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O discurso iconográfico das imagens de Albert Kahn no Rio de Janeiro (1909): uma questão de posição

The iconographic discourse of Albert Kahn’s images in Rio de Janeiro (1909): a question of position

RESUMO

O artigo trata de um conjunto de imagens, em autocromos, da cidade do Rio de Janeiro. Essas imagens foram produzidas em 1909 por Albert Kahn, criador do projeto Arquivos do Planeta, que tinha como objetivo documentar em imagens o mundo e sua variedade de aspectos culturais tal como ele se apresentava no início do século XX. O objetivo é discutir como esse conjunto de imagens constitui um discurso iconográfico sobre a cidade do Rio de Janeiro por meio da análise dos elementos que aí figuram, das escolhas de ângulos, de enquadramentos e de pontos de vista. A análise composicional das imagens permitiu interpretar a construção de sentido nesse discurso: uma cidade construída entre o mar, a montanha e a densa vegetação.

PALAVRAS-CHAVE:
Imagens; Albert Kahn; Rio de Janeiro; Discurso iconográfico; Análise composicional; Arquivos do Planeta

ABSTRACT

The article deals with a set of images, in autochrome, of the city of Rio de Janeiro. These images were produced in 1909 by Albert Kahn, creator of The Archives of the Planet project, which aimed to record the world in images and its variety of cultural aspects as it appeared at the beginning of the 20th century. The objective is to discuss how this set of images constitutes an iconographic discourse about the city of Rio de Janeiro from the analysis of the elements that appear there, the choices of angles, framings and points of view. The compositional analysis allowed us to interpret the construction of meaning in this discourse: a city built between the sea, the mountain, and the thick vegetation.

KEYWORDS:
Images; Albert Kahn; Rio de Janeiro; Iconographic discourse; Compositional analysis; The Archives of the Planet

Eles [os Arquivos do Planeta] deveriam constituir uma espécie de quadro real da vida de nossa época, que permanecerão como um monumento por excelência de consulta e comparação para aqueles que virão depois de nós.3 3 Brunhes (1913) apudPerlès (2022).

Em setembro de 1909, um barco a vapor atracou no recém-inaugurado porto do Rio de Janeiro vindo de Buenos Aires, após realizar a travessia do Atlântico. Um de seus passageiros era Albert Kahn, que contava cumprir uma missão bastante precisa: registrar com imagens aspectos relevantes da organização do espaço das terras visitadas. Nas palavras do geólogo Margerie, que apresentou o projeto de Albert Kahn ao geógrafo Jean Brunhes em 1912, os Arquivos do Planeta seriam: “Uma espécie de inventário fotográfico da superfície do globo ocupado e organizado pelo homem, tal qual ela se apresenta no começo do século XX”4 4 Margerie (1912) apudGenoudet (2020, p. 10). .

À frente de toda essa iniciativa, estava o rico banqueiro alsaciano, Albert Kahn. Ele desembarcou munido de material fotográfico de última geração: máquinas sofisticadas, placas de vidro, substâncias de fixação das imagens e de revelação, enfim, um pequeno laboratório. É provável que o material incluísse máquinas cinematográficas e de gravação de som, mas nenhum resquício material permite atestar com certeza se esses equipamentos estavam presentes em 1909. Na verdade, quase todas as informações disponíveis sobre a viagem são fruto de correlações e evidências estabelecidas por pesquisas posteriores e contêm algumas incertezas. Albert Kahn desejava registrar de forma exaustiva o mundo, mas era arredio a todo e qualquer registro fotográfico pessoal. Por isso, os detalhes dessa viagem e até mesmo de sua presença e a de Auguste Léon, fotógrafo profissional recém-contratado por Kahn, que teria sido o autor dos autocromos, não têm lastro documental, só podem ser conjecturadas a partir de múltiplas e variadas evidências obtidas por minucioso cruzamento de informações. Sobre a presença de Auguste Léon no Brasil, ainda subsistem dúvidas. Recentemente, uma pesquisa indicou que seu nome não constava na lista de passageiros desembarcados no Rio de Janeiro em 1909, na mesma travessia realizada por Kahn.5 5 Vidal e Moreau (2022). Os autocromos dessa viagem eram atribuídos a Léon pelo Musée Albert Kahn até 2022, mas essa autoria se encontra em exame e o Musée ainda analisa essa questão.6 6 Neste artigo, optamos por manter a atribuição da coautoria dos autocromos a Auguste Léon, como era estabelecido pelo Musée Albert Kahn até 2022. A presença física de Kahn durante toda a viagem também foi colocada em dúvida. Um dos elementos comprobatórios, além do seu nome na lista de passageiros, seria o espectro da silhueta de um homem em uma imagem realizada em Recife, em 1909, que, após minucioso exame, parece coincidir com a do banqueiro.7 7 Lestang Parade (2019, p. 19).

O objetivo deste artigo não é de trazer fatos inéditos ou discutir a validade daquilo que já se encontra estabelecido pela bibliografia sobre as diversas circunstâncias da história de Albert Kahn e de suas realizações. Nossa intenção é apresentar e discutir a natureza dessa aventura que o trouxe ao Rio de Janeiro e, mais especificamente, analisar as imagens em autocromo geradas dessa cidade, encontradas no acervo datado de 1909.

Essa viagem - juntamente com uma anterior de volta ao mundo, realizada pouco antes - precedeu a criação dos Arquivos do Planeta, em 1912. Os Arquivos foram concebidos por Kahn como uma grande coleção de documentos audiovisuais de lugares, contendo imagens de suas características materiais, dos costumes e da cultura. As duas travessias parecem ter sido uma experiência piloto dos deslocamentos e dos procedimentos de registro de imagens dos lugares. A viagem de volta ao mundo de Kahn é bastante citada na literatura.8 8 Castro (2011) e Lestang Parade, op. cit. (2019). O fundo documental do qual faz parte a viagem ao Brasil, no entanto, foi pouco analisado.

Esse fundo, no qual se encontram as imagens do Rio de Janeiro, foi catalogado nos Arquivos do Planeta como “Viagem à América do Sul”. A denominação é imprecisa. Além das imagens do Brasil e da Argentina, há também algumas de Portugal e da Espanha e, às 52 imagens obtidas em 1909, se somam outras não datadas e algumas visivelmente geradas em data posterior, como a da série de personalidades da elite brasileira, feitas em 1927.9 9 Lestang Parade, op. cit. (2019, p. 9). A chegada em 1912 do geógrafo Jean Brunhes para dirigir os Arquivos deu mais clareza aos procedimentos envolvidos na produção, classificação e sistematização das imagens. Talvez, o material obtido anteriormente a essa data tenha sido visto, por alguns responsáveis ulteriores pela coleção, como pouco afeito ao modelo proposto por Brunhes e, por isso, não foi catalogado com os outros documentos. O fato é que as imagens que compõem esse fundo ficaram na reserva dos Arquivos, não haviam sido inventariadas até recentemente e, segundo consta, nunca teriam sido exibidas.10 10 Lestang Parade, op. cit. (2019, p. 18).

É possível, pela anterioridade da obtenção dessas imagens, contestar que elas façam parte do projeto dos Arquivos do Planeta, tal qual ele foi organizado posteriormente. Da mesma forma, o estabelecimento de regras protocolares por Jean Brunhes a partir de 1912 poderia nos levar a julgar que as imagens anteriores à sua tutela eram de outra natureza ou exprimiam outros objetivos. Contudo, a unidade dessas imagens, obtidas em 1909, e a concepção dos Arquivos do Planeta, três anos depois, é assegurada pela figura do seu genitor: Albert Kahn. Além disso, o material básico, as técnicas e os equipamentos eram os mesmos. Até o operador, Auguste Léon, permaneceu ativo em função até 1930. Por isso, é bastante razoável considerar os autocromos do Rio de Janeiro, obtidos na viagem de 1909, como perfeitamente integrados à proposta dos Arquivos do Planeta. Por conseguinte, o exame do conteúdo dos autocromos, de suas características e escolhas, encontra consistência nas motivações e propósitos dessa aventura de inventariar o mundo a partir de imagens, concebido por Albert Kahn. Antes de discutir as imagens propriamente ditas, convém apreciar o espírito que animou sua produção.

REGISTRANDO A VARIEDADE DO MUNDO

Nada há de extraordinário no fato de um magnata decidir, em algum momento, dedicar parte de seu patrimônio à reunião de certos bens ou informações em grandes coleções. Conhecemos muitos casos semelhantes. Quadros, livros, mapas, artefatos, entre outros itens, foram reunidos repetidas vezes em instituições criadas por pessoas afortunadas com o intuito de organizar e eventualmente dar acesso público a esses acervos. A singularidade de Albert Kahn reside na escolha daquilo que deveria ser colecionado: imagens do mundo.

Muitos dos que se dedicaram a interpretar as motivações de Albert Kahn para lançar um projeto de colecionar essas imagens têm ressaltado o apreço dele pela variedade de formas e dinâmicas, naturais e culturais, que se apresentam no mundo.11 11 Castro (2008, 2017). Em sua carreira como banqueiro, Kahn foi levado desde cedo a viajar bastante e, talvez, ao longo desses percursos, tenha desenvolvido forte sensibilidade para a diversidade de paisagens e de formas de organização social que se apresentavam nesses deslocamentos. O prazer do espetáculo da variedade do mundo era, no entanto, matizado pelo temor de que algumas dessas situações viessem a desaparecer, de que novas formas tomassem o seu lugar e fosse impossível conhecer aquilo que existia anteriormente:

A fotografia estereoscópica, as projeções e, sobretudo o cinematógrafo, eis o que eu queria fazer funcionar em grande escala a fim de definitivamente fixar os aspectos, as práticas e os modos da atividade humana cujo desaparecimento absoluto é apenas uma questão de tempo.12 12 Albert Kahn citado por Emmanuel de Margerie, em uma carta para Jean Brunhes, 26 de Janeiro de 1912, apudBeausoleil e Delamarre (1993, p. 92).

Isso não significa que Albert Kahn fosse movido pela nostalgia ou que se opusesse à transformação. Sua ação não se dirigia para a preservação daquilo que existia, mas sim para o seu registro. Era preciso conhecer aquilo que existia ou que havia existido da maneira mais precisa que fosse possível.

Outras duas iniciativas de Kahn, anteriores à grande coleção de imagens nos Arquivos do Planeta, podem ajudar a compreender suas motivações mais gerais. A primeira é a organização de um jardim dentro da propriedade adquirida em 1885, em Boulogne-Billancourt, nos arredores de Paris. O jardim foi organizado como uma sucessão de composições de plantas. Há parcelas formadas por tipos de espécies, como o pomar, o roseiral, o palmeiral e a horta. Outras mimetizam ambientes, pradarias, pântanos, montanhas, florestas etc. Finalmente, um último tipo das parcelas do parque da propriedade reproduz modos culturais de organização dos jardins: inglês, francês, chinês, japonês e outro, chamado de vosgiano, inspirado nas florestas das montanhas da região de origem de Kahn, os Vosges (Figura 1). Aparentemente, após as viagens feitas, se somaram às antigas parcelas, pequenos conjuntos de plantas com nome dos lugares visitados: jardim brasileiro, mexicano, marroquino, argelino etc. Atualmente, o jardim se encontra restaurado e apresenta o plano original concebido por Albert Kahn (Figura 2).

Figura 1
Plano geral da organização dos Jardins do Mundo (2002).

Figura 2
Vista do interior do jardim, 2022.

Albert Kahn ia passear com seus convidados pelos jardins de sua propriedade, denominados por ele como Jardins do Mundo. Algumas das raríssimas fotos nas quais Kahn é retratado foram feitas nessas ocasiões, quando acompanhava ilustres convidados - intelectuais, artistas, cientistas, políticos - pelas alamedas do parque.13 13 Baud-Berthier (2010, p. 106). O jardim se organizava como um condensado de paisagens do mundo. Funcionava como inventário e coleção de plantas, reagrupadas como composições botânicas e como paisagens culturais. Os passeios eram a expressão do prazer estético e sensorial advindo do contato direto com a diversidade terrestre.

A segunda iniciativa que pode ajudar a compreender as intenções mais gerais de Albert Kahn é o programa de bolsas Ao Redor do Mundo (Autour du Monde), criado por ele em 1898. A cada ano os melhores alunos da Sorbonne no concurso da Agrégation recebiam bolsas de viagens com a única condição de que, na volta, eles trouxessem descrições e documentos das terras visitadas.14 14 Castro, op. cit. (2011, p. 17). O programa era aberto aos estrangeiros e às mulheres, grande novidade na época.15 15 Arasa (2014). A partir de 1905 é criada por Kahn a Sociedade ao Redor do Mundo, que promovia reuniões com projeções, visitas aos jardins, refeições etc. Tratava-se de um programa pedagógico destinado a educar as elites para descobrir e apreciar a diversidade do mundo.16 16 Esse é um tema central do único livro escrito por Albert Kahn (1918). Ele parecia convencido de que o conhecimento de culturas e terras estrangeiras encorajaria maior respeito entre os povos e resultaria em uma convivência mais pacífica.17 17 Prévost-Grégoire (2018).

A criação oficial dos Arquivos do Planeta, em 1912, pode ser vista, portanto, como uma continuidade dos projetos anteriores de Kahn. A vocação dos arquivos era guardar, sistematizar, produzir e exibir imagens do mundo. Elas deveriam ter elevada qualidade para restituir toda a riqueza da observação in loco. Por isso, desde o começo, os procedimentos de registro foram feitos com a técnica do autocromo, que utilizava placas de vidro, capazes de capturar as cores. Os irmãos Lumière, inventores do cinema, eram os fornecedores desse material, que foi colocado no mercado em 1907, dois anos antes das primeiras viagens que começaram a colher material para a coleção dos Arquivos. Muitas imagens também são estereoscópicas, com o intuito de trazer realismo aos registros. Além disso, desde o início, foram gravadas imagens em movimento, geradas por máquinas cinematográficas e até a captação dos sons foi concebida nesse esforço de criar um banco de dados mais completo do mundo.

Compreende-se assim que, em 1912, ao buscar um responsável para dirigir os Arquivos do Planeta, a escolha de Kahn tenha recaído sobre o nome de um geógrafo conhecido, como Jean Brunhes.18 18 Em carta ao geólogo Emmanuel de Margerie, ele descreve o tipo de pessoa que deseja: “um homem ativo, suficientemente jovem, habituado às viagens e ao ensino e com uma reconhecida competência como geógrafo” (Carta de Kahn a Margerie, 1912 apudCastro, op. cit. (2011, p. 3). Dois anos antes de assumir a direção dos Arquivos, Brunhes havia publicado seu grande tratado denominado Geografia humana.19 19 Brunhes (1910). A denominação “Geografia Humana” foi cunhada na última década do século XIX no círculo de geógrafos franceses da Revista Annales de géographie. Para mais detalhes, consultar Robic (1993). O uso dessa expressão caracteriza o campo de estudos definido como uma sistematização dos fenômenos humanos que ocorrem na crosta terrestre e são resultantes de conexões, tanto com os elementos do ambiente físico quanto com os culturais. Jean Brunhes, além de valorizar a conectividade entre elementos diversos na conformação dos fenômenos, formulou o “princípio de atividade”, que valorizava a ideia de transformação e procurava sentido na perpétua mudança dos fatos geográficos. Além disso, as descrições, tipologias e análises trazidas em sua geografia humana são testemunhos eloquentes da capacidade de operacionalizar esse método que aprecia as conexões e explana as razões pelas quais as áreas do globo apresentam organizações espaciais variadas.20 20 Nesse sentido, a Geografia Humana se apresentava como uma concorrente à nascente e prestigiada Etnologia. A proposta de Jean Brunhes de uma Geografia Humana, difundida por seus colegas nos Annales de géographie, procurava, pois, demonstrar o interesse e o alcance da consideração do ambiente físico na interpretação da vida social. Ver, a esse respeito, Mucchielli (1998) e Robic (1992).

Como se pode constatar, essas características se associaram às intenções que levaram Albert Kahn a organizar os Jardins do Mundo, o programa de bolsas Ao Redor do Mundo e os Arquivos do Planeta. Ele não apenas confiou a tarefa da organização dos Arquivos a Jean Brunhes como financiou, em 1912, a criação de uma cadeira de Geografia Humana no Collège de France ocupada por ele.

Kahn assim apresentou seus argumentos para justificar o interesse pela criação dessa cátedra no Collège de France:

O titular da cátedra, que será ao mesmo tempo um homem formado e habituado ao ensino, à publicação científica, às viagens de observação e de estudo e às técnicas fotográficas, será provido por mim dos meios científicos e práticos que lhe permitirão enriquecer seu ensino de maneira excepcional.21 21 Kahn apudOrain e Robic (2017, p. 441).

Brunhes e Kahn estavam, portanto, em perfeita sintonia. Pierre Denis, geógrafo que se beneficiou de uma das bolsas Ao Redor do Mundo e esteve no Brasil em 1907, conta que teria sido convidado para dirigir os Arquivos do Planeta.22 22 O livro de Denis (1911) que resultou dessa viagem, Le Brésil au XXe siècle, fez parte da bibliografia dos cursos de geografia no Brasil até os anos 1960, conforme depoimento de Lia Osório Machado, aluna nos anos 1950 e depois professora do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colhido em dezembro de 2021. Segundo seu relato, ele recusou.23 23 Claval (2012) e Oulmont (2012). Julgou o projeto pouco claro. Aliás, ele acrescenta que Albert Kahn tinha dificuldade para exprimir com nitidez seus propósitos.24 24 Genoudet, op. cit. (2020, p. 116). As dificuldades de Kahn para esclarecer suas intenções parecem ter encontrado nas formulações de Jean Brunhes a via mais adequada de comunicação. O entendimento e a cumplicidade entre eles no projeto dos Arquivos parecem ter sido constantes.25 25 Castro, op. cit. (2011).

Desde sua chegada aos Arquivos, Brunhes ficou à vontade para criar protocolos que deveriam ser seguidos na produção das imagens. Em alguma medida, essas regras reproduzem o plano de sua Geografia humana, que, aliás, era sistematicamente ofertada e recomendada como leitura aos ingressantes no projeto dos Arquivos.26 26 Ibid.

As recomendações aos operadores das câmeras eram para que fossem observados e registrados nas fotos os seguintes aspectos: casas, caminhos, animais domésticos, campos e jardins, devastações vegetais e animais, explorações minerais, monumentos religiosos ou equivalentes, cemitérios, tipos de homem, homens célebres, tipos de casas, decoração interior e exterior, tipos de mobiliário, vestimentas e uniformes diversos (civis e militares), joias, armas, utensílios para a cozinha, instrumentos manuais, indústrias locais, aspecto geral do povoado urbano, campos, culturas, cercas, rodovias, ruas, jardins e pátios. Para as imagens cinematográficas ele recomendava a gravação de: cerimônias religiosas, orações individuais e coletivas, procissões, enterros, batismos, casamentos, noivados, danças e cerimônias diversas, entrada e saída de monumentos de culto, tipos de homem, homens célebres, cenas de vida militar, cenas características do país, estudantes, pastores, meios de locomoção, mercados, maneira de preparar os alimentos, maneira de consumi-los etc.27 27 Carta de Brunhes a Stéphane Passe, 1912 apudGenoudet, op. cit., (2020, p. 127).

É possível atribuir essa longa lista ao esforço de objetividade e clareza de Brunhes na condução do projeto dos Arquivos. Sem dúvida, foram diretrizes apresentadas e aprovadas por Kahn. Por isso, não há sentido em supor que tenha havido uma condução rígida por parte de Brunhes e que suas regras não obedeceriam inteiramente aos princípios do projeto como foram concebidos por Kahn, como sugerem alguns comentadores.28 28 Genoudet, op. cit., (2020, p. 124). Não há essa atribuída rigidez e Brunhes adverte que a observação no campo deve ser flexível e que sua lista não pretendia ser exaustiva e fechada. A ação de Brunhes pode ser compreendida como a tradução, em um protocolo sistemático e objetivo, daquilo que se apresentava sob a forma de propósitos gerais na expressão de Albert Kahn.

A única diferença significativa é que, para Brunhes, a fotografia é um documento que deve ser analisado para se extrair algum conhecimento.29 29 Mendibil (1999, 2006). A simples visualização de algo não constitui uma prova de veracidade. Daí, aliás, a importância de controlar as condições nas quais esses documentos são gerados. Tanto é assim que, no protocolo criado por Brunhes para realizar a captura de imagens, havia a previsão de um binômio composto por um homem da ciência - chamado de encarregado de estudos - e por um operador, o fotógrafo.30 30 Genoudet, op. cit., (2020, p. 124). Há uma demanda de Brunhes por uma educação do olhar e uma leitura analítica da imagem. Essa talvez tenha sido a principal diferença de Brunhes em relação às ideias de Kahn.31 31 Brunhes (1913, p. 24).

Como foi dito, duas viagens com coleta de material fotográfico haviam sido feitas por Kahn antes dos Arquivos do Planeta serem criados oficialmente em 1912. A primeira foi Ao Redor do Mundo e aconteceu em 1908, quando ele foi ao Japão e à China, cruzando depois os Estados Unidos de leste a oeste. Nessa viagem, o banqueiro francês foi acompanhado por seu chofer, Albert Duterte, responsável por fazer os registros visuais (clichês estereoscópicos e imagens cinematográficas). De volta à França em 1909, Albert Kahn contratou o fotógrafo profissional Auguste Léon para a viagem pela Espanha, Portugal, Brasil e Argentina.32 32 Castro, op. cit. (2011). No Brasil registrou imagens de Salvador, Recife, Rio de Janeiro, Petrópolis, Santos e São Paulo.33 33 Lestang Parade, op. cit., (2019, p. 21). Também é a partir de 1909 que Albert Kahn adquire a então nova tecnologia do autocromo. Pelo menos 52 registros visuais foram realizados no Brasil por meio do autocromo, algumas vezes, com efeito estereoscópico.

Essas primeiras viagens são, portanto, uma espécie de ensaio para a criação futura dos Arquivos do Planeta. Alguns autores consideram que o projeto se iniciou de fato quando Albert Kahn recrutou o primeiro operador profissional, Auguste Léon, em 1909, antes da viagem ao Brasil.34 34 Corneloup (2012). Isso permite tratar os autocromos do Rio de Janeiro, de 1909, contidos no fundo documental “Viagem à América do Sul”, como parte integrante dos Arquivos e interpretá-los segundo as regras que, dois anos depois, foram estabelecidas explicitamente por Jean Brunhes.

As atividades dos Arquivos do Planeta terminaram em 1932, pouco tempo depois da morte de Jean Brunhes, em 1930, e da falência de Albert Kahn, que havia perdido grande parte de seu patrimônio na crise econômica de 1929. Sua propriedade em Boulogne-Billancourt, incluindo os Jardins du Monde e o fundo documental dos Arquivos, foi comprada pelo Departamento do Sena, em 1936. Atualmente, as coleções dos Arquivos do Planeta estão conservadas no Musée départemental Allbert-Kahn, localizado na antiga propriedade de Albert Kahn, em Boulogne-Billancourt. A coleção é constituída por 72 mil placas de autocromo, 4 mil placas estereoscópicas e pouco mais de 180 mil metros de filme mudo em nitrato de 35 mm.35 35 Baud-Berthier, op. cit. (2010, p. 107).

PONTO DE VISTA, COMPOSIÇÃO E EXPOSIÇÃO: TRÊS NOÇÕES PARA A ANÁLISE GEOGRÁFICA DAS IMAGENS

Do acervo disponível nos Arquivos do Planeta, serão analisados apenas os autocromos feitos no Rio de Janeiro que fazem parte do fundo “Viagem à América do Sul”, de 1909.36 36 Há numerosas imagens fotográficas da cidade do Rio de Janeiro em negativo ou em positivo sobre placas de vidro obtidas na mesma época e catalogadas no acervo do Musée Albert Kahn. Não há, no entanto, autoria atribuída e data precisa de obtenção. A diferença dos temas registrados, dos enquadramentos, do tratamento recebido e da forma de exposição dessas imagens nos permite conceber os autocromos como um conjunto à parte, que tem coerência própria e, sobretudo, um interesse singular. Por isso, limitamos nossa análise aqui apenas a esse conjunto de imagens constituído pelos autocromos. Trata-se de um conjunto de 43 imagens. Essa escolha se justifica, pois há uma unidade básica determinada pela técnica empregada, os autocromos, e pelo objeto figurado, a cidade. Isso nos permite identificar um discurso iconográfico ou, em outras palavras, uma narrativa visual de um lugar. Existe uma sintaxe que se exprime na organização espacial dos elementos que figuram na imagem. Essa organização é portadora de sentidos. Utiliza-se a expressão discurso iconográfico para discutir as relações lógicas na organização espacial dos elementos constituintes das imagens. A partir disso, pode-se examinar as imagens e buscar o significado das diversas escolhas que presidiram sua produção. As imagens são reproduções dos autocromos gravados em placas de vidro. Alguns clichês preservam o mesmo ponto de vista, mas apresentam pequenas variações de ângulo lateral. São séries que buscam produzir efeito estereoscópico. O uso da estereoscopia tinha o intuito de oferecer maior grau de precisão na restituição das características dos locais, ou seja, se buscava um máximo realismo na visualização a partir da percepção da profundidade e da tridimensionalidade. Aqui não serão consideradas essas pequenas variações de ângulo, somente o enquadramento obtido pela superposição dos pares de imagens. Assim, chegamos a um total de 33 cenas examinadas.

Para a análise dessas imagens utilizaremos três categorias básicas que levam em consideração três tipos de espacialidade: a de quem produz a imagem (o ponto de vista), a definida pelo enquadramento e ângulo da imagem (a composição) e a que delimita sua visualização (a exposição). Com essas três noções, temos situadas as condições do produtor da imagem, as do conteúdo daquilo que está figurado e as do observador.37 37 Gomes (2013). Como indica sua etimologia, tudo aqui é uma questão de posição.

Em outros termos, examinamos nessas imagens em que posição o produtor se colocou e o que essa posição permite ver. Evidentemente, a escolha foi feita em detrimento de tudo aquilo que daquela posição não é visto. Pela figuração desses ângulos no mapa da cidade na época das tomadas (Figura 3), é possível delimitar e qualificar as opções feitas. Comparamos também esses pontos de vista com os de outras imagens produzidas na época e nos períodos imediatamente subsequentes por outros fotógrafos. Queremos saber se são recorrentes, se são condicionados pelo sítio ou pelos dispositivos que dirigem e organizam nosso olhar.

Figura 3
Pontos de vista dos autocromos dos Arquivos do Planeta.

Analisamos, em seguida, os elementos que estão figurados nas imagens. Como aparecem? Como estão relacionados nesse enquadramento? Que significados produzem ao serem combinados de determinada maneira? A composição é um dos aspectos mais importantes na produção de sentido pelas imagens. Muitas vezes, esses enquadramentos parecem “naturais”, mas são sempre ditados por uma sensibilidade estética que é socialmente produzida e, por isso, pode ser interpretada.

Finalmente, mesmo sabendo que essas imagens específicas nunca foram exibidas ao público em geral, nos perguntamos sobre o potencial efeito de sua exposição. O que mostram? O que apresentam? Como apresentam? As formas de visualização e o uso de certas técnicas que intervêm nelas são elementos significativos na operacionalidade das imagens.

EXAMINANDO AS IMAGENS

Pontos de vista são o que se vê a partir de um ponto e ao analisar aqueles que foram escolhidos nas imagens se percebe que, de maneira geral, a maior parte foi obtida a partir de lugares elevados, de vistas de cima sobre a cidade. Dessa forma, estabelecem certa distância em relação à cidade, que aparece muitas vezes ao longe e ao fundo. Outras vezes, a área urbana emerge na imagem a partir de uma clareira na vegetação, emoldurada pelas plantas e árvores. É como se o fotógrafo tivesse removido a cortina de vegetação para abrir uma vista sobre a cidade.

As posições elevadas favorecem um enquadramento que apresenta a cidade entre o mar e as montanhas cobertas de vegetação. A topografia do sítio e a imponência da vegetação colocam a urbanização em um contexto no qual o ambiente físico-natural é evidenciado: contida entre o litoral, os morros e a vegetação. Algumas vezes, a área construída funciona como um perfil horizontal, delimitado por montanhas simultaneamente no primeiro plano e ao fundo.

A maior parte dos ângulos registrados a partir desses pontos elevados posiciona a linha do horizonte na metade da imagem, mostrando diversos elementos - cidade, montanhas e vegetação - na metade inferior. A densidade de elementos nessa área da imagem produz um forte contraste com os vazios do céu ou do mar no plano do fundo da imagem. O efeito de contraste se estende às texturas e aos volumes da cidade e das montanhas em relação aos planos regulares da linha do horizonte definida pelo do mar (Figura 4).

Figura 4
Albert Kahn e Auguste León. O bairro do Flamengo a partir da colina Nova Cintra com o Pão de Açúcar ao fundo à direita,38 38 Os títulos de todas as imagens são traduções dos atribuídos aos autocromos pelo Musée Albert Kahn. 1909. Autocromo, 90 x 120 mm. As construções da cidade aparecem como uma linha horizontal estreita, na qual é difícil distinguir elementos individualizados. A área urbanizada está situada entre os morros recobertos de vegetação no primeiro plano e o mar contornando a entrada da baía de Guanabara e o morro do Pão de Açúcar ao fundo.

A notável preferência pelos pontos elevados da cidade é atestada pela multiplicação de imagens de Santa Teresa, bairro carioca construído sobre os contrafortes do maciço da Tijuca, que descem até o centro da cidade na vertente norte e aos bairros da Glória e de Laranjeiras na vertente sul. No início do século XX, Santa Teresa era um bairro de casas de alto padrão, espalhadas sobre as encostas e entremeadas com muita vegetação (Figura 5). Mais de um terço das imagens do conjunto em autocromo do Rio de Janeiro foram obtidas a partir desse bairro.

Figura 5
Albert Kahn e Auguste León. No bairro de Santa Teresa, o Castelinho Valentim ao fundo à esquerda, 1909. Autocromo, 90 x 120 mm. Cena bucólica, com casas emergindo da densa vegetação que recobre o morro de Santa Teresa. Há, por assim dizer, uma aparência rural transmitida pela imagem. Essa é uma das raras vezes em que aparecem pessoas nas imagens de Kahn e Léon no Rio de Janeiro.

Outras oito imagens foram obtidas a partir das rotas que contornam o maciço da Tijuca, sobretudo no percurso da estrada do Sumaré. A partir dessas vias, que acompanham as curvas de nível das montanhas do maciço, é possível registrar inúmeras vistas panorâmicas da cidade com horizontes fechados ao fundo pelo mar, pelo céu ou por montanhas distantes. Além disso, há uma série de mirantes instalados ao longo dessas vias, alguns já existentes em 1909, como o da Vista Chinesa.

Em relação aos pontos de vista situados em locais mais baixos, parte deles foi obtido a partir da recém-inaugurada Avenida Beira Mar (1906/1907). Nela, a câmera foi direcionada para os bairros da Glória e do Flamengo. Nessas imagens, aparecem casas no sopé e nas encostas do Morro do Outeiro, a fachada dos fundos do Palácio do Catete e seus jardins, o Morro do Pão de Açúcar e o do Corcovado (Figuras 6 e 7).

Figura 6
Albert Kahn e Auguste Léon. Casas no bairro da Glória, 1909. Autocromo, 90 x 120 mm. Casas ocupando o sopé do morro da Glória. A notar a implantação pouco densa diferente do bairro vizinho do centro da cidade. As palmeiras imperiais e a vegetação entremeada sublinham a baixa densidade da ocupação.

Figura 7
Albert Kahn e Auguste Léon. A baía de Guanabara com o Pão de Açúcar à esquerda e a colina da Urca no centro, 1909. Autocromo, 90 x 120 mm. Imagem com três planos horizontais bem-marcados: mar, montanha e céu. A regularidade e a linearidade dos planos são confrontadas ao arredondado e ondulado dos morros da Urca e do Pão de Açúcar. A murada à direita indica que a imagem foi obtida a partir da Avenida Beira Mar, de costas para o bairro do Flamengo e de Botafogo.

Com a câmera posicionada ao nível do mar, há também um jogo de oposições que apresenta a cidade, baixa e regular, contrastada com as grandes massas minerais das montanhas que, volumosas e altas, surgem envolvendo a cidade. Não há, por isso, dúvida de que os elementos essenciais na composição das imagens, seja na vista do alto ou naquela ao nível do mar, são as montanhas e a vegetação e, por último, a cidade. Quase sempre, aliás, a cidade não é a protagonista da imagem. Esse é o caso, por exemplo, da imagem que enquadra de frente o Morro do Pão de Açúcar (Figura 7).

Não há praticamente nenhum indício explícito de que se trata de uma área urbana, embora essa feição já fosse uma marca reconhecida da cidade do Rio de Janeiro. Ocorre, então, um mecanismo metafórico: o Morro do Pão de Açúcar é a cidade do Rio de Janeiro. Por isso, ele aparece em diversos outros ângulos como referência básica que ajuda a situar as imagens (Figura 8). O mesmo ocorre com o Morro do Corcovado, que tem destaque inclusive nas legendas das imagens. Ainda quando não estão em destaque, os volumes parciais deles atuam como elemento de enquadramento ou referência para localização.

Figura 8
Albert Kahn e Auguste Léon. Praça e colina da Glória também chamada Russel, 1909. Autocromo, 90 x 120 mm. Os jardins que bordam a Avenida Beira Mar, na altura do bairro da Glória, são o tema principal da imagem, que ainda conta com as elevações verticais das palmeiras imperiais e do Pão de Açúcar ao fundo, à esquerda como elementos marcantes. Algumas casas esparsas ocupam o sopé da colina do morro da Glória, mas aparecem entremeadas pela vegetação.

Além desses dois morros emblemáticos da paisagem carioca, figuram o pico da Tijuca (Figura 9) e alguns morros no litoral da cidade de Niterói (Figura 10). Eles aparecem a partir de ângulos diferentes como enquadramentos naturais das composições. No geral, a topografia movimentada do sítio da cidade é frequentemente colocada em cena e a sinuosidade do litoral e do cume das montanhas são elementos fundamentais na estética das imagens em contraste com a horizontalidade regular da área urbanizada quando mostrada à distância.

Figura 9
Albert Kahn e Auguste Léon. O maciço da Tijuca desde a colina do Sumaré, 1909. Autocromo, 90 x 120 mm. A densa vegetação domina a cena no primeiro plano e encontra continuidade nas vertentes das montanhas ao longe. A urbanização praticamente não aparece, exceto por uma mancha de construções brancas entre as árvores.

Figura 10
Albert Kahn e Auguste Léon. A baía de Guanabara e o bairro da Glória à direita a partir do bairro de Santa Teresa, 1909. Autocromo, 90 x 120 mm. A imagem mostra um panorama da baía de Guanabara. A cidade aparece encapsulada entre o mar ao fundo, um morro coberto de vegetação à direita e outra elevação à esquerda. No primeiro plano, os telhados de algumas casas aparecem entremeados pela vegetação.

Há uma forte ênfase na apresentação da vegetação e não apenas nas florestas que recobrem os morros da cidade. Uma atenção especial é dada aos jardins: jardins do palácio do Catete (Figura 11), Jardim Botânico, jardins da urbanização do entorno da Avenida Beira-Mar (Figura 12). Pode-se talvez considerar também como um ajardinamento a alameda de palmeiras da Rua Paissandu, objeto central de um autocromo (Figura 13). A vegetação que reveste os morros e se entremeia pela cidade assim como os jardins parecem particularmente importantes para Kahn. O destaque recebido pelo Jardim Botânico do Rio de Janeiro, que figura em diversos autocromos, parece fazer eco aos Jardins du Monde de sua propriedade na França. Os dois são compostos por uma coleção de espécies vegetais e apresentam o espetáculo da diversidade do mundo reunida em um só lugar. Por isso, têm sempre a indicação da origem geográfica das espécies, embora no conjunto se apresentem como inéditas composições botânicas. A valorização desses aspectos é patente quando se observa o número de clichês dedicados aos jardins e a valorização deles nas composições.

Figura 11
Albert Kahn e Auguste Léon. Porta do jardim do Palácio do Catete, sede do governo da República brasileira, 1909. Autocromo, 90 x 120 mm. A imagem foi obtida de costas para a praia do Flamengo e para a grande avenida recém-inaugurada à época e contempla o portão dos fundos do Palácio que tem sua fachada principal do outro lado do quarteirão, na rua do Catete.

Figura 12
Albert Kahn e Auguste Léon. O Corcovado a partir dos jardins da avenida Beira-Mar entre os bairros do Flamengo e de Botafogo, 1909. Autocromo, 90 x 120 mm. Os jardins da Avenida Beira Mar em uma superfície plana e regular contrastam com o volume da topografia dos morros ao fundo, entre eles, por exemplo, o do Corcovado. A avenida e as construções, à direita, são elementos secundários na composição.

Figura 13
Albert Kahn e Auguste Léon. A Avenida Paissandu no bairro do Flamengo, 1909. Autocromo, 90 x 120 mm. A rua vazia é ladeada por grandes casarões. O centro da imagem sublinha a infinita aleia de palmeiras imperiais que conduzem ao Palácio Guanabara, antigo Paço Isabel.

Ainda em relação à vegetação, as palmeiras imperiais estão presentes em várias imagens.39 39 As palmeiras imperiais foram, durante o Segundo Império, um símbolo importante da aristocracia rural do Vale do Paraíba. As sedes das fazendas de café costumavam ter seu acesso principal por uma alameda bordeada dessas palmeiras. Muitos fazendeiros construíram residências no Rio de Janeiro, capital do império, e trouxeram esse elemento para a ornamentação de seus jardins. Depois, algumas casas de grandes famílias na cidade, por vezes, também passaram a adotar as palmeiras como símbolo de poder e prestígio. Elas figuram como elementos verticais que se destacam do resto e realçam a monumentalidade e o alinhamento, sobretudo quando enquadradas de baixo para cima (Figura 14).

Figura 14
Albert Kahn e Auguste Léon. Vista do Jardim Botânico com sua aleia central de palmeiras ao fundo, 1909. Autocromo, 90 x 120 mm. A tomada da imagem ressalta o alinhamento das palmeiras imperiais em um ambiente inteiramente ocupado pela vegetação arbustiva e herbácea, composição que remete a uma paisagem rural.

Em relação aos planos composicionais, dois tipos de contraste são fortemente reforçados no conjunto das imagens. O primeiro deles é o contraste estabelecido pela alternância de cheios e vazios nos enquadramentos: os cheios são ocupados pela vegetação ou pela massa das montanhas e os vazios do mar ou do céu. Nesse tipo de composição, o jogo de contrastes produz uma espécie de dramaticidade nas imagens. Essa dramaticidade poderia, inclusive, ser interpretada como a luta da cidade com os elementos naturais (Figuras 15 e 16).

Figura 15
Albert Kahn e Auguste Léon. Vista da Lagoa Rodrigo de Freitas a partir da estrada do Sumaré, 1909. Autocromo, 90 x 120 mm. A densa vegetação no primeiro plano enquadra o panorama da lagoa Rodrigo de Freitas e dos morros a sua volta. Ao fundo à esquerda se percebe o morro do Pão de Açúcar. A área urbana dos bairros da Zona Sul da cidade à direita e à esquerda da imagem é completamente marginal e se deixa adivinhar pelas pequenas manchas de tonalidade mais clara.

Figura 16
Albert Kahn e Auguste Léon. Vista do maciço da Tijuca a partir da colina do Sumaré, 1909. Autocromo, 90 x 120 mm. Nesta imagem percebe-se a ocupação recente e pouco densa das encostas do bairro da Tijuca. A ocupação é maior no fundo do vale e nas partes baixas da vertente. É um padrão urbano que não seria preservado nos anos subsequentes. Atualmente esses morros estão completamente ocupados.

O outro contraste é construído pelo cromatismo das imagens. Em algumas tomadas o sol está baixo no horizonte. A viagem ao Brasil de Albert Kahn foi feita em setembro de 1909, ou seja, as imagens gravadas nos autocromos foram produzidas no final do inverno, quando os dias ainda são mais curtos e a iluminação natural é reduzida. A massa da vegetação e o volume das montanhas, com as vertentes não expostas diretamente à luz, tornam-se muito escuras, criando um forte contraste com o céu ou com a pavimentação das ruas. O excesso de luminosidade na lente também faz com que áreas sombreadas adquiram da mesma forma tons escuros e contrastantes com as áreas descobertas (Figura 17).

Figura 17
Albert Kahn e Auguste Léon. O centro do Rio e a colina de Santa Teresa, 1909. Autocromo, 90 x 120 mm. Imagem obtida a partir do bairro de Santa Teresa com o centro do Rio de Janeiro ao fundo. A baixa densidade da ocupação no primeiro plano induz a ver, talvez, uma continuidade desse padrão pelo centro. Esta é uma das raras imagens de Kahn e Léon na qual figura uma parte do centro da cidade.

Todas as imagens analisadas são da cidade do Rio de Janeiro, no entanto, raramente a área urbanizada aparece como o conteúdo essencial da imagem, como seu personagem principal. As características singulares do sítio com a densa vegetação, as montanhas e o mar concorrendo com a urbanização, parecem ter sido os temas de predileção dos registros feitos por Kahn e Léon nos autocromos em 1909.40 40 Há clichês fotográficos da cidade do Rio de Janeiro da mesma época catalogados no Museu Albert Kahn com as ruas do centro da cidade, prédios e pessoas como elementos principais. Os enquadramentos mostram, muitas vezes, espaços pequenos, confinados, e quase nunca a vegetação, as montanhas, o litoral ou os espelhos d'água, da Baía de Guanabara ou da Lagoa, estão presentes. De fato, trata-se de um interesse que se faz guiar por uma coerência, muito diversa daquela que se depreende dos autocromos. O movimento urbano das ruas nunca apareceu, não há pessoas nas ruas. Nenhuma atividade comercial é mostrada, nem a circulação dos meios de transporte, mesmo quando são feitos registros de ruas, tal como no caso da Avenida Beira-Mar ou da Rua Paissandu. O argumento de que o tempo de exposição para ter a gravação dos autocromos é longo não se sustenta. Outros fotógrafos, a exemplo de Marc Ferrez, utilizaram a mesma técnica dos autocromos em algum momento e registraram neles pessoas nos logradouros públicos.

OLHANDO A CIDADE COM AS IMAGENS

São as escolhas daquilo que é figurado em uma imagem o que deve ser levado em consideração na análise. A despeito disso, nesse caso, algumas ausências notáveis não podem deixar de ser mencionadas: as praias (a Avenida Atlântica é de 1905, por exemplo); a Avenida Rio Branco, grande obra urbanística inaugurada em 1906 e, em 1909, já bastante urbanizada, com a Praça Floriano e o Teatro Municipal construídos; o novo porto recém-construído, com seus armazéns e a grande Avenida Rodrigues Alves; e as ruas do centro (do Ouvidor, Gonçalves Dias, Sete de Setembro, da Assembleia etc.), com muito movimento e verdadeiramente o centro da cidade na época. Não aparecem tampouco o canal do Mangue, arborizado e ladeado por grande avenida; o campo de Santana, grande espaço verde com edifícios institucionais, inclusive o antigo Senado brasileiro; o Passeio Público, reformado por Pereira Passos e o primeiro espaço verde da cidade, próximo à Glória e à Santa Teresa; os arcos da Lapa; as igrejas etc. Todos esses espaços fazem parte dos clichês e tomadas mais conhecidos e valorizados à época e foram muitas vezes reproduzidos em fotos e gravuras.

Quando comparamos as imagens do Rio de Janeiro de Kahn e Léon às obtidas por outros fotógrafos da época, aparecem diferenças interessantes. Consideremos dois deles que estão entre os mais importantes e conhecidos: Marc Ferrez e Augusto Malta. Os dois eram fotógrafos no Rio de Janeiro, realizaram fotos que tinham como tema a cidade e seus principais logradouros e estavam igualmente em atividade em 1909, data dos registros feitos por Kahn e Léon. Evidentemente, não se pretende fazer um exame exaustivo da produção desses fotógrafos. Queremos apenas destacar algumas características que podem nos ajudar a distinguir o alcance, o interesse e a peculiaridade das imagens registradas por Kahn e Léon, nesse mesmo período.

A primeira grande distinção é a escolha dos logradouros. Os registros de Kahn se dirigem às áreas menos densas e pouco ocupadas da cidade. A cidade é o tema, isso é indiscutível. Entretanto, é legítimo se perguntar quais os fragmentos dela são privilegiados pelas imagens. Enquanto no trabalho desses dois fotógrafos brasileiros o fenômeno da urbanização, com seus efeitos e contrastes, é um elemento central, que orienta muitas escolhas dos pontos de vista e das composições, nas imagens de Kahn e Léon, a urbanização é secundária, às vezes nem é visível. O privilégio das tomadas a partir das encostas do Maciço da Tijuca, com a vegetação e os volumes das montanhas dominando as composições, assim como o ar bucólico das imagens do bairro de Santa Teresa ou a fragmentada visão da Avenida Beira Mar, que serve como horizonte para a apreciação da topografia dos morros e dos arranjos ajardinados adjacentes, são traços bastante peculiares ao conjunto de imagens de Kahn e Léon. Outra diferença significativa é a presença de pessoas nas imagens. Quase absolutamente ausentes nos autocromos de Kahn e Léon, a figuração de pessoas é muito comum nas imagens dos dois fotógrafos citados, assim como de outros fotógrafos da época. Além de produzirem um efeito de referência escalar em relação à paisagem, a figuração de pessoas transmite a sensação de um espaço ocupado e, muitas vezes, as aglomerações formadas por elas demonstram a vivência da urbanidade.41 41 Uma razão possível para isso é o tempo de exposição maior necessário na fixação da imagem em autocromos. Entretanto, as pessoas poderiam estar em posição fixa durante a captação da imagem, como, aliás, ocorre com outros fotógrafos que usaram técnicas semelhantes. Finalmente, nas imagens de Kahn e Léon, há um privilégio dos elementos da natureza que são apresentados de maneira a ressaltá-los pela ausência de traços de modificação pelo agenciamento da ação humana. Tome-se, por exemplo, a comparação de algumas imagens feitas no Jardim Botânico. Marc Ferrez produz ângulos nos quais os portais de pedra, o chafariz e o desenho dos canteiros estão presentes, ao contrário dos ângulos escolhidos nos autocromos de Kahn e Léon (Figura 18).

Figura 18
A mesma aleia de palmeiras imperiais vista pelas lentes de Ferrez e de Kahn e Léon. A diferença do enquadramento e a presença do homem à porta produz uma forte distinção na figuração do Jardim Botânico do Rio de Janeiro.

Sem dúvida, o sítio acidentado da cidade do Rio de Janeiro, as praias, a presença de grandes conjuntos de densa vegetação e a morfologia tão particular de alguns dos afloramentos rochosos contornados pela crescente urbanização da cidade são marcas iconográficas distintivas e foram registradas por diversos produtores de imagem ao longo de muito tempo. Marc Ferrez, por exemplo, talvez marcado por sua participação como fotógrafo da Comissão Geológica do Império, em 1875, demonstra sensibilidade pelo universo mineral em sua produção fotográfica. Entretanto, esse é apenas um dos componentes das composições que registram, em sua maior parte, as intervenções urbanas, as obras e construções, além de se interessar também pelos tipos e ofícios da população brasileira. Para dar uma medida da distinção entre os registros de Kahn e dos outros fotógrafos, basta saber que pouco antes da passagem de Kahn pelo Rio de Janeiro, Marc Ferrez havia publicado um álbum fotográfico inteiramente dedicado à Avenida Central (hoje Rio Branco), logradouro que, a despeito da enorme consideração que gozava nessa época, não figura em nenhuma das imagens de Kahn e Léon. No caso de Augusto Malta, o fato de ele ter sido contratado pelo prefeito Pereira Passos, em 1903, para registrar as obras de transformação da cidade, faz com que as diferenças assinaladas se tornem ainda mais enfáticas. As praias, as montanhas e a vegetação estão obviamente presentes em suas fotos, mas o foco principal são as transformações na cidade. Os elementos físico-naturais figuram nas imagens como um quadro ambiental e, algumas vezes, como antagonistas ou obstáculos à urbanização - abertura de túneis, ressacas, demolição de morros etc.

Além de Ferrez e Malta, numerosos fotógrafos paisagistas (Affonso, Bippus, Rodrigues, Ribeiro e outros) produziram, na mesma época, imagens da cidade do Rio de Janeiro, muitas vezes veiculadas como cartões postais, nas quais os elementos do sítio da cidade e sua cobertura vegetal estão presentes. As praias, as montanhas, a baía e as florestas são, no entanto, características da cidade, funcionam como a impressão de uma marca singular no universo urbano que caracterizaria o Rio de Janeiro. Em grande parte das imagens, esses elementos aparecem enquadrando monumentos, prédios, casas, arruamentos ou equipamentos diversos (fontes, coretos, portais etc.). Em todos esses casos, a cidade, ou, melhor dizendo, o urbano é o protagonista das imagens. Isso não é inteiramente verificado na coleção de autocromos deixados por Kahn e Léon. A cidade do Rio de Janeiro é uma localização, uma referência, mas o que constrói o espetáculo são os elementos naturais que aí podem ser encontrados, sobretudo as montanhas e a densa vegetação florestal.

Essa síntese geral encontra, no entanto, uma exceção significativa: as imagens que foram feitas a partir de alguns mirantes da cidade. Nesse caso, produz-se uma estranha coincidência de planos, ângulos e composições, tanto das imagens dos fotógrafos locais quanto naquelas produzidas por Kahn e Léon. Levando em conta que se trata de um mesmo ponto de vista, seria aceitável supor que essa é a razão da coincidência. Em parte, isso é verdade. É preciso, porém, considerar que desses mirantes outras variações de ângulo e de composições são possíveis. Por que, em geral, elas não são feitas? Porque os mirantes funcionam como guias do olhar. Dirigem nossos focos de atenção. Às vezes, expedientes sutis funcionam como potentes orientadores do olhar: recuos nas balaustradas, bancos, tábuas de orientação, portais, corte da vegetação, binóculos etc. Outras vezes são estruturas escalonadas ou marcos que hierarquizam, em volume crescente, o interesse do visitante e marcam o ponto clímax da visão, que tende, por isso, a ser reproduzida com grande similitude. Mirantes são dispositivos eficientes que classificam aquilo que deve ser visto, como deve ser visto e, sobretudo, de onde deve ser visto.42 42 Gomes (2015). Dessa forma, eles fixam e condicionam a atenção, são como roteiros da visibilidade, estabelecendo, com indicações variadas, uma geografia para o olhar.43 43 O duplo sentido contido na palavra “clichê” nos ajuda a compreender esse fenômeno. A expressão designa uma unidade pictórica, uma visada, e, simultaneamente, pode ser entendida como a banalidade de algo que foi excessivamente reproduzido. O termo em francês, originalmente aparecido no século XIX, na tipografia, fazia referência à placa matriz metálica para a reprodução de imagens. Essa é uma das possíveis vias para interpretar a razão pela qual profissionais e amadores, visitantes e locais, registram com muita semelhança uma mesma paisagem e reproduzem o mesmo enquadramento e composição.44 44 Outro elemento que pode ser levado em consideração para entender o interesse de refazer um clichê fotográfico é a atração exercida pela reprodução de uma visada como forma de testemunho - “eu estive aqui”. Uma composição é tantas vezes reproduzida que o interesse fundamental é de se associar a ela.

Figura 19
O Rio de Janeiro a partir da Vista Chinesa. Três fotógrafos diferentes reproduzem uma composição paisagística quase idêntica pela força da orientação do olhar guiado por esse dispositivo: o mirante.

NOS DISCURSOS ICONOGRÁFICOS, TUDO É UMA QUESTÃO DE POSIÇÃO

O exame das imagens produzidas por Kahn e Léon da cidade do Rio de Janeiro nos permitiu interpretar algumas escolhas e orientações estético-visuais desse conjunto. As noções de ponto de vista, composição e exposição foram centrais nesta análise e se mostraram úteis para propor um entendimento daquilo que foi figurado e na forma como se apresenta dentro da imagem. Isso já seria o suficiente para justificar o interesse e a relevância da iniciativa de examinar essas imagens. Para além disso, no entanto, como resultado não antecipadamente previsto, outro efeito emergiu da análise. Um sentido mais global dessas escolhas estético-visuais foi aos poucos se insinuando como possível fio interpretativo. A contextualização de sua produção, a expressão das proposições que as geraram e os elementos paralelos relacionados - as bolsas Ao redor do Mundo, o projeto nascente dos Arquivos do Planeta e a organização dos Jardins do Mundo - permitiu revelar uma compreensão mais geral que conecta e dá sentido ao conjunto de imagens realizadas por Kahn e Léon no Rio de Janeiro. Trata-se por assim dizer de um “programa oculto” que preside essas escolhas e que pode ser delineado pelos resultados e pelas circunstâncias que lhes eram coetâneos.

A concepção motriz de Albert Kahn era a de que as rápidas mudanças iriam transformar o mundo, a variedade das feições seria perdida. Daí a necessidade de registrá-las, inventariá-las e expô-las. A valorização dessas diferenças teria um efeito pedagógico de fundar uma mentalidade mais tolerante e menos conflituosa que poderia resultar em um mundo mais pacífico. Mostrar o mundo em suas diferentes formas de organização espacial significava educar para conviver com a diversidade. A proposta de Kahn se aproxima muito do material básico do trabalho dos geógrafos e, por isso, um dos mais renomados da época, Jean Brunhes, foi convidado a tomar a frente do projeto dos Arquivos do Planeta. É preciso, todavia, deixar claro que o projeto de Kahn não inclui a dimensão epistemológica. Não há nele uma demanda de explicação dessa variedade. Por isso, as imagens não são instrumentos para pensar, são testemunhos. Os Arquivos do Planeta foram pensados como uma instituição de guarda e preservação desse material, uma espécie de museu que abriga e expõe a variedade de feições do mundo como um patrimônio. Essa é a grande discordância entre Kahn e Brunhes, que, aliás, já em 1914, em seu curso no Collège de France, declara que a imagem fotográfica “corre o risco de uma exasperante banalidade e às vezes mesmo de uma [...] superficial veracidade”.45 45 Brunhes (1914, p. 8). Aquilo que se apresenta visível na imagem, para o geógrafo, é o material sobre o qual convém pensar, decifrar, ler.46 46 Ibid.

Compreendemos melhor, assim, dentro de que propósitos e limites foram feitas as imagens de Kahn e Léon do Rio de Janeiro. Compreendemos melhor suas escolhas. O que chamamos antes de “programa oculto” coloca como centro de interesse aquilo que está desaparecendo, as paisagens que se distinguiam do comum. Os elementos visíveis da urbanização do Rio de Janeiro, a estrutura material da cidade não era, pois, o foco central daquilo que a distinguia, que a fazia diferente de outras. A densa vegetação de mata e os grandes afloramentos minerais entremeados às ruas e ao casario eram elementos notáveis dentro desse programa e, por isso, estiveram presentes como tema principal nas imagens deixadas por Kahn e Léon. Na linguagem pictórica deles, a urbanização é uma elipse, existe, mas está subentendida e nem sempre é explicitamente visível. Essa elipse é um dos recursos básicos do discurso iconográfico sobre o Rio de Janeiro deixado por Kahn e Léon.

A valorização da abertura da Avenida Central, o cuidado com as fachadas dos edifícios que a demarcavam, os grandes edifícios como a Biblioteca Nacional, o Teatro Municipal, a concentração e polaridade da vida social no centro da cidade, tudo isso faz parte de outro grande “programa oculto” de escolhas estético-visuais que marcaram a produção iconográfica dos fotógrafos do começo do século passado, a exemplo daqueles já aqui citados, Marc Ferrez e Augusto Malta. Essas imagens compõem outro discurso iconográfico.

Essa aventura pouco conhecida entre nós, de um magnata que coleciona imagens do mundo e que em uma de suas primeiras tentativas de sistematizar sua produção o trouxe ao Rio de janeiro em 1909, não serve apenas à curiosidade erudita. A análise desse material conduz a pensar simultaneamente sobre a coerência interna e externa que podem estar contidas em escolhas de pontos de vista, de composições imagéticas e nas circunstâncias e pretensões de sua apresentação. A cidade é a mesma, a época também, por vezes até os logradouros em tela são os mesmos, mas os discursos iconográficos construídos a partir dessa base comum podem exprimir sentidos, valores e compreensões significativamente diferentes. A sintaxe desses discursos iconográficos são os pontos de vista, as composições e as formas de exposição, em suma, tudo isso é uma questão de posição.

AGRADECIMENTOS

Este trabalho foi produzido com o apoio e financiamento da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

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    Margerie (1912) apudGenoudet (2020GENOUDET, Adrien. L’Effervescence des images: Albert Kahn et la disparition du monde. Hauts-de-Seine: Les Impressions nouvelles, 2020., p. 10).
  • 5
    Vidal e Moreau (2022VIDAL, Laurent; MOREAU, Mélanie (dir). Rio de Janeiro en couleurs et en relief: à travers les photos du Voyage en Amérique du Sud d’Albert Kahn: 1909. La Rochelle: [s. n.], 2022. Catalogue de l’exposition, Musée du Nouveau Monde.).
  • 6
    Neste artigo, optamos por manter a atribuição da coautoria dos autocromos a Auguste Léon, como era estabelecido pelo Musée Albert Kahn até 2022.
  • 7
    Lestang Parade (2019LESTANG PARADE, Hortense de. Documenter le Brésil au début du XXe siècle: étude du fonds “Voyage en Amérique du Sud conservé au musée Albert-Kahn. 2019. Mémoire (Recherche Histoire de l’Art Appliquée aux Collections) - École du Louvre, Paris, 2019., p. 19).
  • 8
    Castro (2011CASTRO, Teresa. Les “Archives de la Planète” d’Albert Kahn. In: JACOB, Christian (ed.). Lieux de Savoir. Paris: Éditions Albin Michel, 2011. v. 2, p. 877-895.) e Lestang Parade, op. cit. (2019LESTANG PARADE, Hortense de. Documenter le Brésil au début du XXe siècle: étude du fonds “Voyage en Amérique du Sud conservé au musée Albert-Kahn. 2019. Mémoire (Recherche Histoire de l’Art Appliquée aux Collections) - École du Louvre, Paris, 2019.).
  • 9
    Lestang Parade, op. cit. (2019LESTANG PARADE, Hortense de. Documenter le Brésil au début du XXe siècle: étude du fonds “Voyage en Amérique du Sud conservé au musée Albert-Kahn. 2019. Mémoire (Recherche Histoire de l’Art Appliquée aux Collections) - École du Louvre, Paris, 2019., p. 9).
  • 10
    Lestang Parade, op. cit. (2019LESTANG PARADE, Hortense de. Documenter le Brésil au début du XXe siècle: étude du fonds “Voyage en Amérique du Sud conservé au musée Albert-Kahn. 2019. Mémoire (Recherche Histoire de l’Art Appliquée aux Collections) - École du Louvre, Paris, 2019., p. 18).
  • 11
    Castro (2008CASTRO, Teresa. Les Archives de la Planète et les rythmes de l’Histoire. 1895, Paris, n. 54, p. 56-81, 2008. DOI: 10.4000/1895.2752.
    https://doi.org/10.4000/1895.2752...
    , 2017CASTRO, Teresa. Des “Atlas” aux “archives” du monde: à propos des Archives de la Parole (1911-1924) et des Archives de la Planète (1912-1931). Transbordeur: Photographie histoire société, Paris, n. 1, p. 74-85, 2017.).
  • 12
    Albert Kahn citado por Emmanuel de Margerie, em uma carta para Jean Brunhes, 26 de Janeiro de 1912, apudBeausoleil e Delamarre (1993BEAUSOLEIL, Jeanne; DELAMARRE, Mariel. Deux témoins de leur temps: Albert Kahn et Jean Brunhes. In: MUSÉE ALBERT KAHN. Jean Brunhes, autour du monde: regards d’un géographe, regards de la géographie. Catálogo de exposição, Boulogne, 1993-1994. Paris: Vilo, 1993., p. 92).
  • 13
    Baud-Berthier (2010BAUD-BERTHIER, Gilles. Albert Kahn et le projet des Archives de la Planète 1908-1931. Matériaux pour l’histoire de notre temps, Paris, v. 3, n. 99, p. 105-107, 2010. DOI: 10.3917/mate.099.0105.
    https://doi.org/10.3917/mate.099.0105...
    , p. 106).
  • 14
    Castro, op. cit. (2011CASTRO, Teresa. Les “Archives de la Planète” d’Albert Kahn. In: JACOB, Christian (ed.). Lieux de Savoir. Paris: Éditions Albin Michel, 2011. v. 2, p. 877-895., p. 17).
  • 15
    Arasa (2014ARASA, Yaelle. Les Voyageuses d’Albert Kahn, 1905-1930: vingt-sept femmes à la découverte du monde. Paris: L’Harmattan, 2014.).
  • 16
    Esse é um tema central do único livro escrito por Albert Kahn (1918KAHN, Albert. Des Droits et devoirs des gouvernements. Paris: Vaugirard, 1918.).
  • 17
    Prévost-Grégoire (2018PRÉVOST-GRÉGOIRE, Florence. Le Comité national d’études sociales et politiques, une expérience pacifique au service de la nation française. Cahiers d’histoire, Paris, v. 35, n. 2, p. 117-133, 2018. DOI: 10.7202/1047871ar.
    https://doi.org/10.7202/1047871ar...
    ).
  • 18
    Em carta ao geólogo Emmanuel de Margerie, ele descreve o tipo de pessoa que deseja: “um homem ativo, suficientemente jovem, habituado às viagens e ao ensino e com uma reconhecida competência como geógrafo” (Carta de Kahn a Margerie, 1912 apudCastro, op. cit. (2011CASTRO, Teresa. Les “Archives de la Planète” d’Albert Kahn. In: JACOB, Christian (ed.). Lieux de Savoir. Paris: Éditions Albin Michel, 2011. v. 2, p. 877-895., p. 3).
  • 19
    Brunhes (1910BRUNHES, Jean. La Géographie humaine: les faits essentiels groupés et classés. Paris: Félix Alcan, 1910.). A denominação “Geografia Humana” foi cunhada na última década do século XIX no círculo de geógrafos franceses da Revista Annales de géographie. Para mais detalhes, consultar Robic (1993ROBIC, Marie-Claire. L’Invention de la ‘géographie humaine’ au tournant des années 1900: les vidaliens et l’écologie. In: CLAVAL, Paul (ed.). Autour de Vidal de la Blache: La formation de l’école française de géographie. Paris: CNRS Éditions, Mémoires et Documents de Géographie, 1993. p. 137-144.).
  • 20
    Nesse sentido, a Geografia Humana se apresentava como uma concorrente à nascente e prestigiada Etnologia. A proposta de Jean Brunhes de uma Geografia Humana, difundida por seus colegas nos Annales de géographie, procurava, pois, demonstrar o interesse e o alcance da consideração do ambiente físico na interpretação da vida social. Ver, a esse respeito, Mucchielli (1998MUCCHIELLI, Laurent. La Découverte du social: naissance de la sociologie en France (1870-1914). Paris: La Découverte, 1998.) e Robic (1992ROBIC, Marie-Claire. Du Milieu à l’environnement: pratiques et représentations du rapport homme/nature depuis la Renaissance. Paris: Économica, 1992.).
  • 21
    Kahn apudOrain e Robic (2017ORAIN, Olivier; ROBIC, Marie-Claire. La Géographie au Collège de France (milieu xixe-milieu xxe siècle): les aléas d’une inscription disciplinaire. In: FEUERHAHN, Wolf (ed.). La Politique des chaires au Collège de France. Paris: Les Belles Lettres: Collège de France, 2017. p. 435-480., p. 441).
  • 22
    O livro de Denis (1911DENIS, Pierre. Le Brésil au XXe siècle. Paris: Armand Colin, 1911.) que resultou dessa viagem, Le Brésil au XXe siècle, fez parte da bibliografia dos cursos de geografia no Brasil até os anos 1960, conforme depoimento de Lia Osório Machado, aluna nos anos 1950 e depois professora do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colhido em dezembro de 2021.
  • 23
    Claval (2012CLAVAL, Paul. Un Géographe méconnu: Pierre Denis. Géographie et cultures, Paris, n. 84, p. 81-100, 2012. DOI: 10.4000/gc.2501.
    https://doi.org/10.4000/gc.2501...
    ) e Oulmont (2012OULMONT, Philippe. Pierre Denis: français libre et citoyen du monde. Paris: Nouveau Monde, 2012.).
  • 24
    Genoudet, op. cit. (2020GENOUDET, Adrien. L’Effervescence des images: Albert Kahn et la disparition du monde. Hauts-de-Seine: Les Impressions nouvelles, 2020., p. 116).
  • 25
    Castro, op. cit. (2011CASTRO, Teresa. Les “Archives de la Planète” d’Albert Kahn. In: JACOB, Christian (ed.). Lieux de Savoir. Paris: Éditions Albin Michel, 2011. v. 2, p. 877-895.).
  • 26
    Ibid.
  • 27
    Carta de Brunhes a Stéphane Passe, 1912 apudGenoudet, op. cit., (2020GENOUDET, Adrien. L’Effervescence des images: Albert Kahn et la disparition du monde. Hauts-de-Seine: Les Impressions nouvelles, 2020., p. 127).
  • 28
    Genoudet, op. cit., (2020GENOUDET, Adrien. L’Effervescence des images: Albert Kahn et la disparition du monde. Hauts-de-Seine: Les Impressions nouvelles, 2020., p. 124).
  • 29
    Mendibil (1999MENDIBIL, Didier. Essai d’iconologie géographique. L’Espace géographique, Paris, v. 28, n. 4, p. 327-336, 1999. DOI: 10.3406/spgeo.1999.1276.
    https://doi.org/10.3406/spgeo.1999.1276...
    , 2006MENDIBIL, Didier. O sistema iconográfico da geografia clássica francesa e Pierre Monbeig. In: ANGOTTI-SALGUEIRO, Heliana (ed.). Pierre Monbeig e a geografia humana brasileira. São Paulo: EDUSC, 2006. p. 235-250.).
  • 30
    Genoudet, op. cit., (2020GENOUDET, Adrien. L’Effervescence des images: Albert Kahn et la disparition du monde. Hauts-de-Seine: Les Impressions nouvelles, 2020., p. 124).
  • 31
    Brunhes (1913BRUNHES, Jean. Du Caractère propre et du caractère complexe des faits de géographie humaine. Annales de geógraphie, Paris, v. 22, n. 121, p. 1-40, 1913. DOI: 10.3406/geo.1913.8370.
    https://doi.org/10.3406/geo.1913.8370...
    , p. 24).
  • 32
    Castro, op. cit. (2011CASTRO, Teresa. Les “Archives de la Planète” d’Albert Kahn. In: JACOB, Christian (ed.). Lieux de Savoir. Paris: Éditions Albin Michel, 2011. v. 2, p. 877-895.).
  • 33
    Lestang Parade, op. cit., (2019LESTANG PARADE, Hortense de. Documenter le Brésil au début du XXe siècle: étude du fonds “Voyage en Amérique du Sud conservé au musée Albert-Kahn. 2019. Mémoire (Recherche Histoire de l’Art Appliquée aux Collections) - École du Louvre, Paris, 2019., p. 21).
  • 34
    Corneloup (2012CORNELOUP, Marie. Archives de la Planète: la géographie comme aventure. Vallé de la Culture: la revue culturelle du conseil général des Hauts-de-Seine, Nanterre, n. 5, p. 94-105, 2012.).
  • 35
    Baud-Berthier, op. cit. (2010BAUD-BERTHIER, Gilles. Albert Kahn et le projet des Archives de la Planète 1908-1931. Matériaux pour l’histoire de notre temps, Paris, v. 3, n. 99, p. 105-107, 2010. DOI: 10.3917/mate.099.0105.
    https://doi.org/10.3917/mate.099.0105...
    , p. 107).
  • 36
    Há numerosas imagens fotográficas da cidade do Rio de Janeiro em negativo ou em positivo sobre placas de vidro obtidas na mesma época e catalogadas no acervo do Musée Albert Kahn. Não há, no entanto, autoria atribuída e data precisa de obtenção. A diferença dos temas registrados, dos enquadramentos, do tratamento recebido e da forma de exposição dessas imagens nos permite conceber os autocromos como um conjunto à parte, que tem coerência própria e, sobretudo, um interesse singular. Por isso, limitamos nossa análise aqui apenas a esse conjunto de imagens constituído pelos autocromos.
  • 37
    Gomes (2013GOMES, Paulo César da Costa. O lugar do olhar: elementos para uma geografia da visibilidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2013.).
  • 38
    Os títulos de todas as imagens são traduções dos atribuídos aos autocromos pelo Musée Albert Kahn.
  • 39
    As palmeiras imperiais foram, durante o Segundo Império, um símbolo importante da aristocracia rural do Vale do Paraíba. As sedes das fazendas de café costumavam ter seu acesso principal por uma alameda bordeada dessas palmeiras. Muitos fazendeiros construíram residências no Rio de Janeiro, capital do império, e trouxeram esse elemento para a ornamentação de seus jardins. Depois, algumas casas de grandes famílias na cidade, por vezes, também passaram a adotar as palmeiras como símbolo de poder e prestígio.
  • 40
    Há clichês fotográficos da cidade do Rio de Janeiro da mesma época catalogados no Museu Albert Kahn com as ruas do centro da cidade, prédios e pessoas como elementos principais. Os enquadramentos mostram, muitas vezes, espaços pequenos, confinados, e quase nunca a vegetação, as montanhas, o litoral ou os espelhos d'água, da Baía de Guanabara ou da Lagoa, estão presentes. De fato, trata-se de um interesse que se faz guiar por uma coerência, muito diversa daquela que se depreende dos autocromos.
  • 41
    Uma razão possível para isso é o tempo de exposição maior necessário na fixação da imagem em autocromos. Entretanto, as pessoas poderiam estar em posição fixa durante a captação da imagem, como, aliás, ocorre com outros fotógrafos que usaram técnicas semelhantes.
  • 42
    Gomes (2015GOMES, Paulo César da Costa. Rio de Janeiro, a cidade dos múltiplos mirantes. Espaço Aberto, Rio de Janeiro, v. 5, n. 2, p 9-26, 2015. DOI: 10.36403/espacoaberto.2015.5232.
    https://doi.org/10.36403/espacoaberto.20...
    ).
  • 43
    O duplo sentido contido na palavra “clichê” nos ajuda a compreender esse fenômeno. A expressão designa uma unidade pictórica, uma visada, e, simultaneamente, pode ser entendida como a banalidade de algo que foi excessivamente reproduzido. O termo em francês, originalmente aparecido no século XIX, na tipografia, fazia referência à placa matriz metálica para a reprodução de imagens.
  • 44
    Outro elemento que pode ser levado em consideração para entender o interesse de refazer um clichê fotográfico é a atração exercida pela reprodução de uma visada como forma de testemunho - “eu estive aqui”. Uma composição é tantas vezes reproduzida que o interesse fundamental é de se associar a ela.
  • 45
    Brunhes (1914BRUNHES, Jean. La Géographie de l’histoire: introduction à la seconde année du cours de géographie humaine. Revue de Géographie annuelle, Paris, v. 8, p. 1-9, 1914., p. 8).
  • 46
    Ibid.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    01 Dez 2022
  • Aceito
    02 Maio 2023
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