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Lina Bo Bardi e a experiência da restauração no Brasil

Lina Bo Bardi and the experience of restoration in Brazil

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo apresentar e aprofundar uma avaliação histórica e crítica da contribuição de Lina Bo Bardi à cultura arquitetônica brasileira e internacional, em particular para os fundamentos e a prática da restauração. A delimitação temporal se estende da década de 1960, quando a arquiteta projeta e executa a restauração do Solar do Unhão, em Salvador, adaptando-o para abrigar o Museu de Arte Moderna da Bahia, até a década de 1990, quando realiza suas últimas obras, antes de sua morte em 1992. A análise de algumas obras selecionadas, dentre as duas dezenas de projetos de restauração realizados, pretende contribuir, primeiramente, para identificar a coerência interna de sua produção, bem como para ponderar as transformações ocorridas ao longo do tempo. Pretende-se também explorar o diálogo que Lina Bo Bardi estabelece entre o ambiente italiano, as teorias da restauração e a prática brasileira. Por fim, objetiva-se que a análise proposta contribua para uma oportuna revisão da historiografia da arquitetura moderna paulista e brasileira, bem como colabore na construção da história da preservação do patrimônio cultural no país.

PALAVRAS-CHAVE:
Restauração; Arquitetura Moderna; Lina Bo Bardi; Patrimônio cultural; Restauração arquitetônica; Brasil

ABSTRACT

This article aims to present and deepen a historical and critical evaluation of the Lina Bo Bardi’s contribution to the Brazilian and international architectural culture, in particular to the foundations and practice of restoration. The temporal delimitation extends from the 1960s, when the architect designs and executes the restoration of the Solar do Unhão in Salvador, adapting it to the Museum of Modern Art of Bahia, until the 1990s, when she performs her latest works, before the death in 1992. The analysis of some selected works, among the two dozen restoration projects carried out, intends to contribute, first, to identify the internal coherence of its production, as well as to ponder the transformations that have occurred over time. It is also intended to explore the dialogue that Lina Bo Bardi establishes between the Italian environment, the theories of restoration and Brazilian practice. Finally, it is intended that the proposed analysis contributes to a timely review of the historiography of modern architecture in São Paulo and Brazil, as well as collaborate in the construction of the history of the preservation of cultural heritage in the country.

KEYWORDS:
Restoration; Modern architecture; Lina Bo Bardi; Cultural heritage; Architectural restoration; Brazil

INTRODUÇÃO

É preciso se libertar das amarras, não jogar fora simplesmente o passado e toda a sua história. O que é preciso é considerar o passado como presente histórico, ainda vivo. Frente a ele, nossa tarefa é forjar um outro presente, verdadeiro.

Lina Bo Bardi

O reconhecimento do trabalho de Lina Bo Bardi (1914-92) no Brasil, especialmente nas duas últimas décadas, tem atraído progressivo interesse de arquitetos e historiadores no país e no exterior. As obras e textos escritos pela arquiteta têm sido amplamente estudados, por meio de abordagens diversificadas que consideram suas contribuições para a arquitetura, para o reconhecimento da cultura popular, para o teatro, os museus, o design, as artes gráficas e o patrimônio, destacando sua atuação e o papel que exerceu na construção civil, um campo profissional até então majoritariamente masculino.

O interesse crescente por sua contribuição está alicerçado por uma produção não excepcionalmente volumosa, mas densa e provocativa. Algumas de suas obras construídas são exemplares, comunicam-se de maneira exitosa com os usuários,2 2 Bechara (2017, p. 13). criam espaços generosos onde a vida acontece e instigam diferentes gerações. Esse fascínio da crítica se expressa através de dezenas de livros, exposições, dissertações e teses, artigos em periódicos e publicados em eventos nacionais e internacionais sobre seu trabalho.

Parte significativa dessa produção é destinada a analisar as obras em que Lina Bo Bardi intervém em bens históricos, suas ideias, suas concepções sobre o novo e o antigo e a noção de história e tempo que traz da Itália. Mais do que qualquer outro profissional de sua geração, a arquiteta introduz no âmbito da cultura arquitetônica brasileira a restauração ou mais precisamente o projeto de restauro como parte da atividade projetual. A restauração deixa de ser exclusivamente uma atividade articulada aos órgãos de preservação e passa a ser uma ação cultural do arquiteto, provendo nossas cidades de espaços novos, qualificados e que guardam e atualizam as memórias de tempos passados.

Essa contribuição, relativamente recente, exige ainda hoje, a nosso juízo, maior aprofundamento, pois não está plenamente enraizada em nossa cultura arquitetônica. A qualificação das obras de Lina Bo Bardi como “ato criativo”, 3 3 Termo utilizado por Salvo in Criconia (2017, p. 301). que atribui às suas intervenções flexibilidade e liberdade em relação aos bens, aparta seus projetos daqueles considerados restauro stricto sensu.

A cisão entre o arquiteto e o restaurador não é novidade. Ao analisar essa situação, no texto A Restauração arquitetônica entre o passado e o presente , o arquiteto Paulo Ormindo de Azevedo (2003AZEVEDO, Paulo Ormindo David. A Restauração arquitetônica entre o passado e o presente. Rua - Revista de Arquitetura e Urbanismo (UFBA). Salvador, n. 8, 2003.) atribui essa situação à deficiência da formação profissional e a um processo de especialização crescente, responsável pelo distanciamento entre o restauro e a arquitetura.

Temos, de um lado, restauradores com boa preparação tecnológica, mas deficiente formação em história da arte e escassa experiência de projetação arquitetônica. De outro lado, há bons projetistas que desconhecem os critérios e possibilidades da restauração e não conseguem dialogar com o monumento. Em muitos casos, as soluções ficam a dever ao monumento, ou pelo caráter simplório das intervenções, ou pela extravagância das mesmas. Em ambos os casos o monumento sai perdendo.4 4 Azevedo (2003, p. 22).

A observação rápida do quadro da formação profissional no Brasil reforça a hipótese de Azevedo. A questão da preservação do patrimônio cultural passa a integrar o conjunto de conteúdos obrigatórios na formação dos arquitetos e urbanistas, contrapondo-se à formação especializada vigente no Brasil até então, apenas em 1994. Essa mudança ocorre com a criação de um currículo mínimo para as escolas de arquitetura, que passavam por um intenso movimento de expansão, em sua maioria em instituições privadas. A Portaria MEC 1770/94 define que a disciplina “Técnicas Retrospectivas” tem caráter profissional e deve incluir “conservação, restauro, reestruturação e reconstrução de edifícios e conjuntos urbanos”. Em 2006, na resolução CNE/CES n. 06/2006, consolida-se a legislação anterior, seguindo a tendência internacional de inserir nos cursos de graduação “a formação de profissionais generalistas, capazes de compreender e traduzir as necessidades de indivíduos, grupos sociais e comunidade, com relação à [...] conservação e a valorização do patrimônio construído”.5 5 Sobre o tema cf. Farah(2012).

A consequência dessa alteração no ensino implica que todo arquiteto e urbanista formado no território nacional está legalmente habilitado a realizar projetos de intervenção no patrimônio cultural. No entanto, as estratégias implantadas até aqui parecem insuficientes. Segundo o último anuário publicado pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo (2018CONSELHO DE ARQUITETURA E URBANISMO DO BRASIL. Anuário de Arquitetura e Urbanismo 2018. Brasília: CAU/BR, 2018.), o número de profissionais cresce no país a uma taxa de 8% ao ano, somando mais de 150 mil arquitetos.6 6 Informação não diretamente ligada a nosso estudo, mas que mostra o novo perfil dos profissionais brasileiros: cerca de 60% dos arquitetos têm menos de 40 anos e 62,6% são mulheres. Esses dados precisam ser considerados na definição de políticas para a área. Segundo instituições que atuam na área de patrimônio no Brasil, como o Icomos e o Docomomo, o número de profissionais que atuam na área de patrimônio também cresceu. Por outro lado, suas intervenções representam 0,17% das atividades de projetos realizadas em 2017, com queda de 16% em relação a 2016, e 0,08% das obras executadas no país são referentes a restaurações com acompanhamento de arquitetos (CAU, 2018CONSELHO DE ARQUITETURA E URBANISMO DO BRASIL. Anuário de Arquitetura e Urbanismo 2018. Brasília: CAU/BR, 2018.).

Quinze anos depois da precisa análise de Paulo Ormindo de Azevedo, o ensino de Arquitetura e Urbanismo e a própria atuação profissional se modificaram, mas não o suficiente para alterar o quadro apresentado ou a superação das circunstâncias que levam a uma porcentagem tão pequena de reaproveitamento adequado do nosso acervo arquitetônico existente. Curiosamente, o mercado de reforma cresce em ritmo acelerado. Dados do CAU (2018CONSELHO DE ARQUITETURA E URBANISMO DO BRASIL. Anuário de Arquitetura e Urbanismo 2018. Brasília: CAU/BR, 2018.) mostram que projetos e obras desse tipo cresceram 20% de 2015 a 2017. O crescimento é maior no acompanhamento das execuções de obras de reformas que chegam a 31%. Considerando-se apenas reformas de interiores, esse crescimento é de 43%.

Esses números precisam ser melhor compreendidos, mas desde já mostram a necessidade de investimentos na formação não de restauradores, que continuarão sendo capacitados por cursos de pós-graduação de alto nível que vem crescendo em diversos estados brasileiros, mas de arquitetos e urbanistas que sejam capazes de identificar o valor de um bem, seja este protegido ou não, com intervenções responsáveis. A restauração arquitetônica, em sentido estrito, exige competência projetual específica e, conforme a complexidade do imóvel, torna necessária a participação de um ou mais especialistas.

Embora Lina Bo Bardi seja uma profissional culta e com formação na área de restauro, não se trata de uma “restauradora” especialista, mas de uma arquiteta capaz de identificar e promover a ampliação dos imóveis protegidos no país por meio de sua atuação consciente, executando projetos de “restauração arquitetônica” em sentido mais amplo. Apenas para citar um exemplo, a fábrica na qual se instala o Sesc Pompeia sequer era tombada quando o projeto foi elaborado. Atualmente a obra é tombada pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico de São Paulo (Compresp), em 2009; pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), em 2015, e não foi identificado o tombamento pelo órgão estadual, o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat).7 7 Embora a legislação estadual preveja o tombamento ex officio das obras protegidas pelo Iphan no Estado de São Paulo, o Sesc Fábrica Pompeia não consta da base de dados disponível pelo Condephaat no site do órgão.

É justamente a intervenção de Bardi que atribui valor ao conjunto e provoca seu tombamento.8 8 O parecer do Iphan, elaborado pelo conselheiro Carlos Eduardo Comas, explicita o valor atribuído pelo projeto de Lina Bo Bardi e recomenda seu tombamento no Livro de Belas Artes. Nesse sentido, a trajetória de Lina Bo Bardi é inspiradora e merece ser aprofundada criticamente, seus projetos de restauração devem ocupar um espaço relevante no cenário da cultura arquitetônica nacional. Sem a pretensão de esgotar o tema, analisaremos algumas de suas intervenções e, quando possível, discutiremos o contexto no qual se realizaram quanto à prática da restauração no país. É preciso reconhecer que se busca, ao recuperar sua obra, refletir sobre o exercício profissional no presente.

Muito já se falou de seus projetos, em particular do Solar do Unhão, Sesc Fábrica Pompeia, Centro Histórico de Salvador e Palácio das Indústrias. Localizamos9 9 Pesquisa de pós-doutorado realizada no Instituto de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade de São Paulo, sob supervisão do Prof. Titular Renato L. S. Anelli, no período de 2016 a 2019. no acervo do Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi (Instituto Bardi) cerca de duas dúzias de projetos de adaptação de uso, requalificação de áreas degradadas e recuperação de edifícios isolados. Além dos já citados, podemos lembrar em Salvador: Belvedere da Sé, Barroquinha, Casa do Benin, Ladeira da Misericórdia, Casa do Olodum e a Fundação Pierre Verger, todos os projetos realizados entre 1986 e 1989. Fora da Bahia, podemos citar o Museu Butantã (SP, 1965), o Teatro e Bar no Morro da Urca (RJ, 1986), o Teatro Polytheama (Jundiaí, 1986), concluído após sua morte, Estação Guanabara (Campinas, 1990) e o Centro Vera Cruz (São Bernardo do Campo, 1991), projetos não executados. Há também estudos para projetos internacionais de intervenção em áreas históricas como os desenvolvidos para o Centro de Santiago (1972) e para o Centro Cultural de Belém, em Portugal (1988).

Figura 1
Estúdio construído em madeira e telha de barro, banheiro e copa em alvenaria com cobertura verde e acabamento interno em cimento queimado. Acervo pessoal.

Esses projetos e obras representam um terço da produção projetual de Lina Bardi. A maior parte das encomendas se concentram nos anos 1980 e 1990. Nesse período, sobretudo a partir de meados da década de 1980, as intervenções adquirem um peso bastante importante, representando cerca de 80% do trabalho da arquiteta.

Nesse período, ela constrói a “casinha”, seu estúdio anexo à Casa de Vidro, e estabelece a colaboração com Marcelo Suzuki, Marcelo Ferraz e André Vainer que manterá até sua morte, em 1992. Cabe destacar o papel desses arquitetos como colaboradores e responsáveis para a valorização dessa dimensão da obra de Lina Bo Bardi, não de forma nostálgica, mas dando continuidade e atualizando o legado da arquiteta por meio de suas próprias obras e ações culturais.

Figura 2
Marcelo Suzuki Arquitetura e Urbanismo. Armazém Cultura, Água Vermelha, São Carlos-SP, 2004-7. Acervo pessoal.

Figura 3
Brasil Arquitetura. Museu Rodin, Salvador-BA, 2002. Foto: Nelson Kon.

DA FORMAÇÃO ITALIANA À PRÁTICA PROFISSIONAL NO BRASIL

A trajetória que culmina na realização de uma obra diversificada que floresce inteiramente no Brasil tem início na Itália, como enfatiza Renato Anelli,10 10 Anelli (2010, p. 89). ao destacar a relevância dos anos de formação e início de carreira profissional em Roma e Milão,11 11 A respeito da trajetória profissional da arquiteta cf. Oliveira (2006), Lima (2014) e Ferraz (1993). onde são gestadas as ideias e concepções que Lina Bo Bardi revisita e atualiza por toda a vida.

Na mesma direção, outros autores12 12 Sobre o tema cf. Campello (1997), Bierrenbach (2001; 2007), Oliveira (2006), Salvo (2017), entre outros autores como Rossetti, Grinover, Rubino, Suzuki. buscam no período de formação pistas e referências sobre os temas da memória, passado e restauração. Na maior parte das leituras é consensual que temas relevantes para sua geração italiana estruturam as pesquisas e o olhar de Lina Bo Bardi, direcionando sua original interpretação sobre o Brasil. A compreensão da não linearidade do tempo, a produção arquitetônica que compõe diversas camadas de tempo sobrepostas nas áreas urbanas, o interesse pela história, o passado e o antigo, o olhar arguto sobre a produção popular, o reaproveitamento e a criatividade popular, a guerra, a destruição, a restauração, todos são temas que Lina Bo Bardi traz da Itália e desenvolve no Brasil.

A formação romana de Lina Bo é devedora da visão de “arquiteto integral” proposta por Gustavo Giovannoni, “que pressupõe uma visão ampla da arquitetura” e valoriza a cidade como escala de intervenção e o lugar onde se encontram “vestígios da identidade italiana”. A “renovação urbana implica num profundo conhecimento da paisagem e da vocação do lugar [...] Neste sentido, a formação romana de Lina confere-lhe uma alta capacidade filológica de análise do meio”.13 13 Oliveira (2008, p. 32).

Para Lina Bo Bardi, a Arquitetura é Arte porque responde a demandas do homem e soluções produzidas por ele próprio, desde a conformação do espaço íntimo da casa, do núcleo habitacional familiar ao espaço da natureza, estando, portanto, circunscrita como História. O pensamento humano, diz Lina “[...] subentende a história, cuja viva presença, em sua síntese e em seu valor normativo e admoestador está implícita em nossas ações, precisamente porque nós somos o resultado dessa mesma história”. Na sequência, faz uma advertência: “[...] e isso embora estejamos convencidos de que o antigo não deve servir como norma, ele deve ser a energia vital da civilização moderna”.14 14 Original: “L’Antico non deve servir di norma, esso deve essere un’energia vitale della civiltà moderna”. In: Bardi (1957, p. 16).

A definição explicitada por Lina Bo Bardi está em um de seus textos mais elaborados, a Contribuição propedêutica ao ensino da Teoria da Arquitetura, tese apresentada ao concurso da cadeira de Teoria da Arquitetura, na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade de São Paulo (USP), em 1957, no qual nunca foi aprovada.15 15 Segundo Kogan (2014, on-line), o concurso foi adiado várias vezes porque a faculdade exigia o “diploma de graduação em Roma, destruído durante a Segunda Guerra, provavelmente em 1943 [...] A burocracia uspiana se valeu disso para empurrar sua tentativa de ingresso como professora formal (e com poderes)”. A tese foi escrita uma década após sua chegada ao Brasil e antecede a experiência em Salvador e no Nordeste.

Figura 4
Casa de Vidro, logo após a finalização das obras, ostentando sua modernidade e refinamento com os móveis antigos trazidos pelo casal Bardi da Itália. Foto: reprodução da revista Domus, n. 279, p. 25, fev. 1953.

Antes de concorrer à referida cadeira, segundo Kogan (2014KOGAN, Gabriel. Lina Bo Bardi: do frustrante concurso para docente na FAUUSP ao recente interesse da academia por sua obra. AU Educação [internet]. São Paulo, Pini, n. 249, dez. 2014. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2OAYq8x >. Acesso em: 18 dez. 2016.
https://bit.ly/2OAYq8x...
), em 1955 Lina Bo Bardi inicia sua colaboração com a FAU-USP, levando para os alunos “os princípios corbusianos de projeto”.16 16 Kogan (2014, on-line). Os princípios levam à elaboração de um método projetual explicitado na tese citada. O método proposto articula os conhecimentos em prol da formação do aluno e cria, ao mesmo tempo, uma conexão entre suas referências italianas e a arquitetura brasileira, amalgamadas por meio de Le Corbusier. Embora sua interpretação da obra do mestre franco-suíço não seja filtrada pela leitura de Lúcio Costa, é justamente com ele que estabelece a maior afinidade intelectual, afinidade que a aproxima ainda mais do Brasil.

Lucio Costa é um intérprete e defensor dos caracteres “nacionais” [...] da arquitetura brasileira [...] Ele remonta às origens da autêntica arquitetura brasileira, descobrindo seu caráter genuíno não na arquitetura “oficial” portuguesa, mas na “popular”, transferida - na pessoa dos antigos mestres e pedreiros “incultos” - para a nossa terra. Ele acha, nesse início, ótimo, aquilo que deu à arquitetura brasileira “esse ar despretensioso e puro que ela soube manter, apesar das vicissitudes por que passou, até meados do século XIX”.17 17 Bardi (1957, p. 70).

Embora os dois arquitetos estejam atentos à arquitetura popular e vernacular, enquanto Lúcio Costa busca no passado a identidade para o presente, traduzida no âmbito arquitetônico em azulejos, cobogós e painéis treliçados, Lina Bo Bardi e sua geração italiana reinterpretam o passado, que aliás não lhes falta, buscando no vernáculo impulso para construir o futuro, já que o presente estava perdido entre os escombros da guerra.

Nesse aspecto é central a parceria intelectual entre Lina e Pietro que durou 50 anos. Independentemente da relação pessoal do casal, há aspectos que precisam ser aprofundados, como a leitura que Lina Bo Bardi realiza da obra de Le Corbusier. Alguns temas centrais na poética do mestre franco-suíço, como a relação arquitetura-natureza, a casa do homem comum, o abrigo primitivo, técnica e arte são também recorrentes em sua obra.

Diz Lina Bo Bardi:

[...] se a unidade da natureza está, até certo ponto, na invariabilidade inexorável de suas leis, na constância e imutabilidade de seus fenômenos, a unidade da história é o seu processo mesmo que, precisamente por ser tal, se pontualiza [sic], de cada vez, na inumerabilidade e na diversidade de seus momentos, nenhum dos quais pode ser absolutizado em sua validade.18 18 Ibid., 1957, p. 25.

O método proposto por Lina Bo Bardi, inspirado em sua formação italiana, pretende dar “sentido” ao conhecimento adquirido pelo arquiteto e urbanista, dar-lhe consciência moral para a prática profissional. O conceito que dá sentido unitário à sua proposta é o que ela denomina “espírito de construir”. É o “espírito de construir” que une trabalho, arte e natureza, ou seja, articula os materiais, o território, a uma determinada forma realizada pela criação humana. É na constância das leis da natureza que o cientista pode buscar verdades para compreender seu funcionamento, mas é o arquiteto, enquanto artista, que ao mimetizar a natureza cria um novo mundo, uma nova “natureza”. O arquiteto, exemplifica, “executou uma coluna a partir do tronco de uma árvore”. E milhares de anos depois, a tecnologia possibilita que se possa “introduzir o jardim no coração da casa”.19 19 Ibid., 1957, p. 23-5.

A Arquitetura se inspira na natureza que a governa, oferecendo-lhe, ao mesmo tempo os materiais e os instrumentos necessários para formá-la e dar-lhe harmonia; é pacífico, por isso mesmo que o estudo da natureza deve ser a fonte primeira do estudo da arquitetura, enquanto produto e criação do homem.

O método proposto pela arquiteta encontra no binômio arquitetura-natureza a conexão entre homem-território. A ciência se inspira na natureza, permitindo compreender a ação humana no mundo, que é construção, é técnica, é trabalho, é conhecimento no sentido proposto por John Ruskin. Sem, no entanto, alijar a indústria do processo de produção, como enfatiza: “Superado o paradoxo de William Morris de que a arquitetura é sinônimo de arte aplicada, deve-se todavia notar a interdependência entre a indústria e a arquitetura [...]”.20 20 Ibid., 1957, p. 27.

Lina Bo Bardi (1957BARDI, Lina Bo. Contribuição propedêutica ao ensino da Teoria da Arquitetura. São Paulo: s/e., 1957.) propõe, então, que o ensino de Arquitetura seja capaz de transmitir e conscientizar os alunos sobre a “significação do nosso tempo, a significação humana” que devem ser tratadas de maneira “crítica e serena, destituída de entusiasmos utópicos, mas consciente das próprias responsabilidades”. Dito isso, o arquiteto deve ser formado para pensar e solucionar problemas reais que se apresentem, e não seguir formalismos e idealizações.

Nesse sentido, sua propedêutica restabelece o papel do homem na investigação do mundo e reintroduz a arquitetura moderna como produto da própria história. A consciência desse processo permite analisar de forma crítica o momento histórico, criando a expectativa pela formação de novos profissionais que ajam com responsabilidade e humanidade.

[...] à convicção de que a arquitetura moderna é, como todas as atividades humanas, o produto da experiência do homem no tempo, e de que não existe fratura entre o assim chamado “moderno” e a história, visto ser o “moderno” antes o produto da história mesma, através da qual somente é possível evitar as repetições de experiências superadas. É a história, quando não entendida como “una cosa de forbici e colla”,21 21 Lina cita o livro de Cesare Ripa. Alegoria da teoria, da prática e do desenho. Na tradução literal “uma coisa de tesoura e cola”. A arquiteta se refere à história dos fatos, datas e personagens, ou seja, utiliza uma imagem que descreve a história na qual se destacam, recortam-se momentos simbólicos, e não a história compreendida como continuidade. mas como coisa viva e atual, revivida em seus problemas fundamentais dotados de transmissibilidade e fecundos de ensinamentos, essa história que [...] não seja a mera “História” abstrata e sim a vida concreta e fecunda”.22 22 Bardi (1957, p. 5-6).

A BELEZA DAS PEDRAS: CONVIVÊNCIA ENTRE O NOVO E O ANTIGO

Esse é, usando uma expressão comum hoje, o “lugar de fala” de Lina Bo Bardi. Uma arquiteta, que traz para o Brasil temas centrais do debate italiano e que aqui continua a desenvolvê-los com adaptações, mas sem rupturas profundas. Encontra em Lúcio Costa e Le Corbusier a possibilidade de conceber e realizar uma obra vigorosa, na qual reitera princípios de sua formação, imprime novas convicções e dialoga com a produção brasileira, inserindo-se e contribuindo para os debates travados no país em que escolheu viver, convencida ainda de que o antigo “deve ser a energia vital da civilização moderna”.23 23 Taddeus Zielinsky (1903) apud Bardi (1957, p. 16).

Lina Bo Bardi, como Costa, acredita que o papel do arquiteto não é o de construir um mundo novo em detrimento do existente, mas, por outro lado, crê nas técnicas de seu tempo, denuncia a pobreza, a miséria e ausência de acesso à civilização. Porém, mesmo nessas condições, encontra criatividade e uma beleza primitiva e visceral que humaniza as comunidades mais desprovidas de recursos. O desafio é, portanto, desvendar as belezas e preservá-las para que possam conviver em harmonia com a vida presente, transformando os espaços rudes e grosseiros para a construção de um futuro mais digno para todos.

O casal Bardi nunca foi outsider, tendo sempre agido com o peso e o apoio de importantes instituições. Primeiro, os Diários Associados e a força empresarial de Assis Chateaubriand, depois, o prestígio do Museu de Arte de São Paulo, o governo da Bahia e o Sesc. Não atuaram diretamente pela via estatal, mas sempre estiveram, ambos, comprometidos com o desenvolvimento da cultura, utilizando diversas estratégias de ação cultural.

Na esteira dos modernistas brasileiros, o casal Bardi, Lina e Pietro, amparado institucionalmente, dedica parte de suas atividades profissionais à pesquisa para aprofundar seus conhecimentos sobre o Brasil, construindo e revelando nossa própria história. Pietro Maria Bardi, enquanto constrói um respeitável acervo de arte europeia no Museu de Arte de São Paulo (Masp), desde sua fundação em outubro de 1947, investiga também a arte brasileira, escrevendo e realizando exposições no museu, assim como apoia o desenvolvimento da carreira de diversos artistas, mantendo a atividade de marchand iniciada na Itália.24 24 Cf. Tentori (2000).

Lina Bo Bardi, num primeiro momento, por meio das páginas da revista Habitat, criada em 1950, dá continuidade às atividades iniciadas no país de origem e revela uma ampla visão sobre a arquitetura.

No Brasil, Lina Bo Bardi encontra inumeráveis exemplos de “castelos primitivos”, modelos pertencentes à “infância da arquitetura”, únicas referências que, por sobreviverem até os dias correntes, ela elege para serem resgatadas para a modernidade Sua pesquisa nessa direção se intensifica e se estende para contemplar as manifestações materiais da cultura do homem brasileiro”.25 25 Campello (1997, p. 53).

As expografia, o mobiliário, o projeto gráfico da revista e seus textos demonstram o anseio pela revisão do design em terras brasileiras, mas igualmente revelam a atenção e a imersão na realidade desigual do país.

Sua primeira viagem de pesquisa, segundo Fátima Campello (1997CAMPELLO, Maria de Fátima de Mello Barreto. Lina Bo Bardi: as moradas da alma. Dissertação (Mestrado) - Escola de Engenharia de São Carlos - Universidade de São Paulo. São Carlos, 1997., p. 53-4), é para a região amazônica, e o primeiro objeto de interesse é a rede, que inspira seus trabalhos. A cultura material do índio, do caboclo, do homem do interior do Nordeste e do caiçara revelam um Brasil profundo, para o qual ela estará sempre atenta. Cerâmicas carajás, plumas indígenas, vasos e tecidos, instrumentos musicais, jangadas e ex-votos colorem e expressam a diversidade étnica e cultural do país.

Nesse mergulho, Lina Bo Bardi observa e interpreta “a genealogia da casa brasileira”, dando sequência aos esforços de Lúcio Costa, sensibilizando-se com a arquitetura colonial e seu estado de conservação. Atribui valor ao tempo e à simplicidade que tornam os bens autênticos ao olhar europeu treinado da arquiteta. Impressionada com a expressão do barroco brasileiro, faz um elogio ruskiniano à poesia das pedras. Ressalta o valor da pátina, na qual reside a própria história da obra.

A fachada da Igreja da Ordem Terceira, da Bahia, nos é cara, embora sua cor não tenha mais aquele brilho que tinha quando recém-esculpida, além de uma razão de antiguidade e, pois, de reverência pelo passado, também porque achamos bela a cor das pedras transformadas pelo sol e pelas intempéries. Ao passo que a pintura de muitas igrejas do norte, com aquele branco-cal deturpador, causa pena.26 26 Bardi (1957, p. 27).

RESTAURAÇÃO

A restauração do Solar do Unhão, em que Lina Bo Bardi projeta a adaptação do espaço para implantação do Museu de Arte Moderna da Bahia (Mamb), em Salvador, é explicada e defendida num documento raro no âmbito da intervenção arquitetônica no Brasil por sua clareza e pela explicitação de seus princípios metodológicos. É relevante ainda por traçar um histórico da restauração em seu tempo, permitindo verificar seu domínio sobre o assunto, e por revelar as distintas posições dos principais atores da preservação no Brasil, especialmente no interior do Iphan, naquele momento Dphan.

Figura 5
As duas fotografias do Solar do Unhão mostram o conjunto antes e depois da intervenção projetada e conduzida por Lina Bo Bardi. Salvador, BA. Fonte: reprodução do livro da autora (2013, p. 145) e inferior, Nelso Kon

Lina Bo Bardi inicia o documento ressaltando a relevância arquitetônica do conjunto do Solar do Unhão e sua harmonia estilística. Feitas essas considerações, ressalta que essa harmonia e a preservação de suas características a despeito do estado de conservação precário elimina a angústia que cerca o arquiteto restaurador frente à “escolha” de uma “[...] época e do ‘método’ de restauração a ser adotado. O problema da ‘superposição’ dos estilos, típico dos monumentos de uma determinada época [...], não existe neste caso”.27 27 Cf. Bardi (1962).

A arquiteta explica que não utilizará como metodologia para restauração nem o “método romântico”, nem o “científico” ou “filológico”, dado que ambos estavam conceitualmente superados pela “restauração crítica” que, a partir da II Guerra Mundial foi praticada e desenvolvida na Itália. Justifica sua filiação, elucidando seus princípios e o diálogo que estabelece com as metodologias anteriores.

O moderno método de “restauração crítica” [...] não exclui a pesquisa filológica como metodologia, assim como não exclui o estudo duma provável (ou prováveis) reconstituição histórica, mas somente como fato de “método” e não como fim.

O critério da “restauração crítica” tem por base o respeito absoluto por tudo aquilo que o monumento, ou o conjunto representam como “poética” dentro da interpretação moderna da continuidade histórica, procurando não embalsamar o monumento, mas integrá-lo ao máximo na vida moderna.28 28 Cf. Bardi (1962).

A autofiliação de Lina Bo Bardi à teoria da restauração crítica é, como mencionado, um fato incomum no Brasil, na medida em que os arquitetos do Iphan estabeleceram procedimentos técnicos para dar identidade a um determinado conjunto de bens, seguindo sobretudo os preceitos da Carta de Atenas do Restauro, 1931. A arquiteta não explicita no documento referido qual sua referência teórica, pois na Itália há alguns teóricos que escrevem sobre a metodologia, dentre os quais os mais conhecidos são Roberto Pane, Renato Bonelli e Cesare Brandi.

Os arquitetos brasileiros que atuam no Sphan,29 29 A sigla Sphan designa, em 1936, o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, órgão nacional de preservação do patrimônio cultural brasileiro. Nas décadas seguintes, a instituição recebe diferentes nomes: 1946-70/ Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Dphan); 1970-9/ Instituto do Patrimônio e Histórico e Artístico Nacional (Iphan); 1979-90 / Sphan novamente - Secretaria (1979-81), Subsecretaria (1981-5), Secretaria (1985-90); 1990-4/ no governo Collor cria-se o Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural (IBPC); 1994-hoje/ Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). observa Sant’Anna,30 30 Sant’Anna (2010, p. 144). não se filiaram abertamente a nenhuma corrente de restauro e as discussões teóricas ficaram limitadas à aplicação das cartas patrimoniais, em particular à Carta de Atenas, de 1931. A convicção no valor artístico dos bens a serem restaurados e a crença de que o passado nacional estava contido sob as pedras da arquitetura colonial brasileira minimizavam as hesitações e tornavam as intervenções um procedimento científico, reduzindo as tensões histórico-artísticas a uma investigação arqueológica dos bens.

Dessa forma, e munidos de suas convicções a respeito de qual passado a instituição tinha como obrigação salvaguardar, os agentes do SPHAN constituíram ao longo das três primeiras décadas de atuação um corpus patrimonial bastante homogêneo, ainda que nem sempre tão congruente, tendo em vista certas “concessões” feitas àqueles imóveis de interesse apenas regional porém ameaçados de demolição, ou então às curiosidades artísticas ou históricas, que também foram tombadas.31 31 Cunha (2010, p. 84).

Nas restaurações e intervenções realizadas na primeira década de trabalho do Sphan, verifica-se atitudes distintas quanto à intervenção em edificações ou sítios históricos. Alguns projetos são particularmente significativos, como o de Carlos Leão na Igreja de São Francisco Xavier em Niterói, 1937, o de Lúcio Costa nas Missões Jesuíticas, 1939, para consolidação das ruínas e construção do novo museu, ou o de Luís Saia no Sítio Santo Antônio, na década de 1940,32 32 Sobre a restauração no Brasil, cf. Pessôa (2016), Cerávolo (2013) e Gonçalves (2008). no qual se utilizam materiais industrializados para consolidação do bem. Todos explicitam critérios distintos que se adaptam às condições locais e a situações específicas de uso das edificações.

No caso da restauração da Igreja São Francisco Xavier, considerada uma das primeiras realizadas pelo Sphan, José Pessôa (2016PESSÔA, José. Entre o singelo monumentalizado e o simbólico. Reflexões sobre o patrimônio cultural brasileiro. Arquitextos, São Paulo, ano 17, n. 195.05, Vitruvius, ago. 2016.) analisa os critérios utilizados por Carlos Leão:

A informação contida nos elementos remanescentes do monumento e na sua documentação histórica, e o recurso às características estilísticas existentes em soluções arquitetônicas de edificios da mesma época, vão constituir a base das intervençoes de restauro dos monumentos brasileiros nas décadas iniciais de atuação do Iphan.33 33 Pessôa (2016, on-line).

Nessa perspectiva, o Grande Hotel de Ouro Preto é um caso emblemático para análise das posturas adotadas pelos arquitetos com relação à intervenção num sítio histórico. Nele podemos perceber três atitudes distintas: a de Lúcio Costa, advogando em favor da distinção entre o novo e o antigo, mas harmonizando o novo em respeito ao existente; a de Oscar Niemeyer, que não fazia nenhuma concessão em seu projeto moderno; e a de Carlos Leão, com sua proposta neocolonial, ambientada ao estilo local. Esses embates permitem compreender as posições de cada um deles e a influência das duas Cartas de Atenas, a de 1931, do Restauro, e a de 1933, do Ciam.34 34 O tema das duas cartas e o debate sobre o Grande Hotel de Ouro Preto foi analisado de forma sistemática em Cerávolo (2013, capítulo 4: O Grande Hotel de Ouro Preto: Tensão Entre as Duas Carta de Atenas, 1940).

Nas décadas de 1940 e 1950, além dos arquitetos diretamente envolvidos com os órgãos de patrimônio, poucos eram os que se aventuram publicamente sobre o tema. Porém, a formação romana de Lina Bo Bardi, a compreensão do patrimônio arquitetônico envolto por uma ambiência urbana, valorizando o patrimônio urbano a partir das lições de Gustavo Giovannoni, deram à arquiteta autoridade para falar sobre o tema.

Durante a restauração do Solar do Unhão (1961-3), apesar dos enfrentamentos com a direção local do então Dphan, as deferências ao trabalho da arquiteta não são pequenas. Rodrigo Melo Franco de Andrade solicita que Lina Bo Bardi seja tratada com “tacto afinado” e que se evite qualquer tipo de “litígio ou indisposição entre a DPHAN e a Arquiteta Lina Bardi ou as autoridades estaduais interessadas”. Lúcio Costa recomenda a concessão de carta branca à arquiteta, como reconhecimento das “aptidões invulgares” de Lina Bardi, assim como na convicção de que o benefício geral resultante das obras para o monumento tornará sem maior importância as eventuais incorreções.

Renato Soeiro (1962SOEIRO, Renato. Informação n. 206. 17 ago. 1962, encaminhada a Godofredo Filho. Arquivo da 7a SR IPHAN, Salvador.), diretor do Departamento de Conservação e Restauro e futuro presidente, substituindo Rodrigo M. F. de Andrade, adverte a equipe baiana de que se trata de uma arquiteta bastante esclarecida,

Tratando-se de pessoa esclarecida como é a arquiteta LINA BARDI [...] estamos certos, o Chefe do 2º. Distrito deverá ajustar...? sem prejuízo para o monumento nem para a nova destinação do monumento tombado, que há vários anos vinha sendo danificado e estava mesmo ameaçado na sua integridade com as obras projetadas para a Avenida do Contorno.35 35 Soeiro (1962).

No ambiente acadêmico italiano, no entanto, a arquiteta Simona Salvo36 36 Salvo (2017, p. 301). considera que a análise das obras realizadas por Lina Bo Bardi não permite definir uma filiação teórica clara em relação ao restauro, embora considere provável que as posições “crítico-criativas” introduzidas por Roberto Pane e Renato Bonelli, entre o fim dos anos 1940 e 1960, possam ter despertado o interesse de Bardi, pois a dialética crítica permite, de fato, coadunar os valores históricos e estéticos da obra de arte.

Salvo37 37 Salvo (2017, p. 302). adverte que não há comprovação documental que sustente qualquer hipótese nessa direção. Sustenta, nessa perspectiva, que a posição de Lina Bo Bardi frente ao monumento do passado se manifesta de forma distinta tanto em relação ao princípio brasileiro de proteção quanto aos compartilhados na cultura italiana de restauração dos anos pós II Guerra Mundial. As concepções da arquiteta estariam mais alinhadas aos conhecimentos adquiridos no período de formação, acadêmica e profissional, em Roma e Milão, que embasaram a elaboração de seus conceitos e postura.

Durantes as investigações no acervo da arquiteta38 38 O acervo de Lina Bo e Pietro Maria Bardi está sob guarda do Instituto Bardi / Casa de Vidro e reúne memoriais, fotografias, cartas e livros, além da biblioteca do casal. foi encontrado o livro Architettura e restauro, escrito por Renato Bonelli39 39 Sobre o arquiteto cf. Carbonara, Ricetti. Disponível em: <https://bit.ly/37LPkgt>. e publicado em 1959 pela editora Neri Pozza (Veneza). Nas primeiras páginas, com a letra de Lina Bo Bardi, está anotado: “Lina Bo Bardi, Milano, Dic. ‘59”.

Observe-se que a aquisição foi realizada entre sua primeira ida a Salvador, em 1958, e o desenvolvimento do projeto de restauração e adaptação do Solar do Unhão para abrigar o Museu de Arte Moderna, inaugurado em março de 1963.40 40 Sobre o Solar do Unhão, cf. Pereira (2007) e Cerávolo (2013).

Figura 6
Livro Architettura e Restauro, Renato Bonelli, publicado em 1959, editora Neri Pozza (Veneza). Fonte: reprodução da capa feita pela autora. Acervo Instituto Bardi.

Figura 7
Anotação de Lina Bo Bardi indicando o ano e local de aquisição do livro. Fotografia da autora.

O livro pretende, como explica Renato Bonelli (1959BONELLI, Renato. Architettura e restauro. Veneza: Neri Pozza, 1959.), revisar as teorias produzidas no final da II Guerra Mundial, entre 1943 e 1945, alimentando e atualizando o debate sobre o restauro arquitetônico. Como esclarece o autor:

A renovada atualidade da restauração arquitetônica como problema vivo, data dos últimos anos da guerra, entre 1943 e 1945. Se tratava, em seguida, diante das dimensões do desastre que atingiram monumentos, complexos urbanos e núcleos históricos de redescobrir as razões ideais e os motivos culturais do restauro, de repensar os princípios de modo coerente com os desdobramentos da cultura histórico-crítica e de estabelecer os métodos e procedimentos em vista da obra a reconstruir.41 41 Bonelli (1959, orelha).

Bonelli (1959BONELLI, Renato. Architettura e restauro. Veneza: Neri Pozza, 1959.) avalia que o debate que se sucede na Itália, naqueles anos, é amplo e rico de resultados, sobretudo no campo teórico e conceitual, que estava amparado pela cultura histórica. No entanto, acredita que essa elaboração não havia ainda encontrado um campo fértil de aplicação na prática do restauro e da reabilitação.

As anotações no livro, feitas por Lina Bo Bardi, estão concentradas nos dois primeiros capítulos: “O restauro como forma de cultura” e “Princípio e Métodos no restauro de monumentos”. Entre seus apontamentos, destacam-se a complexidade do desafio ainda em elaboração e a necessidade de superar dois pilares da restauração corrente: a excepcionalidade do monumento, elemento central para a construção das teorias anteriores; e a teoria da restauração científica e a base do seu método filológico, de estudo aprofundado dos materiais. Bonelli diz que para “realizar a abertura cultural mais ampla possível, deve-se completar a superação do filologismo”.42 42 “Considerato tutto questo, il restauro non ha alcuna possibilità, almeno per ora, di trovar le proprie basi teoretiche fuori della concezione spiritualista della distinzione; e anzi, allo scopo di adeguare pienamente i suoi criterio e procedimenti ai principi ed alla stessa coerenza interna del sistema, e nell’intento di effettuare una apertura culturale la più ampia possibile, esso deve completare il superamento del filologismo”. Ibid., 1959, p. 19-20. Na nova abordagem proposta, o enfoque nos materiais ou estilos arquitetônicos como categorias que conferem ao monumento o caráter de testemunho autêntico de um passado histórico está superado.

A arquiteta assinala também um trecho no qual Bonelli43 43 Ibid., 1959, p. 32. relata que, na Itália, o Conselho Superior de Patrimônio, em 1932, passa a exigir “que preservemos todos os elementos da arte e da memória histórica, independentemente do seu tempo, sem o desejo de unidade estilística ou de retorno à forma primitiva”. Assim, a obra é resultado de seu próprio processo histórico. Isso implica também que a posição teórica que suporta a prática do restauro deve ser a mesma que serve de base para a história da arquitetura, da qual a teoria da restauração depende estritamente.

Por fim, na última página do livro, Lina Bo Bardi faz a seguinte anotação: “é um verdadeiro falso estético-histórico”. O que isso significa? O que escreve Bonelli sobre o tema? O autor indica que os resultados obtidos até aquele momento de restaurações que seguiram o processo lógico baseado no conceito de arte, após a II Guerra Mundial, colocam os especialistas de acordo quanto à inadequação da reconstrução parcial ou total de edifícios, nos quais a visão de beleza está perdida. O argumento principal nesse caso é que o valor absoluto da obra, referindo-se ao valor artístico, está destruído, e não se pode recuperar. Trata-se de uma verdadeira falsificação estético-histórica, cultural e documental, e que como tal não pode “enriquecer nossa alma e nossa consciência”, não podendo recriar o passado. Nesse caso, o restauro é um ato anti-histórico e um trabalho em vão.44 44 Ibid., 1959, p. 37-38.

Isso recoloca a hipótese de que o debate italiano do segundo pós-guerra tem rebatimento na produção de Lina Bo Bardi. Ela se atualiza, procura informação, interpreta a teoria e a aplica caso a caso, conforme a situação exige. Considerando que restauro é projeto de arquitetura e é arte, rejeita a perspectiva de fabricar falsos históricos e busca estabelecer ou valorizar a identidade do bem com a comunidade que o cerca. Todos os seus projetos instituicionais têm um aspecto em comum: o desenvolvimento de um programa que integra a população local com o serviço oferecido. Bardi considera fundamental levar as pessoas para dentro do edifício.

[...] tempo é uma espiral, é uma coisa que não tem fim [...] a beleza em si por si mesma é uma coisa que não existe [...] Existe enquanto é, porque existe por um período histórico e depois muda porque muda o gosto. Enquanto se é algo que é imprescindivelmente ligada à coletividade é bonita porque serve e continua a viver...45 45 Cf. Bardi in Michiles (1993).

Na teoria como na prática da arquitetura a referência ao passado constitui fonte de exemplos abertos à crítica e ao processo sempre em construção. A ciência, que promove o “habitar” e o viver em comunidade deveria ser uma ciência exata. Esta ciência, porém, também é arte, o que nos parece fora de dúvida, diz a arquiteta.46 46 Cf. Oliveira (2009).

APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS

Lina Bo Bardi não explicita suas fontes de informação e os critérios que utiliza. Não é uma teórica, mas como arquiteta se filia à corrente da “restauração crítica”; como arquiteta interpreta a teoria e a aplica de forma única, sem amarras. Para escrever o documento “Critérios para Restauração do Solar do Unhão” se apoia no texto de Renato Bonelli e introduz uma postura inédita para um profissional de sua época no Brasil, abrindo, no âmbito do projeto de restauro, um universo novo e, como se demonstrará, profícuo.

Lina propõe o restauro como projeto de arquitetura, como ato de responsabilidade social em sua dimensão antropológica, valorizando as origens, os desenvolvimentos físico, material e cultural, as características étnicas, costumes sociais e crenças. Por isso seus projetos são exemplares e atraem ainda hoje o interesse de profissionais de diferentes origens e idades.

O Solar do Unhão é caracterizado por Lina Bo Bardi (1962BARDI, Lina Bo. Critério proposto para a restauração do “Solar do Unhão”. Arquivo da 7a SR IPHAN, Salvador, 1962.) como documento arquitetônico ligado à expressão da cidade de Salvador. Diz que a “massa dos telhados” do edifício principal e dos galpões mais singelos formam um espaço harmonioso, marcante na paisagem à beira-mar da cidade. Qualifica o conjunto como um “[...] belíssimo exemplo da carpintaria naval, com as janelas abrindo diretamente sobre o mar, característico da Bahia”.

Figura 8
Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador, BA, 2015. Acervo pessoal.

Quanto à igreja, que se encontra isolada à esquerda do conjunto, Lina Bo Bardi a define como um exemplo “elegante” do barroco tardio que, bem integrada ao conjunto, auxilia na configuração dos espaços externos e na constituição de duas praças, “uma interna, fechada, e outra aberta, à beira mar”. A partir dessa análise do sítio e de seus elementos, a arquiteta estabelece os critérios da intervenção: “tem que ser o mais cauteloso e rigoroso respeito pelo que existe. Conservação do monumento como é, limitando-se o trabalho, a uma substituição de materiais deteriorados, respeitadas todas as características deles”. Para possibilitar e enfatizar a leitura do conjunto arquitetônico, a arquiteta define alguns elementos que deveriam ser demolidos, como os acréscimos laterais e do fundo da igreja, o muro à esquerda da igreja e o “deselegante” pórtico localizado na entrada do conjunto.47 47 Cf. Bardi (1962).

O projeto propõe, no casarão, a remoção da antiga escada e a construção de uma nova. Essa escada simboliza a intervenção realizada por Lina Bo Bardi, é a marca do presente. Em relação às cores das fachadas e dos caixilhos, a arquiteta se recusa a reproduzir a paleta de cores coloniais que agradaria ao corpo técnico do Iphan. Como não há registros e documentação que atestem as cores originais, decide caiar as paredes sem evidenciar as molduras da caixilharia. Quanto às janelas, pinta de uma cor nova que enfatiza a contemporaneidade da ação.

Figura 9
Azulejos restaurados no acesso ao casarão. Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador, BA, 2015. Acervo pessoal.

Parte dessas decisões não agradou aos técnicos do Iphan. Godofredo Filho (1963FILHO, Godofredo. Ofício nº 50, 29 mar. 1963, encaminhado a Rodrigo Melo Franco de Andrade. Arquivo da 7ª SR IPHAN, Salvador.), chefe do Segundo Distrito em Salvador, envia um ofício logo após a inauguração, em março de 1963, para Rodrigo Melo Franco de Andrade, relatando que participou do evento e que se limitou a destacar os “aspectos positivos e dignos de louvor” que “tornam de menor importância as falhas apresentadas, o que de certo levou o Diretor da DET, o douto arquiteto Lúcio Costa, às considerações que expediu a respeito” (sic).

No entanto, o chefe do distrito não resiste a lamentar que não houvesse mais tempo para “sugerir correções que abrasileirassem o conjunto, reintegrando-o em certos detalhes, na melhor tradição local”. Queixa-se ao diretor que “certos detalhes são de amargar: o tratamento dos arcos do térreo, do aqueduto [...] o vermelhão brilhante (não o escuro, queimado, que seria tolerável) [...] o branco integral da capela (inclusive esquadrias)”. Já nas observações finais, sobre o critério adotado na restauração do Unhão, ressalta que pelo menos nesse caso “houve um critério, o que não ocorreu em Sta. Teresa, fruto das muitas improvisações de Geraldo Câmara e do Wladimir [Alves de Souza]”.48 48 Cf. Filho (1963).

Sabe-se que durante o processo os técnicos do Segundo Distrito tentaram inserir alterações no projeto. Entre outros aspectos, solicitaram que, independentemente do método adotado na restauração, fosse efetuada “uma pesquisa prévia de ‘caráter filológico’ do conjunto para que qualquer intervenção que se faça no monumento seja um ato deliberado e consciente”. Como vimos, embora a arquiteta não dispensasse os estudos dessa natureza, somente admitia que fossem parte do “método” e não fim em si mesmos.49 49 Cf. Bardi (1962).

Para Lina Bo Bardi é no uso do conjunto, sede de um museu e de uma escola de artesanato, que está a possibilidade de êxito do projeto. Diz que o programa será “um dos mais felizes”, porque permitirá a recuperação das edificações sem modificá-las, criando espaços para os frequentadores do local.

É seguindo os mesmos princípios que a arquiteta projeta o Museu para o Instituto Butantan, em 1968, e depois o conjunto do Sesc Fábrica Pompeia, em 1977. A cidadela do Sesc tem início em 1977 e é concluída quase dez anos depois. Em 1982 é inaugurada a fábrica e, em 1986, a parte esportiva.

Na virada das décadas de 1960 para 1970, o Iphan passa por muitas mudanças, algumas decorrentes da própria estrutura interna, outras da conjuntura nacional e internacional. Em 1967, Renato Soeiro assume a direção do órgão, como segundo diretor do Patrimônio Nacional, em substituição a Rodrigo M. F. de Andrade, que se aposentou após exercer a direção durante 30 anos, desde a criação da instituição. No mesmo período, outras instituições passam a atuar na defesa e na proteção do patrimônio cultural, como a Embratur, o IAB e o Icomos/Unesco.

As mudanças externas são ainda mais profundas. O golpe de 1964, as transformações associadas ao modelo de desenvolvimento do país e à conjuntura internacional impõem alguns impasses decorrentes da própria ação do Iphan, acentuando assim a crise de legitimidade por que passa o órgão.50 50 Cunha (2010, p. 90-92).

É nesse contexto que se estabelece o Programa Integrado de Reconstrução das Cidades Históricas (1973), conhecido como PCH, que tinha como objetivo central dar suporte à exploração turística das cidades históricas e de seus monumentos. “A criação do PCH veio suprir basicamente a falta de recursos financeiros e administrativos do IPHAN, continuando a cargo dessa instituição a referência conceitual e técnica”.51 51 Ibid., p. 91.

Em abril de 1977, depois de realizados os estudos iniciais, Lina propõe a montagem de um escritório de projetos no local da antiga fábrica, para que a equipe de arquitetura trabalhe na obra e ela possa assumir pessoalmente a fiscalização dos trabalhos. A proposta apresentada ao Sesc contempla uma prestação contínua de serviços de arquitetura, a remuneração correspondendo a 200 horas de trabalho mensais, aproximadamente oito horas diárias de segunda a sexta-feira e seis horas aos sábados. Assim, ela passa a se dedicar exclusivamente ao projeto e à obra, acompanhando simultaneamente os trabalhos de limpeza e restauro já iniciados pelos operários do Sesc.52 52 Bechara (2017, p. 60).

Segundo Bardi, o método e o plano a ser aplicado são os mesmos do Solar do Unhão. A novidade é que se trata de um conjunto industrial, testemunho do processo de industrialização que ocorre na cidade de São Paulo entre os anos 1920 e 1930. Mas também “um edifício único”. Único porque ela e sua equipe identificam na antiga fábrica a aplicação de um sistema estrutural em concreto denominado Hennebique, que foi um dos primeiros a ser explorado comercialmente em larga escala.53 53 Ibid., 2017, p. 41.

Figura 10
Entrada do Sesc Fábrica Pompeia, São Paulo, SP, 2016. Acervo pessoal.

Assim, ela iniciou a elaboração do projeto com o objetivo de recuperar as paredes e retirar elementos adicionados com o passar dos anos, para revelar a estrutura original do complexo.

No final da década de 1970, a arqueologia social era uma ideia presente no âmbito internacional, principalmente na Europa, mas era uma experiência nova no Brasil. Segundo Lina Bo Bardi,54 54 Cf. Michiles (1993). era preciso salvaguardar, além dos monumentos artísticos simbólicos, como no Brasil os do Barroco, também os documentos e edifícios que registram os diferentes momentos histórico-sociais que retratem o desenvolvimento da sociedade, aí inclusos os espaços do trabalho, como a fábrica. Hoje, a temática do patrimônio industrial associada à requalificação de áreas consolidadas e degradadas está fortemente presente, tanto no âmbito acadêmico quanto no profissional.

Figura 11
Espaço comum dentro de um dos galpões no qual se encontra o espaço de leitura. Na imagem, observa-se a estrutura antiga e as caixas de concreto criadas por Lina Bo Bardi para acomodar os diversos novos usos. Sesc Fábrica Pompeia, São Paulo, SP, 2016. Acervo pessoal.

Lina Bo Bardi explica os critérios que nortearam a restauração:

[...] foram conservados os elementos essenciais, que no nosso caso são elementos de documento da industrialização no Brasil, em São Paulo, especialmente no caso da Pompéia, bastante interessantes na estrutura elegante, cujo projeto é inspirado a Manchester e a industrialização inglesa, que começou no século XIX na Europa e no Brasil no século XX.55 55 Cf. Bardi in Michiles (1993).

O Sesc Fábrica Pompeia tem o envolvimento direto de Lina Bo Bardi na definição do programa e das ações culturais empreendidas. A arquiteta56 56 Cf. Bardi in Sesc (2013). entende que é importante não enfatizar que há um espaço “velho” e um “novo”. Tudo é novo, tudo é presente. “É hoje.” O relevante “é compreender que a vida é uma continuidade”. “É a vida daqueles homens que viveram aqui e continua [...] A atividade de trabalho foi interrompida, mas na verdade não foi interrompida porque mesmo numa ruína a vida invade o espaço produzido pelos homens”.

[...] ninguém transformou nada. Encontramos uma fábrica com uma estrutura belíssima, arquitetonicamente importante, original, ninguém mexeu. Nós colocamos apenas algumas coisinhas: um pouco de água, uma lareira. Quanto menos cacareco melhor. Fizemos também um esforço para dignificar a posição humana. Esse é o dado mais importante.

Lina Bo Bardi57 57 Cf. Sesc (2013).

Voltemos ao programa. A arquiteta diz: “Vejo a cultura como convívio”. A arquitetura, portanto, é apenas um meio para alcançar certos resultados coletivos. A presença permanente na obra, conduzindo as equipes de trabalho, permitiu testar possibilidades, expressas na forma despojada do usuário se apropriar dos espaços. Ao mesmo tempo, Lina Bo Bardi cria um contraponto em relação à ausência do arquiteto na obra e se dedica a um contato mais próximo com os operários, fazendo encomendas específicas, descobrindo seus dons (depoimento de Marcelo Suzuki).58 58 Depoimento de Marcelo Suzuki à autora e a Ana Carolina Romão, durante a pesquisa de iniciação científica “Restauração arquitetônica e o papel de Lina Bo Bardi: o caso do SESC Fábrica Pompeia”, 2016.

Quanto aos edifícios novos em concreto armado, que constituem o bloco esportivo, sua linguagem é decididamente contemporânea. Porém, mesmo em meio às quadras e piscinas, Lina Bo Bardi insere os “buracos” ameboides que suscitam perguntas e curiosidade e instigam memórias. Segundo depoimento de André Vainer:59 59 Cf. Michiles (1993).

Esses buracos representam um pouco a vida também, nessas paredes de concreto imensas, que são absolutamente regulares, quadradas [...] mas basicamente eu acho que os buracos são uma imagem que Lina tinha, das aberturas das cavernas [...] você enquadra uma paisagem de uma maneira irregular.

No início da década de 1980, já com mais de 70 anos, Lina Bo Bardi volta à Bahia, convidada a conduzir o plano de requalificação da área central de Salvador. Entre os projetos que ela realiza está o da Ladeira da Misericórdia, de 1987.

O projeto da Ladeira da Misericórdia e sua posterior execução estão inseridos num contexto internacional e nacional de transformação das políticas públicas para preservação do patrimônio cultural. Havia emergido, na década de 1960, como tema privilegiado a sustentabilidade econômica das intervenções sobre o patrimônio cultural pensadas no âmbito do planejamento regional. O turismo, compreendido como atividade produtiva, passa a ser o elemento indutor que justifica socialmente as ações, cada vez mais amplas, que envolvem centros históricos e potencializam a estrutura produtiva após as recuperações de áreas degradadas.

Figura 12
Bloco esportivo. Sesc Fábrica Pompeia, São Paulo, SP, 2016. Acervo pessoal.

Figura 13
Ladeira da Misericórdia. Projeto Lina Bo Bardi, Marcelo Ferraz e Marcelo Suzuki, com a participação de Lelé, 1987-9. Antes e depois das intervenções. Montagem da autora. Foto superior, trecho da panorâmica tirada pelo fotógrafo Camilo Vedami, cerca de 1860.Fonte: Guia Geográfico da Cidade do Salvador. Foto inferior, fotógrafo Nelson Kon.

Nesse projeto colaboram com Lina Bo Bardi os arquitetos Marcelo Suzuki e Marcelo Ferraz, e participa João Filgueiras Lima (Lelé), como especialista em estruturas em argamassa armada e pré-fabricação. O “novo” na Ladeira da Misericórdia está presente na estrutura, na forma de empenas em argamassa armada com uma expressividade simples e elementar, mas marcante.

A arquiteta recupera o conceito de “espírito de construir”. Lelé é o cientista, é o profissional que auxiliará Lina Bo Bardi a realizar a síntese de arte e técnica. Citando Le Corbusier e Nervi, ela dizia, 30 anos antes:

Le Corbusier observa que o arquiteto deve se apoiar na colaboração do cientista, para seu próprio esclarecimento e como para se salvar, quando não consiga, ele próprio, chegar à solução necessária. Este ponto de vista é adotado também por Nervi, que, numa definição do que seja “construir” [...] alude justamente às “teorias científicas” como a sugerir que o construtor deve conhecer os fatos de que a ciência se ocupa.60 60 Bardi (1957, p. 22).

Superando as dificuldades técnicas, a preocupação era o estado de destruição das edificações, que faziam parecer que o centro histórico tivesse sido bombardeado, lembrando as cidades europeias após a guerra, como recorda em depoimento o antropólogo Roberto Pinheiro.61 61 Cf. Michiles (1993). Na avaliação da arquiteta era necessário:

[...] encontrar um instrumento, uma metodologia de trabalho, uma forma de intervir que fosse ao mesmo tempo de baixo custo, de alta resistência e que não procurasse macaquear o restauro. E foi na tecnologia da argamassa armada ou do ferro cimento, como ela chamava, que estava sendo desenvolvida naquele momento pelo Lelé, pelo João Filgueiras Lima. Ela vislumbrou naquela tecnologia a possibilidade de dar uma unidade a esse restauro.

A experiência de Lina Bo Bardi torna clara uma situação muito complexa, permitindo-lhe intervir com consciência. Está segura no emprego da metodologia de restauro e das novas estruturas que serão inseridas. As placas em argamassa armada, que funcionarão como contrafortes de uma catedral medieval, são o elemento contemporâneo, estruturalmente decisivo, utilizado em estado bruto e que possibilita a permanência dos edifícios antigos.

O que estamos procurando na recuperação do Centro Histórico da Bahia é justamente um marco moderno, respeitando rigorosamente os princípios da restauração histórica tradicional. Para isso, pensamos num sistema de recuperação que deixe perfeitamente intacto o aspecto não somente exterior, mas também o espírito, a alma interna de cada edifício.

Será um sistema de pré-moldados, perfeitamente distinto da parte histórica, que será denunciado pela sua estrutura e seu tempo atual. Não vamos mexer em nada, mas vamos mexer em tudo.62 62 Revista do Phan (1994, p. 127-129).

Os contrafortes são, como a cultura popular e o primitivismo, “a fonte pura de um novo começo”. A “cabana primitiva” e a experiência da guerra são retomadas nesse projeto, cuja exigência principal é a recuperação de casarões do século XVIII para oferecer habitações de interesse social, que abrigarão a população já residente. Lina Bo Bardi descreve o momento em que os edifícios deixam de ser “monumentos” para readquirirem novamente “humanidade”, transformando-se novamente em singelos abrigos.

Foi [...] quando esperávamos naqueles momentos de pesadelos, que as casas começassem a ruir que nos apercebemos que elas eram “humanas”, que eram o “espelho” do homem [...] compreendemos que a casa deve ser para a “vida” do homem, deve servir, deve consolar; e não mostrar, numa exibição teatral, as vaidades inúteis do espírito humano.63 63 Bardi (1947) apud Rubino; Grinover (2009, p. 65-6).

Marcelo Suzuki esclarece que a nova tecnologia da argamassa armada deveria ser utilizada em espaços vazios ou em locais em que as ruínas não pudessem mais ser restauradas. A argamassa armada poderia ser empregada para a estabilização do conjunto existente ou para a construção de novas edificações como o Restaurante do Coaty. Suzuki complementa:64 64 Cf. Suzuki in Michiles (1993).

Lina sempre disse que a premissa maior da restauração daquele centro histórico não era a qualidade daquela ambientação arquitetônica, não era aquele conjunto de casario que era absolutamente variado, você tem coisa do século XVIII, XIX e XX convivendo mesclados, o que importava naquilo era a paisagem humana e social.

Voltamos assim ao início, às crenças e convicções de seus primeiros anos de trabalho. Lina Bo Bardi certamente mudou, mas há permanências significativas. A citação do livro Geoffrey Scott, Architecture of Humanism, na tese de 1957, que prega um humanismo, “talvez ‘frio’, talvez ‘científico’, mas certamente consciente de sua própria ‘humanidade’” ainda é pertinente.

O novo humanismo tende à fusão, numa visão técnica do mundo, dos problemas culturais. Tende sobretudo a um processo de simplificação. Simplificação necessária ao enquadramento não somente da técnica [...] mas de inteira vida humana.65 65 Técnica e arte (publicado originalmente no Diário de Notícias de Salvador, em 23-24/out./1960. Bardi (1957, p. 16).

Marcelo Ferraz66 66 Cf. Ferraz in Michiles (1993). destaca que a contribuição “mais significativa de Lina é a introdução do olho antropológico no fazer arquitetônico. Esse olho que vai e vê lá no fundo como é que as pessoas vivem, como elas se organizam, como elas se comportam”. Essa capacidade é inata, mas precisa ser estimulada. Para Ferraz foi “esse respeito aliado a uma poesia enorme, a uma poética enorme”, que fez com que a obra de Lina Bo Bardi extrapolasse as fronteiras do Brasil e alçasse voo.

A aproximação com a obra de Lina reforça a convicção de que as pesquisas acerca das relações entre arquitetura e preservação constituem um terreno fecundo, um campo em desenvolvimento, mas ainda em aberto. As relações entre o antigo e o novo, a articulação entre passado, presente e futuro precisam ainda ser ampliadas e exploradas, em busca de um novo humanismo e de novos compromissos profissionais, pois:

[...] a arquitetura, como todas as coisas, é mutável e por se tratar de uma arte entre as nobres produções do homem, as gerações vão se acostumando a amá-la assim como o tempo a transforma.67 67 Bardi (1957, p. 26-7).

FONTES DATILOGRAFADAS

  • BARDI, Lina Bo. Critério proposto para a restauração do “Solar do Unhão”. Arquivo da 7a SR IPHAN, Salvador, 1962.
  • FILHO, Godofredo. Ofício nº 50, 29 mar. 1963, encaminhado a Rodrigo Melo Franco de Andrade. Arquivo da 7ª SR IPHAN, Salvador.
  • SOEIRO, Renato. Informação n. 206. 17 ago. 1962, encaminhada a Godofredo Filho. Arquivo da 7a SR IPHAN, Salvador.

LIVROS, ARTIGOS E TESES

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  • AZEVEDO, Paulo Ormindo David. A Restauração arquitetônica entre o passado e o presente. Rua - Revista de Arquitetura e Urbanismo (UFBA). Salvador, n. 8, 2003.
  • AZEVEDO, Paulo Ormindo David. Patrimônio cultural e natural como fator de desenvolvimento: a revolução silenciosa de Renato Soeiro, 1967-1979. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, n. 35, 2017.
  • BARDI, Lina Bo. Contribuição propedêutica ao ensino da Teoria da Arquitetura. São Paulo: s/e., 1957.
  • BARDI, Lina Bo. Ladeira da Misericórdia. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Rio de Janeiro, n. 23, 1994.
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  • BIERRENBACH, Ana Carolina de Souza. Lina Bo Bardi: tempo, história e restauro. Revista CPC. São Paulo, n. 3, p. 6-32, nov. 2006/abr. 2007.
  • BONELLI, Renato. Architettura e restauro. Veneza: Neri Pozza, 1959.
  • BRUAND, Yves. A Arquitetura Contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1981.
  • CAMPELLO, Maria de Fátima de Mello Barreto. Lina Bo Bardi: as moradas da alma. Dissertação (Mestrado) - Escola de Engenharia de São Carlos - Universidade de São Paulo. São Carlos, 1997.
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  • OLIVEIRA, Olivia de. Repasses. A depredação material e espiritual da obra de Lina Bo Bardi. Arquitextos, São Paulo, ano 6, n. 068.01, Vitruvius, jan. 2006.
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  • OLIVEIRA, Rogério de Castro. A Teoria Perdida: indagações de uma arquiteta modernista que queria ensinar. 8º Seminário DOCOMOMO Brasil [internet]. Rio de Janeiro, 2009. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2DqzPwG >. Acesso em: 15 ago. 2016.
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  • PESSÔA, José. Entre o singelo monumentalizado e o simbólico. Reflexões sobre o patrimônio cultural brasileiro. Arquitextos, São Paulo, ano 17, n. 195.05, Vitruvius, ago. 2016.
  • PEREIRA, Juliano. Lina Bo Bardi. Bahia, 1958-1964. Uberlândia: EDUFU, 2007.
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  • ROSSETTI, Eduardo Pierrotti. Tensão moderno/popular em Lina Bo Bardi: nexos de arquitetura. Dissertação (Mestrado) - PPG-AU/FAUFBA. Salvador, 2002.
  • RUBINO, Silvana; GRINOVER, Marina (orgs.). Lina Por Escrito. Textos Escolhidos De Lina Bo Bardi. São Paulo: Cosac Naify, 2009.
  • SANT’ANNA, Márcia. Da cidade-monumento à cidade-documento. A Trajetória da Norma de Preservação de Áreas Urbanas no Brasil (1937-1990). 1995. Dissertação (Mestrado) -FAU-UFBA. Salvador, 1995.
  • SERT, José Luis. Can our cities survive? Londres: Oxford, 1944.
  • TENTORI, Francesco. P.M. Bardi: com as crônicas artísticas do “L’Ambrosiano”, 1930-1933. São Paulo: ILBPMB; Imprensa Oficial, 2000.

VIDEODOCUMENTÁRIO

  • MICHILES, Aurélio (dir.). Lina Bo Bardi. Videodocumentário. Brasil, 50min, 1993. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/34A9KXI >. Acesso em 6 abr. 2018.
    » https://bit.ly/34A9KXI
  • SESC Pompeia. Sesc Pompeia 30 anos. Instrumental Sesc Brasil. Publicado em 25 de abr. de 2013.
  • 2
    Bechara (2017BECHARA, Renata Carneiro. A atuação de Lina Bo Bardi na criação do SESC Pompeia (1977-1986). 2017. 198 p. Dissertação (Mestrado) - Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP. São Carlos, 2017., p. 13).
  • 3
    Termo utilizado por Salvo in Criconia (2017CRICONIA, Alessandra. Lina Bo Bardi, un’architettura tra Italia e Brasile. Milão: Franco Angeli, 2017., p. 301).
  • 4
    Azevedo (2003AZEVEDO, Paulo Ormindo David. A Restauração arquitetônica entre o passado e o presente. Rua - Revista de Arquitetura e Urbanismo (UFBA). Salvador, n. 8, 2003., p. 22).
  • 5
    Sobre o tema cf. Farah(2012).
  • 6
    Informação não diretamente ligada a nosso estudo, mas que mostra o novo perfil dos profissionais brasileiros: cerca de 60% dos arquitetos têm menos de 40 anos e 62,6% são mulheres. Esses dados precisam ser considerados na definição de políticas para a área.
  • 7
    Embora a legislação estadual preveja o tombamento ex officio das obras protegidas pelo Iphan no Estado de São Paulo, o Sesc Fábrica Pompeia não consta da base de dados disponível pelo Condephaat no site do órgão.
  • 8
    O parecer do Iphan, elaborado pelo conselheiro Carlos Eduardo Comas, explicita o valor atribuído pelo projeto de Lina Bo Bardi e recomenda seu tombamento no Livro de Belas Artes.
  • 9
    Pesquisa de pós-doutorado realizada no Instituto de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade de São Paulo, sob supervisão do Prof. Titular Renato L. S. Anelli, no período de 2016 a 2019.
  • 10
    Anelli (2010ANELLI, Renato. Ponderações sobre os relatos da trajetória de Lina Bo Bardi na Itália. Revista Pós. São Paulo, v. 17, n. 27, p. 89, junho 2010., p. 89).
  • 11
    A respeito da trajetória profissional da arquiteta cf. Oliveira (2006OLIVEIRA, Olivia de. Lina Bo Bardi. Sutis Substâncias. São Paulo: Romano Guerra; Barcelona: Gustavo Gili, 2006.), Lima (2014LIMA, Zeuler. Valores à mostra: o legado de Lina Bo Bardi. Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (RISCO) (IAU USP). São Carlos, n. 20, p. 87-90, 2014.) e Ferraz (1993FERRAZ, Marcelo Carvalho (org.). Lina Bo Bardi. São Paulo: Instituto Bardi/Casa de Vidro; Romano Guerra, 2013.).
  • 12
    Sobre o tema cf. Campello (1997CAMPELLO, Maria de Fátima de Mello Barreto. Lina Bo Bardi: as moradas da alma. Dissertação (Mestrado) - Escola de Engenharia de São Carlos - Universidade de São Paulo. São Carlos, 1997.), Bierrenbach (2001; 2007BIERRENBACH, Ana Carolina de Souza. Lina Bo Bardi: tempo, história e restauro. Revista CPC. São Paulo, n. 3, p. 6-32, nov. 2006/abr. 2007.), Oliveira (2006OLIVEIRA, Olivia de. Repasses. A depredação material e espiritual da obra de Lina Bo Bardi. Arquitextos, São Paulo, ano 6, n. 068.01, Vitruvius, jan. 2006.), Salvo (2017), entre outros autores como Rossetti, Grinover, Rubino, Suzuki.
  • 13
    Oliveira (2008OLIVEIRA, Raissa Pereira Cintra de. Permanência e inovação: o antigo e o novo nos projetos urbanos de Lina Bo Bardi. 2008. Dissertação (Mestrado) - FAU-USP. São Paulo, 2008., p. 32).
  • 14
    Original: “L’Antico non deve servir di norma, esso deve essere un’energia vitale della civiltà moderna”. In: Bardi (1957BARDI, Lina Bo. Contribuição propedêutica ao ensino da Teoria da Arquitetura. São Paulo: s/e., 1957., p. 16).
  • 15
    Segundo Kogan (2014KOGAN, Gabriel. Lina Bo Bardi: do frustrante concurso para docente na FAUUSP ao recente interesse da academia por sua obra. AU Educação [internet]. São Paulo, Pini, n. 249, dez. 2014. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2OAYq8x >. Acesso em: 18 dez. 2016.
    https://bit.ly/2OAYq8x...
    , on-line), o concurso foi adiado várias vezes porque a faculdade exigia o “diploma de graduação em Roma, destruído durante a Segunda Guerra, provavelmente em 1943 [...] A burocracia uspiana se valeu disso para empurrar sua tentativa de ingresso como professora formal (e com poderes)”.
  • 16
    Kogan (2014KOGAN, Gabriel. Lina Bo Bardi: do frustrante concurso para docente na FAUUSP ao recente interesse da academia por sua obra. AU Educação [internet]. São Paulo, Pini, n. 249, dez. 2014. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2OAYq8x >. Acesso em: 18 dez. 2016.
    https://bit.ly/2OAYq8x...
    , on-line).
  • 17
    Bardi (1957BARDI, Lina Bo. Contribuição propedêutica ao ensino da Teoria da Arquitetura. São Paulo: s/e., 1957., p. 70).
  • 18
    Ibid., 1957, p. 25.
  • 19
    Ibid., 1957, p. 23-5.
  • 20
    Ibid., 1957, p. 27.
  • 21
    Lina cita o livro de Cesare Ripa. Alegoria da teoria, da prática e do desenho. Na tradução literal “uma coisa de tesoura e cola”. A arquiteta se refere à história dos fatos, datas e personagens, ou seja, utiliza uma imagem que descreve a história na qual se destacam, recortam-se momentos simbólicos, e não a história compreendida como continuidade.
  • 22
    Bardi (1957BARDI, Lina Bo. Contribuição propedêutica ao ensino da Teoria da Arquitetura. São Paulo: s/e., 1957., p. 5-6).
  • 23
    Taddeus Zielinsky (1903) apud Bardi (1957BARDI, Lina Bo. Contribuição propedêutica ao ensino da Teoria da Arquitetura. São Paulo: s/e., 1957., p. 16).
  • 24
    Cf. Tentori (2000TENTORI, Francesco. P.M. Bardi: com as crônicas artísticas do “L’Ambrosiano”, 1930-1933. São Paulo: ILBPMB; Imprensa Oficial, 2000.).
  • 25
    Campello (1997CAMPELLO, Maria de Fátima de Mello Barreto. Lina Bo Bardi: as moradas da alma. Dissertação (Mestrado) - Escola de Engenharia de São Carlos - Universidade de São Paulo. São Carlos, 1997., p. 53).
  • 26
    Bardi (1957BARDI, Lina Bo. Contribuição propedêutica ao ensino da Teoria da Arquitetura. São Paulo: s/e., 1957., p. 27).
  • 27
    Cf. Bardi (1962BARDI, Lina Bo. Critério proposto para a restauração do “Solar do Unhão”. Arquivo da 7a SR IPHAN, Salvador, 1962.).
  • 28
    Cf. Bardi (1962BARDI, Lina Bo. Critério proposto para a restauração do “Solar do Unhão”. Arquivo da 7a SR IPHAN, Salvador, 1962.).
  • 29
    A sigla Sphan designa, em 1936, o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, órgão nacional de preservação do patrimônio cultural brasileiro. Nas décadas seguintes, a instituição recebe diferentes nomes: 1946-70/ Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Dphan); 1970-9/ Instituto do Patrimônio e Histórico e Artístico Nacional (Iphan); 1979-90 / Sphan novamente - Secretaria (1979-81), Subsecretaria (1981-5), Secretaria (1985-90); 1990-4/ no governo Collor cria-se o Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural (IBPC); 1994-hoje/ Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
  • 30
    Sant’Anna (2010SANT’ANNA, Márcia. Da cidade-monumento à cidade-documento. A Trajetória da Norma de Preservação de Áreas Urbanas no Brasil (1937-1990). 1995. Dissertação (Mestrado) -FAU-UFBA. Salvador, 1995., p. 144).
  • 31
    Cunha (2010CUNHA, Claudia dos Reis e. Restauração: diálogos entre teoria e prática no Brasil nas experiências do IPHAN. 2010. Tese (Doutorado) - FAU USP. São Paulo, 2010., p. 84).
  • 32
    Sobre a restauração no Brasil, cf. Pessôa (2016PESSÔA, José. Entre o singelo monumentalizado e o simbólico. Reflexões sobre o patrimônio cultural brasileiro. Arquitextos, São Paulo, ano 17, n. 195.05, Vitruvius, ago. 2016.), Cerávolo (2013CERÁVOLO, Ana Lúcia. Interpretações do patrimônio: Arquitetura e urbanismo moderno na constituição de uma cultura de intervenção no Brasil, 1930-1960. São Carlos: EDUFSCar, 2013.) e Gonçalves (2008GONÇALVES, Cristiane Souza. Restauração arquitetônica: a experiência do Sphan em São Paulo, 1937-1975. São Paulo: Annablume/Fapesp, 2007.).
  • 33
    Pessôa (2016PESSÔA, José. Entre o singelo monumentalizado e o simbólico. Reflexões sobre o patrimônio cultural brasileiro. Arquitextos, São Paulo, ano 17, n. 195.05, Vitruvius, ago. 2016., on-line).
  • 34
    O tema das duas cartas e o debate sobre o Grande Hotel de Ouro Preto foi analisado de forma sistemática em Cerávolo (2013CERÁVOLO, Ana Lúcia. Arquitetura, restauração e a poética brutalista [internet]. Curitiba: X Docomomo Brasil, 2013. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/33ykncc >. Acesso em: 20 ago. 2016.
    https://bit.ly/33ykncc...
    , capítulo 4: O Grande Hotel de Ouro Preto: Tensão Entre as Duas Carta de Atenas, 1940).
  • 35
    Soeiro (1962SOEIRO, Renato. Informação n. 206. 17 ago. 1962, encaminhada a Godofredo Filho. Arquivo da 7a SR IPHAN, Salvador.).
  • 36
    Salvo (2017, p. 301).
  • 37
    Salvo (2017, p. 302).
  • 38
    O acervo de Lina Bo e Pietro Maria Bardi está sob guarda do Instituto Bardi / Casa de Vidro e reúne memoriais, fotografias, cartas e livros, além da biblioteca do casal.
  • 39
    Sobre o arquiteto cf. Carbonara, Ricetti. Disponível em: <https://bit.ly/37LPkgt>.
  • 40
    Sobre o Solar do Unhão, cf. Pereira (2007PEREIRA, Juliano. Lina Bo Bardi. Bahia, 1958-1964. Uberlândia: EDUFU, 2007.) e Cerávolo (2013CERÁVOLO, Ana Lúcia. Arquitetura, restauração e a poética brutalista [internet]. Curitiba: X Docomomo Brasil, 2013. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/33ykncc >. Acesso em: 20 ago. 2016.
    https://bit.ly/33ykncc...
    ).
  • 41
    Bonelli (1959BONELLI, Renato. Architettura e restauro. Veneza: Neri Pozza, 1959., orelha).
  • 42
    “Considerato tutto questo, il restauro non ha alcuna possibilità, almeno per ora, di trovar le proprie basi teoretiche fuori della concezione spiritualista della distinzione; e anzi, allo scopo di adeguare pienamente i suoi criterio e procedimenti ai principi ed alla stessa coerenza interna del sistema, e nell’intento di effettuare una apertura culturale la più ampia possibile, esso deve completare il superamento del filologismo”. Ibid., 1959, p. 19-20.
  • 43
    Ibid., 1959, p. 32.
  • 44
    Ibid., 1959, p. 37-38.
  • 45
    Cf. Bardi in Michiles (1993MICHILES, Aurélio (dir.). Lina Bo Bardi. Videodocumentário. Brasil, 50min, 1993. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/34A9KXI >. Acesso em 6 abr. 2018.
    https://bit.ly/34A9KXI...
    ).
  • 46
    Cf. Oliveira (2009OLIVEIRA, Rogério de Castro. A Teoria Perdida: indagações de uma arquiteta modernista que queria ensinar. 8º Seminário DOCOMOMO Brasil [internet]. Rio de Janeiro, 2009. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2DqzPwG >. Acesso em: 15 ago. 2016.
    https://bit.ly/2DqzPwG...
    ).
  • 47
    Cf. Bardi (1962BARDI, Lina Bo. Critério proposto para a restauração do “Solar do Unhão”. Arquivo da 7a SR IPHAN, Salvador, 1962.).
  • 48
    Cf. Filho (1963FILHO, Godofredo. Ofício nº 50, 29 mar. 1963, encaminhado a Rodrigo Melo Franco de Andrade. Arquivo da 7ª SR IPHAN, Salvador.).
  • 49
    Cf. Bardi (1962BARDI, Lina Bo. Critério proposto para a restauração do “Solar do Unhão”. Arquivo da 7a SR IPHAN, Salvador, 1962.).
  • 50
    Cunha (2010CUNHA, Claudia dos Reis e. Restauração: diálogos entre teoria e prática no Brasil nas experiências do IPHAN. 2010. Tese (Doutorado) - FAU USP. São Paulo, 2010., p. 90-92).
  • 51
    Ibid., p. 91.
  • 52
    Bechara (2017BECHARA, Renata Carneiro. A atuação de Lina Bo Bardi na criação do SESC Pompeia (1977-1986). 2017. 198 p. Dissertação (Mestrado) - Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP. São Carlos, 2017., p. 60).
  • 53
    Ibid., 2017, p. 41.
  • 54
    Cf. Michiles (1993MICHILES, Aurélio (dir.). Lina Bo Bardi. Videodocumentário. Brasil, 50min, 1993. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/34A9KXI >. Acesso em 6 abr. 2018.
    https://bit.ly/34A9KXI...
    ).
  • 55
    Cf. Bardi in Michiles (1993MICHILES, Aurélio (dir.). Lina Bo Bardi. Videodocumentário. Brasil, 50min, 1993. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/34A9KXI >. Acesso em 6 abr. 2018.
    https://bit.ly/34A9KXI...
    ).
  • 56
    Cf. Bardi in Sesc (2013SESC Pompeia. Sesc Pompeia 30 anos. Instrumental Sesc Brasil. Publicado em 25 de abr. de 2013.).
  • 57
    Cf. Sesc (2013SESC Pompeia. Sesc Pompeia 30 anos. Instrumental Sesc Brasil. Publicado em 25 de abr. de 2013.).
  • 58
    Depoimento de Marcelo Suzuki à autora e a Ana Carolina Romão, durante a pesquisa de iniciação científica “Restauração arquitetônica e o papel de Lina Bo Bardi: o caso do SESC Fábrica Pompeia”, 2016.
  • 59
    Cf. Michiles (1993MICHILES, Aurélio (dir.). Lina Bo Bardi. Videodocumentário. Brasil, 50min, 1993. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/34A9KXI >. Acesso em 6 abr. 2018.
    https://bit.ly/34A9KXI...
    ).
  • 60
    Bardi (1957BARDI, Lina Bo. Contribuição propedêutica ao ensino da Teoria da Arquitetura. São Paulo: s/e., 1957., p. 22).
  • 61
    Cf. Michiles (1993MICHILES, Aurélio (dir.). Lina Bo Bardi. Videodocumentário. Brasil, 50min, 1993. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/34A9KXI >. Acesso em 6 abr. 2018.
    https://bit.ly/34A9KXI...
    ).
  • 62
    Revista do Phan (1994, p. 127-129).
  • 63
    Bardi (1947) apud Rubino; Grinover (2009RUBINO, Silvana; GRINOVER, Marina (orgs.). Lina Por Escrito. Textos Escolhidos De Lina Bo Bardi. São Paulo: Cosac Naify, 2009. , p. 65-6).
  • 64
    Cf. Suzuki in Michiles (1993MICHILES, Aurélio (dir.). Lina Bo Bardi. Videodocumentário. Brasil, 50min, 1993. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/34A9KXI >. Acesso em 6 abr. 2018.
    https://bit.ly/34A9KXI...
    ).
  • 65
    Técnica e arte (publicado originalmente no Diário de Notícias de Salvador, em 23-24/out./1960. Bardi (1957BARDI, Lina Bo. Contribuição propedêutica ao ensino da Teoria da Arquitetura. São Paulo: s/e., 1957., p. 16).
  • 66
    Cf. Ferraz in Michiles (1993MICHILES, Aurélio (dir.). Lina Bo Bardi. Videodocumentário. Brasil, 50min, 1993. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/34A9KXI >. Acesso em 6 abr. 2018.
    https://bit.ly/34A9KXI...
    ).
  • 67
    Bardi (1957BARDI, Lina Bo. Contribuição propedêutica ao ensino da Teoria da Arquitetura. São Paulo: s/e., 1957., p. 26-7).
  • 68
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Ago 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    31 Mar 2019
  • Aceito
    25 Set 2019
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