suas experiências curativas em receituários. Cf. COLLEÇÃO de várias receitas e segredos particulares das principaes boticas da nossa Companhia de Portugal, da Índia, de Macao e do Brazil. Roma: [s. n.], 1766. v. 17; FORMULARIO médico: manuscrito atribuído aos jesuítas e encontrado em uma arca da Igreja de São Francisco de Curitiba. Curitiba: [s. n.], 1703. Biblioteca de Manguinhos (Fundação Oswaldo Cruz - Fiocruz), Seção de Obras Raras. Apenas para citar os livros conhecidos que se referem ao Brasil.
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35
Cf., entre outros: ALDEN, Dauril. The making of an enterprise: the Society of Jesus in Portugal, its empire, and beyond, 1540-1750. Stanford: Stanford University Press, 1996; O’MALLEY, John William (ed.). The Jesuits: cultures, sciences, and the arts, 1540-1773. Toronto: University of Toronto Press, 2000; MAIA, Patrícia Albano. Práticas terapêuticas jesuíticas no Império colonial português: medicamentos e boticas no século XVIII. 2012. 241 f. Tese (Doutorado em História) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.
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36
AMARO, Ana Maria. Influência da farmacopéia chinesa no receituário das boticas da Companhia de Jesus. Revista de Cultura, Macau, v. 30, p. 53-68, 1997.
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37
FLECK, Eliane Cristina Deckmann. A Companhia de Jesus e artes de curar na América platina setecentista: uma análise de manuscritos jesuíticos inéditos. Revista de Estudos de Cultura, São Cristóvão, n. 5, p. 119-136, 2016; Idem. A medicina da conversão: apropriação e circulação de saberes e práticas de cura (Província Jesuítica do Paraguay, século XVIII). Revista de Estudios Marítimos y Sociales, [s. l.], n. 11, p. 34-80, 2017; Idem. As artes de curar em um manuscrito jesuítico inédito do Setecentos: um estudo do Paraguay natural ilustrado do padre José Sanchez Labrador (1771-1776). São Leopoldo: Oikos: Editora Unisinos, 2015; Idem. Entre a caridade e a ciência: a prática missionária e científica da Companhia de Jesus (América platina, séculos XVII e XVIII). São Leopoldo: Oikos: Editora Unisinos, 2015; Idem. Para além da medicina da alma: a atuação de missionários jesuítas nas artes de curar (América platina, séculos XVII e XVIII). Anuário do Centro de Estudos de História do Atlântico, Funchal, v. 7, p. 1-28, 2015; FLECK, Eliane Cristina Deckmann; OBERMEIER, Franz. O libro de medicina, cirugía e botica: um manuscrito anônimo de matéria médica rioplatense da primeira metade do século XVIII. Antíteses, Londrina, v. 11, n. 21, p. 132-156, 2018.
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38
LEITE, Serafim. Serviços de saúde da Companhia de Jesus no Brasil (1549-1760). Brotéria, Lisboa, v. 4, n. 4, p. 386-403, 1952.
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39
LEITE, Bruno Martins Boto. Verdes que em vosso tempo se mostrou. Das boticas jesuíticas da Província do Brasil, séculos XVII-XVIII. In: KURY; Lorelai (org.). Usos e circulação de plantas no Brasil, séculos XVI-XIX. Rio de Janeiro: Andrea Jakobsson Estúdio, 2013. p. 52-93.
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40
SCHWARTZ, Stuart. A América Latina no período colonial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. p. 230.
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41
A ideia de que religião e ciência trilharam caminhos totalmente divergentes na modernidade, inclusive a de que as práticas religiosas teriam se dado de forma refratária às cientificas - o que as colocaria em uma posição de total divergência -, tem sido alvo de críticas por uma série de estudiosos há pelo menos três décadas. Nesses estudos, são observados os avanços que a matemática, a astronomia, a física, a farmácia e a história natural puderam alcançar justamente pela atuação de religiosos, com destaque para aqueles pertencentes à Companhia de Jesus, em áreas tidas como “técnicas”. Cf., entre outros, BARTHET, Bernard. Science, histoire et thématiques ésotériques chez les Jésuites en France (1680-1764). Bordeaux: Presses Universitaires de Bordeaux, 2012; PRIETO, Andrés. Missionary scientists: Jesuit science in Spanish South America, 1570-1810. Nashville: Vanderbilt University Press, 2011; ROMANO, Antonella. La contre-reforme mathématique: constitution et diffusion d’une culture mathématique jésuite à la Renaissance (1540-1640). Rome: École Française de Rome, 1999; FLECK, Eliane Cristina Deckmann Fleck. Entre a caridade e a ciência…., Op. Cit., 2004; MELGAREJO, Angélica O. Contribución a la medicina natural: Pohã Ñana, um Manuscrito inédito en Guaraní (Paraguay, S. XVIII). Corpus: Archivos Virtuales de la Alteridad Americana, [s. l.], v. 4, n. 2, p. 1-15, 2014; RABIN, Sheila J. Early modern jesuit science. A historiographical Essay. Journal of Jesuit Studies, Leiden, v. 1, n. 1, p. 88-104, 2014; HELLYER, Marcus. Catholic physics: Jesuit natural philosophy in early modern Germany. Notre Dame: University of Notre Dame Press, 2005; UDÍAS, Augustín. Searching the Heavens and the Earth: The History of Jesuit Observatories. Dordrecht: Kluwer Academic, 2003.
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42
MONTE, João Pedro Xavier do. O homem medico de si mesmo: ou sciencia, e arte nova de conservar cada hum a si próprio a saúde e destruir a sua doença. Lisboa: Officina de Antonio Vicente Silva, 1760, p. 18.
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43
PEREIRA, Nuno Marques. Compêndio narrativo do Peregrino da América. Rio de Janeiro: ABL, 1939, v. 1. p. 231.
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44
No contexto luso-brasileiro, uma separação mais clara das esferas religiosa e científica, e, portanto, na esfera médica, não será vislumbrada até a escritura e disseminação das críticas ao sistema de ensino até então monopolizado pelos jesuítas. Para esse assunto, ver, entre outros: CARNEIRO, Ana; SIMÕES, Ana. DIOGO; Maria Paula, Enlightenment Science in Portugal: The estrangeirados and their communication networks. Social Studies of Science, v. 30, n. 4, p.591-619, 2000. p.74.; CARNEIRO, Henrique. A Igreja, a medicina e o amor: prédicas moralistas da época moderna em Portugal e no Brasil. São Paulo: Xamã, 2000.
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45
PEREIRA, Nuno Marques. Compêndio narrativo do Peregrino da América, Op. Cit., p. 318.
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46
Ibidem, p. 231.
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47
Cf., entre outros: GESTEIRA, Heloísa Meireles. A cura do corpo e a conversão da alma: conhecimento da natureza e conquista da América, séculos XVI e XVII. Topoi, Rio de Janeiro, v. 5, n. 8, p. 71-95, jan./jun. 2004; MAIA, Patrícia Albano. Op. Cit.; AMARO, Ana Maria. Op. Cit.; JARNAGIN, Laura. Portuguese and Luso-Asian legacies in Southeast Asia, 1511-2011: the Making of the Luso-Asian World: intricacies of engagement. Singapore: ISEAS: Yusof Ishak Institute, 2011; MARQUES, Vera Regina Beltrão. Natureza em boiões: medicinas e boticários no Brasil setecentista. Campinas: Editora Unicamp, 1999.
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48
Cf. FREYRE, Gilberto. Casa-grande e senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. São Paulo: Global, 2006; MOTT, Luiz. Cotidiano e vivência religiosa: entre a capela e o calundu. In: SOUZA, Laura de Mello e (org.). História da vida privada no brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. v. 1, p. 155-220; VAIFAS, Ronaldo; SOUZA, Juliana Beatriz de. Brasil de todos os santos. Rio de Janeiro: Zahar, 2002.
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49
SCARANO, Julita. Fé e milagre: ex-votos pintados em madeira, séculos XVIII e XIX. São Paulo: Edusp, 2004.
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50
ROSA, João Ferreira da. Tratado único da Constituição pestilencial de Pernambuco: oferecido a El Rey N. S. por ser servido ordenar por seu Governador aos Médicos da América, que assistem aonde há este contagio, que o compusessem para se conferirem pelos Corifeus da Medicina aos ditames com que he tratada esta pestilencial febre. Lisboa: Oficina de Miguel Menescal, Impressor do Príncipe Nosso Senhor, 1694, p. 58.
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51
Sobre o papel das irmandades de brancos, pretos e pardos no Brasil colônia, conferir: RUSSEL-WOOD, John. Op. Cit.; BOSCHI, Caio César. Os leigos e o poder: irmandades leigas e política colonizadora em Minas Gerais. São Paulo: Ática, 1986; SCARANO, Julita. Devoção e escravidão: a irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos no Distrito Diamantino no século XVIII. São Paulo: Editora Nacional, 1978; SOARES, Mariza de Carvalho. Devotos da cor: identidade étnica, religiosidade e escravidão no Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000; QUINTÃO, Antônia Aparecida. Lá vem meu parente: as irmandades de pretos e partos no Rio de Janeiro e em Pernambuco (século XVIII). São Paulo: Annablume, 2002.
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52
Alguns dos principais estudos sobre os santos cultuados na colônia são: MOTT, Luiz. Rosa egipcíaca: uma santa africana no Brasil. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1993; VAIFAS, Ronaldo; SOUZA; Juliana Beatriz de. Brasil de todos os santos. Rio de Janeiro: Zahar, 2002; OLIVEIRA, Anderson José Machado de. Devoção negra: santos pretos e catequese no Brasil colonial. Rio de Janeiro: Editora Quartet, 2008.
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53
ROSÁRIO, Antônio do. Frutas do Brasil… Op. Cit., p. 144-157.
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54
MOTT, Luiz. Santos e santas no Brasil colonial. Varia História, Belo Horizonte, n. 13, p. 44-66, jun. 1994.
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55
Nas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, código normativo da Igreja que guiou a vida religiosa e moral da colônia a partir de 1719, há um título específico do livro primeiro dedicado ao culto devido às relíquias e imagens dos santos, e outro do livro quinto que aborda o crime do sacrilégio e suas devidas penas. Cf. VIDE, Sebastião Monteiro da. Op. Cit.
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56
ALGRANTI, Leila Mezan. Livros de devoção, atos de censura: ensaios de história do livro e da leitura na América portuguesa (1750-1821). São Paulo: Hucitec: Fapesp, 2004, p. 209; ARAÚJO, Ana Cristina. A morte em Lisboa: atitudes e representações (1700-1830). Lisboa: Notícias, 1997, p. 147-149.
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57
HANSEN, João Adolfo. Leituras coloniais. In: ABREU, Márcia (org.). Leitura, história e história da leitura. Campinas: Mercado de Letras; São Paulo: Associação de Leitura do Brasil, 1999, p. 173; VILLALTA, Luís Carlos. O que se fala e o que se lê. In: SOUZA, Laura de Mello e (org.). História da vida privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. v. 1, p. 331-386; DRUMMOND, Maria Francelina Silami Ibrahim. Leitor e leitura na ficção colonial. Ouro Preto: Ler, 2006, p. 25.
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58
Cf.: FRANÇA, Jean Marcel. Op. Cit.
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59
RENOU, René. A Igreja: suporte da cultura. In: MAURO, Frédéric (org.). Nova história da expansão portuguesa: o Império Luso-Brasileiro (1620-1750. Lisboa: Estampa, 1991, p. 384-403.
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60
VIOTTI, Ana Carolina de Carvalho. As práticas e os saberes médicos no Brasil colonial (1677-1808). São Paulo: Alameda, 2017, p. 56-96.
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61
ROSÁRIO, Antônio do. Approvaçam do S. Officio. Eminentissimo Senhor. In: ROSÁRIO, Antônio do. Feyra mystica de Lisboa, Op. Cit.
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62
ROSÁRIO, Antônio do. Sortes de Santo Antônio, Op. Cit., p. 79-80.
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63
ROSÁRIO, Antônio do. Carta de Marear, Op. Cit., p. 60.
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64
MARIA, Agostinho de Santa. Santuario mariano: e historia das imagens milagrosas de Nossa Senhora, e milagrosamente manifestadas, & apparecidas em o Arcebispado da Bahia, & mais bispados; de Pernambuco, Paraiba, Rio Grande, Maranhão, & Grão Parà, em graça dos Prégadores, & de todos os devotos da Virgem Maria Nossa Senhora. Lisboa: Officina de Antonio Pedrozo Galram, 1722. t. 9; Idem. Santuario mariano: e historias das imagens milagrosas de Nossa Senhora, e das milagrosamente apparecidas, que se venerão em todo o Bispado do Rio de Janeyro, & Minas, & em todas as ilhas do oceano, em graça dos prégadores, & dos devotos da Virgem Maria nossa Senhora. Lisboa: Officina de Antonio pedrozo Galram, 1723. t. 10.
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65
MARIA, Agostinho de Santa. Santuario Mariano…, Op. Cit., t. 9, p. 63-66.
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66
MARIA, Agostinho de Santa. Santuario Mariano…, Op. Cit., t. 10. p. 232-240.
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67
Todas essas associações constam na Botica preciosa, de Ângelo de Siqueira.
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68
SIQUEIRA, Ângelo de. Botica Preciosa, e Thesouro Precioso da Lapa, Em que como em Botica, e Thesouro se achão todos os remedios para o corpo, para a alma, e para a vida. Lisboa: Offic. de Miguel Rodrigues, 1754, p. 6.
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69
VIDE, Sebastião Monteiro da. Op. Cit., p. 10.
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70
A propósito da vida e atuação do padre Ângelo de Siqueira, conferir: ALMEIRA, Cônego luís de. Padre Ângelo de Siqueira, missionário, fundador e escritor ascético (1700-1776), Revista Eclesiástica Brasileira, Petrópolis, v. 7, n. 4, p. 836-848, dez. 1947; PINHEIRO, Péricles da Silva. Manifestações literárias em São Paulo na época colonial. São Paulo: Conselho Estadual de Cultura/Comissão de Literatura, 1961; RUBERT, Arlindo. O “Missionário do Brasil”: Padre Ângelo de Siqueira. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 320, p. 136-161, 1978. Agradecemos a Eva Cordeiro, responsável pelo arquivo da Igreja de Nossa Senhora da Lapa do Porto, quem gentilmente nos forneceu informações sobre a trajetória do padre Siqueira.
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71
SIQUEIRA, Ângelo de. Prólogo ao leitor. In: SIQUEIRA, Ângelo de. Pedra Iman da Novena da Milagrosissima Senhora da Lapa, que se venera nos seminários do Rio de Janeiro, e Campos dos Guaitacazes, e mais Igrejas, Capellas, e altares nos bispados de S. Paulo, e Rio de Janeiro, e mais partes do Brasil, e Portugal. Porto: Officina Episcopal do Capitão Manoel Pedroso Coimbra, 1753.
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72
SIQUEIRA, Ângelo de. Botica Preciosa, e Thesouro Precioso da Lapa…, Op. Cit.
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73
Por se tratar de uma obra de mais de 600 páginas que é composta, em linhas gerais, de “receitas” para as doenças espirituais e corporais - dispostas em uma antífona e uma oração, na maioria dos casos -, seria demasiado extenso listar todas as referências mobilizadas pelo autor. Por isso, o quadro apresenta o levantamento apenas dos títulos de remédios que acompanham um santo intercessor - mais de uma centena. Além deles, poderíamos destacar uma série de outras “receitas” selecionadas e prescritas por Siqueira, como, por exemplo: contra a avareza, contra a luxúria, contra a ira, contra a gula, contra a preguiça, para os escrupulosos, para os que cuidam que não se confessam bem, para os que cuidam que sempre julgam mal do próximo, para os que se afligem, porque se não doeram dos pecados quanto deviam doer-se, para os escrupulosos rezarem o ofício divino, para os que cuidam que pecam em tudo, para os que padecem securas espirituais nos seus exercícios, para vencer as tentações da predestinação ou reprovação, para curar melancolia; até mesmo indicações de exorcismo, tido como “eficaz e remédio para todos os achaques de que houver suspeita que são causados pelo demônio, etc.”
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74
SIQUEIRA, Ângelo de. Botica Preciosa, e Thesouro Precioso da Lapa…, Op. Cit.
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75
Ibidem.
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76
Ibidem, p. 120.
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77
Ibidem, p. 195.
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78
“Depois que entrei com a missão, e a afervorar a devoção de nossa Senhora da Lapa, e o Rosário cantado e rezado com outras devoções a nossa Senhora, e a benzer o azeite, e a curar com ele aos enfermos, teve tal fé Soror Maria do Carmelo, religiosa do mesmo Mosteiro de Odivelas, que padecendo insofríveis dores em um joelho inchado, e deslocado, pose-lhe o azeite da nossa Senhora, e ao amanhecer se achou com esse todo são, e livre de toda a moléstia, e lesão, que lhe impedia o andar, e para mais se confirmar na devoção e fé de nossa Senhora da Lapa, padecendo um forte defluxo no peito sem poder tomar respiração, e pondo-lhe o azeite em forma de cruz nos peitos, logo ficou aliviada, livre das ânsias e aflições com que estava. Assim socorre Maria Santíssima a quem a procura e serve. O certo é que quem se chega a MARIA Santíssima nossa Senhora da Lapa, não volta sem experimentar muitas melhorias: cheguemos todos a esta Botica preciosa, recorramos com viva fé, choremos aos seus soberanos pés, que deles nos havemos de levantar são e salvos, e seja ela louvada de dia e de noite, para que a louvemos em companhia de seu muito amado filho eternamente nessa glória. Amém.” (SIQUEIRA, Ângelo de. Botica Preciosa, e Thesouro Precioso da Lapa…, Op. Cit., p. 319-320).
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79
Ibidem, p. 2-3.
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80
PEREIRA, Nuno Marques. Compêndio narrativo do Peregrino da América [1728], Op. Cit., p. 231.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
18 Dez 2020 -
Data do Fascículo
2020
Histórico
-
Recebido
26 Set 2019 -
Aceito
10 Mar 2020