Resumo
O presente artigo tem por objeto as leis reformistas portuguesa e espanhola sobre matrimônios. Ao mesmo tempo, analisam-se aqui processos mediados pelas leis em questão ora abertos em Portugal e nas Américas portuguesa e espanhola. Em tais processos, homens e mulheres pertencentes a distintos grupos sociais foram impedidos de realizar matrimônio em decorrência da imputação de estigmas de “mulato” e “cristão-novo”, razão pela qual, no âmbito do império português, mobilizaram as leis pombalinas de equiparação publicadas entre 1755 e 1773. Os resultados dessa análise sugerem que havia intensa circulação dos conceitos de “qualidade”, “igualdade” e “desigualdade de matrimônio” entre os diferentes grupos sociais aqui examinados e que houve intenções diametralmente opostas por parte das monarquias portuguesa e espanhola na proposição daquelas intervenções estatais na esfera privada dos casamentos.
Palavras-chave:
casamento; qualidade; igualdade; império português; império espanhol
Abstract
This article focuses on reformist Portuguese and Spanish laws on marriage. At the same time, we analyze processes mediated by those laws open in Portugal and in Portuguese and Spanish Americas. In such processes, men and women belonging to different social groups were prevented from getting married due to the stigma of “mulatto” and “New Christian”, which, within the scope of the Portuguese empire, they mobilized the Pombaline laws of equivalence published between 1755 and 1773. The results of this analysis suggest that there was an intense circulation of the concepts of “quality”, “equality” and “marriage inequality” among the different social groups examined and that there were diametrically opposed interests on the part of the Portuguese monarchies and Spanish in proposing those state interventions in the private sphere of marriages.
Keywords:
marriage; quality; equality; Portuguese empire; Spanish empire
Introdução
Este artigo tem como objeto as leis portuguesa e espanhola sobre matrimônios, respectivamente a lei de 29 de novembro de 1775, “que providencia sobre os Matrimónios em que os Pais, Mães, Tutores ou Curadores recusam dar seu consentimento”7, e a pragmática Consentimiento paterno para la contracción de esponsales y matrimónios por los hijos de família, de 23 de março de 1776, cuja análise comparada nos permite problematizar a natureza das distintas intervenções das monarquias em questão na esfera privada dos matrimônios.8 Ao mesmo tempo, analisam-se aqui processos atinentes a Portugal e às Américas portuguesa e espanhola nos quais homens e mulheres da primeira e segunda nobrezas, trabalhadores manuais, pequenos comerciantes, indígenas e afrodescendentes, então estigmatizados como “mulatos” e “cristãos-novos”, tentavam reverter impedimentos a seus matrimônios. Destacamos o fato de, no âmbito do império português, esses indivíduos evocarem leis pombalinas publicadas entre 1755 e 1773 atinentes à remoção de estigmas de indígenas do Brasil, de pretas, pretos e mulatos de Portugal e de cristãos-novos.9 Ao mesmo tempo, consideramos revelador das estruturas sociais do antigo regime o fato de homens e mulheres de posições sociais radicalmente distintas manejarem de forma semelhante, embora se referindo a conteúdos diversos, os mesmos conceitos de “qualidade”, “igualdade” e “desigualdade de matrimônio”, os quais, pois, circulavam do alto ao baixo da sociedade de tipo antigo.
Embora disponhamos de conjunto sobretudo qualitativo de fontes formado por seis processos, entendemos que esse nos permite auferir valores e significados específicos externados por diferentes grupos sociais - desde os mais opulentos e ciosos de processos atinentes à transmissão de herança até os mais paupérrimos e desvalidos, para os quais impedir um casamento significava manter nos quadros domésticos um arrimo de família. Ademais, trata-se de conjunto documental oriundo de projetos de pesquisas específicos: os processos recolhidos em Portugal decorrem de investigações desenvolvidas por Nuno Monteiro, o qual, gentilmente, deles enviou-nos cópias para a elaboração do presente artigo;10 aqueles, por sua vez, atinentes ao território do vice-reino de Nova Granada constituem resultados de pesquisas desenvolvidas por Priscila de Lima Souza;11 e, finalmente, os processos provenientes da comarca de Paranaguá, capitania de São Paulo, decorrem de projeto de pesquisa desenvolvido por Bruna Marina Portela.12 Ao mesmo tempo, esse conjunto documental nos faculta compreender o que pensavam funcionários régios acerca das funções sociais do matrimônio. A nosso ver, magistrados e juízes agiam e representavam mentalmente tais consórcios a partir de perspectivas sobretudo informadas por interesses de grupos sociais então em ascensão - no caso português, o dos grandes comerciantes, funcionários públicos e pequenos fidalgos da era pombalina que integravam a chamada “segunda nobreza”, da qual procedia o próprio marquês do Pombal.13 Contudo, o aspecto de mais longo alcance se refere a como a monarquia portuguesa concebeu a função social dos matrimônios entre indivíduos do nível mais baixo da sociedade. Como demonstraremos adiante, enquanto no império espanhol obstinava-se na conservação de diferenças, o império português esboroava distinções e reiterava preceitos ilustrados de aumento da população mediante o incentivo à realização de matrimônios.
Parece-nos fundamental, ademais, deixar claro que não compartilhamos a perspectiva teórica sugerida por Stolke,14 que procura sublinhar o que chama de “intersecção” entre “classe, ‘raça’, sexo, sexualidade”; antes, propomos que, ao invés de buscarmos supostas “interseccionalidades” - tão em moda entre jovens investigadores -, devemos identificar como homens e mulheres de carne e osso vinculados a posições sociais específicas liam os textos legais da era reformista, manejavam categorias que lhes eram caras e defendiam seus pontos de vistas no âmbito de figurações sociais igualmente específicas e dotadas de seu próprio equilíbrio flutuante de poder.15 Uma vez que essas figurações incorporavam tanto o “dentro” como o “fora” dos indivíduos, cabe frisar, por último, que não estamos preocupados com doutrinas jurídicas ou religiosas que supostamente regem os processos examinados como superestruturas culturais, ideologias que, enfim, pairam no ar ou para além das figurações sociais formadas pelos seres humanos. Acreditamos, isto sim, que precisamos compreender estruturas e liturgias através das quais tais processos seguiram seu curso e, sobretudo, inserir essa discussão dentro de campo tantas vezes por nós visitado: o referente ao significado das leis pombalinas.16 Enfim, tais processos servem sobretudo para nos ajudar a compreender essa dimensão tão em baixa na historiografia contemporânea, qual seja, a sociedade.
Controle das monarquias sobre matrimônios: da nobreza à plebe
Durante o antigo regime, as monarquias portuguesa e castelhana publicaram diversas leis acerca do casamento, as quais tinham por objeto sobretudo consórcios efetuados entre membros da nobreza. Em Castela, as Leyes de Toro, de 1505, e a Nueva Recopilación de la Leyes del Reino, de 1567, mediada pelas decisões tomadas no âmbito do Concílio de Trento (1545-1563), procuraram regular e uniformizar a prática do matrimônio, proibir casamentos clandestinos e unificar as figuras romanas e medievais de concubinato e amancebamento. As penas aos infratores eram bastante severas: contraentes de matrimônios clandestinos, por exemplo, perderiam todos os seus bens, bem como seriam deserdados por linha paterna. Tanto homens como mulheres seriam, ademais, desterrados de reinos sob o domínio de Castela, sem possibilidade de retorno, incorrendo, nesse caso, em pena de morte.17 Em Portugal o maior prurido ocorre justamente ao longo da governação Habsburgo (1580-1640). A carta régia de 16 de dezembro de 1614, por exemplo, determina “sobre o remédio que poderá dar para, sem escrúpulo, impedir os casamentos da gente nobre desse Reino com a da nação dos cristãos-novos”. A carta régia de 10 de junho de 1615, por seu turno, proibiu a celebração “entre a gente nobre” de “casamentos clandestinos, por procurações”, ao passo que a lei de 23 de novembro de 1616 visou perpetuar tanto “a antiga Nobreza de Meus Vassalos”, isto é, a nobreza de nascimento, bem como a nobreza decorrente dos que prestavam “Serviços feitos aos Reis, e à Republica” e, por tal razão, recebiam “mercês”, “Dignidades” e “preeminências” - ou seja, a segunda nobreza.18 Cabia, pois, que tanto um como outro grupo social não recebesse “afronta em seus Descendentes, se casarem com pessoas indignas” e, por outro lado, “não pudessem suceder em bens de Minha Coroa, nem os que dele descendessem”.19 Essa medida foi reiterada por D. João V por meio da lei de 9 de janeiro de 1739, que determinou que todos os que tivessem acesso a bens da coroa não poderiam “casar sem licença minha por escrito”, o mesmo valendo para “filhos e filhas que do seu matrimônio provierem”.20
Entre os séculos XVI e XVII, as monarquias europeias também criaram legislações sobre matrimônios tendo em mira sobretudo os casamentos da nobreza, mas, ao longo do século XVIII, houve um ímpeto mais abrangente, abarcando casamentos da plebe. Ademais, desde o Concílio de Trento, vivia-se tensão constante entre igreja e grupos sociais ligados à nobreza e à monarquia, a qual suscitava distintos arranjos em cada reino europeu.21 Desde então, assoma-se a intromissão das monarquias na esfera familiar. Na França a lei de 1579, além de impedir matrimônios clandestinos, procurou criar, através da igreja católica, imensa burocracia de registro a serviço da monarquia, medida que atingiu tanto a nobres como a plebeus.22 Na Inglaterra, por seu turno, a publicação do Marriage Act, de 1753, determinou que o registro de todos os casamentos, incluindo de dissidentes católicos, deveriam ser validados pela igreja oficial, isto é, a anglicana,23 ao passo que na Rússia a lei de “casamentos mistos”, promulgada em 1721, concedeu à igreja ortodoxa o privilégio exclusivo de legalizar matrimônios envolvendo súditos de crença católica e protestante que viviam nos vastos e ermos rincões do império.24 As leis ibéricas sobre matrimônios do século XVIII foram, enfim, publicadas sob esse mesmo ímpeto mais geral.
Reformismo e matrimônio nos impérios ibéricos
Há um forte contraste na historiografia dedicada ao tema em questão quando se compara o interesse em torno da legislação espanhola e da legislação portuguesa sobre matrimônios. Exemplo disso é que dois dos trabalhos mais importantes sobre o tema dedicados à América portuguesa tratam apenas ligeiramente da legislação em foco. O primeiro deles se dá conta, por exemplo, da lei pombalina de 1775, mas apenas enfatiza que, através dela, “o governo português estendeu a antiga regra” de que “os pais renegassem e deserdassem a filha que se casasse sem seu consentimento” também aos “filhos homens, de modo que a partir de então” estes também “poderiam ser deserdados se se casassem sem o consentimento dos pais”. Em sua avaliação, o mesmo “fez a Real Pragmática Espanhola de 1776”, visando igualmente “impedir casamentos desiguais”. Sua conclusão mais geral é a de que “os jovens de Portugal no século XVIII estavam se comportando de modo novo” e que “o Estado estava especialmente preocupado com o casamento desigual dos filhos, não das filhas”.25 Embora tenha conhecimento claro do conjunto da legislação reformista portuguesa sobre matrimônios, a análise em questão jamais se refere às distinções e diferenças sociais que esta encampa, tratando, pois, o conjunto dos grupos sociais exclusivamente pela bitola de suas elites.26
Outro estudo importante sugeriu, por sua vez, interpretação distinta da lei de 1775. Longe de sublinhar apenas os impedimentos aos matrimônios como na análise precedente ou de se destacar apenas o ponto de vista de suas elites, observa-se nessa outra análise que aplicar a lei em questão naquela “sociedade de ordens” de modo a contornar “a falta de autorização paterna” implicava em apresentar demandas “a instâncias distintas conforme a hierarquia social”. Assim, observa-se com pertinência, como explicaremos melhor adiante, como a lei de 1775 e a legislação imediatamente anterior e posterior a ela em torno do mesmo tema criou mecanismos específicos de acionamento de instituições do Estado e de resoluções de problemas para a “primeira nobreza, ou seja, aquela que administrava os bens da Coroa e tinha pelo menos o foro de moço fidalgo”, para “as demais nobrezas”, para os “negociantes de grosso trato e as pessoas nobilitadas por cartas régias”. Do mesmo modo, finalmente, habilitou-se instâncias específicas na corte e nas províncias para as “pessoas da corporação e grêmios dos artífices e das ocupações da plebe”. O “Estado”, ao fim e ao cabo, tanto “se interessava em preservar a autoridade do pai”, mormente considerando sua posição social particular, como coibia “que o poder paterno se exercesse de maneira tirânica e irracional e, por esta razão, no período pombalino, foi aberta a porta aos recursos dos filhos perante as instâncias da justiça então existentes”.27 No entanto, claro está que ambas as análises não identificam a finalidade específica da ideologia reformista que anima a legislação portuguesa, nem, tampouco, se dão conta da diversidade do manejo de categorias centrais para a interpretação de tal legislação - como as de “qualidade”, “igualdade” e “desigualdade” de matrimônio - pelos diversos grupos sociais que conformavam as várias sociedades do império português.
Nossa análise comparativa da lei pombalina de 29 de novembro de 1775 e da pragmática castelhana de 23 de março de 1776, por seu turno, procura sobretudo destacar as diferenças fundamentais que denunciam o que cada monarquia esperava ao intervir no delicado campo das uniões matrimoniais. No texto da lei de novembro de 1775, Dom José alertava à partida para outra medida datada de junho daquele ano: referimo-nos à lei sobre “aliciação, sedução e corrupção dos filhos famílias de ambos sexos”, que retomava o problema, já presente às Ordenações, de que “se extorquiam as Filhas famílias das casas de seus Pais” com base em “promessas viciosas e nulas na sua própria origem”, confrontando-se a “boa Disciplina”, “Cânones da Igreja” e mesmo “a natureza dos contratos de matrimônios”. Tal como a lei de 29 de novembro de 1775, a de 19 de junho preocupou-se não apenas com a “nobreza”, mas também com a “plebe”: antes, punições ao rapto e ao estupro, que nas Ordenações tocavam apenas a indivíduos do nível mais baixo, agora, sob o pombalismo, também recaíam sobre membros da nobreza. Todavia, as punições diferenciavam-se: nos casos de “efetivo acesso e corrupção”, por exemplo, cabia aos “Peões” a condenação de dez anos “de degredo para as Galés”, ao passo que, “sendo Nobres”, dever-se-ia cumprir “dez anos para Angola”.28
O tema central da lei de 29 de novembro de 1775 se refere ao consentimento ao matrimônio conferido pelo rei. Conforme seu texto, mostrava a “experiência” que pais e curadores, munidos de “força” e “autoridade”, não estavam cumprindo o papel de acolher demandas filiais. Antes, tinham esquecido “até daqueles afetos” que inspiram os “princípios do Direito Natural a todos os pais, para promoverem os interesses de seus Filhos”, negando absoluta e obstinadamente consentimentos ainda para os “Matrimônios mais úteis, correspondentes às suas qualidades”. Pais e curadores, assim, exerciam “no seu particular e doméstico poder um despotismo, para impedirem os mesmos Matrimônios, em notório prejuízo das Famílias e da Povoação, de que depende a principal força dos Estados”. Assomando-se em face de todos os progenitores do império, Dom José apresenta-se como “Pai Comum dos Meus Vassalos”, cujo papel consistia em “moderar os abusos e tiranias do poder particular” ao conferir consentimento aos consórcios contrariados. Ao retomar os termos das leis precedentes de 1616 e 1739, o grupo pombalino relembrava as diferentes “qualidades” dos súditos. Assim, pois, quando se tratasse de “Matrimônios da Nobreza, que administra bens da Coroa, ou tiver o Foro de Moço Fidalgo, e daí pra cima”, a legislação antes referida deveria ser rigorosamente cumprida. Todavia, no que dizia respeito ao “resto da Nobreza da Corte e das Províncias”, cabia não alimentar “repugnâncias”: neste caso, poder-se-ia recorrer à Mesa do Desembargo do Paço de modo a esta informar acerca “das qualidades das Famílias, e das conveniências dos Casamentos”. Tal flexibilidade e a mesma instância de apelação também deveria valer para os “Negociantes de grosso trato” e “demais pessoas, que se acham nobilitadas pelas Minas Reais Leis”. Por outro lado, “Pessoas da Corporação e grêmios dos Artífices e das ocupações da Plebe” deveriam recorrer aos Corregedores do Civil da Corte ou de suas respectivas cidades, e nas províncias aos corregedores e provedores das comarcas.29 Caso os demandantes obtivessem licença real, estas deveriam ser apresentadas “aos Párocos, a que tocarem, para eles serem admitidos aos Matrimônios, como se para eles interviesse expresso consentimento dos Pais, Mães, Tutores ou Curadores”.30
Um princípio mais geral do pombalismo presidiu a lei de 29 de novembro de 1775: referimo-nos à ideia chave de “Povoação, de que depende a principal força dos Estados”. “Haverá em Portugal dois milhões de almas, e poderia nesta proporção haver 60 milhões na América portuguesa” - escreve Manuel Teles da Silva, o Conde Tarouca, a Sebastião de Carvalho e Mello em agosto de 1752. A povoação do Brasil, ainda conforme o Conde de Tarouca, poderia proporcionar “Império como o da China, e ainda maior que a França, Alemanha e Hungria unidas”.31 O próprio Carvalho e Mello enviou carta em setembro de 1751 a Gomes Freire de Andrade na qual consagrou a fórmula segundo a qual “o poder e a riqueza de todos os países consistem principalmente no número e na multiplicação das pessoas que os habitam”.32
Diversamente, a pragmática castelhana de 23 de março de 1776 teve por objetivo evitar “casamentos desiguais”. Conforme seu texto, “filhos e filhas família” de até 25 anos deveriam pedir e obter conselho e consentimento paterno para casar, o qual deveria ser aprovado por um “juiz real” ou “corregedor”. Ao mesmo tempo, a pragmática compreendia “desde as mais altas classes do Estado sem exceção alguma até as mais comuns do povo”. O não cumprimento destas medidas implicaria a inabilidade e privação de todos os efeitos civis, como pedir dote e ter acesso à herança. O mesmo valia para os direitos perpétuos de famílias, ressaltando-se, ademais, que maiores de 25 anos poderiam incorrer nas mesmas penas caso tivessem acesso a bens livres ou vinculados à coroa. Por outro lado, a pragmática ressaltava que as prerrogativas concedidas aos pais não conferiam a estes o poder de fazer seus filhos casarem-se “com pessoa determinada contra sua vontade”. Ademais, era preciso que houvesse “justa e racional causa para negá-lo, como o seria se o tal matrimônio ofendesse gravemente a honra da família ou prejudicasse ao Estado”. A pragmática castelhana, tal como sua congênere portuguesa, informava acerca de trâmites e instituições a que se deveria recorrer. Os nubentes que se sentissem prejudicados deveriam apelar em primeira instância à justiça real ordinária e “por recurso” ao Conselho, Chancelaria ou Audiência de seu respectivo território. A pragmática era, por sua vez, muito cuidadosa com os matrimônios dos “Infantes e Grandes” dos “reinos e domínio de Espanha” e, por essa razão, especificava casos particulares de consentimento e de trâmites legais tocantes às “famílias chamadas à sucessão das Grandezas”, aos “conselheiros e ministros togados” e aos militares.33
No plano comparativo, destacamos, em síntese, que a lei portuguesa estava mais preocupada em contornar desigualdades existentes no seio dos grupos sociais do nível mais baixo, promovendo a redução de estigmas não por razões humanitárias, mas por razão de Estado. No caso espanhol, distintamente, o reforço à contenção aos “casamentos desiguais” estava no centro do debate, e o conjunto da sociedade foi desestimulado a contrair bodas entre “desiguais”. Por outro lado, pesquisas empíricas sugerem que o impacto das medidas castelhanas foi acachapante quando comparado à timidez dos efeitos da lei portuguesa. “Apenas umas escassas dezenas de histórias que chegaram à consulta da Mesa do Desembargo do Paço permanecem aí”, escreve Monteiro, “estendendo-se desde indivíduos aparentados com a primeira nobreza até pessoas que não teriam sequer nobreza civil ou política (pintores, um imputado barbeiro, negociantes retalhistas, etc.)”. Contudo, a maior parte parecia se referir “a pessoas da ‘segunda nobreza’, em função da oposição à consumação dos casamentos por progenitores ou tutores das nubentes”.34
As fontes examinadas por Monteiro, algumas das quais também são objeto de análise nesse artigo, são provenientes da última instância de justiça, isto é, do Desembargo do Paço. Contudo, os demais processos que examinamos para a América portuguesa, originados da primeira instância, ou seja, do nível da comarca - instância de justiça, aliás, destinada à plebe, como vimos -, sugerem que é bastante provável que existam muitos litígios no império português no âmbito das primeiras instâncias da justiça civil ainda por devassar. Ademais, como nos mostra o trabalho de Silva antes referido,35 e como nos apontam processos aqui analisados, impedimentos e licenças a casamentos com base na lei de 1775 poderiam ser interpostos, na prática, já ao nível da paróquia, para o qual, caso os demandantes obtivessem licença real, deveriam retornar. Portanto, é possível afirmar que talvez haja farto material processual alusivo a matrimônios baseado na lei de 1775 não apenas proveniente de comarcas de Portugal continental, das ilhas atlânticas e, sobretudo, da América portuguesa, mas também de arquivos eclesiásticos. O tema deste artigo, isto é, o conteúdo e a aplicação das leis portuguesa e espanhola sobre matrimônios, como já destacamos, ainda não recebeu a devida atenção por parte da historiografia dedicada à América portuguesa, na qual prevalecem análises sobre casamentos ora a partir de temas ligados à sucessão envolvendo indivíduos da “nobreza da terra”36, ora às relações baseadas na miscigenação.37
Ao contrário, o enorme impacto da pragmática castelhana explica a pujante análise historiográfica ensejada tanto pela vida social peninsular como pelas tensões da vida privada americana 38, a qual, afora uma rara exceção 39, se atêm sobretudo a estudos de caso. Ao mesmo tempo, é importante destacar que uma discussão inflamada teve curso na América hispânica após a publicação da real pragmática de 1776, a qual se referia a pertinência de sua extensão às “castas”, isto é, aos descendentes de africanos e de indígenas de várias gradações de cores e cortes geracionais. Desse modo, em decorrência de “inconvenientes morais e políticos”, a pragmática de 1776 sofreu adaptações de modo a ser aplicada à América hispânica. Tais adaptações foram, enfim, sintetizadas na real cédula de 7 de abril de 1778, cujo texto determinou que “mulatos”, “negros”, “coyotes” e indivíduos de “castas e raças semelhantes” não mais seriam incluídos na real pragmática, à exceção de oficiais de milícias de “pardos” e “morenos” e outros afrodescendentes destacados. Ainda conforme a real cédula, os caciques, em decorrência de sua nobreza, para efeitos da lei, deveriam ser considerados membros da “classe dos espanhóis”.40 Torna-se claro, pois, que a coroa espanhola, ao consagrar o princípio básico da inferioridade das “castas de negros” e de índios, tendeu a aprofundar os termos da própria pragmática, endossando as diferenças de “qualidade” e o combate empedernido ao “casamento desigual”. A seguir analisamos processos provenientes da justiça de primeira instância das Américas espanhola e portuguesa, bem como processos oriundos do Desembargo do Paço concernentes a Portugal de modo a confrontarmos os âmbitos da via jurídica e da vida social.
Impedimentos ao matrimônio: América espanhola
Em 11 de outubro de 1781, a viúva Ysidora de la Coa, residente na Isla de Margarita, capitania geral da Venezuela, enviou petição ao governador local afirmando que o padre da paróquia do Vale de la Navidad, Pedro Tomás de la Coa - provavelmente parente da peticionária -, “havia sacado de sua casa sua filha Maria Ramona Rodriguez, de 18 anos de idade, para desposá-la com Ignácio Villaroel, mulato conhecido por seu nascimento, faltando com o previsto pela Real Pragmática Sanção publicada sobre matrimônios”. O caso em questão revelou não apenas nuances do conflito envolvendo defensores e detratores de párocos, nubentes e da viúva de la Coa, mas aspectos estruturais do mundo colonial, os quais conviviam em grande tensão com conceitos como os de “qualidade”, “igualdade” e “desigualdade de matrimônio”. A peça em favor do noivo advertia acerca da
dificuldade que havia nesse distrito de se poder observar a citada Real Pragmática de Matrimônios em razão das várias castas de gentes que nele se conheciam e da fatal mescla de europeus com naturais, e com os negros, conduzidos para o cultivo das terras.41
Ao longo do processo, acusações mútuas são trocadas. A viúva Ysidora de la Coa acusada de ser, ela própria, mulata, demandou no âmbito do processo “que ao citado mulato fosse imposto o castigo que parecesse justo pelas infâmias e falsas imposturas com que havia maculado sua família”. A conclusão do processo foi a de que não havia mais nada a ser feito: o casamento já havia sido consumado. Diante da decisão, a viúva buscou fazer valer a aplicação de penas constantes na Real Pragmática ao pároco Pedro Tomás de la Coa, ao vicário Baltazar Narvaez e a seu genro. E, com efeito, a decisão final, publicada a 24 de novembro de 1787, determinou a punição do vicário forâneo da ilha de Margarita, Baltazar Narvaez, e do noivo, Ignácio Villaroel, banindo-o da ilha de Margarita. Assim, pois, o ponto de vista defendido pela coroa espanhola e por seus conselheiros, consubstanciado na pragmática, foi integralmente respeitado, ignorando-se as tensões entre estrutura social e conceitos de “qualidade”, “igualdade” e “desigualdade de matrimônio”.42
O respeito ao preceito da “igualdade de matrimônio” foi levado à risca mesmo quando poderia, tortuosamente, justificar crime sancionado por quase todos os reinos europeus, como de não cumprimento de promessa de casamento. Esse foi o caso registrado em Antióquia, vice-reino de Nova Granada, em outubro de 1794, envolvendo Pablo Serna e Maria de Mercedes Ferreiro, uma “mulata dependente da casa dos Senhores Ferreyros”, que, ludibriada pelo primeiro, denunciou-o por quebra de promessa de casamento. Pablo Serna, todavia, justificou sua desistência com base na pragmática de 1776, argumentando em torno da “notória desigualdade” existente entre ele e Maria de Mercedes. Contudo, Serna, como a viúva de la Coa, sequer era considerado “branco”. Conforme a complexa hierarquia de “castas”, ele foi descrito como “oitavão, ou quarteirão”, tendo “mais parte de branco que de índio”, razão pela qual “estava próximo de sair” do estado de infâmia. A “casta” de Maria Mercedes, por sua vez, a dos mulatos, “nunca sai, ainda que case com espanhóis, porque sua mescla, além de manchar, impossibilita de todo” sua “ascensão”.43
Assim, o “juiz esponsalício” declarou “o citado Pablo Serna por desobrigado do matrimônio intentado pela dita Mercedes, ficando meramente sujeito ao pecuniário”. Ao mesmo tempo, reconheceu-se que, como vimos, as “Reais Pragmáticas de vinte e três de março de setenta e seis” não compreendiam “a classe de mestiços puros quarteirões e demais inferiores aos nobres”, porém, continua o juiz, “sendo ao mesmo tempo um dos objetos piedosos de S. M. para a conservação das famílias para que não decaíam de seu estado”, urgia que certos mestiços não fossem obrigados “a contrair matrimônio com as castas de negros, mulatos, e zambos, pela mescla com que inteiramente perturbaria seu estado”.44 Como se pode deduzir a partir dos casos examinados, a pragmática de 1776, bem como a real cédula de 1778, à medida que reiteraram a profusa dinâmica de estigmatização vigente no império espanhol, permitiram à justiça e aos juízes impor a norma fria às complexas nuances da estrutura social das Índias de Castela e reiterar o peso particular atribuído mesmo entre a plebe e, nesse caso, entre as castas, à condenação aos “casamentos desiguais”.
Impedimentos ao matrimônio: Portugal continental
No âmbito do império português, processos baseados na lei de 29 de novembro de 1775 tiveram resultados bastante distintos. Em 22 de março de 1783, Mariana Vitória da Ascensão e Silva Torres, “cheia de confusão, e na maior aflição”, recorreu ao rei para que este, como “Pai Comum” de seus vassalos, permitisse seu casamento com Gregório Gonçalves Basto, uma vez que o pai do nubente, Antônio Gonçalves Basto, não consentira com o consórcio. O pai de Mariana Vitória, Manoel Francisco Torres, desempenhava a função de “Solicitador da Sereníssima Casa do Infantado”, ao passo que o noivo, Gregório, era “Caixeiro, e Filho famílias” e seu pai “Mercador de Retalho da Classe de Lã e Seda”. Mariana Vitória revelou-se, enfim, indignada ao saber que Antônio Gonçalves Basto, seu futuro sogro, “sendo mecânico por todos os costados, e tendo muito inferiores alianças”, expulsara seu filho de casa e ameaçara-o de prisão.45
O pai do noivo argumentou “que o Casamento não era convinhável, porque eram diferentes as condições, e as fortunas; que seu Filho era e podia ser rico, e que a Suplicante era pobre”. Ademais, alegou que o noivo havia sido “aliciado” pela família de Mariana e que era “homem branco, e que a Suplicante pela parte Materna tinha Mulatismo”. No entanto, o corregedor concluiu que “a contradição era injusta” e “que o Casamento era convinhável, suprindo assim em nome de Vossa Majestade o consentimento”. O pai do noivo, contudo, apelou ao Desembargo do Paço, cujo “Acórdão” sustentou que não havia “fundamento da desigualdade das condições”, uma vez que “a da Suplicante era melhor”, pois “suas Irmãs estavam casadas com pessoas nobres, e que tinha um Irmão Clérigo Subdiácono”. Havia, é verdade, “desigualdade nas fortunas,” mas “não havia Lei que requeresse este equilíbrio”. Ao mesmo tempo, o Acordão também aduzia que “se não provava a aliciação, ou solicitação”, nos termos da “Providentíssima Lei de dezenove de junho de 1775”. O Acordão, ao mesmo tempo, se referia igualmente à importância de se coibir “o abuso, ou despotismo” paterno, que inibia o princípio mais geral da “Povoação de que depende a primeira força dos Estados”, e, finalmente, concluiu que não havia fundamento no “arguido defeito da Mulatice que se dizia tinha a pretendida Esposa”. Por um lado, “além da não menor falta de prova do expressado defeito” no “ato presenciado do Batismo”, não se declarara na “Certidão que a Bisavó era ‘Preta’”. Por outro lado, havia também, no campo legal, a referida lei de 1773, conforme a qual tal “defeito, na quarta geração” representava um “abuso” que “era inteiramente oposto à uniformidade dos sentimentos, que constituía a união Cristã, e a sociedade Civil”.46
Um segundo processo atinente à Portugal tem o mesmo destino, apesar de envolver indivíduos ligados à primeira nobreza. Entre 1815 e 1816, desenrola-se o conflito entre Antônio Lobo da Gama Saraiva de Almada e sua mãe, Matilde Joana Saraiva de Melo e Sampaio, viúva do “Coronel de Milícias” Miguel Lobo da Gama e Almada. O filho pretendia casar-se com Maria Henriqueta Francisca Pessoa de Amorim, filha de Gaspar Pessoa Tavares de Amorim da Varge, mas sua mãe tentava impedir o matrimônio. Uma vez que ambas as famílias eram da nobreza, havia agora em jogo aspectos peculiares da vida social dos grupos do nível mais alto, notadamente a instituição do morgadio e as complexas gradações específicas de títulos desse grupo social. O impedimento ao casamento se fundamentava em três argumentos centrais: desigualdade de condição, aliciação e, sob mil disfarces, acusação de judaísmo. Em relação ao primeiro ponto, dona Matilde afirmou que “todos os Avós do Suplicante seu filho, foram Fidalgos da Casa de V.A.R.” e, sublinhando diferenças entre a primeira e segunda nobrezas, destacou que “o Lustre e Nobreza das Famílias, a quem os Soberanos distinguiram desde o tempo de seus Maiores”, não podia se comparar a “quem por Especialíssima Graça foi concedida, e não em razão de relevantes Serviços”. Um parecer apenso ao processo sintetizou tal argumento: a “Suplicada quer impedir o dito Casamento, exaltando a sua antiga Nobreza e deprimindo a dos Pais da pretendida Noiva, por ser mais moderna”.47
Por sua vez, foram arrolados inúmeros argumentos no que tange à tese da aliciação do noivo. Segundo a viúva, “arrancando-o da casa e companhia da suplicada sua mãe, sem consideração à sua qualidade, e estado de viuvez, e recolhendo-o na deles”, o futuro sogro oferecia-lhe “comida, Vestuário e dinheiros para assim melhor o convidarem a casar com sua filha, ambicionando (como é próprio de semelhante Família) a fortuna da distinta Casa da Suplicante”. O parecer da Mesa do Desembargo do Paço, exarado a 8 de janeiro de 1816, foi o de que houve, efetivamente, “notória, escandalosa, e criminosa aliciação com ele praticada pelos Pais da pretendida Noiva”. Finalmente, merece atenção os argumentos da viúva em torno das máculas que manchavam a família da nubente, provavelmente a questão mais relevante de seu arrazoado. Segundo Dona Matilde, seu filho não poderia desposar “a filha de Gaspar Pessoa” uma vez que esta “descende de Avós, que sofreram penas infamantes”. Com efeito, Pessoa um dos raros financistas da praça de Lisboa ainda identificado como cristão-novo. Assim, ainda segundo a viúva, na família da nubente era possível encontrar indivíduos considerados “criminosos e infamados; e isto em todos os tempos, e por todos os lados”.48
A Mesa do Desembargo do Paço consentiu que a aliciação era patente, mas que nem havia desigualdade de condições, nem, tampouco, quaisquer provas das máculas atribuídas à família da noiva. Contudo, o problema difícil de contornar se referia ao fato de que Antônio Lobo da Gama Saraiva de Almada era “Único Filho Varão, Menor” - tinha 21 anos -, e sua mãe única “Tutora, e ele Sucessor dos Vínculos da Sua Casa, transmitidos de seus Avós Paternos e Maternos”, cuja “renda anual excederá a doze mil Cruzados”. Tamanha renda, enfim, não se poderia perder “para um casamento desvantajoso”. Desse modo, tanto o Desembargo do Paço sugeriu a Dom João, então residindo no Rio de Janeiro, que dissesse não ao pedido de “suprimento do consenso materno”. No entanto, em 16 de janeiro de 1816, o príncipe solicitou que, a despeito de suas recomendações, a Mesa do Desembargo do Paço fizesse subir à sua presença os papeis exarados por Antônio.49 Nesse caso, a lei de 29 de novembro 1775 foi evocada por ambos os contendedores porque seu texto, ao prever garantias a pais, mães e tutores da primeira nobreza e, ao mesmo tempo, ao apresentar o rei como “Pai Comum” de seus “Vassalos”, dava razão aos dois lados em disputa. A lei, em suma, constituía, em si mesma, como se argumentou há muitos anos, um campo de tensões, e não letra fria, neutra.50 Justamente por isso, D. João contrariou frontalmente a consulta da Mesa do Desembargo do Paço: os noivos, enfim, puderam se casar e ter descendência.51
Impedimentos ao matrimônio: América portuguesa
Concluímos esta análise examinando dois processos envolvendo a interdição de casamentos entre indivíduos de ascendência indígena da capitania de São Paulo. Embora situados na periferia da preferia do império português, é possível demonstrar através deles que os indivíduos agora em questão mobilizaram os mesmíssimos conceitos manejados por membros da nobreza e por outros grupos sociais de Portugal e da América espanhola - a exemplo de “qualidade”, “igualdade” e “desigualdade de matrimônio” -, revelando, pois, sua profusa circulação social e espacial no contexto da sociedade de tipo antigo. A 29 de novembro de 1778, Ana Maria do Rosário apresentou petição a Antônio Ferreira Lisboa, meirinho da comarca de Paranaguá, na qual informou
que estando contratada e já corridos os pregões para casar com Francisco Alvarez, veio diante do Reverendo Vigário da vara Anna Pereira, viúva e mãe do contraente, afeitando desigualdade dizendo que a suplicante era de menor qualidade e desigual a seu filho.
A “desigualdade” e a “menor qualidade” referiam-se à imputação de que a noiva era “mulata” e, portanto, “desigual” de seu noivo, este um puro descendente do “gentio da terra”. A noiva contra argumentou dizendo ser “filha legítima de Antônio da Silva, já defunto, e de sua mulher Ignacia Alvarez da Cunha, também defunta, os quais não têm, nem seus antepassados, nunca em tempo algum tiveram em sua geração, casta de negro ou mulato”. Antes, continua, “os antepassados da justificante procedem de gentio da terra” e, mais ainda, “também a impediente Ana Pereira é filha de gente da terra”, razão pela qual “não pode haver a desigualdade que se quer afeitar”. Seu procurador, ademais, parecia bom conhecedor das leis pombalinas, pois argumentou que mesmo “que a justificante só tivesse casta de gente da terra e o contraente não, nem por isso se pode chamar desigualdade, porque a Lei de 6 de junho de 1755 nobiliza e os não distingue dos que procedem de brancos”.52 Contudo, a norma de 6 de junho referia-se à “lei restituindo aos índios do Grão-Pará e Maranhão a liberdade de suas pessoas, bens e comércio”, 53 a qual apenas teria aplicabilidade ao Estado do Brasil dois anos depois. Como já observado, talvez o procurador da noiva quisesse se referir ao alvará de 4 de abril de 1755, que concedia “privilégios aos que na América casarem com Índias naturais do País”.54
No mesmo dia 29 de novembro de 1778, três testemunhas foram chamadas para depor no âmbito do processo, as quais afirmam em uníssono que “a justificante é filha de Antônio da Silva e de Ignacia Alvarez da Cunha, dos quais nunca houve a menor nota de negro ou mulato em sua geração”, bem como que “a justificante procede de gentio da terra da mesma forma que Anna Pereira, mãe do contraente”, razão pela qual não havia entre eles “a menor desigualdade”. Ademais, recordavam as testemunhas que os índios do Brasil “por lei de sua majestade se reputam por brancos”. A mãe do nubente, ouvida no mesmo dia, anuiu que “a razão do sangue da justificante não tinha nota alguma que lhe pusesse, mas que a razão que tinha era que o referido seu filho era o seu encosto e de quatro filhos que tem”. Por outras palavras, a imputação de “desigualdade de matrimônio” tinha como fundamento o fato de Francisco Alvez, o noivo, ser arrimo de família, único provedor de sua mãe e de seus quatro irmãos - aspecto que, mutatis mutandis, não dista daquilo que examinamos precedentemente no âmbito da nobreza portuguesa. A 4 de dezembro de 1778 foi exarada a sentença, que concluiu “não haver razão suficiente que possa embaraçar a aliança contratada entre a justificante e o justificado para assim conseguirem e efetuarem o tratado casamento”, pois havia “entre eles igualdade em razão do sangue”.55 “Igualdade” e “desigualdade”, nesse caso, conjugavam-se e tomavam a forma de miséria e pauperismo - conjugação invisível aos olhos da justiça.
O último processo aqui examinado, também aberto na comarca de Paranaguá a 1º de junho de 1778, tem como autora “Elena Micaela de Souza, filha legítima de Silvestre Rodriguez e Joanna de Lemos dos Passos”, a qual, amparada pela “lei novíssima de 29 de novembro de 1775”, dizia estar “contratada para se receber com Ignacio da Costa, filho legítimo de Francisco da Costa e de Izabel dos Santos”. No entanto, “foi o pai do contraente afeitar desigualdade ao reverendo vigário da Vara desta vila que, zeloso da observância das Leis, fez suspender a Provisão”. Assim, como observado anteriormente, processos abertos na comarca poderiam ter como origem o foro eclesiástico - tal como se observa no caso do processo agora em questão. Por outro lado, chama a atenção o encaminhamento dado por Elena Micaela para dirimir a imputação de “desigualdade”. Segundo ela, testemunhas poderiam atestar “que o contraente Ignacio da Costa é filho do dito Francisco da Costa, descendente do gentio da terra e nesta parte com igualdade com a suplicante”. No entanto, “Izabel dos Santos, mãe do contraente, descende de uma negra mina a qual chamada Francisca era avó do dito contraente Ignacio da Costa pela parte materna”. Assim, pois, acrescia explosivamente Elena Micaela,
não tem o suplicado pai do contraente motivo para dirimir o matrimônio com desigualdade em conformidade da Lei Novíssima porque a melhoria da suplicante fica manifesta e só ela e seu pai é que podiam impedir se quiserem e não o suplicado sendo de inferior condição.
A noiva, pois, virava o jogo: se havia “desigualdade” era da parte do noivo, mormente de seu pai, cuja “inferior condição” era, segundo sua alegação, patente. Por outro lado, chama a atenção como se faz aqui o manejo da legislação pombalina: se esta teve por pressuposto retirar estigmas de modo a se incorporar indivíduos “lesos e baldados” ao serviço da “república”, como diz a lei de 16 de janeiro de 1773, o ressentimento de Elena Micaela a fez inverter os sinais, o que implicava, pois, em enfurecer o pai do noivo, seu adversário no campo de tendões que aqui examinamos.56
No dia 12 de junho de 1778, Francisco da Costa pediu vistas ao processo e, no mesmo ato, nomeou dois procuradores para refutar as alegações da noiva. Ato contínuo, estes entregaram ao ouvidor contestação à petição de Elena Micaela, na qual argumentavam que o arrazoado da noiva “é falso e totalmente alheio da verdade porque o Respondente nunca teve a mínima nota de mulato, nem menos procede de gentio da terra como falsamente alega a Autora”. O pai do noivo também acrescentou que era descendente “desde seus avós paternos e maternos de branco legítimo como o afirmarão as testemunhas que do mesmo Respondente e seus antepassados têm conhecimento”. Manejando as normas advindas da era do estatuto de pureza de sangue, este também informou “que a negra mina chamada Francisca é avó do contraente, porque é da mãe do contraente e vem a ser bisavó do mesmo contraente vindo a ficar em quarto grau tal parentesco e extinta conforme o Direito Canônico a nota de mulato”. Invertendo o pêndulo mais uma vez, Francisco Costa asseverou que se seu filho se pretendesse “ordenar a outro qualquer cargo que requeira limpeza de sangue o haveria de conseguir por ficar extinta semelhante nota, o que acontece pelo contrário com a Autora porque” esta “procede de carijó com negro”. Ao mesmo tempo, Francisco da Costa afirmou que poderia provar que
Anna carijó teve de um mulato por nome Antônio, cativo do defunto Manoel Gonçalves Carreira, uma filha por nome Luzia, e esta casou com um carijó por nome Thomé Rangel dos quais procedeu Joanna mãe da Autora,
fato pelo qual “se mostra bem claramente a desigualdade do Respondente por ser melhor a sua geração”. Para arrematar, Francisco da Costa observou que “para mostrar a inferioridade da Autora basta olhar para a cor dela que bem mostra por negra a sua qualidade”.57
Duas testemunhas foram, enfim, convocadas a depor a favor de Elena Micaela, as quais afirmaram que a nubente “é filha legítima de Silvestre Rodrigues e de Joanna de Lemos dos Passos, os quais são descendentes do gentio da terra”, e que conheciam os “avós da justificante, os quais nunca tiveram mistura no seu sangue, nem de mulato ou de negro, o que assim é notório nesta vila”. Por outro lado, as testemunhas também afirmaram que o pai do nubente, Francisco da Costa, “descende do gentio da terra”, mas que a mãe, Izabel dos Santos, era “mulata, esta filha de outra mulata por nome Micaela, e esta filha de uma negra mina por nome Francisca, bisavó do contraente”. O pai do noivo, por seu turno, não apresentou testemunhas ou provas, razão pela qual o “Termos de Conclusão” do processo, de 3 de julho de 1778, atestou, enfim, que “a justificante provara o deduzido em seu requerimento”, ao passo
que o justificado, opondo-se a ele, não produziu testemunhas, não provou coisa alguma nem ao menos deu razão que pudesse obstar ao fim da pretendida aliança entre os dois contraentes pactuada conforme o Espírito da Lei Novíssima.
Ademais, concluiu-se que se tratava de “impugnação nascida de ódio”, a qual “mostra igualdade entre os dois contraentes”, tornando “incompatível a repugnância do justificado”. Em 10 de julho de 1778, Francisco da Costa, não satisfeito com a derrota, apelou ao Tribunal da Relação no Rio de Janeiro.58 No entanto, em maio de 1779, informou-se naquela instância que a causa em questão não teve acolhimento, sendo, portanto, remetida outra vez a Paranaguá, onde o processo se encerrou em 28 outubro de 1779, com a vitória de Elena Micaela.59
Conclusões
À guisa de conclusão, parece pertinente sublinhar três aspectos mais gerais. Em primeiro lugar, sugerimos que tensões internas às sociedades monárquicas europeias e, sobretudo, competições em escala atlântica entre monarquias e seus impérios coloniais, produziram, em última análise, as várias legislações sobre matrimônios formuladas entre os séculos XVI e, principalmente, ao longo do século XVIII. Tensões que, mormente após o Concílio de Trento, opuseram monarquias, grupos da nobreza e clero engendraram, no campo atinente aos matrimônios, a tríade controle paterno, livre escolha de parceiros e intervenção estatal 60. Tais disputas, por um lado, tiveram dinâmicas particulares em cada reino e, alhures, em cada sociedade adscrita a seus respectivos impérios coloniais, e, por outro lado, afetaram primeiro os estratos da nobreza e, mais tarde, aos grupos sociais identificados com a “plebe”.
Em segundo lugar, a comparação entre as legislações reformistas portuguesa e espanhola sobre matrimônios nos permite afirmar que havia dependência mais acentuada da monarquia portuguesa em relação à “plebe” e à segunda nobreza que no caso espanhol. Para tais grupos sociais, conforme a lei de 1775, quaisquer “repugnâncias” deveriam ser evitadas, ao passo que a legislação castelhana revelou perfil mais conservador, ao reiterar distinções sociais existentes nas sociedades peninsular e hispano-americanas mesmo entre a elite indígena e afrodescendentes marcados por processos de mobilidade ascendente. Na perspectiva portuguesa, o importante, como preconizava o pombalismo, era a povoação, “de que depende a principal força dos Estados”, princípio, ademais, coerente com a posição relativa de Portugal e de seu império dentre os demais impérios do mundo atlântico: sendo o mais pobre, o mais carente de recursos, mormente humanos, cabia superar obstáculos advindos dos tempos duros do estatuto de “pureza de sangue” 61, de modo a estar apto a competir com seus rivais.
Em terceiro lugar, destacamos a intensa circulação dos conceitos de “qualidade”, “igualdade” e “desigualdade de matrimônio” entre grupos sociais dos níveis mais alto e mais baixo, fossem estes residentes na Europa ou na América. Tais conceitos repousavam, em última análise, no cerne do ordenamento da sociedade do antigo regime, derivando de seu conceito de “honra” 62 e vinculando-se a estigmas ligados ao estatuto de “pureza sangue”. A legislação reformista pombalina que entre 1755 e 1773 procurou remover tais estigmas parece ter encontrado poderosos obstáculos para se enraizar socialmente. Se era difícil e complexo impor, e não sem resistências, a remoção de impedimentos no âmbito de corporações, quadro ainda mais intricado e emaranhado se verificava ao nível doméstico, privado, no qual se concertavam matrimônios. Cumpre, pois, reconhecer o fato óbvio de que a dinâmica jurídica da supressão de “notas” - como as de “liberto” e “cristão-novo” - não se processou no mesmo ritmo da dinâmica da vida social. Esta, mais lenta, mais subjetiva, carregou consigo estigmas arraigados por gerações sucessivas, os quais se manifestaram de forma veemente nas tensões entre indivíduos casadoiros, pais e tutores. Por fim, afirmamos que é possível demonstrar através dessa análise que aspectos definidos nos conselhos reais, no paço, entre homens de Estado, impactavam sobre a vida comezinha e pedestre de indivíduos situados em paragens remotas, muito distantes dos centros de poder e decisão.
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13
Maxwell, 1996, p. 2-35; Monteiro, 1998.
-
14
Stolke, 2006.
-
15
Sobre o conceito de figuração, ver Elias, 2005, p. 140-145.
-
16
Ver, entre outros, Silva, 2001; Silva e Souza, 2017; Silva e Souza, 2020.
-
17
Pulido, 2020, p. 863-896; Vázquez, 2019, p. 153-180.
-
18
Silva, José Faustino de Andrade e. Coleção cronológica da Legislação Portuguesa comentada e anotada por José Faustino de Andrade e Silva (1613-1619). Lisboa: Imprensa de J. J. A. Silva, 1855, p. 107.
-
19
Codigo Philippino ou Ordenações e Leis do Reino de Portugal. Livro IV, p. 1051-1052.
-
20
Silva, Antônio Delgado. Collecção da Legislação Portugueza (Legislação de 1775 a 1790), 1828, p. 65.
-
21
Goody, 1994, p. 103-157; Monteiro, 2011, p. 131-132.
-
22
Laplante, 2019, p. 24-51.
-
23
O’Connell, 2011, p. 149-166; Harth, 1988, p. 123-154; Probert, 2005, p. 247-262.
-
24
Werth, 2008, p. 296-331.
-
25
Nazzari, 2001, pp. 212-213.
-
26
Nazzari, 2001, p. 331, n. 1.
-
27
Silva, 1984, p. 120-121.
-
28
Silva, Antônio Delgado. Collecção da Legislação Portugueza desde a última Compilação das Ordenações. Legislação de 1775 a 1790. Lisboa: Tipografia Maigrense, 1828, p. 45-47.
-
29
Monteiro, 2011, p. 148-149.
-
30
Lei de 29 de novembro de 1775. Declara a de 19 de junho do mesmo ano, em que providencia sobre os Matrimónios em que os Pais, Mães, Tutores ou Curadores recusam dar o seu Consentimento. Codigo Philippino ou Ordenações e Leis do Reino de Portugal. Livro IV, p. 1051-1052.
-
31
Santos, 1999, p. 156.
-
32
Maxwell, p. 16, 53.
-
33
Konetzke, 1962, p. 406-413. Tanto as leis como os processos oriundos de arquivos hispano-americanos ou espanhóis foram traduzidos livremente pelos autores.
-
34
Monteiro, 2011, p. 150
-
35
Silva, 1984, p. 120-122.
-
36
Nazzari, 2001.
-
37
Goldschmidt, 2004; Cunha, 2017, p. 223-242; Reis, 2013, p. 45-62; o tema ficou ausente de Souza, 1997.
-
38
Cervantes Cortés, 2016, p. 21-52; Samudio Aizpurúa, 2003, p. 1-10; Velázquez Delgado, et. al. 2014, p. 56-74; Latasa, 2016, p. 13-38; Fuentes-Barragán, 2016, p. 53-84; Zea, 2020, p. 45-64; Tello, 1999, p. 201-220.
-
39
Saether, 2003, p. 475-509.
-
40
Konetzke, 1962, p. 438-442.
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41
Causa movida por Ysidora de la Coa sobre o casamento de sua filha com um mulato (1781-1786). Archivo General de Índias, série Caracas, legajo 300.
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42
Idem.
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43
Archivo General de la Nación de Colombia — AGN-CO, Genealogias, SC.28, 6, doc. 26, 1794.
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44
Idem.
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45
Arquivo Nacional da Torre do Tombo (doravante ANTT), Desembargo do Paço, Maço 2116, nº 61. Lisboa, 22 de março de 1783. Análise desse mesmo processo foi realizada por Monteiro, 2023, p. 173-194.
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46
ANTT, Desembargo do Paço, Maço 2116, nº 61. Lisboa, 22 de março de 1783; sobre a lei de janeiro de 1773, ver sobretudo Silva, 2001 e Souza, 2017.
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47
ANTT, Desembargo do Paço, Maço 1497, nº 16. Lisboa, 12 de julho de 1816.
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48
Idem.
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49
Idem.
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50
Sobre o papel ativo da lei, ver a análise clássica de Thompson, 1987, p. 348-361.
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51
Monteiro, 1998, p. 423-425; Pinto, 2016.
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52
Ouvidoria Geral da Comarca de Paranaguá. Autos cíveis de justificação em que são partes Justificante: Maria do Rosario; Justificada: Anna Pereira. Departamento Estadual de Arquivo Público, PR. BR PR APPR PB045 PC2099.67, 1778.
-
53
Lei restituindo aos índios do Grão-Pará e Maranhão a liberdade de suas pessoas, bens e comércio. ANTT, Leis e ordenações, Leis, maço 4, n.º 156. Lisboa, 6 de junho de 1755.
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54
SILVA, António Delgado da. Collecção da Legislação Portugueza desde a última Compilação das Ordenações. Legislação de 1750 a 1762. Lisboa: Typografia Maigrense, 1830.
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55
Ouvidoria Geral da Comarca de Paranaguá. Autos cíveis de justificação em que são partes Justificante: Maria do Rosario; Justificada: Anna Pereira. Departamento Estadual de Arquivo Público, PR. BR PR APPR PB045 PC2099.67, 1778.
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56
Ouvidoria Geral da Comarca de Paranaguá. Autos cíveis de justificação em que são partes Justificante: Elena Elena Micaela de Souza; Justificado: Ignacio da Costa. Departamento Estadual de Arquivo Público, PR. BR PR APPR PB 045 PC2129.69, 1778.
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57
Idem.
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58
Idem.
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59
Idem.
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60
Goody, 1994, p. 103-157.
-
61
Olival, 2004, p. 151-182; Figueirôa-Rêgo, et. al. 2011, p. 115-145.
-
62
Maravall, 1989, p. 11-145.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
19 Set 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
-
Recebido
28 Out 2024 -
Aceito
27 Jun 2025
