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Le musée français: guerras napoleônicas, coleções artísticas e o longínquo destino de um livro

Resumos

O artigo trata de Le musée français, livro que fez parte da coleção da biblioteca da Academia Imperial das Belas Artes, no RiodeJaneiro. Como catálogo do Museu Napoleão, é testemunho do processo de reordenamento, resultante das guerras napoleônicas, do universo das artes na Europa e do projeto de fazer de Paris a legítima herdeira de Atenas e Roma, como centro de uma nova idéia de república das artes. Processo esse que foi objeto de disputa, em que se destacaram Quatremère de Quincy eJoachim Lebreton, e foi uma das causas do exílio do grupo de artistas que esteve na origem da formação do ambiente acadêmico no Rio de Janeiro.

Quatremère de Quincy; Lebreton; Coleções artísticas; Guerras napoleônicas; Museus


This paper is about Le Musée Français [The French Museum], a book found in the collection of the library of the Imperial Academy of Fine Arts in Rio de Janeiro. As a catalog of the Napoleon Museum, it bears witness to the reorganization of the arts in Europe as a result of the Napoleonic wars and the project of making Paris a true successor to Athens and Rome, as the center of a new republic of the arts. This process was the object of a dispute where Quatremère de Quincy and Joachim Lebreton played an important role. It was also one of the causes leading to the exile of a group of artists who then helped to lay the foundations for an academic environment in Rio de Janeiro.

Quatremère de Quincy; Lebreton; Art collections; Napoleonic wars; Museums


MUSEUS

Le musée français: guerras napoleônicas, coleções artísticas e o longínquo destino de um livro

Guilherme Simões Gomes Júnior1 1 Docente do Departamento de Antropologia e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. E-mail: < gomesjr@uol.com.br>.

RESUMO

O artigo trata de Le musée français, livro que fez parte da coleção da biblioteca da Academia Imperial das Belas Artes, no RiodeJaneiro. Como catálogo do Museu Napoleão, é testemunho do processo de reordenamento, resultante das guerras napoleônicas, do universo das artes na Europa e do projeto de fazer de Paris a legítima herdeira de Atenas e Roma, como centro de uma nova idéia de república das artes. Processo esse que foi objeto de disputa, em que se destacaram Quatremère de Quincy eJoachim Lebreton, e foi uma das causas do exílio do grupo de artistas que esteve na origem da formação do ambiente acadêmico no Rio de Janeiro.

Palavras-chave: Quatremère de Quincy. Lebreton. Coleções artísticas. Guerras napoleônicas. Museus.

ABSTRACT

This paper is about Le Musée Français [The French Museum], a book found in the collection of the library of the Imperial Academy of Fine Arts in Rio de Janeiro. As a catalog of the Napoleon Museum, it bears witness to the reorganization of the arts in Europe as a result of the Napoleonic wars and the project of making Paris a true successor to Athens and Rome, as the center of a new republic of the arts. This process was the object of a dispute where Quatremère de Quincy and Joachim Lebreton played an important role. It was also one of the causes leading to the exile of a group of artists who then helped to lay the foundations for an academic environment in Rio de Janeiro.

Keywords: Quatremère de Quincy. Lebreton. Art collections. Napoleonic wars. Museums.

O Livro (1)

Os monumentos mais distantes se aproximam por meio da gravura. A técnica de imprimir é uma arte capaz enfim de fazer do universo uma grande pátria, em que o zelo dos tradutores torna os homens concidadãos.

Quatremère de Quincy

O primeiro título que consta no catálogo da Biblioteca da Academia Imperial das Belas Artes, organizado por Félix-Émile Taunay em meados do século XIX, é Le musée français, recebido de D. João VI2 2 CATÁLOGO da Biblioteca com indicação das obras raras ou valiosas. Rio de Janeiro: Universidade do Brasil-Escola Nacional de Belas-Artes, 1957. Esse documento é a transcrição feita por Alfredo Galvão de um "velho catálogo sem data e manuscrito, cujas folhas estão rubricadas por Félix-Émile Taunay". Ao lado de boa parte dos títulos, há a referência aos doadores das obras. Presume-se que Taunay tenha elaborado o catálogo por volta de 1850. por doação. A referência ao doador é indicação de que esta deve ter sido uma das primeiras obras da biblioteca, que ingressou em seu acervo antes mesmo da inauguração do edifício onde, depois de sua abertura em 1826, a Academia funcionou.

Essa obra era acessível no Rio de Janeiro por volta de 1817, época em que Durand e Dumont, comerciantes franceses de edições e materiais artísticos, anunciavam na Gazeta do Rio de Janeiro que Le musée français podia ser adquirido em sua loja na rua do Ouvidor, com o esclarecimento de que se tratava de obra em cinco volumes em fólio "que compreende uma coleção completa de quadros, estátuas, e baixos relevos, que compõem a coleção nacional, com explicação dos objetos, e discursos históricos sobre a pintura, escultura e gravura".

No exemplar que pode ser consultado na Biblioteca Nacional de Paris, Le musée français é livro em quatro volumes, em grande formato, com discursos históricos e textos explicativos assinados, nos dois primeiros, por Croze-Magnan, e, nos dois últimos, por Visconti e Émeric-David, editados por Robiard-Peronville et Laurent em 1803, 1805, 1807 e 1809.

O fato de ser encontrado no Rio de Janeiro poucos anos depois da publicação excedia às próprias intenções dos editores, explicitadas logo na dedicatória - "À Bonaparte" - que abre o primeiro volume:

Cidadão Primeiro Cônsul, no curso de vossas vitórias haveis conquistado as principais obras-primas das belas-artes, e a França se enriqueceu com isso. A coleção de gravuras que pode torná-las conhecidas em toda a Europa é uma homenagem que vos é devida.

Explicação que esclarece de imediato a finalidade da publicação e oferece uma pista para reconstituir-se a história dessa magnífica coleção de gravuras. O livro parece ser uma satisfação à Europa - e ao mundo dela caudatário - das pilhagens realizadas pelos vitoriosos exércitos do Primeiro Cônsul em sua irresistível marcha por todo o continente. Por assim dizer, o ato fundador de uma nova era que se abria com o século.

Curiosamente, D. João VI, o doador da obra, encontrava-se no Rio de Janeiro em razão de seqüência daquela irresistível marcha, ludibriada, no remoto Portugal, por um golpe de mestre dos estadistas, que conseguiram convencer o rei de que era melhor refugiar-se na América a passar pelas terríveis humilhações que um bom número de monarcas europeus teve de suportar.

Na época da doação, a roda da fortuna havia dado uma volta inteira e, em outro livro da mesma biblioteca, o interessantíssimo Portraits de tous les souverains de l'Europe et des hommes illustres modernes (1817), de Mme. Meyer, o primeiro soberano retratado é Luís XVIII, e D. João VI ocupa a sétima posição na lista. Bonaparte, já falecido, aparece em 37° lugar, talvez presente na coleção de retratos apenas porque ela deve ter sido planejada e parcialmente executada antes de sua queda. Suponho que Mme. Meyer não tenha querido perder o retrato já realizado e contentou-se em descartar apenas o texto laudatório que, em todos os outros, acompanha a imagem. E, no lugar do texto, deixou uma magra epígrafe escrita por Chateaubriand, que não tinha o corso em boa conta, mas não era avaro em encômios: "Marche ao lado dos Deuses, sua Sabedoria profunda não pode recusar-te nem o Cetro do Mundo nem a Imortalidade"3 3 Esse artigo é versão reduzida de um dos ensaios de minha livre docência em Sociologia da Cultura, defendida na USP em 2003, sob o título Sobre quadros e livros: rotinas acadêmica. Paris - Rio de Janeiro, século XIX. São estudos derivados de pesquisa sobre o ambiente artístico que se desdobrou além do Atlântico e que esteve nabase daAcademia Imperial das BelasArtes no Rio de Janeiro. As principais fontes do conjunto são os livros da biblioteca daAIBA,que se formou pelo trabalho contínuo de Félix-Émile Taunay e Manuel Araújo Porto-Alegre, diretores da instituição. Aqui, as duas figuras centrais são Joachim Lebreton e Quatremère de Quincy, personagens rivais, que ocuparam a "secretaria perpétua" da Classe de Belas Artes do Instituto de França. As principais fontes desse artigo são os escritos que Quatremère e Lebreton produziram no contexto das guerras napoleônicas e da criação do Museu Napoleão. Sobre a história dos museus na Europa e a deriva de coleções artísticas pelo continente, tomo como referência fontes secundárias em que se destacam os trabalhos de Francis Haskell e Édouard Pommier. .

0 Museu em projeto e a guerra

Le musée français é a versão em papel do Museu Napoleão, nome dado a uma grande ala do Louvre, reinaugurada em 1803 sob a direção de Dominique Vivant Denon. Como instituição museológica estável, pode-se dizer que foi aí que tudo começou, apesar de haver uma pré-história, rica em episódios e hesitações, de pelo menos meio século antes dessa reinauguração.

Nas vésperas da Revolução, em 31 de março de 1788, Luís XVI havia escrito a menção "approuvé" no projeto que visava a transformar a grande galeria do Louvre em Museu Real, depois de um longo processo de estudos e consultas realizados pelo conde d'Angiviller, "directeur général des Bâtiments du roi". O conde, que era homem minucioso e prudente, estava perto de viabilizar a antiga reivindicação de letrados e artistas franceses que clamavam para a abertura das coleções reais à visitação pública4 4 Cf. E. Pommier (2001, p. 185). .

O primeiro a explicitar tal desejo foi La Font de Saint-Yenne (1688-1771), em obra crítica de 1747, Réflexions sur quelques causes de l'état présent de la peinture en France, na qual defendia a idéia de que fosse construída no castelo do Louvre uma vasta galeria, bem iluminada, para abrigar as coleções dos grandes mestres da Europa, formadas desde os tempos de Francisco I, que se encontravam ocultas em pequenos e obscuros recintos no castelo de Versailles5 5 Ver La Font de Saint-Yenne (2001,p. 55-59). .

Esse texto de La Font, dedicado fundamentalmente ao exame da produção artística contemporânea exposta no Salão de 1746, é de grande originalidade. Não apenas pela idéia de fazer do Louvre um lugar de exposições permanentes, mas por antever uma série de conseqüências nesse projeto. As idéias de La Font têm um caráter verdadeiramente seminal, pela definição do papel da crítica de arte, pelo conceito de opinião pública que mobiliza, e pelo projeto da Galeria do Louvre.

La Font de Saint-Yenne foi um cortesão no reinado de Luís XV, serviu por oito anos em Versailles na condição de gentilhomme de la reine, mas pode-se dizer que sua atividade crítica é carregada de conteúdo republicano. Chama a atenção o fato de seus escritos terem tido publicação anônima, o que pode ser interpretado pela ótica da prudência, mas também como resultado do desejo de abdicar de qualquer autoridade derivada de posição social ou legitimada por círculo corporativo. A todo tempo, o autor fala em nome de seu próprio gosto e reporta-se, sobretudo, ao público, que muitas vezes é individualizado pelo termo Cidadão. Outra entidade coletiva que mobiliza com freqüência em suas Reflexões é a Nação, categoria que muitas vezes é assimilada ao público. Se a Escola deve ser digna da magnificência dos reis, ela é, no entanto, expressão do gênio, do talento de nossa Nação. Essa é uma operação mental decisiva, pois com ela abre-se um foco de tensão entre a apropriação dinástica dos bens artísticos e o interesse do público, destinatário privilegiado do projeto da grande Galeria no Louvre.

Outro elemento de destaque é a antevisão da dinâmica que o Museu pode provocar na comunidade dos artistas:

A honra da obtenção de lugares nessa Galeria real, ao lado de tantos homens ilustres de todos os países, sobretudo da Itália, cujos Quadros compõem a imensa e erudita coleção dos Gabinetes do Rei, será um grande desafio para os Pintores contemporâneos. [...] Essa preciosa distinção será o coroamento de uma reputação indiscutível, apoiada em grande número de obras excelentes, que tenham sido objeto de aceitação geral e admiração pública6 6 Idem. p. 59. .

Antes mesmo da existência do Museu, La Font previa a disputa dos artistas para terem suas obras em tal recinto. O que remete a uma nova concepção tanto da carreira do artista quanto dos objetivos da obra, cujo esboço teve origem na rotina dos Salões.

As exposições sob o patrocínio da Academia tiveram início em 1673, mas só no século XVIII ganharam regularidade. Em 1725, passaram a acontecer no imponente Salon Carré, do Louvre. Até a Revolução, o Salão era o único espaço aberto indistintamente ao público interessado nas belas-artes. Com periodicidade bianual e duração de um mês, essas exposições atraíram um público crescente, estimado em cerca de 80 mil pessoas em 17877 7 Sobre essas cifras, cf. Bernadette Fort (1999, p. 17). A estimativa do público é baseada no número de catálogos vendidos: 21 940. Em 1787, Paris tinha cerca de 1 130 000 habitantes, incluindo os estrangeiros. .

Por ser a apresentação pública dos trabalhos da Escola, e ponto culminante da disputa por prêmios e reconhecimento, a rotina dos Salões foi o princípio da subversão do destino usual da obra-de-arte, e o museu, o coroamento posterior do processo. O fato de La Font sugerir a criação do museu no âmbito de seu comentário crítico sobre o Salão de 1746 é carregado de significado. Nesse momento, a freqüência dos Salões já havia criado no público o hábito de cotejar uma grande quantidade de obras, de gêneros e estilos diversos, expostas para serem avaliadas por suas qualidades artísticas e retóricas. Ao falar em nome do público, La Font instituiu um pólo concorrente no âmbito do gosto, no qual predominavam os mecenas, os membros da Academia e os artistas que gravitavam em torno dela. No que diz respeito exclusivamente à pintura, os ambientes de livre acesso quase exclusivo para sua apreciação eram os templos, onde estava articulada ao culto. Nesse sentido, os Salões foram grande novidade no século, e o museu, auspiciosa promessa.

A partir de então, firmava-se pouco a pouco na França a idéia de que as obras pertencentes à coroa haviam deixado de cumprir sua verdadeira finalidade, de ir ao encontro do público e dos artistas, ilustrando-os com seus saberes; tinham sido seqüestradas ou aprisionadas nos palácios privados dos Bourbons, o que implicava em dano não só para o público, mas também para Escola francesa, pois os artistas, privados do contato rotineiro com as melhores obras dos antigos e dos modernos, tornavam-se incapazes de elevar a Escola por meio da tão necessária emulação dos grandes mestres.

Nesta época, em Paris, eram poucos os grandes colecionadores que gentilmente abriam as portas de suas galerias particulares para visitantes estrangeiros ou artistas e amadores franceses. Uma das poucas exceções era a coleção dos Orléans, no Palais Royal, que, apesar da riqueza de obras (36 quadros da escola francesa, 147 das escolas do Norte, 295 da escola italiana) e do adequado espaço expositivo (uma galeria com iluminação zenital), não era ainda propriamente um museu público, pois acessível apenas a gente avisada, e dependente da liberalidade, isto é, dos caprichos dos anfitriões.

A solução provisória, em resposta ao clamor por museus, foi dada em 1750, com a exposição, no palácio do Luxemburgo, de cem quadros das coleções reais, em sala aberta à visitação duas vezes por semana. Com o tempo, essa pequena mostra foi acrescida de outras obras, mas não chegou a ser considerada uma solução que suprisse a falta de um museu central. E o caráter provisório da iniciativa ficou patente quando, em 1778, Luís XVI atribuiu o palácio do Luxemburgo ao seu irmão, o conde de Provence. Na condição de residência oficial do conde, a galeria foi então fechada ao público, com a conseqüente retirada das obras. Foi a partir de então que tiveram início as morosas gestões para a criação do museu real no Louvre, realizadas sob os auspícios do conde d'Angivillier8 8 Cf.Pommier (2001, p. 190-193). .

E nesse contexto que se torna inteligível o concurso proposto pela Academia de Arquitetura, em 1779, que teve por tema a edificação de um museu para contemplar as produções das ciências, das artes liberais, e objetos de história natural9 9 Sobre os primeiros passos da idéia arquitetural de museu, cf. Volker Plagemann (1995). . Concurso vencido por dois jovens arquitetos -Jacques-Pierre Gisors e François-Jacques Delannoy -, que foram agraciados com o prêmio de Roma. Eé também nessa época (1783) que Étienne-Louis Boullée deixou esboçado o projeto de um museu para conservar obras-primas de todos os gêneros, antigas e modernas, e também estátuas dos homens célebres que dignificaram a nação francesa, o que conferia ao museu também o caráter de "temple à la Renommée", próprio do Panteão moderno10 10 A idéia de temple à la Renommée estava presente nos projetos executados por Quatremère de Quincy quando foi encarregado, em 1791, de transformar a igreja Sainte-Geneviève no Panthéon revolucionário. Quatremère pretendia que a cúpula do Panthéon fosse coroada com uma estátua da Renommée (uma alegoria) e que houvesse no frontão ainscrição:"Aux grands hommes la Patrie re-connaissante".Cf. Quatremère de Quincy (1816, p. 10). . Estes projetos deram início ao conceito arquitetural de museu, até então inexistente. As diversas coleções reais, ou de importantes casas da nobreza européia, que estiveram na base dos museus modernos, originados no século XVIII, foram todas expostas em antigos palácios adaptados para tais finalidades. E foi este o caso do Louvre, que, a despeito dos projetos de novas construções realizados no âmbito da Academia, acabou sendo escolhido para abrigar o museu francês.

A se tomar como referência o ano de 1788, como marco da transição entre o projeto e a realização prática do museu, percebe-se que a França estava em relativo atraso em relação a outras regiões da Europa onde os museus eram realidade. Ao contrário do que se possa intuir, a explicação deste retardo não derivava da fraqueza da monarquia dos Bourbons. Por seu pesoe por sua secular estabilidade territorial e dinástica, o patrimônio artístico da coroa nunca esteve ameaçado, como foi o caso de cidades, ou dinastias italianas e germânicas. Com isso, o tesouro artístico dos reis franceses pôde ficar bem guardado em seus palácios, em razão da perfeita coincidência entre a dinastia e seu território, que não mais sofrera invasões significativas desde a guerra dos Cem Anos.

Já em outras partes da Europa, seja como resultado de conquistas armadas, de descontinuidades dinásticas, ou de simples falências - como foi o caso dos Gonzaga, de Mântua -, muitas coleções de obras-de-arte foram espoliadas, vendidas ou simplesmente transferidas de um lugar para outro, privando os súditos do benefício de sua presença nos locais onde foram formadas11 11 Francis Haskell tratou destes problemas em dois longos e esclarecedores artigos - Conservation et dispersion du patrimoine artistique italien e La collection de tableaux de Charles ler - publicados em L'Amateur d'Art. Os casos mais notáveis foram: a venda (por Vincenzo II de Mântua, para um comerciante holandês a serviço de Carlos I da Inglaterra) de uma fabulosa coleção de obras primas, em 1627, quando foram transferidas obras de Mantegna,Ticiano,Rafael, Corrégio Júlio Romano...; e a venda da coleção da rainha Cristina da Suécia, depois de seu falecimento em Roma. Esta última tinha sido forma da, em parte, antes de sua mudança para Roma e de sua conversão ao catolicismo, com obras que haviam sido pilhadas em Praga pelos exércitos suecos na guerra dos Trinta Anos. Em seu período romano, Cristina aumentou consideravelmente sua coleção que, posteriormente, foi comprada pelo duque de Orleans. .

Estes movimentos estiveram na origem da definição da idéia de patrimônio artístico, e dos princípios legais que o subordinam. O primeiro que interessa aqui é o princípio dinástico e as conseqüências que dele derivam. O direito sucessorial romano formulou a idéia de fideicomisso, que diz respeito à disposição testamentária pela qual o testador impõe aos herdeiros a obrigação de respeitar a integridade de certos bens herdados, para que continuem sendo transmitidos aos sucessores12 12 Sobre as transformações do conceito de fideicomisso, é essencial o artigo La notion de patrimoine artistique et la formation du musée au XVIIIe siècle (SCHELLER, 1995). . No caso do patrimônio artístico, isso implica em que as obras devem permanecer em poder da dinastia, obrigando-a a controlar, a conservar o conjunto e a impedir a venda ou doação a terceiros. Foi neste contexto que surgiram os primeiros catálogos e a prática de se inscrever no dorso dos quadros ou no pedestal das esculturas a marca da casa detentora das obras. As primeiras utilizações do princípio do fideicomisso de bens artísticos datam do século XVI. Se, por um lado, sua aplicação visou a garantir a integridade de determinadas coleções de bens simbólicos no seio da dinastia, por outro, este princípio tendia a colidir com os interesses dos súditos de um determinado território, quando as dinastias alteravam seus lugares de domínio.

O caso da coleção Farnese é exemplar: foi constituída principalmente em Roma, a partir do mecenato do cardeal Alexandre Farnese, e intensificou-se quando ele assumiu o papado em 1534, com o nome de Paulo III. Depois de 1545, Parma, que antes pertencia aos Estados Pontifícios, foi transferida aos Farnese; com isso, parte significativa da coleção foi deslocada de Roma a Parma, onde continuou a ser enriquecida. No século XVIII, o duque de Parma, Dom Carlos, filho de Elisabeth Farnese e Felipe V (Bourbon de Espanha), assumiu a coroa do reino de Nápoles; daí teve início, então, um segundo processo de deslocamento da coleção - tanto de objetos que estavam em Parma quanto de outros que restavam em Roma -, que foi transferida para o palácio real de Capodimonte, construído em parte para abrigá-la. Até as vésperas da Revolução

Francesa, os Bourbons de Nápoles, herdeiros dos Farnese de Parma, continuavam a retirar tesouros artísticos de Roma. Em 1787, Goethe, em sua viagem à Itália, relata a consternação dos romanos em um desses episódios: "Uma grande perda artística aguarda Roma. O rei de Nápoles vai mandar trazer para seu palácio o Hércules Farnese. Os artistas todos estão de luto [...]"13 13 Ver Goethe (1999, p. 191). . A estátua era um dos grandes orgulhos da cidade e podia ser vista em Roma desde 1540, quando foi desenterrada das termas de Caracala.

E neste contexto, durante o século XVIII, que começou a ser formulada a idéia de fideicomisso territorial, que se sobrepõe ao fideicomisso dinástico. Ambos pressupõem a manutenção da integridade dos bens transmitidos. Mas, quando se exige a permanência da coleção no lugar em que foi formada, o princípio territorial pode entrar em contradição com o princípio dinástico. O fideicomisso territorial só adquiriu dimensão prática em 1743, quando Anne Marie Louise de Médicis legou a coleção artística dos Médicis de Florença à dinastia Habsbourg-Lorraine, sua sucessora legal, mas com a exigência de que as obras permanecessem na cidade14 14 A novidade desta exigência é,no entanto,caudatária de uma série de iniciativas dos Médicis, como o decreto de 1602, elaborado pelo Grão Duque Ferdinando I, autorizando a Accademia del Disegno a controlar a exportação de todas as obras de arte. Cf. Conservation et dispersion du patrimoine artistique italien (HASKELL, 1997, p. 94). .

No entanto, ambos os princípios, o dinástico e o territorial, constituíam-se em argumentos fracos diante do princípio do botim de guerra, formulado no contexto do direito dos povos. Grotius (Hugo de Grott, 1583-1645) o definiu de forma lapidar como res nullius, ou coisa que não pertence a mais ninguém, que pode ser reivindicada por aquele que a encontra: soberanos vitoriosos, comandantes de exércitos, ou mesmo soldados que participaram da vitória15 15 Ver Grotius (1990, p. 338). .

A Itália foi o lugar por excelência da elaboração destas normas no que diz respeito à transmissão de obras-de-arte: em primeiro lugar, pelo fato de lá estarem reunidos, aos olhos de toda Europa, os maiores tesouros, assim considerados pelo generalizado reconhecimento da superioridade de suas escolas e de seus artistas; por outro lado, em razão da instabilidade e da vulnerabilidade dos inúmeros domínios em que estava dividida; e, por fim, em virtude das sucessivas camadas de história visíveis em seus sítios: os vestígios do mundo helenístico no sul, as ruínas da Roma republicana e imperial por toda parte, e a grandeza da civilização cristã medieval e renascentista. Por ter sido a região mais espoliada, foi também a que mais cedo procurou formular o próprio conceito de patrimônio artístico e as normas necessárias para sua conservação.

O zelo por seu patrimônio já era visível no século XV, expresso nas preocupações dos humanistas que deram origem às primeiras regras de conservação expostas por Alberti em De re aedificatoria (1452); foi reafirmado pela iniciativa de Leão X, que encarregou Rafael do primeiro grande inventário de antiguidades romanas e das providências para que fossem preservadas; e reiterou-se com as inúmeras gestões do papado, no sentido de impedir a venda de coleções formadas nos Estados Pontifícios, que marcaram o século XVII. Estas gestões culminaram em regulamentação promulgada por InocêncioXI, em 1686, destinada a controlar a exportação de obras-de-arte. Esta ordenação papal atingia, sem exceção, religiosos e leigos, e recaía sobre estátuas, baixos relevos, colunas, vasos, quadros, obras incrustadas, modeladas etc., tanto aquelas recentemente exumadas ou que estivessem em Roma ou fora dela. Nada podia ser exportado sem a devida autorização. Apesar da minúcia e do rigor, a regulamentação deixou exposta sua própria fraqueza ao admitir que, com autorização, obras poderiam sair de Roma, e sua eficácia dependeu da força ou da fraqueza com que, a cada circunstância, o papado enfrentou as mais variadas pressões para a retirada legal de tesouros artísticos. E isso logo se provou quando, em 1721, o duque de Orléans, então regente do trono francês, conseguiu que a coleção da rainha Cristina da Suécia saísse de Roma, onde fora em parte formada.

A resposta mais eficaz para a diminuição da sangria artística dos Estados Pontifícios foi a criação do museu do Capitólio (aberto ao público em 1734) e do museu Pio-Clementino (1773), não só com a função de expor e conservar parte das coleções da Santa Sé mas também com a finalidade de concorrer com os marchands estrangeiros para a obtenção de obras em posse de colecionadores privados, residentes nos domínios papais ou mesmo fora deles. Junto com a iniciativa dos Médicis em Florença, que deu origem à Galeria dos Ofícios, a criação desses dois museus em Roma começou a dar forma à idéia de museu público. O direito da cidade de preservar seus bens artísticos -expresso na idéia de decoro público - então começou a suplantar o direito dinástico; e o museu público, que resultou desse processo, tornou-se um instrumento poderoso para fazer frente aos interesses dos particulares no âmbito em que ele se insere, por criar em torno de si uma dinâmica para atrair obras-de-arte para o interior de suas coleções. O museu pôde transformar-se em colecionador mais bem sucedido que os particulares, com a vantagem de não viver o perigo da dispersão de seus bens a cada sucessão. E, pelo fato de assumir também o papel de instância de consagração, o museu passou a beneficiar-se do próprio desejo dos artistas de terem suas obras para sempre expostas em seu recinto16 16 Sobre a relação dos artistas vivos com o museu, logo em sua origem e durante o século XIX, e a dinâmica que se cria pelo desejo de ter obras nele expostas, cf. Le peintre et le musée (HASKELL, 1989, p. 462-477). . Como bem demonstrou Robert Scheller, as coleções artísticas, que antes eram um índice do esplendor da casa - da dinastia -, passam a ser vistas como elemento fundamental do decoro público, para, no limite, transformarem-se em ornamento do Estado a quem o museu se subordina17 17 Ver Scheller (1995, p. 121). .

O caso francês é bastante distinto. Primeiro, em razão de a França ter sido, durante os séculos XVI e XVII, muito mais importadora de obras e de artistas; e, depois, a estabilidade territorial e dinástica dos Bourbons, só interrompida em 1792, fez com que as coleções reais, acrescidas a cada geração, não fossem ameaçadas, e o direito dinástico não foi com isso colocado em questão antes do advento da República.

Na França, a ameaça ao domínio dinástico sobre os bens artísticos só poderia vir de dentro. E é nesse sentido que os clamores pela criação do museu, que começaram a ser ouvidos em meados do século XVIII, podem ser interpretados como o início de uma perspectiva republicana no trato das questões relativas à exposição de obras-de-arte.

Que o Louvre havia de ser um museu, parecia claro para grande parte dos franceses envolvidos com questões artísticas, exemplo disso é o verbete dedicado a ele na Encyclopédie, que preconizava sua transformação em espaço de exposição das coleções reais18 18 Encyclopédie (1778). . Mas não se esperava tamanha demora, o que torna de difícil aceitação a idéia de que o museu tenha sido prioridade no reinado de Luís XVI, apesar das ações minuciosas e esclarecidas do conde d'Angiviller, responsável pelos grandes projetos culturais da época.

Outro aspecto da política das artes na década anterior à Revolução foi o estímulo ao grande gênero, à pintura de história, baseado principalmente em encomendas públicas e no financiamento de viagens a Roma para os artistas consagrados nos Salões da Academia. Este estímulo coincidiu com as mudanças no gosto, nas idéias, e nas práticas pedagógicas renovadas pela onda neoclássica. Foi o momento da afirmação dos melhores discípulos de Vien -Vincent, Ménageot, David, Regnault19 19 Vien foi personagem de destaque na cena artística francesa por mais de meio século, teve carreira exemplar - que incluiu o Prêmio de Roma obtido no Salão de 1743 -,tendo permanecido na Itália até 1750. Depois de seu retorno, foi admitido na Academia em 1754 e abriu ateliê que teve grande notoriedade em função destaque posterior de diversos de seus alunos. Na época de Luís XVI, Vien ocupou posições estratégicas no sistema francês das artes: administrou a Escola francesa em Roma entre 1775 e 1781, e, em 1789, foi eleito Primeiro Pintor do rei e Diretor daAcademia de Paris. . Mas, se a intenção era, por meio do grande gênero, insuflar sentimentos nacionais e patrióticos, com vistas a resgatar as glórias da monarquia francesa, os frutos dessa política foram todos colhidos pela Revolução, como se só ela fosse capaz de imprimir autenticidade ao resgate do civismo romano, que foi um dos temas centrais das obras produzidas pela escola que se regenerava.

E o mesmo ocorreu com o Museu, finalmente aberto ao público nas comemorações do primeiro aniversário das jornadas de 10 de agosto de 1792. Na data, o povo de Paris, forçou a prisão do rei na fortaleza do Templo e, em um gesto iconoclasta, derrubou as estátuas reais em Paris. O 10 de agosto preparou o advento da República, proclamada em 22 de setembro, início do ano I do novo calendário. As comemorações de 10 de agosto de 1793, organizadas por David, marcaram-se, entre outros, por dois grandes rituais: uma enorme fogueira, onde foram queimados os emblemas do Antigo Regime, e a inauguração do Louvre, depositário das coleções reais, transformadas então em patrimônio público20 20 Cf. De l'iconoclasme au patrimoine (POMMIER, 1991, p. 128). . Nada mais simbólico, no sentido de afirmar a aliança entre as artes e a liberdade conquistada com a República.

No entanto, não faltaram críticos ao projeto do museu. E a querela em torno disso, que se estendeu por um longo tempo, teve como móvel principal o problema das pilhagens dos tesouros artísticos realizadas pelos exércitos franceses em suas campanhas pela Europa. Desde a invasão da Bélgica - em 1794, assegurada pela vitória de Fleurus - e da Holanda - em 1795 -, a questão já estava colocada, e o Tratado de Haia impôs à Holanda a permanência em seu território de um exército de 25 mil homens, uma contribuição de 100 milhões de florins e a transferência de inúmeras obras-de-arte para Paris. Este protocolo, baseado no controle de posições geográficas militarmente estratégicas, em indenizações, e na cessão de obras-de-arte repetiu-se por todos os espaços que foram dominados pelos exércitos franceses; e o caso mais notável foi o da Campanha da Itália, quando, logo no início das operações, o Diretório já estabelecia como um dos objetivos da invasão a conquista de obras para o museu. A instrução de 7 de maio de 1796, a Bonaparte, é clara quanto a isso:

O Diretório executivo está convencido, cidadão general, de que para vós a glória das belas-artes faz parte da glória do exército que comandais. A Itália deve a elas, em grande parte, sua riqueza e sua ilustração, mas chegou o momento em que devem vir para a França, confirmar e embelezar o reino da liberdade. O museu nacional deve conter os movimentos célebres de todas as artes, e vós não descuidareis de enriquecê-lo com as obras-de-arte que ele espera das conquistas atuais do Exército da Itália e das conquistas que ainda lhe estão reservadas21 21 Apud Denis Richet (1989, p.8). .

Percebe-se, por esta instrução, que a pilhagem de tesouros artísticos não foi um subproduto das conquistas, mas um alvo a que elas previamente visavam. E assim, Módena contribuiu com uma vintena de quadros; Veneza, para não ser invadida, contribuiu com 20 quadros e 500 manuscritos; do papa, também para preservar parte de seus domínios, vieram 100 obras e 500 manuscritos; e assim sucessivamente, em todos os cantos da Itália central e do norte, e depois em outras regiões da Europa. A cada conquista, um novo tesouro de obras-de-arte para enriquecer o Museu Nacional. Tudo feito com muito cuidado, do ponto de vista da escolha, do transporte e da catalogação, o que torna evidente que o que estava em jogo era uma política de Estado, e não o interesse pessoal ou o capricho dos condutores dos exércitos vitoriosos. É evidente que Bonaparte transformou tudo isso em instrumento de sua glória pessoal, mas, se fosse apenas isso, não estaria muito distante dos reis que o antecederam. A diferença é que o que estava em jogo não era mais o esplendor da casa na figura de seu mandatário, vitorioso sobre as outras, mas o ornamento do Estado, que se constituía por meio de um ambicioso projeto nacional. Se, por um lado, esse projeto tinha uma dimensão particularista que afirmava a França, simultaneamente revolucionária e portadora de uma tradição, por outro, pretendia ter um alcance universal, o que implicava em fazer da França o pólo regenerador de toda a Europa, por meio do resgate das tradições grega e latina, com seus exemplos de civismo e liberdade, e das tradições das cidades italianas que defenderam sua liberdade contra o despotismo do império e do papado. No centro do projeto cultural do Diretório e do lº Império estava a idéia de que a perfeição artística é fruto da liberdade e das instituições públicas dela derivadas; e o museu francês ocupava a posição central de depositário de toda a tradição européia, finalmente resgatada.

Um balanço parcial desta política foi feito por Denon, em discurso frente à Classe de Belas Artes do Instituto, em que prestou contas do resultado:

Milhares de manuscritos [...] enriqueceram nossas bibliotecas; um sem número de quadros, de baixos-relevos, de retratos raros e preciosos, de vasos, de colunas, de túmulos, de colossos, e até rochedos trabalhados, atravessaram terras e mares inimigos, venceram montanhas, subiram nossos rios e nossos canais, e chegaram até nossas salas para transformar ricos despojos em monumentos eternos22 22 Ver Discours sur les monuments d'antiquité arrivés d'Italie (DENON, 1998, p. 70). .

Neste momento, discursos como esses eram pronunciados com orgulho, sem expressar dúvidas quanto a eventual legitimidade de tais conquistas. Mas, alguns anos antes, ainda no calor das primeiras batalhas, tal questão dividiu de forma radical os meios artísticos franceses.

Quatremère de Quincy e Lebreton: duas idéias de República das Artes

Bem no curso dos acontecimentos, isto é, das primeiras grandes campanhas militares, Quatremère de Quincy (1755-1849) deu a público suas Lettres à Miranda, um dos mais preciosos textos dessa época conturbada.

Quatremère era, então, uma das figuras mais destacadas nos meios artísticos franceses, sua reputação como estudioso da antiguidade formou-se durante peregrinações pela Itália (Roma, Nápoles, Pompéia, Herculano, Paestum, Sicília), entre 1776 e 1780 e entre 1782 e 1784. Lá freqüentou a vila Albani - lugar a partir do qual Winckelmann projetou-se como estudioso da Antiguidade - e foi hóspede assíduo do cardeal Borgia em seu palácio de Velletri; conviveu com Mengs, Battoni, Volpato, Piranesi; e seguiu os passos de Winckelmann, sobre quem dissertava oralmente com freqüência. Em 1779, acompanhou David em uma viagem a Nápoles, para quem teria revelado os segredos da arte greco-romana; e, alguns anos mais tarde, entrou em contato com Canova, sobre quem exerceu uma forte influência durante toda a vida do escultor 23 Se nos inúmeros escritos de Quatremère há sobre David um relativo silêncio, sobre Canova há profusão. Em 1808, escreveu o artigo Beaux-Arts: Sur M. Canova, et les quatres ouvrages qu'on voit de lui à l'exposition publique de 1808; em 1834, escreveu a biografia artística Canova et ses ouvrages ou Mémoires Historiques sur la vie et les ouvrages de ce célèbre artiste. E, em 1836, publicou a correspondência que travou com Canova em Lettres sur l'enlèvement des ouvrages de l'art antique à Athènes et à Rome. 23 Se nos inúmeros escritos de Quatremère há sobre David um relativo silêncio, sobre Canova há profusão. Em 1808, escreveu o artigo Beaux-Arts: Sur M. Canova, et les quatres ouvrages qu'on voit de lui à l'exposition publique de 1808; em 1834, escreveu a biografia artística Canova et ses ouvrages ou Mémoires Historiques sur la vie et les ouvrages de ce célèbre artiste. E, em 1836, publicou a correspondência que travou com Canova em Lettres sur l'enlèvement des ouvrages de l'art antique à Athènes et à Rome. 23 23 Se nos inúmeros escritos de Quatremère há sobre David um relativo silêncio, sobre Canova há profusão. Em 1808, escreveu o artigo Beaux-Arts: Sur M. Canova, et les quatres ouvrages qu'on voit de lui à l'exposition publique de 1808; em 1834, escreveu a biografia artística Canova et ses ouvrages ou Mémoires Historiques sur la vie et les ouvrages de ce célèbre artiste. E, em 1836, publicou a correspondência que travou com Canova em Lettres sur l'enlèvement des ouvrages de l'art antique à Athènes et à Rome. . Seu reconhecimento no universo artístico francês não seguiu os caminhos lineares da Academia, já que foi obrigado a viajar a Roma por conta própria depois de fracassar no concurso anual de escultura. Foi por meio de uma Mémoire sur l'Architecture Égyptienne, que apresentou em Paris em 1785, premiada pela Academia de Inscrições e Belas-letras, que firmou sua reputação, o que lhe valeu o convite para redigir os volumes sobre arquitetura da Encyclopédie Méthodique, publicados em 1788. Se seus anos debutantes estiveram ligados à escultura, foi como arquiteto, arqueólogo e historiador que se afirmou no meio artístico francês, o que lhe valeu o convite para dirigir os trabalhos de transformação da igreja de Sainte-Geneviève, projetada por Soufflot, no Panthéon revolucionário.

Como muitos, Quatremère foi entusiasta de 1789, no limite da promessa de uma monarquia constitucional defensora das liberdades públicas; mas, nas etapas seguintes, passou à condição de suspeito, o que o levou à clandestinidade após a queda de Luís XVI. Foi preso em março de 1 794, mas escapou de uma eventual execução e foi libertado com a reação termidoriana. De novo militante da causa monárquica, foi julgado e condenado à morte por contumácia, mas se escondeu e escapou da pena, e então optou pelo exílio na Alemanha, de onde retornou em 1799, após o 18 brumário. Nesses anos turbulentos, participou da Comuna das Artes (composta pelos artistas rebelados contra a velha Academia), dirigiu os trabalhos do Panthéon, escreveu projetos para a nova Academia (Considérations sur les Arts du Dessin en France), e foi eleito parlamentar duas vezes, na Assembléia Legislativa de 1791, e no Conselho dos Quinhentos em 1795.

Foi após esses episódios, em período de semiclandestinidade, que Quatremère escreveu Lettres à Miranda 24 Francisco Miranda não foi um interlocutor fictício, coisa não descabida no gênero, mas personagem histórico. Foi um espanhol daAmérica, nascido em Caracas em 1750, que lutou na guerra de independência dos Estados Unidos e combateu também nas guerras que se sucederam à Revolução Francesa. Apesar de acusado de responsabilidade em derrotas militares, e por amizade com os girondinos, conseguiu sobreviver ao Terror e, depois doTermidor, freqüentou círculos modera dos e pró-realistas, onde provavelmente aproximou-se de Quatremère de Quincy. Cf. Édouard Pommier (1989, p. 13). 24 24 Francisco Miranda não foi um interlocutor fictício, coisa não descabida no gênero, mas personagem histórico. Foi um espanhol daAmérica, nascido em Caracas em 1750, que lutou na guerra de independência dos Estados Unidos e combateu também nas guerras que se sucederam à Revolução Francesa. Apesar de acusado de responsabilidade em derrotas militares, e por amizade com os girondinos, conseguiu sobreviver ao Terror e, depois doTermidor, freqüentou círculos modera dos e pró-realistas, onde provavelmente aproximou-se de Quatremère de Quincy. Cf. Édouard Pommier (1989, p. 13). , colocando-se no centro do debate sobre a espoliação das obras-de-arte dos países vencidos nas guerras pelos exércitos franceses.

As cartas têm como ponto de partida duas idéias gerais. De um lado, um princípio moral: "o espírito de conquista em uma república é inteiramente subversivo do espírito de liberdade"; e, de outro, a constatação histórica de que

as artes e as ciências, que formam desde longo tempo na Europa uma república, cujos membros, ligados entre eles pelo amor e pela pesquisa do belo e do verdadeiro que constituem o seu pacto social, tendem muito menos a ficarem isoladas em suas pátrias respectivas do que a interligar os interesses, sob o precioso ponto de vista da fraternidade universal25 25 Quatremère de Quicy (1989a, p. 87-88). .

Formuladas essas duas idéias, Quatremère explicita que, em suas reflexões, ele se colocará como membro desta república européia e não como habitante de uma região particular a advogar interesses mesquinhos.

Como defender Roma e ao mesmo tempo opor-se ao espírito romano? Talvez seja este o maior problema das cartas. Porque seu fim explícito foi a condenação do saque das obras e monumentos que se encontravam na Itália, saque que foi justificado, por seus protagonistas, tomando como recurso as noções de direito estabelecidas pelos próprios romanos na Antiguidade. Diante desse problema, Quatremère foi obrigado a explicitar que a idéia de Europa pela qual se batia - como república de letras, artes e ciências - era moderna e constituía-se no mais legítimo fruto da propagação das Luzes, em nome das quais as cartas se colocavam.

Pode-se dizer que Quatremère vai além do pessimismo de Winckelmann, pois este admitia a grandeza artística dos modernos, mas ressalvava que, quando comparados aos antigos, não passavam de um pálido eco. E o uso da palavra civilização nas cartas é bom indício dessa perspectiva. Esse neologismo, que começou a figurar nos discursos dos fisiocratas em meados do século XVIII, é central nos argumentos de Quatremère. Conservar os monumentos e obras-de-arte nos locais de origem é coisa de alto interesse: "De que interesse se trata? Daquele que diz respeito à civilização, ao aperfeiçoamento dos meios que conduzem à felicidade e ao prazer, do interesse no progresso da instrução e da razão, na melhora enfim da espécie humana"26 26 Idem. p. 89. .

O século XVIII, no discurso de Quatremère, se não ainda superior do ponto de vista estrito da arte, é mais elevado pelo fato de ter elaborado a teoria dos direitos sagrados da humanidade, e é nesse ponto que Quatremère se mostra hábil em incorporar, em favor de suas teses, idéias que só estavam a generalizar-se com a Revolução francesa, como, por exemplo, a condenação do escravismo. Contra aqueles buscavam legitimar a espoliação das obras-de-arte no direito de conquista formulado pelos próprios romanos, Quatremère contrapõe:

Acreditaria ser igualmente injurioso ao século XVIII a suspeita de que ele pudesse ter sido capaz de fazer reviver o direito de conquista dos romanos, que faziam dos homens e das coisas propriedade do mais forte. Quem desconhece que esse direito absurdo e monstruoso repousava, no código público de Roma, sobre a mesma base do escravismo?27 27 Idem. p. 91.

Assim como a Europa estava a banir a escravidão, devia também banir a espoliação de tesouros artísticos, o que implicava em não repetir a lição dos romanos, que espoliaram os gregos e outros povos por eles dominados.

Para Quatremère, a história havia transformado a Itália em uma espécie de museu geral de toda a Europa, em depósito das grandes tradições da Antiguidade. E as características particulares da península, dividida em diversos Estados rivais, só fez acrescer seus tesouros artísticos, em razão da pluralidade de Escolas que lá se formaram e do fato de reinar entre elas a mais viva emulação.

O proveito eventual obtido por um Estado pela transferência de parte desses monumentos e obras é, para Quatremère, puramente ilusório e causaria danos irremediáveis para o conjunto, já que as obras aderem ao próprio solo,

e ele mesmo é transformado em obra. É ao refletir sobre a necessidade de preservar intacto o conjunto artístico italiano que Quatremère demonstra não só bastante clareza sobre as tarefas postas para o conhecimento da arte mas também um verdadeiro espírito moderno, do ponto de vista da ciência que se formava naquele contexto. Da mesma forma que o mundo da indústria está submetido à divisão do trabalho - e neste ponto ele cita Adam Smith -, o mundo do conhecimento da arte também comporta suas divisões, e cada departamento da ciência assemelha-se a um ateliê a produzir suas observações parciais; mas é necessária uma inteligência geral que, por meio da comparação, combine os resultados parciais de cada ramo, na busca de alcançar o conhecimento do todo. É então que se faz imperativo o espírito de sistema como corolário do processo, não como algo que antecede o exame das partes: "O espírito de sistema que precede o espírito de observação é, sem dúvida, nocivo na ciência; é querer construir antes de talhar a pedra; é visar ao fim sem ter os meios"28 28 Idem. p. 106. .

Neste sentido, dispersar as riquezas artísticas seria duplamente nocivo. Por um lado, pelo fato de obrigar à realização de inúmeros deslocamentos para o conhecimento de cada uma das partes; por outro, por impedir a comparação e o exame dos nexos entre as obras e delas com seu contexto, tarefa fundamental no momento em que o espírito de sistema se faz necessário.

Para Quatremère, no lugar de disputar obras com a Itália, as nações européias deveriam contribuir para a sua preservação. E Roma, o centro de tantas riquezas, deveria transformar-se em escola central da Europa:

Para um verdadeiro curioso, Roma é, por si só, é um mundo inteiro a percorrer, uma espécie de mapa-múndi em relevo, aonde pode se ver em resumo o Egito e a Ásia, a Grécia e o Império romano, o mundo antigo e o moderno. Ter visto Roma é ter feito numa só viagem um grande número de viagens. Por conseguinte, dispersar os modelos de Roma implica em afastar dos estudantes os instrumentos da ciência e os objetos de sua pesquisa29 29 Idem. p. 135. .

São esses os argumentos centrais de Quatremère de Quincy em Lettres à Miranda, textos que, apesar de terem sido escritos em semiclandestinidade, tiveram imediata repercussão nos meios artísticos franceses. Quando publicadas, em julho de 1796, a campanha da Itália ainda estava em curso. Os tratados de paz estabelecidos após as vitórias em Milão, Parma, Módena e Bolonha acabavam de ser assinados, com cláusulas prevendo a transferência de parte de suas riquezas artísticas para Paris. Neste momento, alguns jornais de Paris discutiam ou comemoravam abertamente o problema, mas até então não havia qualquer posicionamento incisivo contrário. As Lettres tiveram o papel de acender o debate e de alinhar dois grandes partidos em torno da questão.

O resultado parcial da disputa foram duas petições endereçadas ao Diretório, uma de 16 de agosto de 1796, apoiando as teses de Quatremère, e outra de 30 de outubro do mesmo ano, reafirmando a política do Diretório, favorável às transferências. A primeira petição, assinada pelos mais notáveis artistas em atividade na França, não tem a veemência das Lettres, ao contrário, é um tanto vaga, certamente amedrontada por eventuais conseqüências. Apesar de apoiar o conteúdo das teses de Quatremère, sugere uma solução um tanto irreal naquele contexto:

nós nos limitaremos a solicitar, Cidadãos Diretores, que, antes de deslocar qualquer coisa de Roma, uma comissão formada por um certo número de artistas, nomeados pelo Instituto nacional, composta em parte por seus membros e em parte por outros escolhidos fora dele, seja encarregada de vos apresentar um relatório geral sobre o objeto em questão 30 Ver Pétition adressée au Directoire,le 29 thermidor an IV par cinquante artistes, pour appuyer les thèses de Quatremère de Quincy (QUATREMÈRE DE QUIN CY, 1989a, p. 141). 30 30 Ver Pétition adressée au Directoire,le 29 thermidor an IV par cinquante artistes, pour appuyer les thèses de Quatremère de Quincy (QUATREMÈRE DE QUIN CY, 1989a, p. 141).

E só assim o Diretório decidiria sobre o destino do objeto. Os termos um tanto vagos da petição podem ser explicados pelo contexto de recrudescimento do nacionalismo belicista e pela relativa proximidade do Terror, quando a simples suspeita de idéias ou ações contra-revolucionárias justificou as mais extremadas punições; além disso, é de se pensar que o caráter não incisivo da petição tenha sido necessário para acomodar tantos expoentes da Escola francesa, e até mesmo Denon, que só se tornaria homem de confiança de Bonaparte após a Campanha do Egito, três anos mais tarde, e que seria o grande administrador das novas conquistas depois de assumir a direção do Louvre no início da década seguinte.

A favor do vento, a petição contrária é uma preciosa peça de retórica revolucionária sobre as artes. Sem qualquer hesitação, busca demolir todos os grandes argumentos de LettresàMiranda. Em primeiro lugar, assimila as iniciativas dos artistas adeptos das teses de Quatremère às ações protelatórias de um "governo astucioso", que tem por finalidade reter as obras-primas que havia concordado em ceder para a França; argumento que coloca os signatários da primeira petição na condição de suspeitos de colaboração com o inimigo. Posto isso, a petição divide-se em três itens; o primeiro, a ressaltar a importância das artes no desenvolvimento de um povo: os romanos, antes grosseiros, alcançaram a civilização transplantando até eles as produções dos gregos por eles derrotados. Para a França, já considerada a melhor escola da Europa, o papel das obras-primas conquistadas será de instruir e desenvolver a nação. No lugar de servirem a um pequeno número de ricos, ou aos doze artistas contemplados anualmente com o Prêmio de Roma, servirão a todo o povo.

O segundo ponto é típico de uma cultura da suspeita, subproduto da ação revolucionária. Admitindo-se que as obras possam ficar em Roma, que se abriria para todos os visitantes estrangeiros, quem garante a sinceridade dos romanos? Ou, mais grave ainda, quem garante que as obras não serão transportadas para outros lugares. E os exemplos lembrado são vários: do rei de Nápoles, que transferiu para sua cidade as preciosidades do palácio Farnese em Roma; do imperador, que privou a Lombardia de muitas de suas obras-primas; de Leopoldo, que retirou de Roma a coleção dos Médicis; além das coleções Negroni, Justiniani e Barberini que foram compradas ou simplesmente retiradas de Roma. É por meio desses exemplos que se afirma a necessidade de apressar a transferência das riquezas artísticas para Paris, antes que sejam transferidas para outros destinos: "A República francesa, por sua força, a superioridade de suas luzes e de seus artistas, é o único país no mundo que pode dar um asilo inviolável a essas obras-primas"31 31 Ver Pétition adressée au Directoire,le 12 vendémiaire an IV par trente-sept artistes, pour soutenir la politique des saisis d'oeuvres d'art en Italie (QUATREMÈRE DE QUINCY, 1989a, p. 145). .

E a petição finalmente conclui:

A idéia de fazer de Roma o Museu do universo apesar de sedutora não é praticável nas circunstâncias atuais, e traz consigo uma desvantagem, pois essa pretendida filantropia não conduz a outra coisa além de fomentar a nulidade e o orgulho dessa cidade indolente e supersticiosa, deixando-a para sempre na dependência de um governo corrompido e corruptor32 32 Idem. Ibidem. .

Não é preciso dizer que esta segunda petição foi vitoriosa naquele contexto. Já que expressava perfeitamente as idéias e a política do Diretório, a despeito do fato de, além de menor, a lista dos artistas que a assinaram ser composta por figuras menos expressivas do que aqueles que assinaram a petição apoiando as teses de Quatremère de Quincy.

O que parece claro no confronto entre as Lettres à Miranda e as teses favoráveis à transferência das obras-de-arte é que as primeiras buscavam conservar uma tradição aristocrática européia, para a qual a viagem à Itália feita por artistas, amadores ou simples curiosos era elemento fundamental na formação do homem distinto - por seus conhecimentos artísticos, literários e científicos - e dos próprios artistas no caminho de sua elevação social. A bela República européia de artes e letras invocada por Quatremère era uma República aristocrática, formada por gente instruída que, com suas posses ou por meio dos mecanismos do mecenato, tinha acesso aos ambientes italianos, onde as artes estavam secularmente acumuladas e eram cultivadas em seu mais elevado grau de sofisticação. Já a República invocada pela petição que apoiava a política do Diretório era uma República de caráter nacional, que estava a forjar a idéia da construção de um povo instruído por meio de instituições educativas, entre as quais o museu era peça central para a generalização de uma cultura artística não mais exclusiva das elites. O redator da segunda petição foi extremamente hábil no sentido de invocar a nova realidade que se pretendia criar com a transferência dos tesouros artísticos da Itália. AJuventude, o Povo a Nação são os principais destinatários da política cultural visada pela petição: a "juventude sensível [...] eletrizada" com a vista dos tesouros artísticos fará propagar o talento e o gênio; a distribuição das obras pelos museus franceses terá a função de "instrução de todo Povo francês", de "instruir a nação, formar seus costumes e seu gosto". E esses destinatários, que serão protagonistas da grandeza da França, são a melhor justificativa de tal política. E a oposição entre Paris - como berço da moderna liberdade - e Roma - como lugar de indolência, superstição e corrupção - dá fecho ao discurso legitimador que faz com que o botim de guerra passe a ser visto como obra de civilização.

Muita coisa ocorreu em um curto espaço de tempo. Quando as Lettres à Miranda começaram a circular, a imprensa parisiense já tratava da questão das transferências das obras-de-arte da Itália, e é provável que elas tenham sido escritas para se contrapor aos defensores da política do Diretório, entre os quais um dos mais destacados era Joachim Lebreton, um dos fundadores e redator de La Décade, philosophique, littéraire et politique, periódico de grande destaque na época. Lebreton, que era membro da Classe de Ciências Morais e Políticas do Instituto, já havia testado os principais argumentos favoráveis às transferências das obras-de-arte.

Elogios das tradições artísticas italianas à parte, Lebreton justificava a vinda dos tesouros artísticos pelo simples motivo de que a França poderia conservá-los mais adequadamente do que os próprios italianos; e pelo fato de que estas obras deveriam servir de modelo para os artistas franceses: "A oportunidade de completar nosso museu e de aperfeiçoar nossa escola é por demais bela e legítima para ser perdida". Idéia que arremata nos seguintes termos:

É chegada a hora de todos esses monumentos do gênio grego deixarem a terra que não é mais digna de possuí-los. Eles foram criados em um país livre: não há outro lugar além da França onde possam hoje reencontrar uma pátria [...]. Há alguma dúvida de que as belas obras da Grécia e de Roma estarão melhor localizadas e conservadas no país onde existem as melhores leis e as maiores luzes? [...] Nossa hora chegou [...] o império das artes a nós está sendo transmitido33 33 Apud Pommier (1989, p. 52-53). .

Antigo clérigo regular da Ordem Teatina, ex-professor de retórica em Tu lle, Lebreton é um exemplo notável dos mecanismos de ascensão social do Antigo Regime, potencializados na Revolução. Nascido em 1760, em Saint-Méen, na mítica região de Broceliand, na Bretanha, filho de um ferreiro sem fortuna e instrução, Lebreton destacou-se por meio da formação clerical obtida junto aos teatinos. Acolhido na Ordem aos doze anos, com uma bolsa de estudos, aos 16 já vestia o hábito e aos 19 anos era nomeado professor de retórica, o que indica talento e obstinação. No que diz respeito aos deslocamentos geográficos, correspondentes ao processo de ascensão, o caminho foi tortuoso: infância na Bretanha, adolescência em Paris, agregado à abadia Sainte-Anne-la-Royale, ea primeira maturidade em Tu lle, onde passou dez anos como professor. Em 1789, no turbilhão revolucionário, Lebreton já estava de volta a Paris, em vias de abandonar o hábito e dar início a um outro tipo de carreira, atitude típica dos letrados que se destacaram nas instituições culturais reformadas no Diretório e estabilizadas no lº Império.

Lebreton foi personagem sempre presente em todas as fases do processo revolucionário. Da condição de homem religioso e celibatário, passou à de homem político e casou-se com uma filha de Jean Darcet (1725-1801), médico e cientista de grande renome por seus estudos químicos e membro da Académie de Sciences (com a criação do Institut de France, em 1795, Darcet passou ocupar uma cadeira na classe de Sciences Physiques et Mathématiques). Foi por intervenção do sogro que Lebreton conseguiu uma posição no Ministério do Interior, na seção de Museus, Conservatórios e Bibliotecas. E, em função de sua dedicada atuação nas fases iniciais do processo revolucionário, alcançou um lugar no Institut de France também em 179534 34 As Academias do Antigo Regime foram suprimidas em 1793 pela Convenção, e deram lugar ao Institut de France, criado em 1795, composto por três classes: Sciences physiques et mathématiques; Sciences morales et politiques; Littérature et beaux-arts. Em 1803,o Institut foi reformado: a classe de Sciences physiques et mathématiques foi mantida; a classe de Sciences morales et politiques foi suprimida (recriada apenas em 1832); a de Littérature et beaux-arts foi subdividida e, com isso, surgiram as classes de Langue et Littérature française (o que significou o retorno da Académie française); a classe de Beaux-arts (Pintura, Escultura,Arquitetura,Mú-sica); e a classe de Histoire et Littérature anciènne. Esta estrutura permaneceu até a Restauração, quando as classes foram novamente redefinidas e voltaram a ter o estatuto de Academias. . Daí em diante, Lebreton, a despeito de sua pouca relevância como teórico ou historiador, ocupou no Instituto posições estratégicas, que lhe deram um razoável poder no mundo das letras e artes do período. Na Classe de Ciências Morais e Políticas, certamente não tinha a estatura daqueles que eram conhecidos como ideólogos: Desttut de Tracy,

Volney, Cabanis, Garat, filósofos e homens políticos que se destacaram no período; mas Lebreton era um bom organizador, um bom burocrata, e chegou a ocupar uma secretaria da Classe, sendo reconhecido por isso.

Quando, depois de se desentender com os ideólogos, Napoleão suprimiu a Classe e reestruturou o Instituto, Lebreton teve seus esforços recompensados e foi parar na condição de secretário perpétuo da Classe de Belas-Artes, a despeito de também lá não ter tantas credenciais artísticas para dirigir os trabalhos de um agrupamento tão seleto.

Mas, naquela circunstância, Lebreton era portador de inestimável trunfo. Como funcionário do Ministério do Interior, ele havia se destacado durante as guerras européias, por ter sido encarregado da correspondência com os comissários franceses no estrangeiro, incumbidos da transferência das obras-de-arte dos Estados derrotados. Era ele quem expedia as orientações para a escolha das obras mais importantes, quem avaliava as condições de conservação e organizava a logística para a transferência e registro dos objetos. Em 27 de julho de 1798, realizou-se em Paris uma enorme festa, no Campo de Marte, para a recepção de 27 carros portando os tesouros artísticos conquistados pela França. Ao lado do Ministro do Interior, François Neufchâteau, estava Lebreton, um dos maiores responsáveis pelo sucesso do empreendimento, cercado dos mais destacados membros do Instituto.

No carro que abria o cortejo com as obras, havia um bandeira com os seguintes dizeres:

La Gréce les céda, Rome les a perdus;

Leur sort changea deux fois, il ne changera plus35 35 Cf. Henry Jouin (1892, p. 17). .

Entre 1795 e 1803 a Classe de Belas-Artes do Instituto era composta por seis pintores, seis escultores, seis arquitetos e seis músicos. Os pintores eram Van Spaendonk, Vincent, Regnault, Taunay, Vien e David; a estes se agregaram, em 1803, Denon, Visconti e Lebreton: todos os três, homens de destaque no processo das transferências dos tesouros artísticos conquistados pelos exércitos franceses e envolvidos no projeto do Museu Napoleão. Apesar de passar a ser considerado membro da Classe na condição de secretário perpétuo, cargo que então foi criado, a Lebreton não foi destinada uma cadeira.

Como secretário, ele estava em seu elemento e foi dessa função que derivou a parte mais significativa de sua obra: Relatórios, Memórias, Elogios fúnebres, Memorandos, que podem ser consultados nas publicações em que o Instituto anualmente prestava conta de suas atividades. Mas pode-se dizer que foi ele quem criou a rotina modelar da Classe de Belas-Artes. Quatremère de Quicy, que o substituiu a partir de 1816, não fez mais do que dar continuidade ao modelo.

Os textos mais lembrados de Lebreton são o Rapport sur les beaux-arts, lido na seção do Conselho de Estado de 5 de março de 1808, na presença do Imperador, cujo objetivo era fazer um balanço dos últimos vinte anos das artes na França, mas no qual traça uma história da arte na França desde os tempos de Francisco I; a Notice Historique sur la vie et les ouvrages de M. Vien, lida em seção pública de 7 de outubro de 1809; e o famoso discurso que proferiu em 28 de outubro de 1815, publicado em Notice des travaux de la Classe des Beaux-Arts de l'Institut Royal de France, no qual fez a última defesa da política imperial do translado dos tesouros artísticos que enriqueceram os museus franceses, discurso que foi lido na presença do Duque d'Angoulême, de Wellington, de embaixadores da Áustria e da Prússia, e de outras personalidades da Restauração em seus primeiros dias.

O que chama a atenção nos textos sobre a história da arte na França escritos por Lebreton é sua tentativa de minimizar a importância de David no seio da Escola, o que faz com certa habilidade, pelo fato de usar Joseph Marie Vien (1716-1809) para ocultar seu discípulo. Sem dúvida, o respeito por Vien era enorme, e não foi Lebreton quem inventou a idéia de colocá-lo no papel de regerador da Escola, contra o maneirismo decadente de Watteau (1684-1721), Boucher (1703-1770) e Fragonard (1732-1806).

A influência do pintor Boucher na escola caracteriza o último período de sua decadência. Ela foi tamanha que não sobrou, por assim dizer, regra alguma para mensurá-la, pois o estudo da natureza e da antiguidade passou a ser visto com preconceito, e a obediência exclusiva ao gênio foi tomada como princípio; em nome disso passou a ser valorizado tudo que se afastava do natural e das idéias simples, e a escola se perdeu na afetação e no bizarro36 36 Lebreton, Rapport..., p.14. .

Vien teria se insurgido contra essa situação, iniciando o processo de resgate da escola. E o interessante na avaliação de Lebreton, é que Vien teria agido como reformador sem, no entanto, aparecer aos olhos dos outros como tal:

Ele ousou tomar por guia o estudo da natureza e do antigo, o que era considerado um princípio perigoso por todos os líderes da escola. Mas ele teve a prudência de jamais se afirmar como um reformador, com a finalidade de não ferir vaidades, deixando de lado qualquer ambição pessoal37 37 Idem, p. 16. .

Essas observações são fundamentais, em primeiro lugar, para fazer um contraponto a David, que não escondia suas ambições pessoais e se comportava como líder dos novos hábitos da escola; em segundo lugar, para tornar inteligível o fato de Boucher ter sido um dos protetores de Vien no processo de sua afirmação no interior da escola. O que poderia ser visto como uma contradição fatal para os argumentos de Lebreton, já que ele mesmo lembra que, quando Vien retornou de Roma em 1750, Boucher - junto com Caylus -acolheu com entusiasmo suas últimas produções e teria declarado que, se Vien não fosse recebido na Academia, ele mesmo não mais colocaria lá seu pé. E o reconhecimento de sua arte por Boucher atesta-se ainda pelo fato de ter encaminhado seu filho para ser aluno no ateliê de Vien38 38 Cf. Lebreton, Notice historique..., p. 43. Há que lembrar também que Boucher era primo da mãe de David, e foi ele que o indicou para o ateliê de Vien. .

Essa interpretação é curiosa, pois mostra Vien protagonizando uma reforma contra artistas que o apoiaram e, de certa maneira, ela se perpetuou em certas histórias do neoclassicismo que pretendem ver um enorme fosso entre o que existia antes e o que veio depois.

Adversário de David, no auge da glória do artista, Lebreton faz uma história da Escola francesa em que ele aparece com pouco destaque, arrolado entre os membros da segunda geração após Vien: Vincent, Ménageot, Regnauld. E, do Juramento dos Horácios, só se diz que coroou a Escola por bem combinar o ideal com a verdade natural. Naquele momento, deixar de reconhecer David era mesmo impossível, mas Lebreton gasta com ele poucas linhas, ressaltando apenas sua superioridade no desenho, principal qualidade deste chefe de escola39 39 O que fica obscurecido no relatório de Lebreton é o caráter de ruptura contido em Juramento dos Horácios, que não pode ser visto como simples continuidade da perspectiva aberta por Vien na década de 1760. O neoclassicismo deste não diverge radicalmente do ambiente rococó do qual fazia parte. Diverge no ponto de vista da maneira, mas não o faz no que diz respeito aos temas. Como observa Friedlaender, Vien "não se desvencilhou dapetite manière; somente os trajes antigos e a sóbria contenção no desenho e na cor acrescentaram algo novo" (FRIEDLAENDER, 2001, p. 25). Vien foi austero no tratamento pictórico de seus quadros,promovendo assim um retorno aos ideais associados a Poussin, mas, mesmo demonstrando rigor arqueológico no resgate do antigo, manteve a frivolidade e a sensualidade características de seus contemporâneos. Robert Rosemblum forjou a expressão de "erótica neoclássica" para designar a corrente na qual Vien se destacou (ROSEM-BLUM, 1989, p. 54). Em David há também uma forte carga erótica, que se dissimula, no entanto, em lições de virtude cívica resgatadas da Antigüidade grega e romana, que tiveram um papel de relevo no clima ideológico imediatamente anterior à Revolução de 1789. Sobre a gênese de Juramento dos Horácios, é essencial o trabalho de Thomas Crow (1995). .

O que parecia estar em jogo neste contexto era um conflito entre os homens da rotina, representados por Lebreton, e o portador do carisma, no caso David, cuja liderança era ao mesmo tempo incontestada e odiada. David esteve na frente das mais importantes transformações vividas pela Escola desde os anos de 1780, quando o Juramento dos Horácios causou verdadeira comoção em Paris e fez os olhos de artistas e amadores de toda Europa voltarem-se para ele. Comandou a revolta contra as velhas academias, logo no início da Revolução, e entendeu que a pintura poderia exercer um papel nunca antes pensado em um processo de transformações políticas e sociais, que ficou expresso em obras como Ma rat assassinado e A morte de Lepeletier. Soube retornar ao antigo com vigor e grandeza em O rapto das Sabinas. E só foi antecipado por seu aluno Antoine Gros no culto a Napoleão, quando ele apresentou, em 1796, Napoleão em Arcole, obra que teve imediato impacto na cena artística francesa. Mas David rapidamente soube interpretar o novo momento e colocou-se mais uma vez à frente, com Napoleão em São Bernardo e a gigantesca cena da Sagração do imperador. Apesar da sua imensa personalidade, David não era um artista isolado, mas o chefe do melhor ateliê e, nessa condição, soube articular seu destino ao de seus alunos, que não foram meros epígonos.

Quase nada disso aparece relatado no Relatório de Lebreton. E o mesmo se pode dizer de seu sucessor na secretaria perpétua, Quatremère de Quincy, que em sua prolífica obra faz um notável silêncio não apenas sobre David, seu velho companheiro em viagens italianas - o que talvez seja compreensível por terem estado em lados opostos nos anos do Terror -, mas sobre quase tudo que se produziu no influxo revolucionário, a ponto de um historiador, anos mais tarde, dizer que Quatremère "passa por essa época como se estivesse a caminhar sobre brasas"40 40 Cf. Jules Renouvier (1996, p. 2). .

Tais omissões mostram muito bem a disposição dos homens da rotina para com David. Se o Instituto pode ser visto como obra da Revolução - do Diretório que o criou e do Império que o consolidou -, é, por outro lado, obra que dá continuidade ao sistema das velhas academias. Nesse universo, o peso da tradição e o aspecto corporativo, que privilegia o conjunto em detrimento dos indivíduos, são elementos que jogam quase sempre contra o advento de grandes lideranças, como foi o caso de David. E os secretários perpétuos lá estavam para zelar pelo conjunto, sempre preconizando, em suas ações, o "juste milieu". Sobre isso, é interessante observar certa cumplicidade entre os ocupantes dessa posição. Não por coincidência, as referências mais laudatórias a Lebreton foram escritas por um outro secretário perpétuo, Delaborde, que, em sua história da Academia, só tem elogios para Lebreton, caracterizado como o intérprete de todos e sob cuja direção tudo corria bem41 41 Cf. Delaborde (1891, p. 14 e 124). .

Quanto ao último discurso de Lebreton, pode-se dizer que foi um verdadeiro ato de coragem, que aconteceu, no entanto, após uma série de gestões feitas com o objetivo de acomodar-se à nova situação política, como foi o caso da quase totalidade da Escola, que passou a servir os Bourbons, como havia passado da Monarquia constitucional ao Terror, do Terror ao Diretório, do Diretório ao Consulado, do Consulado ao Império, revelando grande instinto de sobrevivência.

Na primeira Restauração, em 1814, a Classe de Belas-Artes, com Lebreton no comando, ficou em de compasso de espera, primeiro no que diz respeito à própria corporação, ameaçada por um movimento de artistas pertencentes à velha Academia de Pintura e Escultura - extinta em 1793 - que pretendiam que ela fosse restaurada junto com seus direitos de acadêmicos. No que diz respeito ao museu, a espera era para saber qual seria a política de Luís XVIII, que, inicialmente, não tinha intenção de reepatriar as obras que estavam Louvre ou em museus do interior. Em discurso ao Corpo legislativo, o rei afirmou:

O que a França não conservou de suas conquistas territoriais não deve ser considerado como um abatimento de sua força real. A glória dos exércitos franceses não está em questão, os monumentos de seu valor subsistem, e as obras-primas das artes nos pertencem desde então por direitos mais estáveis e mais seguros do que aqueles da vitória42 42 Apud Henri Delaborde (1891, p. 161). .

Posição que Luís XVIII não conseguiu manter na segunda Restauração, em 1815, por pressão de embaixadores e comandantes militares que dominavam Paris. Quanto ao destino da Classe de Belas-Artes, a situação foi inversa. Na primeira Restauração, o ministro do interior cedeu às pressões dos antigos acadêmicos e suprimiu a Classe, mas o decreto foi letra morta, pois publicado na véspera da Campanha dos Cem Dias. Logo após a derrota final de Napoleão, a Classe, num gesto de força, em lugar de acolher os antigos acadêmicos, abriu cinco novas vagas para concurso, nas quais acomodou artistas de grande prestígio: Guérin, Carle Vernet, Girodet, Gros; estes dois últimos, como que para compensar a perda de David, o mestre de ambos, excluído logo em seguida. Finalmente, na vaga de David, entrou Barbier, o líder do movimento pela restauração da velha Academia. Durante todo esse processo, Lebreton ainda exercia o papel de secretário, e não é de se duvidar que tenha tido mérito na luta da Classe para manter seu monopólio. Sobre estes últimos episódios, convém não se descartar a hipótese de que Lebreton tenha sido o bode expiatório da própria Classe, para sua sobrevivência no novo regime.

O discurso, no caso, pode ser interpretado não como causa da exclusão, mas como conseqüência de sua inevitabilidade, ou então foi um gigantesco erro de cálculo. Sobre isso, é importante levar em conta o destino de outros personagens que se envolveram até a medula com a política de Napoleão, como foi o caso de Gros e de Denon. Gros, a despeito de ter sido na Escola um dos que mais contribuiu com o culto à personalidade do imperador, foi como que premiado ao obter uma vaga na Classe que havia sido rebatizada como Academia Real de Belas-Artes, então sob o patronato dos Bourbons. Denon, que fez do Louvre o depósito do botim de guerra da Grande Armée e envolveu-se em todas as pequenas e grandes tarefas de glorificação de Napoleão, foi constrangido a pedir demissão de seu posto de diretor do Louvre, mas manteve sua cadeira na Academia. E pôde vieillir doucement até 1825, cuidando da fabulosa coleção pessoal, acumulada em seu hotel no quai Voltaire43 43 Sobre a coleção de Denon, cf. Géneviève Bresc Bautier e Suzana Guimarães (em ROSEMBERG; DUPUY, 1999,p.428-430); e, também, o relato de Lady Morgan, L'hotel du baron Denon (MAURIÈS, 1998, p. 97-103). .

É certo que nem todos tinham a propensão, que em Denon era inigualável, para transformar-se em verbetes do Dictionnaire des girouettes, que se especializou em retratar as trajetórias daqueles que mudaram seus rumos ao sabor dos acontecimentos. Mas o caso de Lebreton não parece ser típico de figuras inflexíveis, pois demonstrou um razoável senso de adaptação nas sucessivas fases do processo desde 1789. E Affonso Taunay, que o biografou, não hesita em mostrá-lo como artífice de uma cabala, nas vésperas da primeira seção solene da Academia, logo após a primeira Restauração, quando

insinuou ao governo que David, regicida, não podia comparecera uma cerimônia presidida por um sobrinho de Luís XVI [o duque de Angoulême], sua vítima, e mandou aconselhar ao desafeto [David] que não se apresentasse, sob ameaça de desfeita. Deixou-se depois levar à mesquinhez de decidir silenciar-lhe o nome, muito embora fosse ele [David] o mestre do primeiro grande prêmio de Roma, o mais tarde tão célebre Leopoldo Robert, e de outro premiado, Rioult, quando era praxe secular proclamar ao lado dos nomes dos laureados os dos respectivos professores. Assim, pois, omitiu-se cuidadosamente o nome de David, até dos programas da cerimônia

44 44 Cf.Taunay (1912, p. 20).

.

O que parece revelar que também Lebreton estava tratando de salvar a própria pele ao isolar e fazer de David o alvo privilegiado no contexto do retorno dos Bourbons.

Mas este foi como um abraço de afogados, e Lebreton foi excluído do Instituto, junto com David, pela ordenança real de 21de março de 1816, alguns meses depois do discurso em que justificou a política francesa da transferência das obras que enriqueceram seus museus. Neste momento, Quatremère de Quincy já havia sido eleito para a secretaria perpétua da Academia Real de Belas Artes, e seu velho amigo italiano, o escultor Canova, na condição de embaixador da Santa Sé, já havia passado por Paris para empacotar e repatriar parte dos tesouros tirados da Itália45 45 Sobre Canova e o proble ma das obras de arte transfe ridas da Itália,Antonio Pinelli escreveu um precioso artigo em que, com rara precisão, articula o estudo interno de suas esculturas com os fatos políticos do período (Ver POMMIER, 1997, v. II, p. 115-131). .

O Livro (2)

Le musée français é museu de papel, o Louvre gravado, descrito e comentado, a ser mostrado ao mundo, para cumprir a função de tornar acessíveis suas obras para observadores distantes. Fez parte da política cultural internacional do império napoleônico, que tentou dizer com ele que as espoliações foram um benefício para todos, que agora podiam ver toda a arte européia, em suas diversas fases, desde a Antiguidade grega, reunida em um único centro: Paris, a legítima herdeira de Atenas e de Roma.

No discurso que pronunciou aos membros da Academia quando foram apresentadas as obras chegadas da Itália, Denon faz referência a

um catálogo criterioso que acaba de ser realizado, que tem a dupla finalidade de servir de arquivo para as artes e de ser a história completa do museu Napoleão. Os esclarecidos conservadores desse Museu foram encarregados de sua execução e, antes de mais nada, é para mim uma glória que essa obra importante tenha sido empreendida e finalizada durante o tempo de minha direção46 46 Ver, de D. V Denon, Discours sur les monuments d'antiquité arrivés d'Italie (MAURIÈS,1998,p.71). .

Le musée français é este catálogo que, ao contar a história do Museu Napoleão, oferece uma súmula da história da arte do Ocidente europeu.

São 343 gravuras, 84 baseadas em desenhos de esculturas antigas, boa parte delas trazidas da Itália; 87 de pintura de história; 89 de pintura de gênero e retrato; 83 de paisagens, marinhas e vistas (a classificação é do próprio livro), distribuídos nos quatro tomos. Sobre pintura, há um claro destaque de Rafael, que em todos os volumes encabeça a lista de pintura de história com mais de um quadro; ao todo são onze gravuras baseadas em seus quadros. Logo após Rafael, a escola italiana que predomina em pintura de história é a de Bolonha: Le Dominiquin com sete gravuras, Le Guide com oito, Albane com cinco, Annibal Carrache com duas47 47 Aqui a grafia dos nomes é mantida tal como se encontra em Le musée français, que afrancesa boa parte dos nomes, sobretudo os italianos. . Os franceses se distribuem em vários gêneros, e entre eles o artista com maior número de gravuras é Vernet (13), sempre no gênero da paisagem; depois dele Poussin (10), Le Sueur (8), e Claude Lorrain (3), Le Brun (2), Champagne (2). A se cruzar o ponto de vista da ortodoxia acadêmica com o fato de ser um museu francês, o predomínio inicial destes artistas e escolas (Rafael - Escola de Bolonha - Escola francesa no século XVII) é previsível. Mas o que é verdadeiramente notável em Le musée français, é a numerosa presença de artistas flamengos e holandeses, o que foi o resultado de uma política explícita de Denon, tanto ao escolher as obras confiscadas nas guerras como ao adquirir obras em coleções particulares. O artista que, individualmente, tem mais obras gravadas é Rembrandt (16), e são também muitos Wouvermans (7), Berghem [Berchem] (5), Van der Meulen (5), Karel du Jardin (5), Van der Werff (4), Van Ostade (3), Terburgh (3), Van der Velde (2), Kuyp (2), todos artistas holandeses do século XVII, mas é evidente que predominam na pintura de gênero, de paisagem e no retrato, mas não na pintura de história, o grande gênero em que os italianos sempre estão à frente. Há também um núcleo cujo centro é Antuérpia, que, se não é tão numeroso em artistas como o núcleo holandês, não é menos significativo; representado por Rubens (6), David Teniers (9), Jordaens (2), e Van Dyck (1). Do norte da Bélgica e da Holanda estão presentes por volta de 1/3 das pinturas gravadas. Isso parece significar que a mudança no gosto da escola francesa, que só se tornaria generalizada na década de 1820, já está prefigurada em Le musée français, que data do início do século. O que talvez seja devido ao gosto nada ortodoxo de Denon, que marcou o nascimento do Louvre.

Presente na Biblioteca da AI BA desde os seus primórdios, Le musée français é das obras mais importantes da coleção. É provável que tenha servido como livro de exemplos, uma quase completa história da arte do Ocidente europeu para servir de referência aos alunos da Academia. E se o museu concebido por Denon tinha um caráter didático, o livro só o fez prolongar no distante Rio de Janeiro. Na canônica pedagogia acadêmica, que pressupunha três etapas progressivas para a formação do artista: desenho de desenho, desenho de moldes e desenho de modelos vivos, Le musée français só podia ter papel de relevo.

Artigo apresentado em 4/2007. Aprovado em 4/2007.

Anexo

Último discurso de Lebreton

Quelque grand, quelque legitime que soit le deuil de nos artistes et de tous les Français qui attachent du prix aux progrès des beaux-arts, ainsi qu'aux douces jouissances qu'ils donnent, nous croyons pouvoir leur offrir des consolations dans un prochain avenir. Sans doute nos pertes sont irreparables, et ne pas les déplorer ici serait d'une insensibilité honteuse ou une lâcheté.

C’est maintenant à l'histoire qu'il appartient de prononcer sur la justice ou l'injustice qui les produit, de juger les formes qui les ont accompagnées. Mais nous sommes déjà fondés à croire qu'elle ne dira point que notre nation, qui s'était enrichie de leurs chefs-d'oeuvre, se soit montrée indigne de les posséder. Ennoblissons du moins un de nos malheurs par la persuasion qu'il ne fut pas mérité.

Avant que la victoire abusât du droit de la force, ce qu'elle ne tarde jamais à faire, elle obtint pour la France un choix de monumens de l'art statuaire antique et de plus beaux ouvrages de la peinture moderne: elle se borna aux objets stipulés, et les groupes inappréciables de Mont-Cavallo, ainsi que beaucoup d'autres statues et bas-reliefs d'un transport plus facile, ne furent point enlevés. On laissa au souverain le temps de prendre des images identiques de tous les originaux qu'il perdait, procédé honorable et délicat qu'on n'a point pour nous qui en avions donné l'exemple. Ne veut-on nous imiter que dans le mal? Une réunion d'hommes estimables, sous le double rapport des talens et de la moralité, fut envoyée de Paris, moins pour ravir à Rome des monumens cédés, et dont la possession n'était pas douteuse, que pour veiller à leur consevation dans le déplacement et le voyage. Aussi l’on a peine à concevoir, sur-tout aujourd'hui, le succès de cette étonnante operation. arrivés ici sans aucun accident, par le prodige de cette surveillance religieuse et de tous les instans, pendant le cours d'environ une année, les sociétés savantes de tous les genres, le corps enseignans avec tous leurs élèves accompagnèrent leurs chars, que tous les arts avaient concouru à décorer, et les présentèrent au gouvernent, aux autorités constituées et à la population de la capitale, réunis au champ-de-Mars pour le recevoir et célébrer en quelque sorte leur apothéose. Qu'aurait fait de plus Athènes aux temps de Périclès? Ce que je rappelle , vous l'avez vu pour la plupart, et l'Europe entière a lu les relations de cette fête memorable. C’était déjà se montrer digne d'un si grand bienfait, et se rapprocher autant que possible des dieux qui venaient nous honorer de leur présence.

On ne dira pas aussi que la France a manqué de magnificence pour leur ériger un temple, ni de générosité pour en faciliter l'accès, à tous les étrangers, amis ou ennemis: i semblait ne plus exister, dans son auguste enceinte, des haines ni de rivalités nationales. Nous jouissions peut-être d'avantage, parce que nous faisions jouir les autres. Mais personne n'osera nier que Paris n'ait paru retenir ces chefs-d'oeuvre qu'à titre de dépôt, pour le plus grand avantage de l'Europe, et non pour l'orgueil d'une proprieté exclusive.

Telle est, si je ne me trompe, la vrai morale des beaux-arts, et nous l'avons pratiquée. Ce n'était donc pas d'eux qu'il convenait de prendre texte pour nous donner de dures leçons; car, en les invoquant ces beaux-arts que nous avons respectés, cultivés et propagés, ils nous donneraient le droit d'exercer des sévères récriminations: en effet, pour éviter ce qui pourrait sembler nous être personnel, et nous réduissant à un seul fait, ce ne sont pas des Français qui ont arraché par lambreux les sculptures de Phidias des monumens d'Athènes, et nuis en ruines les portiques des temples violés.

Détournant les regards de ces tristes souvenirs, je vous propose, Mesieurs, de portervotre attention surdes espérances dont vous reconnaîtrez la réalité, puisqu'elles reposent sur les lumières du Roi et surdes ressources qui nous appartiennent, savoir, une grande richesse de talens, et le goût de la nation.

On peut transférer par-tout des statues et des tableaux, les traîner en vaincus à la suite de chars de triomphe, l'ancienne Rome en donna l'exemple: mais elle n'eut point pour cela de Praxitelle, de Phidias, d'Apelle, ni de Zeuxis. Les beaux-arts, comme les productions exquises de la nature, ont leur zone, leur température de prédilection, et la France est une patrie qu'ils ont adoptée, depuis le seizième siècle, non par le besoin d'en chercher une autre, ni par l'effet des catastrophes politiques, car ce fut sous le beau règne de Léon X qu'ils devirent français. Ils ne cesseront pas de l'être.

Les malheurs de l'État [ont des effets] sans doute sur les beaux-arts, mais n'en éteignent pas le flambeaux, quand la sagesse veille à sa conservation. Certes lorsque François er l'alluma pour nos aïeux et le fit briller d'un éclat si vif, le royaume n'était pas florissant! le règne même de Charles IX n'en étouffa point la flamme. Ce ne sont pas des profusions irréfléchies qui les font prosperer: elles produiraient au contraire leur décadence par le désordre des conceptions et le mauvais emploi des talens. On peut compter des milliers d'artistes, multiplier les monumens à l'infini, et n'avoir qu'à gemir sur les beaux-arts. Un gouvernement n'est jamais assez riche pour se livrer à une munificence aveugle, même dans les arts; mais une nation n'est jamais assez pauvre pour ne pas les cultiver et les encourager, lorsqu'elle a le bonheur d'en posséder le germe et d'en avoir le goût. Cependant quelque bien fondée que puisse être notre confiance dans la sollicitude paternelle du Roi, elle deviendrait illusoire si l'école française n'avait pas à lui offrir des talens capables de remplacer des chefs-d'oeuvre par d'exellens ouvrages. On connaît notre richesse en ce genre: elle est telle que nous pourrions la partager avec toutes les nations civilisées, et les écoles royales de Paris et de Rome préparent des talens qui succéderont dignement aux maîtres qui les ont formés. Je vais. selon nos usages, vous soumettre un précis des travaux de ces gymnases des arts, et de l'examen que la classe en a fait dans le cours de l'année.

Les agitations de l'Europe ont eu depuis deux ans influence nuisible à l'école royale de Rome, au moins sur quelques rapports. Les peintres ont hésité à s'y rendre, et ces retards leur ont fait perdre un temps précieux. Pour ne pas soupçonner leur zèle, nous en chargerons les circonstances désastreuses qui ont frappé la France et fait sortir les autres nations du calme nécessaire à tous les genres d'études.

Terminada esta introdução, o relatório tem seqüência tratando da rotina das escolas de Paris e Roma; na parte intitulada Travaux divers Lebreton se reporta aos estudos realizados porM. Visconti, em Londres, da "statuaire grec que possède lord Elgin", e retoma o problema das transferências das obras-de-arte.

Si, comme on est fondé à l'espérer, cette conquête est consacrée à un noble usage, soit qu'elle reste la propriété de celui qui l'a faite, soit qu'elle devienne un apanage de la nation anglaise, par l'achat qui semble être en négociation, on oubliera les reproches austères que ses compatriotes eux-mêmes lui ont adressés à la face de l'Europe

48. Si l'on veut en connaître l'étendue et la gravité, on les trouvera consignés avec une énergique indignation, dans un voyageur anglais qui a été témoin des dégradations presqu'inconcevables qu'on a fait subir à ces marbres précieux, en les enlevant. E. D. Clarke, Travels in various countries, of Europe, Asia, andAfrica.

par quelque homme puissant qui les aimât pour eux. Félicitons-nous du moins de leur existence actuelle, et de ce que leur destruction s'arrêtera, pour des siècles encore, aux dégâts que leur ont fait éprouver la lime du temps et les désordres de leur déplacement.

Notice des Travaux de la Classe des Beaux-Arts de l'Institut Royal de France, depuis le mois d'octobre 1814. Par Joachim Le Breton, Secrétaire perpétuel de la Classe, Membre de celle d'Histoire et de Littérature Ancienne, Chevalier de la Légion d'Honneur, Lue à la Séance publique du samedi 28 octobre 1815.

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  • MCCLELLAN,Andrew. Rapports entre la théorie de l'art et la disposition des tableaux au XVIIIe siècle. In: POMMIER, E. (Org.). Les musées en lEurope à la vielle de l'ouverture du Louvre. Paris: Louvre; Klincksiek, 1995.
  • MEYER, Mme. Portraits de tous les souverains de lEurope et des hommes illustres modernes. Accompagnes dun texte biographique de leur vie Civile, Politique ou Militaire. Dessinés daprès nature ou tableaux originaux, et gravés par d'habiles artistes. Dédiés aux Souverains de l'Europe. Par Mme. Meyer, peintre. À Paris, chez l'Auteur, 1817.
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  • PINELLI,Antonio. La Grâce de Persée et la fureur d'Hercule: Canova héroïque et politicien malgré lui. In: POMMIER, E. (Org.). Histoire de lhistoire de l'art.Tome II - XVIIIe et XIXe siècles. Paris: Louvre; Klinksiek, 1997.
  • ________. Storia dell’arte e cultura de la tutela. Le "Lettres à Miranda' di Quatremère de Quincy. In: Lo studio delle arti e ilgenio dell'Europa. A. C. Quatremère de Quincy - Pio VII Chiaramonti. Introduzioni de Andrea Emiliani. Bologna: NuovaAlfa, 1989.
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  • QUATREMÈRE DE QUINCY,Antoine Chrysostome. Considérations sur les arts du dessin en France. Suivis dun plan d'Académie, ou d'École publique, et dun systême d'encouragemens. À Paris, Chez Desenne, 1791 [Genève: Slatkine, 1970].
  • ________. Opinions Religieuses, Royalistes et Politiques de M. Quatremère de Quincy. Publiées par M. le Marquis de Paroy. Paris: Herhan, 1816
  • ________. Canova et ses ouvrages ou Mémoires historiques sur la vie et les ouvrages de ce célèbre artiste. Paris:Adrien le Clere, 1834.
  • ________. Lettres à Miranda sur le déplacement des monuments de l'art de l'Italie [1796]. Introduction et notes par Édouard Pommier. Paris: Macula, 1989a.
  • ________. Considérations morales sur la destination des ouvrages de l'art [1815] suivi de Lettres sur l'enlèvement des ouvrages de l'art antique àAthènes et à Rome [1836]. Paris: Fayard, 1989b.
  • RENOUVIER, Jules. Histoire de l'art pendant la Revolution 1789-1804 suivi d'une Étude surJ. B. Greuze. Notice biographique d'Anatole de Montaiglon. Genève: Slatkine, 1996 [fac-símile da edição de 1862].
  • ROSEMBLUM, R.L'art au XVIIIéme siècle: transformations et mutations.Traduction de Silvie Girard. Saint-Pierre-de-Salerne: Gerard Monfort, 1989.
  • RICHET, Denis.A Campanha da Itália. In: FURET; OZOUF (Orgs.). Dicionário Crítico da Revolução Francesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989.
  • SCHELLER, Robert W. La notion de patrimoine artistique et la formation du musée au XVIIIe siècle. In: POMMIER, E. (Org.).Les musées en l'Europe à la vielle de l'ouverture du Louvre. Paris: Louvre; Klincksiek, 1995.
  • SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Cultura e Sociedade no Rio de Janeiro (1808-1821). São Paulo: Nacional, 1977.
  • TAUNAY,Affonso de E.A Missão Artística de 1816. Rio de Janeiro: IHGB, 1912.
  • 1
    Docente do Departamento de Antropologia e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. E-mail: <
  • 2
    CATÁLOGO da Biblioteca com indicação das obras raras ou valiosas. Rio de Janeiro: Universidade do Brasil-Escola Nacional de Belas-Artes, 1957. Esse documento é a transcrição feita por Alfredo Galvão de um "velho catálogo sem data e manuscrito, cujas folhas estão rubricadas por Félix-Émile Taunay". Ao lado de boa parte dos títulos, há a referência aos doadores das obras. Presume-se que Taunay tenha elaborado o catálogo por volta de 1850.
  • 3
    Esse artigo é versão reduzida de um dos ensaios de minha livre docência em Sociologia da Cultura, defendida na USP em 2003, sob o título
    Sobre quadros e livros: rotinas acadêmica. Paris - Rio de Janeiro, século XIX. São estudos derivados de pesquisa sobre o ambiente artístico que se desdobrou além do Atlântico e que esteve nabase daAcademia Imperial das BelasArtes no Rio de Janeiro. As principais fontes do conjunto são os livros da biblioteca daAIBA,que se formou pelo trabalho contínuo de Félix-Émile Taunay e Manuel Araújo Porto-Alegre, diretores da instituição. Aqui, as duas figuras centrais são Joachim Lebreton e Quatremère de Quincy, personagens rivais, que ocuparam a
    "secretaria perpétua" da Classe de Belas Artes do Instituto de França. As principais fontes desse artigo são os escritos que Quatremère e Lebreton produziram no contexto das guerras napoleônicas e da criação do Museu Napoleão. Sobre a história dos museus na Europa e a deriva de coleções artísticas pelo continente, tomo como referência fontes secundárias em que se destacam os trabalhos de Francis Haskell e Édouard Pommier.
  • 4
    Cf. E. Pommier (2001, p. 185).
  • 5
    Ver La Font de Saint-Yenne (2001,p. 55-59).
  • 6
    Idem. p. 59.
  • 7
    Sobre essas cifras, cf. Bernadette Fort (1999, p. 17). A estimativa do público é baseada no número de catálogos vendidos: 21 940. Em 1787, Paris tinha cerca de 1 130 000 habitantes, incluindo os estrangeiros.
  • 8
    Cf.Pommier (2001, p. 190-193).
  • 9
    Sobre os primeiros passos da idéia arquitetural de museu, cf. Volker Plagemann (1995).
  • 10
    A idéia de
    temple à la Renommée estava presente nos projetos executados por Quatremère de Quincy quando foi encarregado, em 1791, de transformar a igreja Sainte-Geneviève no Panthéon revolucionário. Quatremère pretendia que a cúpula do Panthéon fosse coroada com uma estátua da
    Renommée (uma alegoria) e que houvesse no frontão ainscrição:"Aux grands hommes la Patrie re-connaissante".Cf. Quatremère de Quincy (1816, p. 10).
  • 11
    Francis Haskell tratou destes problemas em dois longos e esclarecedores artigos - Conservation et dispersion du patrimoine artistique italien e La collection de tableaux de Charles ler - publicados em
    L'Amateur d'Art. Os casos mais notáveis foram: a venda (por Vincenzo II de Mântua, para um comerciante holandês a serviço de Carlos I da Inglaterra) de uma fabulosa coleção de obras primas, em 1627, quando foram transferidas obras de Mantegna,Ticiano,Rafael, Corrégio Júlio Romano...; e a venda da coleção da rainha Cristina da Suécia, depois de seu falecimento em Roma. Esta última tinha sido forma da, em parte, antes de sua mudança para Roma e de sua conversão ao catolicismo, com obras que haviam sido pilhadas em Praga pelos exércitos suecos na guerra dos Trinta Anos. Em seu período romano, Cristina aumentou consideravelmente sua coleção que, posteriormente, foi comprada pelo duque de Orleans.
  • 12
    Sobre as transformações do conceito de fideicomisso, é essencial o artigo La notion de patrimoine artistique et la formation du musée au XVIIIe siècle (SCHELLER, 1995).
  • 13
    Ver Goethe (1999, p. 191).
  • 14
    A novidade desta exigência é,no entanto,caudatária de uma série de iniciativas dos Médicis, como o decreto de 1602, elaborado pelo Grão Duque Ferdinando I, autorizando a Accademia del Disegno a controlar a exportação de todas as obras de arte. Cf. Conservation et dispersion du patrimoine artistique italien (HASKELL, 1997, p. 94).
  • 15
    Ver Grotius (1990, p. 338).
  • 16
    Sobre a relação dos artistas vivos com o museu, logo em sua origem e durante o século XIX, e a dinâmica que se cria pelo desejo de ter obras nele expostas, cf. Le peintre et le musée (HASKELL, 1989, p. 462-477).
  • 17
    Ver Scheller (1995, p. 121).
  • 18
    Encyclopédie (1778).
  • 19
    Vien foi personagem de destaque na cena artística francesa por mais de meio século, teve carreira exemplar - que incluiu o Prêmio de Roma obtido no Salão de 1743 -,tendo permanecido na Itália até 1750. Depois de seu retorno, foi admitido na Academia em 1754 e abriu ateliê que teve grande notoriedade em função destaque posterior de diversos de seus alunos. Na época de Luís XVI, Vien ocupou posições estratégicas no sistema francês das artes: administrou a Escola francesa em Roma entre 1775 e 1781, e, em 1789, foi eleito Primeiro Pintor do rei e Diretor daAcademia de Paris.
  • 20
    Cf. De l'iconoclasme au patrimoine (POMMIER, 1991, p. 128).
  • 21
    Apud Denis Richet (1989, p.8).
  • 22
    Ver Discours sur les monuments d'antiquité arrivés d'Italie (DENON, 1998, p. 70).
  • 23
    Se nos inúmeros escritos de Quatremère há sobre David um relativo silêncio, sobre Canova há profusão. Em 1808, escreveu o artigo Beaux-Arts: Sur M. Canova, et les quatres ouvrages qu'on voit de lui à l'exposition publique de 1808; em 1834, escreveu a biografia artística
    Canova et ses ouvrages ou Mémoires Historiques sur la vie et les ouvrages de ce célèbre artiste. E, em 1836, publicou a correspondência que travou com Canova em Lettres sur l'enlèvement des ouvrages de l'art antique à Athènes et à Rome.
  • 24
    Francisco Miranda não foi um interlocutor fictício, coisa não descabida no gênero, mas personagem histórico. Foi um espanhol daAmérica, nascido em Caracas em 1750, que lutou na guerra de independência dos Estados Unidos e combateu também nas guerras que se sucederam à Revolução Francesa. Apesar de acusado de responsabilidade em derrotas militares, e por amizade com os girondinos, conseguiu sobreviver ao Terror e, depois doTermidor, freqüentou círculos modera dos e pró-realistas, onde provavelmente aproximou-se de Quatremère de Quincy. Cf. Édouard Pommier (1989, p. 13).
  • 25
    Quatremère de Quicy (1989a, p. 87-88).
  • 26
    Idem. p. 89.
  • 27
    Idem. p. 91.
  • 28
    Idem. p. 106.
  • 29
    Idem. p. 135.
  • 30
    Ver Pétition adressée au Directoire,le 29 thermidor an IV par cinquante artistes, pour appuyer les thèses de Quatremère de Quincy (QUATREMÈRE DE QUIN CY, 1989a, p. 141).
  • 31
    Ver Pétition adressée au Directoire,le 12 vendémiaire an IV par trente-sept artistes, pour soutenir la politique des saisis d'oeuvres d'art en Italie (QUATREMÈRE DE QUINCY, 1989a, p. 145).
  • 32
    Idem. Ibidem.
  • 33
    Apud Pommier (1989, p. 52-53).
  • 34
    As Academias do Antigo Regime foram suprimidas em 1793 pela Convenção, e deram lugar ao Institut de France, criado em 1795, composto por três classes: Sciences physiques et mathématiques; Sciences morales et politiques; Littérature et beaux-arts. Em 1803,o Institut foi reformado: a classe de Sciences physiques et mathématiques foi mantida; a classe de Sciences morales et politiques foi suprimida (recriada apenas em 1832); a de Littérature et beaux-arts foi subdividida e, com isso, surgiram as classes de Langue et Littérature française (o que significou o retorno da Académie française); a classe de Beaux-arts (Pintura, Escultura,Arquitetura,Mú-sica); e a classe de Histoire et Littérature anciènne. Esta estrutura permaneceu até a Restauração, quando as classes foram novamente redefinidas e voltaram a ter o estatuto de Academias.
  • 35
    Cf. Henry Jouin (1892, p. 17).
  • 36
    Lebreton, Rapport..., p.14.
  • 37
    Idem, p. 16.
  • 38
    Cf. Lebreton, Notice historique..., p. 43. Há que lembrar também que Boucher era primo da mãe de David, e foi ele que o indicou para o ateliê de Vien.
  • 39
    O que fica obscurecido no relatório de Lebreton é o caráter de ruptura contido em
    Juramento dos Horácios, que não pode ser visto como simples continuidade da perspectiva aberta por Vien na década de 1760. O neoclassicismo deste não diverge radicalmente do ambiente rococó do qual fazia parte. Diverge no ponto de vista da maneira, mas não o faz no que diz respeito aos temas. Como observa Friedlaender, Vien "não se desvencilhou
    dapetite manière; somente os trajes antigos e a sóbria contenção no desenho e na cor acrescentaram algo novo" (FRIEDLAENDER, 2001, p. 25). Vien foi austero no tratamento pictórico de seus quadros,promovendo assim um retorno aos ideais associados a Poussin, mas, mesmo demonstrando rigor arqueológico no resgate do antigo, manteve a frivolidade e a sensualidade características de seus contemporâneos. Robert Rosemblum forjou a expressão de
    "erótica neoclássica" para designar a corrente na qual Vien se destacou (ROSEM-BLUM, 1989, p. 54). Em David há também uma forte carga erótica, que se dissimula, no entanto, em lições de virtude cívica resgatadas da Antigüidade grega e romana, que tiveram um papel de relevo no clima ideológico imediatamente anterior à Revolução de 1789. Sobre a gênese de
    Juramento dos Horácios, é essencial o trabalho de Thomas Crow (1995).
  • 40
    Cf. Jules Renouvier (1996, p. 2).
  • 41
    Cf. Delaborde (1891, p. 14 e 124).
  • 42
    Apud Henri Delaborde (1891, p. 161).
  • 43
    Sobre a coleção de Denon, cf. Géneviève Bresc Bautier e Suzana Guimarães (em ROSEMBERG; DUPUY, 1999,p.428-430); e, também, o relato de Lady Morgan, L'hotel du baron Denon (MAURIÈS, 1998, p. 97-103).
  • 44
    Cf.Taunay (1912, p. 20).
  • 45
    Sobre Canova e o proble ma das obras de arte transfe ridas da Itália,Antonio Pinelli escreveu um precioso artigo em que, com rara precisão, articula o estudo interno de suas esculturas com os fatos políticos do período (Ver POMMIER, 1997, v. II, p. 115-131).
  • 46
    Ver, de D. V Denon, Discours sur les monuments d'antiquité arrivés d'Italie (MAURIÈS,1998,p.71).
  • 47
    Aqui a grafia dos nomes é mantida tal como se encontra em
    Le musée français, que afrancesa boa parte dos nomes, sobretudo os italianos.
  • 48
    . La reconnaissance des amateurs de la belle antiquité ira plus loin; car après que le droit de propriété a été violé, ce qui est toujours un délit social, après des mutilations, qui son des outrages barbares, l'amour des arts peut encore ne considerér que leur avantage général , et sous ce rapport, il faut convenir que tous les chef-d'oeuvre que nous citons étaient condamnés à périr entièrement par la double influence de la barbarie mahométane et de l'atmosphère saline de l'archipel Grec, sans être utiles et sans culte. de ce point de vue, où se trouvait naturellement placé M. Visconti, on doit regretter avec lui que ces monumens n'aient pas été recuillis religieusement, un siècle et demi plutôt, par quelque souverain protecteur des arts, ou
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Ago 2007
    • Data do Fascículo
      Jun 2007

    Histórico

    • Aceito
      Abr 2007
    • Recebido
      Abr 2007
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