De morcegos e caveiras a cruzes e livros: a representação da morte nos cemitérios cariocas do século XIX (estudo de identidade e mobilidade soclais)

Lima, Tania Andrade

doi:10.1590/S0101-47141994000100010

Resumos

Considerando que os espaços destinados aos mortos em uma sociedade refletem especularmente o mundo dos vivos, sendo ambos regidos pela mesma lógica de organização, os cemitérios foram entendidos como um lugar de reprodução simbólica do universo social, e, nessa condição, como um campo privilegiado para a análise do processo de implantação e consolidação dos val-ores burgueses na socieaade carioca do século passado. O presente trabalho, considerando a ruptura do império escravista, na década de 1880, e a emergência de uma república progressivamente capitalista, voltou-se para a verificação de prováveis mudanças no imaginário coletivo sobre a morte, nos cemitérios do Rio de Janeiro, provocadas pelo rompimento aa ordem escravocrata. Uma pesquisa foi conduzida no sentido de se investigar não apenas a natureza dessa mudança, mas sobretudo os mecanismos subjacentes que a determinaram, sendo aqui apresentados os seus resultados.

Cemitérios; Imaginário funerário; Rio de Janeiro oitocentista; Emergência da sociedade burguesa

Following the assumption that spaces alloted to the dead specularly reflect the world of the living, both of them under the rules of the same Iogics, the A. considers the cemeteries as the loeus of tne symbolic reproduction of social universe and, henceforth, as a favoured domain to infer the processes through which bourgeois values are introduced and strengthened in 19th-century Rio de Janeiro's society. Within the framework of the disruption of the proslavery state, in the 1880s, as well as of the emergence of a growing capitalistic republic, she detects eventual changes of the collective imagina ire concerning death, at Rio's cemeteries. The results of her fieldwork are dis- cussed, related not only to the nature of changes, but also to the underlying mechanisms that pro-voked them.

Cemeteries; Funerary imaginaire; 19th-century Rio de Janeiro; Emergence of bourgeois society

ESTUDOS DE CULTURA MATERIAL

De morcegos e caveiras a cruzes e livros: a representação da morte nos cemitérios cariocas do século XIX (estudo de identidade e mobilidade soclais)

From bats and death's heads to crosses and books: the representation of death at 19th-century cemeteries in Rio de Janeiro

Tania Andrade Lima

Universidade Estácio de Sá Rio de Janeiro

RESUMO

Considerando que os espaços destinados aos mortos em uma sociedade refletem especularmente o mundo dos vivos, sendo ambos regidos pela mesma lógica de organização, os cemitérios foram entendidos como um lugar de reprodução simbólica do universo social, e, nessa condição, como um campo privilegiado para a análise do processo de implantação e consolidação dos valores burgueses na socieaade carioca do século passado. O presente trabalho, considerando a ruptura do império escravista, na década de 1880, e a emergência de uma república progressivamente capitalista, voltou-se para a verificação de prováveis mudanças no imaginário coletivo sobre a morte, nos cemitérios do Rio de Janeiro, provocadas pelo rompimento aa ordem escravocrata. Uma pesquisa foi conduzida no sentido de se investigar não apenas a natureza dessa mudança, mas sobretudo os mecanismos subjacentes que a determinaram, sendo aqui apresentados os seus resultados.

Unitermos: Cemitérios. Imaginário funerário. Rio de Janeiro oitocentista. Emergência da sociedade burguesa.

ABSTRACT

Following the assumption that spaces alloted to the dead specularly reflect the world of the living, both of them under the rules of the same Iogics, the A. considers the cemeteries as the loeus of tne symbolic reproduction of social universe and, henceforth, as a favoured domain to infer the processes through which bourgeois values are introduced and strengthened in 19th-century Rio de Janeiro's society. Within the framework of the disruption of the proslavery state, in the 1880s, as well as of the emergence of a growing capitalistic republic, she detects eventual changes of the collective imagina ire concerning death, at Rio's cemeteries. The results of her fieldwork are dis cussed, related not only to the nature of changes, but also to the underlying mechanisms that provoked them.

Uniterms: Cemeteries. Funerary imaginaire. 19th-century Rio de Janeiro. Emergence of bourgeois society.

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Datas de Publicação

Publicação nesta coleção
18 Jun 2010
Data do Fascículo
1994

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[55] LOUREIRO, Maria Amélla Salgado. Origem bistórica dos cemitérios. São Paulo: Secretaria de Serviços e Obras, 1977.

[56] MACHADO, Roberto et al. Danação da norma: Medicina soclal e constituição da psiqulatria no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1978. (Saber e Sociedade, 3).

[57] MARTINS, José de Souza, org. A morte e os mortos na sociedade brasileira. São Paulo: Hucitec, 1983.

[58] McGUlRE, Randall. Dlalogues with the dead: ideology and the cemetery. In: LEONE, MP; POTfER JR, PB eds.The recovery of meaning: Historical archaeology in the Eastern United States. Washington: Smithsonlan Institution, 1988, p.435-80.

[59] MEIHY, José Carlos Sebe Bom; LEVINE, Robert. Até o encontro na eternidade. Cadernos de pesquisa, n.1l, (Guaratinguetá: Museu Rodrigues Alves), 1987.

[60] MILBAUER, John. Southern folk traits in the cemeteries of Northeastern Oklahoma. Southern folklore, v.46, n.2, p.175-85, 1989.

[61] NABUCO, Joaquim. A intervenção estrangeira durante a revolta de 1893. In: Obras completas dejoaquim Nabuco. São Paulo: Inst. Progresso Editorial, 1949a, v.2, p.145-262.

[62] NABUCO, Joaquim. O Marechal Floriano e a Revolta. In: Obras Completas de joaquim Nabuco. São Paulo: Inst. Progresso Editorial, 1949b, v.2, p.263-75.

[63] OSBORNE, Brian S. The cemeteries of Midland District of Upper Canada: a note on mortality in a frontier society. Pioneer America, v.6, n.l, p.46-55, 1974.

[64] OWSLEY, Douglas W et al. Demography and pathology of an urban slave population from New Orleans. AmericanjournalofPbysicalAntbropology, n.74, p.185-97, 1987.

[65] PARRINGTON, Michael. Cemetery archaeology in the urban environment: a case study from Philadelphia. In: STASKI, E ed. Living in the cities: current research in urban Archaeology, p.56-64, 1987. (Society of Historical archaeology, Speclal Publication Series, 5).

[66] PATIERSON, Nancy Lou. Open secrets: fifteen masonic and orange lodge gravemarkers in Waterloo and Wellington Counties, Ontario. Bulletin d'Histoire de La Culture Matérielle, n.23, p.42-47, 1986.

[67] PEARSON, Michael Parker. Mortuary practices, society and ideology: an ethnoarchaeological study. In: HODDER, Lan, ed. Simbolic and structural Archaeology. Cambridge: Cambridge University Press, 1982, p.99-113. PENNY, Nicholas. Mouming. London: Victoria and Albert/Crown, 1981.

[68] POCINS, Gerald. The transformation of the traditional Newfoundland Cemetery: institutionalizing the secular dead. Bulletin d'Histoire de ta culture matérielle, n.23, p.25-34, 1986.

[69] QUEIRÓS, Maria Isaura Pereira de. Cultura, sociedade rural, sociedade urbana no Brasil. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos/São Paulo: Edusp, 1978.

[70] QUEIROZ, Sueli Robles Reis de. Os radicais da República: Jacobinismo, ideologla e ações. 1893-1897. São Paulo: Brasiliense, 1986.

[71] QUEIROZ, Sueli Robles Reis de. O Jacobinismo na Primeira República: reforma ou revolução? In: CONGRESSO NACIONAL DE HISTÓRLA DA PROPAGANDA, PROCLAMAÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DA REPÚBLICA. Rio de Janeiro: IHGB, 1989. Anais. v.2, p. 227-38, 1989

[72] RAGON, Michel. L'espace de La mort: essai sur l'architecture, La décoration et l'urbanisme funéraire. Paris: Albin Michel, 1981.

[73] REIS, João José. A morte é uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.

[74] RICHARDSON, Bill. Quaker burial grounds: plainness texts from community and family in Dutchess County, New York. Material culture, v.25, n.1, p.37-48, 1993.

[75] RIDLEN, Susanne S. Funerary. Art in the 1890's: a reflection of culture. Pioneer American society transactions, n.6, p.27-35, 1983.

[76] RODRIGUES, José Carlos. O Tabu da morte. Rio de Janeiro: Achlamé, ~983.

[77] RODWELL, Warwick. the Archaeology of religious places: churches and cemeteries in Britain. Philadelphia: University of Pennsylvanla Press, 1989.

[78] SEXTON, Rocky. Don't let the rain fall on my face: French Louislana graveshouses in an anthropo-geographical contexto Material culture, v.23, n.3, p.31-46, 1991.

[79] SHANKS, Michael; TILLEY, Christopher. Re-constructing Archaeology: theory and practice. Cambridge: Cambridge University Press, 1987.

[80] SLATER, James A. the colonlal burying grounds of Bastem Connecticut and the men who made them. Connecticut: Archon Books,1987.

[81] STANNARD, David E. the puritan way of death: a study in religion, culture and soclal change. Oxford: Oxford University Press, 1977.

[82] STONE, Gaynell. Material evidence of ideological and ethnic choice in Long Island gravestones 1670-1800. Material eulture, v.23, n.3, p.1-29, 1991.

[83] STONE, Patricla; RUSSEL, Lyon. Observations on figures, human and divine, on 19th. century Ontario gravestones. Bulletin d'Histoire de La eulture matérielle, n.24, 1986.

[84] TAYLOR, Lou. Mourning etiquette: hints to persons in mourning, including the best soclal usage as to cards, costume, period of mourning, appropriate jewelry, etc. New York: Fowler Brothers, 1980.

[85] TAYLOR, Lou. Mourning dress: a costume and Soclal History. London: George Allen & Unwin, 1983.

[86] TENENTI, Alberto. La vie et La mort à travers I'art du XVe siecle. Paris: Colin, 1952.

[87] TRASK, Deborah. Life bow sbort, eternity bow long: gravestone carving and carvers in Nova Scotla. Halifax: Nova Scotla Museum. 1978.

[88] TRASK, Deborah; MC NABB, Debra. Carved in stone: material evidence in the graveyards of Kings County, Nova Scotla. Bul/etin d'Histoire de La eulture matériel/e, n.23, p.35-42, 1986.

[89] URBAIN, Jean Didier. La Soeiété de Conservation: étude sémiologique des cimetieres d'Occident. Paris: Payot, 1978.

[90] VALLADARES, Clarival do Prado. Arte e sociedade nos cemitérios brasileiros. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura, 1972, 2v.

[91] VASCONCELLOS, Zacharias de Goes. Legislação sobre a empresa funerária e os cemitérios da cidade do Rio de janeiro. Rio de Janeiro: Typ. da Escola de Serafim José Alves, 1878.

[92] VIElRA FAZENDA, J. Antiqualhas e memórias do Rio de Janeiro. Revista do IHGB. t.86, v.140, 1921.

[93] VOVELLE, Michel. Vision de La mort et de l'au-delà en Provenee, d'apres les autels des âmes du Purgatoire. Paris: Colin, 1970.

[94] VOVELLE, Michel. Mourir autrefois. Paris: Gallimard Julllard, 1974.

[95] VOVELLE, Michel. Piété baroque et déebristlanisation: les attitudes devant La mort en Provence au XVIII eme siecle. Paris: Seuil, 1978.

[96] VOVELLE, Michel. La mort et l'Occident. Paris: Gallimard, 1983.

[97] VOVELLE, Michel. Ideologlas e mentalidades. São Paulo: Brasiliense, 1987.

[98] VOVELLE, Michel. L 'beure du grand passage: chronique de La morto Paris: Gallimard, 1993.

[99] WATTERS, David R. Excavations at the Harney Site Slave Cemetery, Montserrat, West Indies. Annals of Carnegie Museum, n.56, p.289-318, 1987.

[100] WURST, Lou Ano. "Employees must be of moral and temperate habits": rural and urban elite ideologies. In: McGUIRER, H.; PA YNTER, R. The arebaeology of inequality. OxfordlCambridge: Blackwell, 1991, p.125-49.