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AS GUERRAS DE INDEPENDÊNCIA DO BRASIL: NOTAS SOBRE SUA HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA

Resumo

Este artigo realiza observações sobre as guerras de independência do Brasil, ocorridas entre 1822 e 1824, no tocante a sua história e historiografia. O ponto central é um comentário ao livro de Hélio Franchini Neto, Independência e morte: política e guerra na emancipação do Brasil, de 2015, cujas ideias, méritos e problemas fornecem um bom pretexto para a discussão de um tema crucial para a história ibero-americana do século XIX.

Palavras-chave:
Guerras de independência; Independência do Brasil; Guerras Napoleônicas; Império do Brasil; América espanhola; Nação

Abstract

This article offers some remarks on the wars of Brazilian Independence, its history and historiography. It is centered in the book by Hélio Franchini Neto, Independência e morte: política e guerra na emancipação do Brasil (2015), which ideas provides good sources for the discussion of a major theme of ibero-american history of the nineteenth century.

Keywords:
Independence Wars; Brazilian Independence; Napoleonic Wars; Empire of Brazil; Spanish America; Nation

Tomada em seu conjunto, a historiografia da Independência jamais ignorou por completo os numerosos e importantes sucessos militares ocorridos entre 1822 e 1824 em diversas províncias do Brasil. Quase ninguém que tenha estudado a Independência a fundo negou a existência, por exemplo, dos sítios de Salvador e Montevidéu, das batalhas de Pirajá e Jenipapo, de outros enfrentamentos que tiveram como palco Bahia, Maranhão, Piauí, Pará e Província Cisplatina, ou das mobilizações militares observadas no Ceará, em Pernambuco, no Rio de Janeiro e no Espírito Santo. E personagens como Cochrane, Grenfell, Madeira, Labatut e Fidié sempre marcaram presença na historiografia sobre o período3 3 Também na memória nacional brasileira, com suas muitas variações estaduais e locais. A esse respeito: SOUZA, Maria Aparecida Silva. História, Memória e Historiografia: a Independência na Bahia. Politeia (Vitória da Conquista), v. 3, p. 175-194, 2005; COELHO, Raphael Pavão Rodrigues. A Memória de uma heroína: a construção do mito de Maria Quitéria pelo Exército Brasileiro. 2019. 144 f. Dissertação (Mestrado em História) - Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2019. Disponível em: encurtador.com.br/nrzJZ. Acesso em: 11 jul. 2022; MORAES, Maria Dione Carvalho de; CAVALCANTE, Juliana Rodrigues. Memória social da Batalha do Jenipapo: trilhas e enredos patrimoniais em Campo Maior (PI). Ciências Sociais Unisinos, v. 47, n. 3, 2011, p. 232-248. Disponível em: encurtador.com.br/LMQ26. Acesso em: 11 jul. 2022; e REIS, Natacha Regazzini Bianci. Motins Políticos de Domingos Antonio Raiol: memória, historiografia e identidade regional. 2003. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2003. Também GONÇALVES, Roberta Teixeira. Lembranças de uma guerra: apropriações políticas das memórias históricas da Guerra da Cisplatina ou Guerra del Brasil. Jundiaí: Paco, 2017, uma vez que a Guerra da Cisplatina pode ser considerada, ao menos no plano das relações internacionais e em uma periodização alargada, como uma das guerras de Independência do Brasil, talvez a última delas. . No entanto, as guerras de independência quase sempre foram tratadas de modo tangencial e fragmentado, e mesmo as obras de historiadores militares, quando valorosas no tratamento detalhado de aspectos interessantes de tais sucessos, dificilmente superaram a barreira dos particularismos de modo a considerarem-nos parte de uma história social mais ampla.

Além de padecer de interpretações residuais e fragmentadas, a historiografia das guerras de Independência também costuma sofrer as limitações a ela impostas por um cânone interpretativo largamente dominante a respeito da separação política entre Brasil e Portugal: a de um processo fundamentalmente negociado e pacífico, supostamente desprovido de rupturas profundas, isolado e excêntrico em relação ao restante do mundo de sua época e perfeitamente coerente com o que seria uma verdadeira índole nacional brasileira - conciliadora e refratária a conflitos abertos. Nessa perspectiva, se guerras em geral tipificam processos disruptivos e violentos, as guerras de Independência do Brasil só poderiam ter sido pontuais, insignificantes ou ambíguas.

Observemos o caso exemplar de Varnhagen, nas páginas de sua História da Independência do Brasil (1916-1917) especialmente dedicadas ao Pará. Em um primeiro momento, Varnhagen afirmou que, “[...] chegada a hora de ser finalmente no Pará proclamada a Independência e o Império [...]”, “[...] tudo se fez sem o menor derramamento de sangue [...]”, isto é, graças ao bem conhecido “estratagema de Grenfell”4 4 Que consistiu em dobrar a resistência do governo de Belém ao Império do Brasil, fazendo-o acreditar que sua presença próxima à cidade antecipava uma poderosa esquadra comandada por Cochrane, quando, em realidade, Grenfell estava só e à frente de uma única embarcação. VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História da independência do Brasil. 7. ed. Belo Horizonte/São Paulo, Itatiaia/Edusp, 1981, p.349. . Mais adiante, porém, ao tratar do desembarque do almirante inglês em Belém na noite de 16 de outubro de 1823, afirma ter este conseguido “[...] restabelecer a ordem, à força de ataques sucessivos e algum derramamento de sangue [...]”. Finalmente sobre o motim do brigue Palhaço, que terminou com a morte de 255 prisioneiros, Varnhagen escreveu que “[...] embora houvesse o mesmo Grenfell conseguido sem derramamento de sangue a submissão das forças portuguesas que ocupavam a capital, não tardaram a levantar-se motins, que terminaram em cenas do maior horror [...]”5 5 Idem, p. 350. . Mas, afinal, a Independência no Pará teve ou não derramamento de sangue? Compreende-se a relutância do autor em admitir que sim, uma vez que sua visão da Independência, típica construção intelectual do século XIX, era preconcebida como a de um processo natural, evolutivo e progressivo que, fincando raízes no empreendimento colonial português, teria amadurecido ao longo de três séculos até ser acelerado e conduzido pela ação individual do príncipe D. Pedro. Um processo, portanto, que não admitiria grandes rupturas.

Em perspectiva historiográfica bastante distinta e formulada décadas depois, Nelson Werneck Sodré, a despeito de dedicar um capítulo de sua Introdução à Revolução Brasileira (1958SODRÉ, Nelson Werneck. Introdução à revolução brasileira. Rio de Janeiro: José Olympio, 1958.) à formação do exército nacional desde tempos coloniais até meados do século XX, bem como um livro inteiro às chamadas Razões da Independência (1965), toca na questão das guerras de independência de modo quase imperceptível, apenas em alusão geral aos conflitos presentes nos momentos iniciais do Império do Brasil. Afinal, a ênfase do autor residia, em sintonia com uma historiografia marxista crítica em desenvolvimento no Brasil de meados do século XX, na continuidade de estruturas coloniais que amarrariam o pleno desenvolvimento nacional do Brasil independente. E assim como “a estrutura brasileira não sofreu abalo com a autonomia” e “as relações de produção permaneceram as mesmas”, sem ter havido qualquer deslocamento das “relações de classe”, as guerras de independência alinhavam-se a distúrbios e motins apenas comuns, em um processo que teria sido de natureza fundamentalmente conservadora6 6 SODRÉ, Nelson Werneck. Introdução à revolução brasileira. Rio de Janeiro: José Olympio, 1958, p. 170; SODRÉ, Nelson Werneck. As razões da independência. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965. .

Se em Varnhagen o conservadorismo da Independência era louvado, em Werneck Sodré ele era lamentado. São dois exemplos representativos de divergências historiográficas que envolveram centenas de outros historiadores e que, ao fim e ao cabo, resultaram em uma convergência quase absoluta: o conservadorismo de um processo histórico que não poderia atribuir centralidade à guerra nem a outros conflitos e mobilizações militares. É sintomático que a mais profunda revisão historiográfica de tal interpretação, inclusive das guerras de independência, tenha partido de uma recusa de seus pressupostos interpretativos mais gerais. Assim, em Conciliação e reforma no Brasil (1965), José Honório Rodrigues afrontou, de modo pioneiro, a mitologia do brasileiro conciliador7 7 RODRIGUES, José Honório. Conciliação e Reforma no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965. ; tempos depois, em Independência: revolução e contra-revolução (1975-1976), dedicou largas e detalhadas passagens às guerras de Independência, atribuindo-lhes posição central no desenrolar do processo de separação entre Brasil e Portugal, em uma tônica fortemente destoante de quase todo o restante da historiografia. Para Rodrigues, as guerras de independência não apenas estiveram longe de serem pontuais e fragmentadas, como teriam se constituído em uma verdadeira mobilização nacional brasileira, envolvendo praticamente todos os setores da sociedade da época, e ensaiando uma revolução - também ela supostamente nacional - cuja radicalidade logo seria enfrentada e derrotada por uma poderosa reação conservadora, uma contrarrevolução8 8 RODRIGUES, José Honório. Independência: revolução e contra-revolução. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1975-1976, v.3, “As forças armadas”. .

Transitando entre ambiguidade demonstrada por Varnhagen, a insignificância proposta por Sodré e os exageros anacrônicos de Rodrigues, muitos outros autores continuaram a tocar nas guerras de Independência. Nenhum deles, no entanto, com o desejável equilíbrio entre informação e interpretação e atribuindo-lhes centralidade histórica tão contundente e verdadeira quanto Hélio Franchini Netto, em seu recente livro Independência e morte: política e guerra na emancipação do Brasil (1821-1823)9 9 FRANCHINI NETO, Hélio. Independência e morte: política e guerra na emancipação do Brasil. Rio de Janeiro: Topbooks, 2019, 673 p. O livro apresenta um vasto e altamente meritório trabalho com fontes primárias e bibliografia, sendo versão abreviada de uma tese de doutorado defendida em novembro de 2015 no Departamento de História da Universidade de Brasília, orientada por Francisco Doratioto. . Um livro a ser exaltado por ser, sem sombra de dúvida, o melhor até agora escrito sobre as guerras de Independência10 10 Daí sua inclusão em uma recente relação de 100 livros essenciais sobre a independência: PIMENTA, João Paulo; MONTEIRO, GONÇALO, Nuno. Portugal and Brazil in the Age of Revolutions. Oxford Bibliographies (no prelo). , mas também a ser examinado criticamente à luz da história e da historiografia da Independência, uma vez que sua contribuição historiográfica reside não apenas em muitos e majoritários acertos, mas também na oferta de equívocos a serem corrigidos, de omissões a serem preenchidas e de problemas interpretativos a serem recolocados11 11 Para além das questões que trataremos a seguir, há que se dizer que, em termos formais, a edição do livro é descuidada: ele apresenta numerosos erros ortográficos, inclusive na grafia de nomes de personagens históricos (“Montesuma”, p. 49; “Castlereach”, p. 66; “Wensel”, p. 105; “Greenfell”, p. 382) e de autores (“Marcelo”, p. 38; “Lívia Schiavinatto”, p. 55; “Willian”, p. 78; “Viana”, p. 100; “Valentina”, p. 589; Schwatz”, p. 666). As notas de rodapé padecem de padronização, com autores referidos confusa e indistintamente pelo último ou penúltimo sobrenome em maiúsculas, ou ainda pelo primeiro nome em minúsculas; e as obras estão ora em referência completa, inclusive com website, ora apenas com nome e ano de publicação (ou ainda só o ano). .

Independência e morte não poderia apresentar-se sob título mais adequado: verdadeiro, preciso e iconoclasta na medida certa. Afinal, sua ideia central é a de que a Independência teve, sim, morte, foi um processo violento, e o Brasil nasceu como Estado e como nação, dentre outros fatores, pela guerra:

A guerra, impondo vontades ou rompendo impasses, foi peça-chave para a construção da unidade territorial do Império, na ausência de uma efetiva identidade ‘brasileira’ e em meio a diferenças importantes entre as regiões do Reino. Foi uma ferramenta de consolidação do poder imperial e de unificação do território, correndo paralelamente às negociações políticas e tentativas de cooptação pelos dois polos que se formaram na disputa e que acabaram por concentrar as opções, mesmo que houvesse muitas outras ideias e projetos em voga no Reino naquele período12 12 FRANCHINI. Independência e morte, cit., p. 26. Em outras passagens (por exemplo, p. 24), no entanto, o autor fala não em construção, mas em manutenção da unidade. Como já expusemos em outras ocasiões, preferimos, evidentemente, em se tratando do contexto da Independência, a primeira afirmação. .

A ideia completa-se com a afirmação de que as guerras de independência se desenrolaram a partir de fatores ligados não apenas à evolução do conflito de interesses políticos e econômicos entre grupos sediados no Brasil e em Portugal, mas também de uma enorme gama de situações locais, variáveis de acordo com perfis socioeconômicos e contextos políticos de cada província:

No Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Cisplatina e Bahia (que representavam parte significativa do território, população e economia do Brasil), além de pontos espalhados por todo o Reino, houve lutas que se iniciaram com cores locais e afunilaram, por pressão externa, na opção entre Lisboa ou Rio de Janeiro. Nesses pontos, o conflito desembocou na guerra13 13 Idem, p. 24. .

Logo comentaremos com pormenor essa ideia central14 14 Que não é de todo original. Antes de Franchini, não foram poucos os autores a afirmarem-na. Apenas dois exemplos: SLEMIAN, Andréa; PIMENTA, João Paulo. O “nascimento político do Brasil”: as origens do Estado e da nação (1808-1825). Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2003; p. 96; e KRAAY, Hendrik. Muralhas da independência e liberdade do Brasil: a participação popular nas lutas políticas (Bahia, 1820-25). In: MALERBA, Jurandir (Org.). A Independência brasileira: novas dimensões. Rio de Janeiro: FGV, 2006, p. 303-341. . Por ora, destaquemos que, embora fundamentalmente correta, ela é incongruente com o subtítulo do livro - política e guerra na emancipação do Brasil. Pois, a despeito de seu autor manejar bem a historicidade do conceito de “independência” que, como foi bem demonstrado por parte da historiografia, à época não necessariamente indicava anseios de total separação política15 15 OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles. Sociedade e projetos políticos na província do Rio de Janeiro. In: JANCSÓ, István (Org.). Independência: história e historiografia. São Paulo: Hucitec, Fapesp, 2005, p. 476-477; NEVES, Guilherme Pereira das; NEVES, Lucia Maria. Independencia/Brasil. In: FERNÁNDEZ SEBASTIÁN, Javier (Org.). Diccionario político y social del mundo iberoamericano (Iberconceptos II). Madrid: Universidad del País Vasco/Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2014, v. 4, p. 49-64. Talvez o único deslize de Franchini no manejo do conceito ocorra à p. 416, quando não entende o que os partidários de D. Pedro em Parnaíba, em 19 de outubro de 1822, queriam dizer por “independência”. , o mesmo não pode ser dito do conceito de “emancipação”. Amplamente utilizado por publicistas europeus influentes no mundo luso-americano de começos do século XIX, tal conceito indicava um processo de lento e gradual amadurecimento político, metaforicamente associado a um filho que, preparado por seus pais para a vida adulta, deles se separa quando é chegada a hora16 16 MOREL, Marco. Independência no papel: a imprensa periódica. In: JANCSÓ, István (Org.). Independência: história e historiografia. São Paulo: Hucitec/Fapesp, 2005, p. 617-626; PIMENTA, João Paulo. De Raynal a De Pradt: apontamentos para um estudo da ideia de emancipação da América e sua leitura no Brasil. Almanack Braziliense, n. 11, 2010 Disponível em: encurtador.com.br/cuTZ5. Acesso em: 11 jul. 2022; SANTOS, Cristiane Alves Camachos dos. Escrevendo a história do futuro: a leitura do passado no processo de independência do Brasil. São Paulo: Alameda, 2017, p.60-72. . E, no processo em questão, a Independência do Brasil foi muitas vezes pensada como emancipação, ou seja, como uma separação natural e desejada em relação a Portugal; por isso mesmo, como não violenta. Uma independência que, como concepção intelectual, também é um fenômeno histórico em si, mas que, como descrição do processo, é contrária à ideia do próprio Franchini, que se limita a adotar um termo cuja carga conceitual, se fosse por ele discutida, fortaleceria e aprofundaria sua ideia central.

O subtítulo do livro nos permite discutir também sua periodização, que formalmente nos é apresentada como 1821-1823. No entanto, o Capítulo I intitula-se “O Brasil de 1822”, e nele vemos muito bem desenvolvida a centralidade, para as guerras vindouras, de marcos como o início dos violentos conflitos em torno do exercício do governo da Bahia, em 19 e 20 de fevereiro de 1822; ou os decretos de 1o de agosto pelos quais o ainda príncipe regente declarou inimigas quaisquer forças militares que no Brasil desembarcassem sem seu consentimento, e explicou as causas da guerra contra Portugal (questão aprofundada por Franchini no Capítulo III, “Uma rebelião armada”). Mais uma vez, é o próprio autor que nos mostra a inadequação de seu subtítulo, uma vez que as guerras de Independência começaram em 1822, e não em 1821. Mas periodizações jamais são perfeitas, como bem o sabe qualquer historiador, e sempre se deve flexibilizá-las. Ao fazê-lo como recuo, porém, já no Capítulo II, “A constituinte ‘luso-brasileira’”, Franchini recua também em sua narrativa e, ao tratar da chegada ao Brasil da Revolução do Porto, confunde o seu leitor, que já estava se acostumando a traçar as relações entre os acontecimentos de 1822 e as vindouras guerras (tratadas a fundo nos capítulos III a VII), além de a ele oferecer um capítulo quiçá sem a mesma força informativa e interpretativa dos demais.

E, se há um encadeamento no plano político que torna os acontecimentos de 1822 tributários da convocação dos representantes da nação portuguesa às Cortes lisboetas, o mesmo pode ser dito a respeito da relação entre as guerras e outros acontecimentos ainda mais anteriores. Nesse ponto, há uma ausência sensível no livro de Franchini: sua diminuta, quase irrelevante, consideração das numerosas e poderosas conexões entre a conjuntura guerreira de 1822-24 e as Guerras Napoleônicas encerradas formalmente em 1815. Conforme bem apontou outro autor, Alejandro Rabinovich, desde começos do século XIX, as guerras europeias de fins do século XVIII estavam “cruzando” o Atlântico, no sentido de se metamorfosearem, envolverem e interagirem com a crise dos impérios ibéricos nas Américas já desde os primeiros momentos dessa crise17 17 RABINOVICH, Alejandro M. La société guerrière. Pratiques, discours et valeurs militaires dans le Rio de la Plata, 1806-1852. Rennes: Presses Universitaires de Rennes, 2013, p. 31-32 ; RABINOVICH, Alejandro M. The Making of Warriors: The Militarization of the Rio de la Plata, 1806-1807. In: BESSEL, R./ GUYATT, N./RENDALL, J. (Ed.).War, Empire and Slavery, 1770-1830. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2010, p. 81-98. . No que diz respeito particularmente às guerras do Brasil, suas conexões com as napoleônicas podem ser evidenciadas com um simples enunciado preliminar de ex-combatentes europeus que, na América Portuguesa de inícios da década de 1820, não só renovaram seu ofício militar, como também se tornaram destacadas lideranças políticas, casos de Cochrane, Lecor, Álvaro da Costa, Rego Barreto, Caula, Avilez, Bernardo Pinto da Fonseca, Fidié e José Maria de Moura, dentre outros. E, também, pelo fato de que, no Brasil, a exemplo do que se passava em outros quadrantes do mundo ocidental da época, se observam sintomas contundentes de militarização da política e de politização da guerra18 18 PIMENTA, João Paulo. Independência do Brasil. São Paulo: Contexto, 2022, p.56. O livro de HALPERIN DONGHI, Tulio. Revolução e guerra: formação de uma elite dirigente na Argentina criolla. São Paulo: Hucitec, 2015 (1. ed. 1972) prestaria bons serviços à obra de Franchini. Em começos do século XIX, típica conjuntura revolucionária de aceleração do tempo histórico, muitas dimensões da realidade social estão se mesclando e criando novas sínteses: além da política e da guerra, também a economia, a cultura etc. Também TERNAVASIO, Marcela. Los juegos de la política: las independencias hispano-americanas frente a la contrarrevolución. Buenos Aires/Zaragoza: Siglo XXI/Prensas de la Universidad de Zaragoza, 2021. .

Nessa mesma direção, a ampla publicização das guerras europeias no Brasil desde 1808 criou espectros, expectativas e subsidiou a construção de experiências políticas decisivas não apenas para o desenrolar do processo de Independência (inclusive de suas guerras), mas também para a formação de poderosos anseios de diminuição e negação de seu caráter violento e destrutivo. Anseios estes inseridos no próprio processo de Independência. Logo voltaremos também a esse ponto. Por ora, basta indicar que as relações entre as Guerras Napoleônicas e as guerras de Independência do Brasil ainda precisam ser devidamente exploradas pela historiografia, preferencialmente com a observação de toda uma conjuntura bélica que vai muito além do Brasil e de Portugal19 19 Uma excelente colaboração nessa direção: PUIGMAL, Patrick. Brasil bajo influencia napoleónica y francesa. Los mensageros de la independencia: militares, libreros y periodistas. História, Instituto de Historia, Pontificia Universidad Católica de Chile, n. 46, v. 1, enero-junio 2013, p. 113-151. Disponível em: encurtador.com.br/jtNXZ. Acesso em: 11 jul. 2022. .

No tocante ao marco final da periodização de Franchini, a retirada das tropas portuguesas de Montevidéu, como bem nos mostra seu livro, assinala uma convincente inflexão na história das guerras. Ela ocorreu, porém, não naquele ano de 1823 destacado no subtítulo, mas em 1824; além disso, o Capítulo VIII, “O pós-guerra e o reconhecimento da independência”, expande a análise até 1825. E, já que Franchini avançou até aí, esse bom encerramento do livro prestaria um serviço historiográfico ainda mais contundente se tivesse considerado, ainda que de passagem, as relações entre o Brasil e a América Espanhola que, ao longo de todo aquele ano, se pautaram em torno da possibilidade de pelo menos duas guerras: uma, entre o Brasil e uma hipotética coligação de repúblicas bolivarianas em torno da questão de Chiquitos, e que jamais se concretizou; a outra, entre o Brasil e as Províncias Unidas do Rio da Prata, preparada em meio à questão de Chiquitos e às negociações para os reconhecimentos português e britânico da Independência do Brasil, para finalmente ser deflagrada em dezembro de 1825. A consideração da possibilidade dessas guerras exteriores mostraria que, naquele ano, as guerras de independência do Brasil já estavam suficientemente resolvidas a ponto de cederem espaço a conflitos internacionais entre Estados americanos cuja consolidação, embora incipiente, já lhes permitia ao menos guerrear uns aos outros20 20 ROJAS CASTRO, Daniel Emilio. Relations diplomatiques colombo-bresiliennes, 1821-1831. 2013. Tese (Doutorado em História) - Université Paris 1 Pantheon-Sorbonne, 2013; também MATTOS, Ilmar Rohloff de. Construtores e herdeiros. A trama dos interesses na construção da unidade política. In: JANCSÓ, István (Org.). Independência: história e historiografia. São Paulo: Hucitec, Fapesp, 2005, p. 271-300. .

As relações do Brasil com a América espanhola, que arrancam com as guerras napoleônicas, perpassam todo o processo de Independência e são parcialmente reconfiguradas em 1825, formam parte intrínseca do desenvolvimento de uma realidade histórica multifacetada em seus tempos e espaços, em meio à qual as guerras de independência de 1822 a 1824 poderiam ser finalmente compreendidas à altura das pretensões de Franchini: como um elemento nodal não apenas do processo de separação política entre Brasil e Portugal, mas também da própria construção do novo Estado e da nova nação:

Em 2022, o Brasil completará 200 anos de sua Independência. Observando o país hoje, com seus desafios e problemas, é fácil esquecer que em um território de dimensões continentais, existe um Estado consolidado e, mais importante, os brasileiros se veem, de norte a sul, como nação única21 21 FRANCHINI. Independência e morte, cit., p. 625. Poucas linhas abaixo, o autor afirma que “[...] há quase duzentos anos, esse processo de consolidação do Estado e de seu território se iniciou”. Evidentemente, não se pode afirmar o início da consolidação de algo que, a rigor, não existia antes de 1822 (mas, sim, sua construção). .

Como vimos anteriormente, embora forte, a ideia não é original. As pretensões de Franchini poderiam então ser melhor enunciadas - o autor não as trata nesses termos - em termos de aprofundar, detalhar e dar maior consistência ao que já sabemos sobre as relações entre as guerras de Independência e a formação do Estado e da nação brasileiros. No entanto, a realização de tais pretensões se vê limitada pelo fato de o autor, embora leitor de numerosa historiografia, não avaliou a fundo aquela já disponível a respeito dessas relações especificamente. Também esbarra no decepcionante tratamento que dá aos quadrantes mais amplos das guerras de Independência, não apenas pela já apontada insuficiência de sua consideração das guerras napoleônicas, mas também por sua abordagem estereotipada e anacrônica das guerras hispano-americanas que, como é amplamente sabido, em muitos casos, foram também, direta ou indiretamente, guerras luso-americanas. Se, em 1808, o que importava nas experiências políticas construídas e vividas no Brasil eram principalmente os eventos europeus, em especial os peninsulares, a partir de 1810, estes passaram a dividir espaço, por vezes até em relação de desvantagem, com os acontecimentos hispano-americanos, e por uma razão muito simples: enquanto a Corte esteve no Brasil, ela sempre teve uma vizinhança convulsionada, perigosa, temerária e, contraditoriamente, inspiradora. É por isso que as guerras de lá e cá formaram, de modo progressivo e coerente, uma mesma unidade histórico-temporal (integrada a uma conjuntura ainda mais ampla e com tempos e espaços plurais específicos), que perpassa as guerras de 1822 a 1824 para, atravessando todo o século XIX, chegar até a Guerra da Tríplice Aliança (1864-1870). No entanto, e a despeito do enorme potencial interpretativo da consideração dessa unidade para a formação, pela guerra, do Estado e da nação brasileiros, Franchini preferiu herdar da historiografia a velha e insuficiente insistência no contraste, na excepcionalidade e na singularidade do Brasil em relação à América espanhola:

Esses dois eventos históricos, aliás, foram muito diferentes no tempo em que se desenrolaram, de modo que não se pode comparar o processo brasileiro, concentrado em praticamente pouco mais de um ano, com a longa década que marcou a emancipação das Colônias espanholas22 22 FRANCHINI. Independência e morte, cit., p. 635-636. Em outra passagem, porém, Franchini aventara a possibilidade de que “[...] o Norte-Nordeste esteve em situação mais parecida com as colônias espanholas nas Américas em seu processo de Independência, do que com o Centro-Sul brasileiro [...]” (p. 58); e mais à frente, em direção contrária, afirma que a força armada “[...] não apenas garantiu que houvesse um centro organizador de poder no Rio de Janeiro, como foi essencial para que o caso brasileiro se diferenciasse daquele da América Espanhola, na medida em que o Brasil terminou uno [...]” (p. 120), o que implica desconsiderar o caso da Província Cisplatina, ademais amplamente contemplado no próprio livro. Para um confronto explícito com tais posições e ambiguidades, cf.: PIMENTA, João Paulo. A Independência do Brasil e a experiência hispano-americana (1808-1822). São Paulo: Hucitec/Fapesp, 2015. .

O que é, sem dúvida, uma forma de, inadvertidamente, reforçar aquele mesmo paradigma do Brasil não violento que Independência e morte quer, meritoriamente, afrontar: a América espanhola convulsionada em contraste com o Brasil pacífico.

Insistamos nesse ponto: a unidade histórica que envolve, na chamada Era das Revoluções, a crise dos impérios ibéricos em suas muitas interações recíprocas e as diversas modalidades específicas de criação de dezenas de Estados e nações no continente americano ajuda a explicar o mito fundacional de um Brasil singular, não violento e - corolário de tais concepções - supostamente superior aos seus vizinhos continentais. Em termos concretos, essa unidade histórica e sua potência conformadora das futuras guerras de Independência foram construídas em situações tais como: as ameaças militares portuguesas contra Buenos Aires, Paraguai e Alto Peru a partir de 1808; as guerras efetivamente movidas contra territórios indígenas próximos ao Rio de Janeiro, contra os franceses em Caiena em 1809, e contra hispano-americanos na Banda Oriental em 181123 23 Franchini menciona as campanhas de Caiena e Montevidéu às pp. 223-224, 494 e 525-529. ; a elevação do Brasil a Reino em 1815, ao que tudo indica, com base em temores de que a América Portuguesa trilhasse o mesmo caminho de fragmentação política e de guerras civis que a América Espanhola; as mobilizações e gastos militares de Portugal com a Banda Oriental (logo Província Cisplatina), que, entre 1820 e 1822, forneceram pretextos para a eclosão da Revolução do Porto e a subsequente cristalização da divisão de interesses políticos entre Brasil e Portugal; a atuação no Brasil, entre 1822, 1823 e 1824, de vários militares treinados nos conflitos europeus, mas também hispano-americanos, caso dos aqui já mencionados de Labatut, Cochrane, Grenfell; e os avanços na consolidação internacional do Império do Brasil como um Estado independente e soberano em 1825, e que se conectaram com mobilizações políticas e militares que envolveram praticamente todos os incipientes governos nacionais do continente.

À relação entre guerras, Estado e nação, Franchini acrescenta o detalhamento das informações, baseadas em ampla pesquisa documental; a espacialidade extraprovincial dos conflitos muito bem desenhada; e a contundência de muitas afirmações baseadas em uma matéria histórica cuja densidade nos era praticamente desconhecida até agora. Deve-se destacar também seu competente, rigoroso e elucidativo jogo de escalas, segundo o qual - e ao contrário do que afirmaram muitos historiadores e ainda acreditam muitos brasileiros eivados de senso comum - o tamanho das guerras de Independência do Brasil - corpos militares disponíveis e criados, combatentes armados, mortos e feridos, recursos mobilizados - jamais foram insignificantes, seja em termos comparativos com outras guerras ao longo da história da humanidade, seja em termos do que elas implicaram para o Brasil de começos do século XIX24 24 No entanto, a afirmação de que “a guerra no Brasil mobilizou um número de combatentes maior do que o das guerras de libertação da América espanhola” (FRANCHINI. Independência e morte, cit., p. 28) seja um claro disparate, sem qualquer respaldo na bibliografia voltada às campanhas hispano-americanas (por exemplo, THIBAUD, Clément. República en armas: los ejércitos bolivarianos en la guerra de Independencia en Colombia y Venezuela. Bogotá: Planeta, 2003; e ORTIZ ESCAMILLA, Juan. El teatro de la guerra: Veracruz, 1750-1825. Castelló de la Plana: Universitat Jaume I, 2008). . Além disso, nos explica que muitos dos combatentes das guerras de independência do Brasil, uma vez que elas começaram a pender definitivamente para o que à época podia ser referido como “partido brasileiro” ou “causa do Brasil”, trataram de apagar ou abertamente negar sua participação no lado oposto25 25 FRANCHINI. Independência e morte, cit., p.597, e 638-639. . A escala do fenômeno - deliciosamente satirizado pelo romance de João Ubaldo Ribeiro, Viva o povo Brasileiro (1984) - bem como os detalhes dos casos concretos que o tipificam, ainda precisam ser devidamente elucidados26 26 Uma contribuição nessa mesma direção: GUERRA FILHO, In: NASCIMENTO, Jairo Carvalho do; OLIVEIRA, Josivaldo Pires de; GUERRA FILHO, Sérgio Armando Diniz (Org.). Bahia: ensaios de História Social e Ensino de História. Salvador: Eduneb, 2014, p.19-41. Disponível em: encurtador.com.br/cjzT5. Acesso em: 11 jul. 2022. ; mas, nesse ponto, Franchini tem toda razão em posicioná-lo no âmago do surgimento da mitologia do Brasil não violento.

Não se trata, porém, do único fenômeno que está nesse âmago. Outro deles, não tratado por Franchini, mas sim por autores a ele anteriores e que também fariam uma bela figuração em Independência ou morte, diz respeito à construção discursiva, linguística e conceitual segundo a qual o curso dos acontecimentos no Brasil o estaria levando a um lugar destacado dentre os Estados e as nações “civilizados”, uma vez que sua Independência teria sido administrada pela sábia conduta de homens célebres capazes de, supostamente, promover a moderação e evitar os “horrores” da “anarquia”, da “guerra civil” e da “efusão de sangue” (expressões coevas) observados à época em outras partes do mundo. Essa construção, presente em periódicos, memórias, relatos de viajantes e pronunciamentos oficiais, figuraria também naquela que pode ser considerada a primeira história formal da independência do Brasil, a História dos principais sucessos políticos do Império do Brasil, de autoria de José da Silva Lisboa (1826-1830). Tal construção se tornaria um dos mais poderosos e duradouros subsídios do mito do Brasil não violento27 27 OLIVEIRA, Cecilia Helena de Salles. Historiografía y memoria de la Independencia. In: PIMENTA, João Paulo (Coord.). Y dejó de ser colonia: una historia de la Independencia de Brasil. Madrid: Silex, 2021, p.335-370. . Um mito cuja história, ainda por ser devidamente escrita, doravante encontrará no livro de Franchini uma referência obrigatória.

Em seu nascedouro, portanto, o Brasil não apenas começou a inventar para si uma história - a de suas presuntivas diferenças, singularidades e superioridades - mas também foi distorcendo-a e silenciando-a, pressionando as guerras de Independência em direção à irrelevância ou ao ostracismo. Tudo isso nos mostra como tais guerras foram, efetivamente, guerras políticas, tanto em termos das disputas narrativas coevas a seu respeito quanto da sua existência real como enfrentamentos militares. Também nesse ponto Franchini está coberto de razão ao politizar as guerras de Independência, fazendo-o muito bem, embora de modo parcial. Pois as guerras (I) surgiram de, (II) se desenvolveram a partir de, e (III) resultaram em fenômenos políticos da maior importância. Mas, se esse surgimento é (a despeito de algumas ressalvas que anteriormente assinalamos) bem demonstrado em seu livro, e se os impactos políticos são nele bem enunciados (embora não aprofundados), falta-lhe o desenvolvimento político da guerra.

E aqui podemos encerrar esta breve abordagem do problema das relações entre história e historiografia das guerras de independência e da formação do Estado e da nação brasileiros acrescentando um último elemento: o papel das identidades políticas no advento de tais guerras, assim como, de modo reverso e simultâneo, o papel das guerras nas dinâmicas identitárias portuguesas em desenvolvimento no Brasil, sobretudo nos primeiros anos da década de 182028 28 O que só pode valorizar o estudo da diversidade social em armas nas guerras de independência, empreendido de modo pioneiro por José Honório Rodrigues e, posteriormente, dentre outros, por SILVA, Luiz Geraldo. Negros patriotas. Raça e identidade social na formação do Estado nação (Pernambuco, 1770-1830). In: JANCSÓ, István (Org.). Brasil: formação do Estado e da nação. São Paulo: Hucitec, Fapesp, Editora Unijuí, 2003, p. 497-520. Trata-se de tema fortemente atual, e que, no contexto do Bicentenário da Independência, vem ganhando impulso ainda maior por meio das pressões políticas do presente sobre o passado (se tais pressões desembocam ou não em anacronismos e distorções depende da competência de cada historiador). . Ora, Franchini é categórico e correto ao afirmar - com base na historiografia - que nem as guerras, tampouco a Independência em si foram processos de enfrentamento entre duas nações opostas ou assentados em conflitos identitários nacionais entre brasileiros e portugueses29 29 FRANCHINI. Independência e morte, cit., p.37, p.39, além de outras passagens. . Isso é fato. No entanto, após a leitura de Independência e morte, podemos nos questionar três coisas: 1) como, efetivamente, as guerras de independência politizaram ainda mais identidades coletivas que, no Brasil, já vinham passando por tal reconfiguração desde fins do século XVIII? 2) Como as guerras criaram, se é que criaram, novas identidades políticas? e 3) O que ocorreu para que a conjugação dessas identidades com projetos políticos identificados como brasileiro e português, correspondentes às duas maiores facções em luta durante aqueles decisivos anos de 1822, 1823 e 1824, adquirissem feições cada vez mais de identidades e alteridades de tipo nacionais? Não que uma identidade nacional brasileira tenha surgido, de repente, com as guerras ou logo após o seu término; é inegável, porém, que estas deram sua contribuição para tal advento30 30 De nossa parte, desconhecemos bases empíricas que, até o presente momento, possam sustentar a insinuação de Franchini segundo a qual uma “identidade nacional brasileira” teria surgido antes em províncias do centro-sul do Brasil do que no norte-nordeste (FRANCHINI. Independência e morte, cit., p. 42). Basta lembrar que as revoluções de Pernambuco em 1817 e 1824 não engendraram projetos de nação que, mesmo considerando suas particularidades, não se reportassem, respectivamente, às nações portuguesa e à brasileira então vigentes. . Se antes das guerras já havia uma acelerada definição de interesses políticos, econômicos e militares portugueses e brasileiros como incompatíveis entre si, os enfrentamentos armados entre grupos que podiam defender projetos alocados sob tal polarização seguramente colocou o jogo de identidades e alteridades anteriormente delineado em um novo patamar, e de acordo com uma lógica menos fundamentada na viabilização da Independência em si, e mais na da construção e consolidação do Estado e da nação brasileiros.

Como tudo isso se deu exatamente, ainda não sabemos. De nossa parte, apenas sustentamos que, no Brasil, um Estado, uma nação e uma identidade nacional brasileiros foram se constituindo em um processo de configurações e determinações recíprocas31 31 JANCSÓ, István; PIMENTA, João Paulo G. Peças de um mosaico (ou apontamentos para o estudo da emergência da identidade nacional brasileira). In: MOTA, Carlos Guilherme (Org.). Viagem incompleta: a experiência brasileira. Formação: histórias. São Paulo: Senac, 2000, p.127-175. ; e que, uma vez definido o substrato referencial básico desses três pontos - sua condição de brasileiros -, é que a história engendraria o que poderíamos chamar de um nacionalismo também brasileiro, ao menos em sua matriz básica. Tudo isso remonta à Independência, mas não só a ela; e, de modo sensível, mas não exclusivo, às suas guerras, abordadas e explicadas por Franchini - repitamos - com uma qualidade até então desconhecida da historiografia. Seu livro, assim, antes de esgotar um grande tema, o abre e o oferece à futura investigação de muitos problemas dele derivados e a ele correlatos.

Bibliografia

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  • VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História da independência do Brasil. 7. ed. Belo Horizonte/São Paulo, Itatiaia/Edusp, 1981
  • 3
    Também na memória nacional brasileira, com suas muitas variações estaduais e locais. A esse respeito: SOUZA, Maria Aparecida Silva. História, Memória e Historiografia: a Independência na Bahia. Politeia (Vitória da Conquista), v. 3, p. 175-194, 2005; COELHO, Raphael Pavão Rodrigues. A Memória de uma heroína: a construção do mito de Maria Quitéria pelo Exército Brasileiro. 2019. 144 f. Dissertação (Mestrado em História) - Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2019. Disponível em: encurtador.com.br/nrzJZ. Acesso em: 11 jul. 2022; MORAES, Maria Dione Carvalho de; CAVALCANTE, Juliana Rodrigues. Memória social da Batalha do Jenipapo: trilhas e enredos patrimoniais em Campo Maior (PI). Ciências Sociais Unisinos, v. 47, n. 3, 2011, p. 232-248. Disponível em: encurtador.com.br/LMQ26. Acesso em: 11 jul. 2022; e REIS, Natacha Regazzini Bianci. Motins Políticos de Domingos Antonio Raiol: memória, historiografia e identidade regional. 2003. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2003. Também GONÇALVES, Roberta Teixeira. Lembranças de uma guerra: apropriações políticas das memórias históricas da Guerra da Cisplatina ou Guerra del Brasil. Jundiaí: Paco, 2017, uma vez que a Guerra da Cisplatina pode ser considerada, ao menos no plano das relações internacionais e em uma periodização alargada, como uma das guerras de Independência do Brasil, talvez a última delas.
  • 4
    Que consistiu em dobrar a resistência do governo de Belém ao Império do Brasil, fazendo-o acreditar que sua presença próxima à cidade antecipava uma poderosa esquadra comandada por Cochrane, quando, em realidade, Grenfell estava só e à frente de uma única embarcação. VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História da independência do Brasil. 7. ed. Belo Horizonte/São Paulo, Itatiaia/Edusp, 1981, p.349.
  • 5
    Idem, p. 350.
  • 6
    SODRÉ, Nelson Werneck. Introdução à revolução brasileira. Rio de Janeiro: José Olympio, 1958, p. 170; SODRÉ, Nelson Werneck. As razões da independência. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965.
  • 7
    RODRIGUES, José Honório. Conciliação e Reforma no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965.
  • 8
    RODRIGUES, José Honório. Independência: revolução e contra-revolução. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1975-1976, v.3, “As forças armadas”.
  • 9
    FRANCHINI NETO, Hélio. Independência e morte: política e guerra na emancipação do Brasil. Rio de Janeiro: Topbooks, 2019, 673 p. O livro apresenta um vasto e altamente meritório trabalho com fontes primárias e bibliografia, sendo versão abreviada de uma tese de doutorado defendida em novembro de 2015 no Departamento de História da Universidade de Brasília, orientada por Francisco Doratioto.
  • 10
    Daí sua inclusão em uma recente relação de 100 livros essenciais sobre a independência: PIMENTA, João Paulo; MONTEIRO, GONÇALO, Nuno. Portugal and Brazil in the Age of Revolutions. Oxford Bibliographies (no prelo).
  • 11
    Para além das questões que trataremos a seguir, há que se dizer que, em termos formais, a edição do livro é descuidada: ele apresenta numerosos erros ortográficos, inclusive na grafia de nomes de personagens históricos (“Montesuma”, p. 49; “Castlereach”, p. 66; “Wensel”, p. 105; “Greenfell”, p. 382) e de autores (“Marcelo”, p. 38; “Lívia Schiavinatto”, p. 55; “Willian”, p. 78; “Viana”, p. 100; “Valentina”, p. 589; Schwatz”, p. 666). As notas de rodapé padecem de padronização, com autores referidos confusa e indistintamente pelo último ou penúltimo sobrenome em maiúsculas, ou ainda pelo primeiro nome em minúsculas; e as obras estão ora em referência completa, inclusive com website, ora apenas com nome e ano de publicação (ou ainda só o ano).
  • 12
    FRANCHINI. Independência e morte, cit., p. 26. Em outras passagens (por exemplo, p. 24), no entanto, o autor fala não em construção, mas em manutenção da unidade. Como já expusemos em outras ocasiões, preferimos, evidentemente, em se tratando do contexto da Independência, a primeira afirmação.
  • 13
    Idem, p. 24.
  • 14
    Que não é de todo original. Antes de Franchini, não foram poucos os autores a afirmarem-na. Apenas dois exemplos: SLEMIAN, Andréa; PIMENTA, João Paulo. O “nascimento político do Brasil”: as origens do Estado e da nação (1808-1825). Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2003; p. 96; e KRAAY, Hendrik. Muralhas da independência e liberdade do Brasil: a participação popular nas lutas políticas (Bahia, 1820-25). In: MALERBA, Jurandir (Org.). A Independência brasileira: novas dimensões. Rio de Janeiro: FGV, 2006, p. 303-341.
  • 15
    OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles. Sociedade e projetos políticos na província do Rio de Janeiro. In: JANCSÓ, István (Org.). Independência: história e historiografia. São Paulo: Hucitec, Fapesp, 2005, p. 476-477; NEVES, Guilherme Pereira das; NEVES, Lucia Maria. Independencia/Brasil. In: FERNÁNDEZ SEBASTIÁN, Javier (Org.). Diccionario político y social del mundo iberoamericano (Iberconceptos II). Madrid: Universidad del País Vasco/Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2014, v. 4, p. 49-64. Talvez o único deslize de Franchini no manejo do conceito ocorra à p. 416, quando não entende o que os partidários de D. Pedro em Parnaíba, em 19 de outubro de 1822, queriam dizer por “independência”.
  • 16
    MOREL, Marco. Independência no papel: a imprensa periódica. In: JANCSÓ, István (Org.). Independência: história e historiografia. São Paulo: Hucitec/Fapesp, 2005, p. 617-626; PIMENTA, João Paulo. De Raynal a De Pradt: apontamentos para um estudo da ideia de emancipação da América e sua leitura no Brasil. Almanack Braziliense, n. 11, 2010 Disponível em: encurtador.com.br/cuTZ5. Acesso em: 11 jul. 2022; SANTOS, Cristiane Alves Camachos dos. Escrevendo a história do futuro: a leitura do passado no processo de independência do Brasil. São Paulo: Alameda, 2017, p.60-72.
  • 17
    RABINOVICH, Alejandro M. La société guerrière. Pratiques, discours et valeurs militaires dans le Rio de la Plata, 1806-1852. Rennes: Presses Universitaires de Rennes, 2013, p. 31-32 ; RABINOVICH, Alejandro M. The Making of Warriors: The Militarization of the Rio de la Plata, 1806-1807. In: BESSEL, R./ GUYATT, N./RENDALL, J. (Ed.).War, Empire and Slavery, 1770-1830. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2010, p. 81-98.
  • 18
    PIMENTA, João Paulo. Independência do Brasil. São Paulo: Contexto, 2022, p.56. O livro de HALPERIN DONGHI, Tulio. Revolução e guerra: formação de uma elite dirigente na Argentina criolla. São Paulo: Hucitec, 2015 (1. ed. 1972) prestaria bons serviços à obra de Franchini. Em começos do século XIX, típica conjuntura revolucionária de aceleração do tempo histórico, muitas dimensões da realidade social estão se mesclando e criando novas sínteses: além da política e da guerra, também a economia, a cultura etc. Também TERNAVASIO, Marcela. Los juegos de la política: las independencias hispano-americanas frente a la contrarrevolución. Buenos Aires/Zaragoza: Siglo XXI/Prensas de la Universidad de Zaragoza, 2021.
  • 19
    Uma excelente colaboração nessa direção: PUIGMAL, Patrick. Brasil bajo influencia napoleónica y francesa. Los mensageros de la independencia: militares, libreros y periodistas. História, Instituto de Historia, Pontificia Universidad Católica de Chile, n. 46, v. 1, enero-junio 2013, p. 113-151. Disponível em: encurtador.com.br/jtNXZ. Acesso em: 11 jul. 2022.
  • 20
    ROJAS CASTRO, Daniel Emilio. Relations diplomatiques colombo-bresiliennes, 1821-1831. 2013. Tese (Doutorado em História) - Université Paris 1 Pantheon-Sorbonne, 2013; também MATTOS, Ilmar Rohloff de. Construtores e herdeiros. A trama dos interesses na construção da unidade política. In: JANCSÓ, István (Org.). Independência: história e historiografia. São Paulo: Hucitec, Fapesp, 2005, p. 271-300.
  • 21
    FRANCHINI. Independência e morte, cit., p. 625. Poucas linhas abaixo, o autor afirma que “[...] há quase duzentos anos, esse processo de consolidação do Estado e de seu território se iniciou”. Evidentemente, não se pode afirmar o início da consolidação de algo que, a rigor, não existia antes de 1822 (mas, sim, sua construção).
  • 22
    FRANCHINI. Independência e morte, cit., p. 635-636. Em outra passagem, porém, Franchini aventara a possibilidade de que “[...] o Norte-Nordeste esteve em situação mais parecida com as colônias espanholas nas Américas em seu processo de Independência, do que com o Centro-Sul brasileiro [...]” (p. 58); e mais à frente, em direção contrária, afirma que a força armada “[...] não apenas garantiu que houvesse um centro organizador de poder no Rio de Janeiro, como foi essencial para que o caso brasileiro se diferenciasse daquele da América Espanhola, na medida em que o Brasil terminou uno [...]” (p. 120), o que implica desconsiderar o caso da Província Cisplatina, ademais amplamente contemplado no próprio livro. Para um confronto explícito com tais posições e ambiguidades, cf.: PIMENTA, João Paulo. A Independência do Brasil e a experiência hispano-americana (1808-1822). São Paulo: Hucitec/Fapesp, 2015.
  • 23
    Franchini menciona as campanhas de Caiena e Montevidéu às pp. 223-224, 494 e 525-529.
  • 24
    No entanto, a afirmação de que “a guerra no Brasil mobilizou um número de combatentes maior do que o das guerras de libertação da América espanhola” (FRANCHINI. Independência e morte, cit., p. 28) seja um claro disparate, sem qualquer respaldo na bibliografia voltada às campanhas hispano-americanas (por exemplo, THIBAUD, Clément. República en armas: los ejércitos bolivarianos en la guerra de Independencia en Colombia y Venezuela. Bogotá: Planeta, 2003; e ORTIZ ESCAMILLA, Juan. El teatro de la guerra: Veracruz, 1750-1825. Castelló de la Plana: Universitat Jaume I, 2008).
  • 25
    FRANCHINI. Independência e morte, cit., p.597, e 638-639.
  • 26
    Uma contribuição nessa mesma direção: GUERRA FILHO, In: NASCIMENTO, Jairo Carvalho do; OLIVEIRA, Josivaldo Pires de; GUERRA FILHO, Sérgio Armando Diniz (Org.). Bahia: ensaios de História Social e Ensino de História. Salvador: Eduneb, 2014, p.19-41. Disponível em: encurtador.com.br/cjzT5. Acesso em: 11 jul. 2022.
  • 27
    OLIVEIRA, Cecilia Helena de Salles. Historiografía y memoria de la Independencia. In: PIMENTA, João Paulo (Coord.). Y dejó de ser colonia: una historia de la Independencia de Brasil. Madrid: Silex, 2021, p.335-370.
  • 28
    O que só pode valorizar o estudo da diversidade social em armas nas guerras de independência, empreendido de modo pioneiro por José Honório Rodrigues e, posteriormente, dentre outros, por SILVA, Luiz Geraldo. Negros patriotas. Raça e identidade social na formação do Estado nação (Pernambuco, 1770-1830). In: JANCSÓ, István (Org.). Brasil: formação do Estado e da nação. São Paulo: Hucitec, Fapesp, Editora Unijuí, 2003, p. 497-520. Trata-se de tema fortemente atual, e que, no contexto do Bicentenário da Independência, vem ganhando impulso ainda maior por meio das pressões políticas do presente sobre o passado (se tais pressões desembocam ou não em anacronismos e distorções depende da competência de cada historiador).
  • 29
    FRANCHINI. Independência e morte, cit., p.37, p.39, além de outras passagens.
  • 30
    De nossa parte, desconhecemos bases empíricas que, até o presente momento, possam sustentar a insinuação de Franchini segundo a qual uma “identidade nacional brasileira” teria surgido antes em províncias do centro-sul do Brasil do que no norte-nordeste (FRANCHINI. Independência e morte, cit., p. 42). Basta lembrar que as revoluções de Pernambuco em 1817 e 1824 não engendraram projetos de nação que, mesmo considerando suas particularidades, não se reportassem, respectivamente, às nações portuguesa e à brasileira então vigentes.
  • 31
    JANCSÓ, István; PIMENTA, João Paulo G. Peças de um mosaico (ou apontamentos para o estudo da emergência da identidade nacional brasileira). In: MOTA, Carlos Guilherme (Org.). Viagem incompleta: a experiência brasileira. Formação: histórias. São Paulo: Senac, 2000, p.127-175.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Set 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    02 Mar 2022
  • Aceito
    21 Jun 2022
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