Acessibilidade / Reportar erro

Padrões e apropriações da higiene na consolidação do banheiro nas moradias paulistanas (1890−1930)1 1 Este artigo é fruto da pesquisa de mestrado que originou a dissertação Corpo, casa e cidade: três escalas da higiene na consolidação do banheiro nas moradias paulistanas (1893-1929), de Clarissa de Almeida Paulillo, sob orientação da Prof.ª Dr.ª Tatiana Sakurai, realizada no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), com apoio da CAPES. A dissertação ficou em primeiro lugar do XXXI Prêmio Design do Museu da Casa Brasileira, na categoria “Trabalhos escritos - não publicados”.

Hygiene standards and appropriations in the consolidation of bathrooms in São Paulo dwellings (1890−1930)

RESUMO

Este artigo explora a relação entre espaço doméstico, tecnologias e as políticas higienistas na cidade de São Paulo, entre o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX. Com base no levantamento dos pedidos para novas construções habitacionais do período, observa-se a rápida transformação da moradia segundo preceitos de salubridade e limpeza, com destaque para a constituição de um novo ambiente no programa residencial: o banheiro. Partindo dessa constatação, o artigo é dividido em duas partes: na primeira, discute-se como as políticas sanitaristas tornam obrigatória a presença de um cômodo sanitário nas moradias paulistanas por meio da implantação dos serviços de fornecimento de água e esgoto para domicílios, apoiada pela legislação e fiscalização; na segunda parte, o trabalho examina a apropriação social desse novo espaço, assim como de seus equipamentos, revelando que a consolidação do banheiro deve ser compreendida também à luz das mudanças das práticas corporais ligadas às ideias de higiene, limpeza e conforto em discussão na época.

PALAVRAS-CHAVE:
São Paulo (cidade); Banheiro; Habitação (1890−1930); Higiene

ABSTRACT

This paper explores the relationship between the domestic space, technologies and hygienist policies in the city of São Paulo, between the late 19th century and early 20th century. In analyzing the requests for new housing constructions in the period, we observe a rapid transformation of housing according to salubrity and cleanliness precepts, particularly the creation of a new environment in the residential program: the bathroom. Based on this observation, the article is divided into two parts: the first discusses how sanitary policies made the presence of a sanitary room mandatory in São Paulo’s houses by implementing water and sewage services for households, supported by legislation and inspection. The second examines the social appropriation of this new space, as well as of its equipment, revealing that the consolidation of the bathroom should be understood in light of changes in bodily practices linked to the ideas of hygiene, cleanliness and comfort under discussion at the time.

KEYWORDS:
São Paulo (city); WC; Housing (1890−1930); Hygiene

INTRODUÇÃO

Durante as décadas de 1890 e 1930, caracterizadas pelo processo de modernização das grandes cidades, observa-se uma das maiores transformações técnicas nas habitações: a articulação delas aos sistemas de infraestrutura urbana. Com a chegada dos serviços de abastecimento de energia e saneamento no interior da moradia, surgiu a necessidade de espaços e práticas específicas para o funcionamento da nova aparelhagem, implicando na reorganização dos ambientes e da vida doméstica.

É possível acompanhar como se deu essa reorganização a partir do estudo da implantação das redes de distribuição de água e esgoto em São Paulo, entre o final do século XIX e início do século XX. Para compreender as mudanças espaciais da casa, elegeu-se como principal conjunto documental os projetos residenciais anexados aos pedidos de autorização para novas construções e reformas junto à municipalidade.3 3 O material consultado como fonte de pesquisa são as plantas anexadas aos pedidos para construção ou reforma de moradias, submetidos à aprovação da Intendência municipal por particulares, arquivados na Série de Obras Particulares do Arquivo Histórico Municipal Washington Luís (SOP-AHMWL), da Prefeitura Municipal de São Paulo. No acervo, estão disponíveis projetos de 1893 a 1923, lembrando que 1893 foi a data da Lei Municipal nº 38, que tornou obrigatória a apresentação de planta para o alvará de licença. Neles, foram examinadas as permanências e as mudanças no programa de necessidades da casa paulistana, privilegiando o espaço mais alterado pela nova tecnologia das redes sanitárias: o banheiro. O levantamento e a análise das fontes revelaram que esse compartimento teve sua configuração arquitetônica definida, consolidando-se como item obrigatório nas moradias ao longo das primeiras décadas do século XX.

Parte-se da premissa que o banheiro surge com a disponibilização do sistema de canalização de água e esgoto, conforme já sugeria a literatura pesquisada.4 4 Cf. Eleb (1995), Giedion (1978) Lemos (1999) e Vigarello (1996). Nesse sentido, é possível afirmar que a organização do novo cômodo estava, antes de tudo, vinculada às políticas de implantação do sistema urbano de infraestrutura sanitária a partir do final do século XIX.

Esse período foi marcado pela ascensão da economia cafeeira e por uma série de investimentos no território paulista. Assim como os grandes centros urbanos brasileiros, a cidade de São Paulo se configurava como espaço de novas possibilidades de vida em meio a transformações sociais no panorama do novo regime republicano, do fim da escravidão e de crescimento econômico. Como observa Sevcenko,5 5 Sevcenko (1998, p. 34). esses eventos trouxeram um quadro de otimismo e a sensação entre as elites brasileiras de que o país se alinhava às “forças inexoráveis da civilização e do progresso”. Segundo o autor, é nesse momento que se consolida a “Revolução Científico-Tecnológica”,6 6 Sevcenko (id., p. 11) chama a atenção para a “Revolução Científico-Tecnológica”, resultante da aplicação das descobertas científicas aos processos produtivos, ampliando novos campos de exploração industrial, além do desenvolvimento nas áreas da bacteriologia, medicina, higiene e profilaxia. Inicialmente presente na Europa e nos Estados Unidos, o impacto dessa revolução no Ocidente se traduz na variedade de novos equipamentos, produtos e processos no cotidiano, além da repercussão decisiva no controle das doenças e no prolongamento da vida. pela qual se difundem as novas condições da economia capitalista globalizada e seus princípios de racionalidade técnica, inserindo o Brasil no contexto modernizador e promovendo novos grupos dominantes, formados pelos “modelos de um pensamento científico cosmopolita”.7 7 Ibid., p. 35.

Nessa perspectiva, buscava-se construir uma nova imagem de cidade, adequada às novas formas de produção capitalista, bem como justificar as intervenções no espaço urbano. Ao mesmo tempo, as levas de imigração e migração do período conferiam às grandes cidades um lugar de fusão de vivências, experiências e de tensões diversas. Conforme pontua Marins,8 8 Marins (1998, p. 132). desenhava-se um “quadro difuso e instável”, de modo que “tumulto” e “desordem” eram termos aplicados de forma generalizada à dinâmica dessas cidades, sobretudo às formas de ocupar e experimentar os espaços, sejam eles as ruas, os locais públicos ou as habitações. Entre os aspectos que propiciavam a “desordem” e a “instabilidade”, a questão sanitária era uma das mais evidentes.

No caso da cidade de São Paulo, os novos contingentes populacionais se juntavam à uma população pobre, que já vivia de forma precarizada, adensando áreas centrais e expandindo, sem planejamento, os limites urbanos. Como consequência, houve a deterioração das condições sanitárias e, assim como nas outras grandes cidades brasileiras, o temor pela eclosão de epidemias fez com que o controle sanitário do território fosse prioritário, incorporando-o às políticas estaduais de saúde pública da Primeira República.

Como aponta Bernardini,9 9 Bernardini (2007, p. 287). a intervenção sanitária era um dos múltiplos aspectos da modernização das cidades brasileiras, em que a implantação do sistema de fornecimento de água e de esgotos significava a melhora das condições habitacionais, o prolongamento vida da população e o progresso das atividades econômicas, promovendo as condições para a reprodução da força de trabalho e viabilizando a instalação de um maior número de estabelecimentos industriais e comerciais nas cidades.

Um dos grandes marcos da política sanitarista do regime republicano na cidade de São Paulo foi a criação, em 1893, da Repartição de Água e Esgotos da Capital (RAE), que marcou a apoderação estatal do serviço de distribuição de água e esgotos, antes a cargo da antiga Companhia Cantareira e Esgotos. A encampação era uma resposta às sucessivas crises de abastecimento e às dificuldades da empresa em ampliar o sistema de canalizações frente a uma cidade em crescimento. Bonduki10 10 Bonduki (1998, p. 35). chama a atenção da importância da intervenção estatal num setor destinado a particulares, sobretudo sob domínio de capitais estrangeiros. Diferentemente dos outros serviços urbanos - como a iluminação pública e distribuição domiciliar de gás, sob a responsabilidade da São Paulo Gás Co. Ltd., a telefonia, com a Telephone Co., e, alguns anos depois, a geração e distribuição energia elétrica e serviço de bondes pela São Paulo Light Power & Cia - a oferta de abastecimento de água e esgotos passava para o domínio do Estado. A pronta intervenção revelava o quanto as autoridades do governo republicano consideravam o setor essencial para melhorar as condições sanitárias da cidade.

É importante ressaltar que a gestão e a produção dos serviços de canalizações de água e esgotos faziam parte do conjunto de obras de salubridade urbana promovidas pelo Estado. Esse projeto contava também com a urbanização das várzeas e os sistemas de drenagem urbana. As intervenções técnicas se articulavam a uma agenda sanitarista mais ampla, com a promulgação de rigorosa legislação de controle, como os Códigos Sanitários e a criação de diretorias de higiene, com poderes de polícia e inspeção sanitária. Essas frentes de atuação respondiam a uma visão de que a cidade era um corpo doente e que necessitava de medidas de profilaxia, como as intervenções sanitárias e urbanísticas.

Para tanto, as ações sobre o ambiente urbano deveriam ser consideradas de forma articulada, em todas as escalas da cidade. Isso significava considerar a habitação como célula indispensável das políticas sanitaristas. Como já anunciavam os sanitaristas da época,11 11 Cf. Cordeiro (2010). de nada bastaria à implementação do sistema urbano de abastecimento de água e esgoto, e todas as medidas de higienização da cidade, sem garantir as condições de salubridade das moradias.

Diante desse contexto, buscou-se verificar como a organização espacial das casas estaria alinhada às políticas sanitaristas impostas pelo Estado. Na primeira parte do artigo, discute-se a ideia de casa higiênica para em seguida analisar as soluções espaciais do cômodo sanitário das novas construções residenciais da cidade. Se o exame em série dos projetos de moradias pesquisados revela a associação direta entre o advento do novo cômodo sanitário e a implantação das políticas sanitaristas, essa relação é menos evidente ao se tratar da consolidação do banheiro enquanto espaço padronizado. Verifica-se nas plantas pesquisadas uma diversidade de tipologias para o compartimento sanitário, além dos parâmetros estabelecidos pela legislação sanitária ou das exigências de instalações das redes urbanas de fornecimento de água e esgoto.

Dessa maneira, outros aspectos ligados às noções de higiene, limpeza, conforto, tecnologia, civilidade, modernidade serão fundamentais para se compreender a consolidação do banheiro dentro das casas. Por isso, a ideia de apropriação social é tema da segunda parte, na qual se discutem as práticas que o banheiro pressupunha, bem como todo um sistema de valores a elas associado. Ao deslocar a análise para os usos, as significações e as percepções que se tinham desse ambiente no contexto da época, a pesquisa se volta às interações que espaço e equipamentos estabeleceram com a sociedade que os produziu e, ao mesmo tempo, foi por eles (re)produzida.

PADRÕES DA CASA HIGIÊNICA

Um dos grandes feitos da tecnologia das canalizações foi concentrar e organizar os fluxos de água pura e servida, antes dispersos pelo espaço da cidade, estabelecendo assim maior controle sobre a captação e o descarte da água. Simultaneamente à oferta da infraestrutura sanitária, existia uma série de ações deliberadas na extinção do uso compartilhado e gratuito da água, como a destruição dos chafarizes, para forçar a conexão das residências às redes urbanas, e a proibição do uso dos rios e córregos para banho, lavagem de roupa ou despejo de dejetos. Além dos riscos à saúde pública, essas práticas, comuns até então, passaram a ser consideradas como expressão do atraso civilizacional das grandes cidades do país, obstáculos em seu processo de modernização.

A civilidade era definida por um determinado padrão de condutas e de relações sociais caracterizadas pelo distanciamento de tudo aquilo que era entendido como ausência de higiene, em sentido próximo do conceito de “sujeira”. Segundo Mary Douglas,12 12 Douglas (2014, p. 12, 50). além da patogenicidade, a sujeira é “essencialmente desordem”, um “tópico inoportuno”, enquanto a higiene é o sistema que classifica e rejeita tudo aquilo que é inapropriado e escapa do controle. Portanto, nesse sistema de ordenação, a sujeira é o subproduto que deve ser rejeitado.

Nesse sentido, o cerceamento de determinadas práticas no espaço público respondia ao enquadramento de ordem do sistema de higiene, pelo qual se promovia a casa como lugar privilegiado do domínio sobre o consumo da água e de eliminação dos dejetos. Trata-se do processo que François Béguin13 13 Béguin (1991, p. 51). denomina de “domesticação da circulação dos fluidos”, em referência ao pioneiro sistema urbano de redes nas cidades industriais inglesas do século XIX. Béguin mostra que, embora não tenham sido desenvolvidos para as habitações residenciais, o aparelhamento técnico e as atividades (captação de água, lavagem de roupa, banhos, despejo de água servida etc.) deram lugar a aplicações nos espaços domésticos. Nesse processo de domesticação, a casa acolheu o que se situava fora, alterando suas formas e o modo de distribuição dos serviços, privatizando e discriminando o que era público, até modificar todo o regime das práticas do habitante. A configuração arquitetônica foi transformada com a instalação de dispositivos e equipamentos, bem como a formulação de ambientes especiais, os banheiros, por exemplo.

Para Beguin,14 14 Ibid., p. 53. a função domesticadora das formas e dos serviços fazia parte do “grande empreendimento de reorientação autoritária de todo o território urbano”. De fato, sob a justificativa de prevenir as doenças, as políticas sanitaristas do final do século XIX buscavam controlar a cidade ao estabelecerem novas formas de estruturação do espaço e da vida urbana. Nesse contexto, a casa assumiu um papel importante na regulação do uso da água, do despejo de dejetos e em disciplinar as condutas dos habitantes. Acreditava-se que o modelo doméstico de higiene, mediado pelos aparelhos de conforto e salubridade, conformaria o ambiente ideal para reverter a tendência de deterioração da saúde e da moralidade. A casa limpa e organizada estabeleceria os bons hábitos ligados à saúde corporal e à consolidação moral nas relações sociais e familiares, fundamentais para a estabilidade da mão de obra industrial.

Dessa maneira, a mesma relação entre civilidade e higiene presente no espaço urbano se estendia à moradia, constituindo-se como um dos fatores determinantes da ideia de casa higiênica. Ainda que em contextos diferentes dos países industrializados, esse modelo doméstico serviu como diretriz para as políticas sanitaristas das grandes cidades brasileiras,15 15 Segundo Saliba (1998, p. 294), uma das formas da “modernização compulsória” da nova república brasileira era a definição de um novo viver cotidiano na esfera pública atrelado ao viver na esfera privada. onde os problemas de salubridade urbana estavam associados às precárias condições de higiene das habitações, sobretudo as das camadas populares.

As famigeradas habitações coletivas, conhecidas por casa de cômodos, estalagens e cortiços, reuniam inúmeras famílias, trabalhadores e toda sorte de indivíduos, amontoados em espaços subdivididos e desprovidos de qualquer instalação higiênica adequada. Esse tipo de moradia serviu como parâmetro negativo para estabelecer as bases do que seria considerado o padrão de “casa higiênica”. Em São Paulo, uma das principais ações nesse sentido foi o Relatório da Comissão de Exame e Inspecção das Habitações Operárias e Cortiços nos districtos de Santa Ifigênia, de 1894, em referência às averiguações realizadas nesse tipo de moradia, ocorridas no ano anterior. O objetivo da Comissão era inspecionar aqueles cortiços depois da ocorrência de um surto de febre amarela na cidade, com alguns óbitos no distrito em questão.

Entre os aspectos considerados problemáticos pela Comissão, estava o funcionamento irregular do sistema de esgotos de Santa Ifigênia, em que a maioria das latrinas das casas eram de fossas fixas e em geral desprovidas de água, pois o abastecimento pelos encanamentos era deficiente. Como a população da região se servia da água dos poços e eliminava os excrementos pelas fossas, logo os inspetores identificaram a causa da propagação da febre amarela na região: as dejeções lançadas à latrina poderiam se infiltrar no lençol subterrâneo ou na bacia lacustre, infeccionando as águas do subsolo, que serviriam a população por meio dos poços. Não apenas o uso das fossas, como a precariedade e a falta total de asseio das instalações sanitárias eram fatores de grande preocupação da Comissão:

Na área livre, que pouco mais é do que um simples corredor, há assentado um ralo para esgoto, uma torneira para água, um tanque para lavagem e uma latrina, de ordinário, muito mal installada. [...] O número de torneiras para água nem sempre está em proporção com a população do cortiço e com os gastos que essa gente faz diariamente, e por isso ainda se vê num bom número de casas com água de poço utilisada para vários serviços domésticos e até para beber. As latrinas também não guardam proporção com o número dos habitantes. Jamais são estas latrinas servidas d’água e as bacias de barro vidrado cobertas por um imundo caixão de pinho, apoiado em solo encharcado de urina fétida, completam o typo dessa dependência bem característica do cortiço.16 16 Motta Júnior et al., Relatório da Comissão de Exame e Inspecção das habitações operárias e cortiços no distrito de Santa Ephigênia (1894) apud Cordeiro, op. cit., p. 100, grifo do autor.

Tomando por base os pontos negativos encontrados nos cortiços de Santa Ifigênia, o Relatório da Comissão apresentou um conjunto de normativas sobre o que os técnicos sanitaristas acreditavam ser o oposto da moradia insalubre, incluindo o desenho de uma planta ideal (Figura 1). À vista disso, a maioria desses preceitos foi sistematizada no Código Sanitário Estadual de 1894, com objetivo de regulamentar as novas construções de moradia nas cidades paulistas. Ainda que o foco fosse o controle das moradias populares, o Código Sanitário definiu as prescrições que serviram para as habitações em geral. Exigia-se, para todo o tipo de casa, inclusive as operárias, a conexão às redes urbanas de água e esgoto e a presença de instalações sanitárias particulares no interior doméstico.

Figura 1
Planta de “casinhas do tipo mínimo” (1893). Modelo de casa higiênica para moradia operária proposta pela Comissão de Exame e Inspeção de Cortiços, 1893. Modelo similar ao das vilas operárias. Note a latrina particular para cada habitação dentro de um cômodo específico, voltado para área aberta da edificação.

Além da obrigatoriedade da aparelhagem, a qualidade do espaço era outro ponto importante abordado pela Comissão e exigido na legislação. Para garantir um ambiente limpo e adequado para o assentamento dos equipamentos sanitários, o Código Sanitário se voltava às determinações sobre o arranjo espacial e os materiais empregados. Exigia-se a construção do “gabinete da latrina”, que, assim como a cozinha, deveria estar longe da área de repouso, ter piso e paredes revestidos de material impermeável de, pelo menos, 1,5 metro de altura, com as peças de louça fixas, esmaltadas e laváveis. O uso do sifão com interceptor hidráulico nos encanamentos de esgotos, assim como o fluxo de água da descarga na latrina, era obrigatório.

Vale notar que, antes mesmo das legislações sanitárias do final do século XIX, espaços ligados ao equipamento sanitário já estavam presentes entre as moradias mais abastadas de São Paulo. Nos anúncios de venda de chácaras e de leilão de bens móveis nos anos 1870 e 1880, estão referências a banheiras e water closets, pressupondo a existência, nesses tipos de moradia, de ambientes específicos para as atividades de limpeza e excreção do corpo. Outros modelos residenciais também apresentavam comodidades similares, como os palacetes e casarões, construídos no final do século XIX para abrigar as elites do café, que deixavam as fazendas para se instalar na capital. Localizadas nos bairros elegantes e adjacentes ao “triângulo central”, as moradias desses grupos abastados foram as primeiras a receber as redes de água e esgoto da Companhia Cantareira e, posteriormente, da RAE.

Os palacetes formavam uma nova tipologia residencial na cidade, caracterizada pela renovação das técnicas construtivas e dos materiais empregados, com a aplicação de acabamentos e artigos importados, como os mármores, a azulejaria e a louça sanitária, além da própria introdução de novas tecnologias, como a conexão com as redes de água e esgotos. Além disso, os palacetes apresentavam uma setorização em área de uso pública, privada e de serviços, nas quais os cômodos eram mobiliados e equipados de acordo com a funcionalidade do espaço. Era a tendência chamada “morar à francesa”, modelo residencial aristocrático europeu adaptado às aspirações burguesas do século XIX.17 17 Cf. Homem (1996).

O que se vê nas tipologias do palacete é justamente a concepção da casa higiênica exigida pelo Código Sanitário: instalações sanitárias em espaços especializados, revestidos de material impermeável, limpos e desprovidos de umidade. Portanto, difusão das premissas sanitárias já era uma propensão existente nos programas mais modernos de moradia e que estava circunscrita às camadas mais ricas da sociedade, em particular pelos altos custos das peças e materiais de acabamento, todos importados, inicialmente, além da própria disponibilização dos serviços das redes de água e esgoto, que não eram distribuídos de forma igualitária pela cidade.

No entanto, a situação se modificou no decorrer dos anos, sobretudo nas primeiras décadas do século XX. As autoridades públicas, por meio das políticas sanitaristas, investiram com vigor na ampliação do sistema de água e esgoto, contemplando, ainda que de forma desigual, um número expressivo de habitações em São Paulo. Em 1915, por exemplo, cerca de 80% dos prédios dentro do perímetro urbano estavam ligados ao sistema sanitário da cidade.18 18 Cf. São Paulo (1916). Embora o número pareça bastante expressivo, ele não significa que a maioria da população da cidade estivesse atendida pelos serviços de abastecimento de água e esgoto, já que grande parte das moradias, sobretudo as mais pobres, localizava-se fora do perímetro urbano. Isso correspondia a mais de 45 mil edificações providas pelos serviços de abastecimento de água e coleta de esgoto.19 19 Cf. Comissão Geographica e Geológica (1914).

A maior disponibilidade dos serviços domiciliares das redes possibilitou que mais moradias aderissem aos programas sofisticados de conforto e higiene. Vale notar que, até a eclosão da Primeira Guerra, em 1914, o Brasil fora um mercado consumidor de produtos importados, beneficiando-se da entrada de artigos fabricados em série, como canos galvanizados, azulejaria, torneira, sifão, privada sifonada, banheira em porcelana esmaltada. Desse modo, materiais, peças e equipamentos sanitários passaram a ser acessíveis a uma parcela maior da população.

Conforme os projetos residenciais analisados na pesquisa, observa-se, nesse período, um incremento considerável na quantidade de cômodos sanitários dentro do espaço doméstico em São Paulo. Interessante notar que, além dos simples gabinetes de latrina exigidos pelo Código Sanitário, ou dos quartos de banho das moradias abastadas, verifica-se uma nova organização espacial: um aposento interno à moradia, com todo aparelhamento de banho e vaso sanitário. Dentro da casa, os equipamentos ligados às atividades de excreção e limpeza do corpo, que até então se mantiveram separados e, muitas vezes, instalados em cômodos do lado de fora do edifício principal, juntavam-se em um mesmo compartimento.

No sistema de redes, as torneiras, descargas e ralos formam o conjunto de dispositivos responsáveis pela mediação de entrada e saída de água, instalados em pontos pré-determinados. Para fazer a demarcação, seguia-se a lógica de racionalização da distribuição das canalizações pela casa, viabilizando financeiramente as instalações, pois a tubulação e as peças eram importadas. Logo, concentrar o encanamento em um único ambiente facilitava e economizava as obras de assentamento e manutenção. Vale observar que o sistema de canalizações dentro das habitações ainda era uma novidade que carecia de técnicas, materiais e mão de obra apropriados.

Dessa maneira, lavatórios, banheiras e vasos sanitários adquirem posição fixa no arranjo doméstico, de preferência juntos em um mesmo espaço exclusivo para sua funcionalidade. Essa configuração foi um padrão pautado pela racionalidade técnica, independente das normativas médico-sanitárias, sobretudo na junção dos aparelhos de excreção e banho.20 20 Esse modelo de cômodo sanitário pode ter como origem os banheiros dos hotéis de luxo dos Estados Unidos, concebidos como “células padronizadas”, na qual a racionalidade se fazia necessária para garantir “um banheiro para cada quarto” - um grande diferencial de comodidade para a época. De fato, a concepção de um ambiente com todos os equipamentos é vago nas falas dos sanitaristas. Nos tratados médicos, apenas o uso conjunto da pia e latrina recebe, de forma esparsa, alguma menção.21 21 Cf. Peixoto (1913). No caso das legislações sanitárias, as disposições ainda se voltam a ambientes específicos, como o gabinete da latrina e as salas de banho, de modo que se subentende que não havia determinação da junção de mais de um tipo de equipamento no mesmo espaço.

Produção habitacional na cidade e o cômodo sanitário

Verificou-se como um novo cômodo de caráter sanitário se incorpora e se consolida ao programa da casa, sobretudo nas dos setores médios da sociedade. Entende-se que, ao serem instaladas nas moradias de padrão intermediário, as redes sanitárias e o novo ambiente passam de um luxo - como no caso dos palacetes - a uma necessidade, para, depois, serem popularizadas como item obrigatório.

Para tanto, é fundamental avaliar o contexto das novas construções, caracterizado por um emergente mercado imobiliário em formação na capital paulista. Entre outros fatores, a explosão populacional e a grande demanda por moradia criaram as condições propícias ao desenvolvimento do mercado de aluguel e suas várias modalidades de habitação, voltadas tanto para os setores populares quanto para os segmentos médios. Estima-se que, em 1920, a porcentagem da população locatária de São Paulo estava próxima de 80%, presumindo-se que, antes, o índice deveria ser ainda maior.22 22 Cf. Bonduki, op. cit. e Sampaio (1994). Além dos cortiços, outras tipologias residenciais foram constituídas, como as vilas, os conjuntos de casas geminadas, mini palacetes de edificação seriada, além de uma infinidade de soluções mistas.23 23 Cf. Bonduki, op. cit.

Ainda que surgissem novas tipologias, o levantamento e a análise das plantas residenciais da década de 1890 revelaram que boa parte dos projetos não designava um compartimento específico para as instalações sanitárias. Mesmo nas moradias localizadas em áreas cobertas pelas redes sanitárias, verifica-se que o ambiente do banheiro não era ainda uma dependência padrão.

Como a maioria das residências eram destinadas ao aluguel, o investimento em equipamentos sanitários era visto como “novidades tecnológicas” consideradas, pelos proprietários, como gastos sem retorno financeiro, além dos custos de manutenção, do manuseio incorreto ou erros técnicos de instalação devido à falta de mão de obra qualifica, problemas comuns às novas tecnologias. Outro problema era o risco de subtração pelos inquilinos, que tinham o costume de levar as peças embora ao deixarem o imóvel. Ou ainda, os casos de gatunos, que invadiam casas desocupadas para roubarem os metais e as louças sanitárias.24 24 Cf. Vida diaria (1900).

Considerando a questão dos custos, a ausência do banheiro no projeto denota que o ambiente não era ainda visto como necessidade básica para o programa da casa. Por outro lado, também não era apenas um elemento supérfluo, pois, nos últimos anos do século XIX, a ideia sobre higiene e a importância daquele cômodo ganharam amplitude sob os discursos sanitaristas da época. O conjunto formado por equipamentos ligados às redes sanitárias dentro de um ambiente especial agregava valor e melhorava as condições de vida das pessoas. Mais que um luxo, o banheiro era desejado e valorizado pelos usuários, visto como melhoramento positivo à casa.

Dessa maneira, as instalações sanitárias muitas vezes eram um demarcador que distinguia o padrão das tipologias das moradias de aluguel. No caso da habitação popular, uma das principais diferenças entre a vila operária e o cortiço era a situação dos equipamentos hidráulicos. Na vila, o cômodo sanitário e o tanque eram individuais, e ficavam no fundo da casa. No cortiço, eram coletivos e localizados na área comum. Como mostra Bonduki,25 25 Bonduki, op. cit, p. 54. a distinção desaparecia com o tempo. Quando havia uma área livre na unidade do cortiço, o proprietário construía um banheiro individual e atribuía status de vila, aumentando o valor do aluguel.

Nas moradias de padrão intermediário e superior, os equipamentos sanitários também serviam para valorizar os imóveis. Embora não mudassem o status da habitação, funcionavam como chamarizes para o negócio, conforme diversos anúncios de venda, aluguel ou leilão de imóveis publicados nos jornais da época.26 26 Cf. O Estado de S. Paulo (1894); O Reporter (1896). Vale notar que esse procedimento partia tanto do indivíduo que oferecia a propriedade quanto do morador que “buscava” uma casa com esses serviços.27 27 Cf. Casa (1895).

Tipologias de cômodo sanitário

Diante do contexto de produção da habitação na cidade, o cômodo sanitário, mesmo ausente de boa parte das moradias até o início do século XX, conquista status e importância no programa da casa. Embora ainda fossem frequentes projetos sem instalações sanitárias, diversas soluções para esse compartimento passaram a ser configuradas nas plantas residenciais. Entre as organizações espaciais do cômodo sanitário verificadas na pesquisa, destacam-se três tipos entre os mais recorrentes (Figura 2): (1) o simples gabinete da latrina do lado de fora e distante da habitação - a “casinha” no quintal; (2) a dependência externa e contígua à edificação; e (3) a configuração do banheiro interno completo e integrado às demais dependências da habitação.

Figura 2
Tipologias de cômodo sanitário. Organizações espaciais mais recorrentes de cômodo sanitário identificadas no levantamento de projetos residenciais entre 1893 e 1901 em São Paulo. Da esquerda para direita: o simples gabinete da latrina do lado de fora e distante da habitação - a “casinha” no quintal; a dependência externa e contígua à edificação; e a configuração do banheiro interno completo e integrado às demais dependências da habitação.

Além da localização em relação ao edifício da casa, outro fator que diferencia as soluções do cômodo sanitário é a dimensão. Em geral, os tipos externos são sempre exíguos, enquanto o modelo interno tende a ser muito maior. O tamanho corresponde às funções que se desempenham no espaço que, enquanto esteve fora, limitava-se a abrigar a latrina, mas, quando se aproximou e adentrou, passou a receber outras atividades de limpeza, higiene, inclusive toalete. Isso se reflete nas diversas denominações do ambiente. Para as tipologias externas e menores, “latrina” ou “W.C.”; para as maiores, “banho”, “quarto de banho”, sendo comum dois termos grafados juntos, como “banho e W.C.”, explicitando que o local era destinado a receber mais de uma atividade.

Outro item que distingue os espaços é a anotação de vãos e aberturas, assim como de equipamentos e acabamentos. Enquanto era apenas o gabinete externo da latrina, dificilmente o projeto do cômodo sanitário apresentava janela ou qualquer indicação de abertura além da porta, situação diferente de quando estava dentro da residência. Vale notar que, nos casos de banheiro interno, a moradia era dotada de uma área maior e de recuos laterais que permitiam esse recurso. Sobre a representação de equipamentos nas plantas, era sempre referente à latrina ou ao vaso sanitário, independente da tipologia. Já as banheiras, mais raras, eram representadas somente nos cômodos internos e espaçosos, pertencentes a moradias maiores ou com programas mais complexos.

O primeiro modelo da Figura 2, referente ao tipo externo e descolado do corpo da casa - a “casinha” nos fundos do quintal - remete ao abrigo da latrina instalada junto à fossa fixa. Por muitos anos, a diretriz para construção de moradias seguia a concepção miasmática, em que a latrina deveria ser localizada separadamente da casa pelo perigo que as emanações fétidas poderiam causar à saúde dos moradores. A utilização da fossa significava a ausência da ligação ao sistema de esgotamento sanitário da cidade. Essa solução era permitida pelo Código Sanitário de 1894, que autorizava a construção de abertura no solo quando a habitação se localizava em uma região desprovida dos serviços urbanos de água e esgoto.

Já a segunda tipologia apresentada, cuja implantação é junto à edificação da casa, era uma organização espacial decorrente das políticas públicas de distribuição e implantação das redes sanitárias nos domicílios. Segundo o decreto estadual nº 708, de 1899, sobre a instalação domiciliar de esgotos, a ligação do edifício residencial à rede geral dava direito “à instalação de uma bacia comum de barro vidrado nas latrinas dos pátios e quintais”, sob a condição que fosse construída a “respectiva casinha”.28 28 Decreto Estadual nº 708, de 18 de setembro de 1899. Isso significava que não havia custo para o morador fazer o assentamento das canalizações e da bacia, desde que fosse no lado externo da casa. No entanto, diferente da solução distante da casa, o cômodo instalado contíguo à edificação em geral compartilha a parede com a cozinha, compartimento onde os serviços de água e esgoto se faziam necessários. Nesse sentido, por uma “questão de economia da tubulação importada”.29 29 Lemos (1999, p. 67-68). era conveniente integrar ao ponto de conexão instalado pela RAE os cômodos que teriam os equipamentos ligados às redes de infraestrutura sanitária.

Conforme apresentado nos projetos, muitos exemplares dessa tipologia eram apenas recintos para abrigar a latrina, ou seja, verdadeiras “casinhas” (como coloca o próprio regulamento do decreto nº 708), mas unidas ao edifício residencial. Ainda que fosse essa a origem, o cômodo sanitário não fica restrito ao gabinete da bacia, aderindo também a outros usos. Nos projetos posteriores dos anos 1910 e 1920, eles foram caracterizados propriamente como um banheiro, como a indicação da banheira e/ou a denominação da palavra “banheiro” ou “banho” junto ao “WC”. Nesses casos, as dimensões e a quantidade de aberturas fazem esse compartimento se aproximar da configuração do banheiro interno, mas com a diferença ainda de ter o acesso externo e independente dos demais cômodos da moradia.

Embora se tornasse um espaço mais complexo e ligado a outras atividades da rotina dos moradores, o compartimento sanitário externo junto à edificação era tratado como dependência à parte, revelando ser um ambiente ainda estranho à dinâmica do interior doméstico. A implantação como um apêndice da casa prevaleceu por muitos anos na cidade, indicando que essa solução espacial estaria adequada às necessidades da população. Além da questão dos custos para o assentamento da canalização pontuados anteriormente, infere-se que a falta de costume de se ter um banheiro interno, em paralelo ao medo dos miasmas e o desconhecimento da operação do sistema de encanamentos em rede, poderiam ser fatores que levavam o cômodo a permanecer externo.

A irregularidade e os diversos problemas de funcionamento das redes sanitárias também eram pontos que faziam a população desconfiar dos novos serviços de infraestrutura, preferindo manter as instalações sanitárias do lado de fora. Como mostra Bernardini,30 30 Bernardini, op. cit., p. 356, 362. a aplicação do sistema misto de esgoto e drenagem sobrecarregavam as redes de canalizações na época das chuvas, com frequentes acidentes de rompimento ou refluxos das águas impuras para o interior das habitações. Ademais, a má colocação de peças, como sifão ou outros interceptores hidráulicos, provocavam um retorno das emanações do esgoto para o ambiente, causando repulsa pelo mau odor e receio de contrair doenças.

Além dos defeitos do sistema misto - única rede para águas pluviais e esgoto -, a “desobstrução dos esgotos” era motivo de inúmeros pedidos direcionados à RAE, quase tão frequentes quanto os requerimentos de solicitação dos serviços de água e esgoto. Assim, esse tipo de banheiro levaria muitos anos para se tornar um ambiente eficiente e higiênico.

De qualquer forma, seja pelo fator de economia de custos, de problemas técnicos, ou mesmo pela falta de salubridade, era conveniente projetar o cômodo sanitário do lado externo da casa, mesmo que ela já abrigasse o conjunto de atividades de um banheiro. No início dos anos 1920, essa solução foi bastante popular, embora a modalidade do banheiro interno tivesse um percentual muito maior de moradias em relação aos anos anteriores.

Apesar da tipologia externa do cômodo sanitário ser comum nos projetos dos anos 1890 e 1920, o banheiro interno e integrado era uma solução usual. Assim como o modelo externo, a terceira tipologia apresentada na Figura 2 adquiriu gradualmente popularidade nas novas construções residenciais do período. Configurado como um banheiro completo, isto é, com equipamentos de banho, bacia e lavatório, o cômodo aparecia nos projetos quase sempre junto à cozinha ou à outra dependência de serviço, tanto pela conveniência de concentrar os encanamentos quanto para se beneficiar das fumigações provenientes do fogão à lenha, ainda comum. O acesso era realizado pela cozinha ou pelo corredor ou pela “varanda”. Essa solução espacial será verificada, até os anos 1900, em moradias mais abastadas, localizadas em bairros dotados das redes de infraestrutura.

No levantamento dos projetos relativos às décadas de 1910 e 1920, nota-se que esse tipo de organização havia se disseminado, enquanto os exemplos de plantas sem qualquer referência às instalações sanitárias, comum nos anos 1890, praticamente desapareceram. Verificou-se também que o banheiro interno havia se integrando ao interior doméstico, sobretudo nos bairros já providos de infraestrutura desde os anos 1890. Assim, o cômodo adentra as zonas social e íntima da casa e se multiplica, demonstrando a necessidade de usos diferenciados das práticas de higiene (Figura 3).

Figura 3
Tipologias de cômodo sanitário. Organizações espaciais com mais de um cômodo sanitário identificadas no levantamento de projetos residenciais entre 1910 e 1920 em São Paulo. Da esquerda para direita: casa térrea com simples gabinete da latrina do lado de fora e banheiro completo interno; sobrado com a dependência externa e contígua à edificação no térreo e banheiro completo no pavimento superior junto aos dormitórios.

O aumento do número de cômodos sanitários na casa se dá pelas conjugações e variáveis das outras tipologias apresentadas até então. Nesses projetos, o gabinete externo permaneceu apenas como abrigo do vaso sanitário, enquanto o interno, com dimensões maiores, recebia, além da bacia, a banheira e um lavatório. Ao se aproximar dos quartos, o banheiro passa a receber atividades de toalete e outros cuidados com o corpo, como já ocorria no programa dos palacetes da época. A tendência de instalar um cômodo sanitário junto aos dormitórios se confirma com o aparecimento de novas tipologias habitacionais a partir dos anos 1910, como os sobrados geminados, amplamente difundidos entre os grupos intermediários. Neles, as áreas de receber visitas e de serviços permaneceram no térreo, os quartos passam para o andar superior, com o banheiro, estabelecido como compartimento da zona íntima da casa.31 31 Os sobrados geminados se popularizam de fato nos anos 1920, possibilitados pela maior difusão do emprego de estruturas em concreto armado nas construções da cidade de São Paulo. A técnica era a ideal para elevação de maior número de pavimentos nas edificações, além de possibilitar a realização de lajes para os pisos dos banheiros e terraços no andar superior. A laje de concreto possibilita a canalização do piso para o escoamento de esgotos. No piso térreo, permaneceu a “casinha” no quintal ou um cômodo menor junto à cozinha.

Tanto nos sobrados quanto nas moradias de um único pavimento, a presença de diferentes tipologias de cômodo sanitário correspondia à diversificação dos usos, o que implicava também na discriminação dos usuários. Enquanto os banheiros internos e completos se restringiam à família, o aposento externo deveria ser para utilização de criados ou pessoas estranhas:

CASA. ALUGA-SE uma esplendida casa para família de tratamento, com cinco quartos (todos com janelas) escriptorio, sala de visitas, varanda, copa, banheiro, iluminada a gaz e luz electrica; com galinheiro, dois quartos, latrina para criados e lavadouro de roupas etc. no quintal. Rua Pedrozo 52. [...] Preço modico.32 32 Correio Paulistano (1904).

Outros projetos do período que se destacam são os destinados à reforma das edificações existentes envolvendo o acréscimo do banheiro. Os moradores das residências construídas sem o cômodo sanitário passam a solicitar sua construção, onde fosse possível - no quintal, próximo aos quartos ou, a solução mais comum, contíguo à cozinha, com seu acesso por dentro ou por fora da casa. Também havia as reformas propriamente ditas, isto é, projetos que previam a reformulação dos ambientes com a eliminação e a criação de paredes. Houve casos de deslocamento ou divisão da cozinha para ceder espaço ao banheiro ou a troca das funções de um espaço, como a eliminação da despensa para acomodar o sanitário.

Dessa maneira, no final da periodização estudada, observa-se a presença constante do compartimento sanitário na moradia, seja com uma única tipologia do cômodo, externo ou interno, ou em conjugações variadas desses modelos. Ao contrário do final do século XIX, os projetos dos anos 1920 tinham como padrão a execução do banheiro no programa residencial das moradias dos setores médios de São Paulo.

APROPRIAÇÕES SOCIAIS DO BANHEIRO

Por meio de códigos e de promoção das redes de infraestrutura, as políticas sanitárias foram fatores decisivos no estabelecimento dos banheiros nas habitações. No entanto, não se pode determinar sua consolidação enquanto uma tipologia padrão, como a qual se reconhece o ambiente hoje. Os poderes públicos instituíam a obrigatoriedade de a residência estar conectada às redes urbanas quando houvesse a disponibilização dos serviços na via pública, responsabilizando-se apenas pelos assentamentos externos, encanamento e bacia. Cabia ao morador ou ao proprietário solicitar a ligação domiciliar e providenciar os equipamentos necessários, assim como a organização de um espaço específico à implantação do aparelhamento.33 33 É certo que havia ocorrências em que o Serviço Sanitário intervinha diretamente ao solicitar à RAE para a instalação domiciliar, bem com intimar os residentes a prover o aparelhamento no interior doméstico. No entanto, as próprias autoridades colocavam restrições quanto ao nível de interferência dos agentes sanitários no espaço privado dos cidadãos. Em 1899, Antonio da Silva Prado, o primeiro prefeito da cidade de São Paulo, Emílio Ribas, diretor do Serviço Sanitário, e Theodoro Sampaio, o diretor da RAE, reuniram-se para decidir que “os inspetores e os demais empregados da fiscalização municipal não fizessem intimações sobre a execução de obras no interior das casas”, devendo apenas dar orientação aos moradores e notificar a prefeitura dos melhoramentos necessários (A PROPÓSITO..., 1899).

Nesse sentido, ainda que a distribuição das redes de água e esgoto fosse uma política pública, a instalação do banheiro dentro do espaço doméstico era, acima de tudo, uma decisão particular, seja do morador e/ou do proprietário do imóvel. Embora tenha sido um fator decisivo, seria equivocado afirmar que foi só a disponibilização da infraestrutura que propiciou a consolidação do banheiro.

Os estudos de Lemos34 34 Lemos (1978). e Homem,35 35 Homem (2015). sobre a transformação das cozinhas, creditam a integração desse compartimento ao edifício da casa à entrada do sistema de água e esgoto canalizados. Segundo os autores, em razão das novas instalações sanitárias, a cozinha, originalmente localizada nos quintais e áreas externas, adentrou a moradia ao se tornar um lugar mais limpo e desprovido de umidade. O banheiro seguiu caminho similar. Com origem na “casinha” nos fundos do terreno, aproximou-se do corpo da casa, instalando-se contíguo à cozinha, com acesso externo ou por dentro da moradia. Em sua nova posição, passou a receber outras funções além da latrina.

Todavia, enquanto a cozinha dotada do aparelhamento técnico-sanitário manteve sempre a relação “meio fora, meio dentro”,36 36 Lemos, Op. cit., (1978, p. 198.). o banheiro foi multiplicado e interiorizado por completo, integrando-se de formas variadas à configuração espacial e ao programa de necessidades da casa. Pode-se presumir pela comparação que, se fosse apenas em razão da disponibilização das redes, os banheiros poderiam ter ficado “meio dentro, meio fora”, junto às dependências de serviços ou permanecido restrito aos gabinetes de latrina e ao quarto de banhos, conforme prescreviam as legislações.

A seguir, serão examinados outros fatores que contribuíram à conformação e à consolidação do ambiente do banheiro, além da disponibilização e conexão às redes de infraestrutura sanitária. Ou seja, as razões que levaram à transformação do banheiro em um compartimento cujas práticas não se restringiam ao simples uso objetivo do aparelhamento técnico. Para tanto, serão verificados os diferentes modos de apropriação social que o conjunto formado pelo espaço e pelos equipamentos promoveram, bem como os significados das práticas associadas a essa nova materialidade.

Práticas, objetos e significações

Para Vigarello,37 37 Vigarello (1996, p. 238). a “história da limpeza” talvez nunca tenha estado tão associada à história de um espaço como no período entre final do século XIX e o início do século XX. A criação de um ambiente privado, dotado de objetos e dispositivos característicos, reforçava a especificidade do lugar e a importância das práticas ali desenvolvidas, ainda que elas já existissem antes do advento do banheiro. A realização das necessidades fisiológicas e a limpeza do corpo são parte das atividades humanas civilizadas, mas adquiriram novos significados com a construção da ideia de higiene naquele período.

Foi preciso a elevação da higiene à condição de uma “ciência moderna”,38 38 Cf. Sant’Anna (2011). cujos pressupostos fundamentavam não apenas as discussões da salubridade urbana, dos espaços e, principalmente, da saúde corporal. Com o desenvolvimento da bacteriologia médica, os perigos relativos à sujeira exigiram uma higiene diferente das práticas usuais até então. Se a doença poderia estar em qualquer lugar que portasse imundícies, era possível ela estar no próprio corpo humano.

O banho de corpo inteiro, antes exclusivamente visto como uma forma de regeneração ou para fins de tratamento médico, passou a ser entendido como uma medida de limpeza para manutenção da boa saúde individual. Para funcionar de fato como um meio preventivo da doença, era necessário ir muito além da limpeza das aparências, muitas vezes resolvida pelo “asseio a seco” ou “banho de gato”, considerados insuficientes e falsos, pois combatem integralmente as impurezas do corpo. Era preciso exercer a “higiene total” que eliminaria os germes e garantiria a saúde do indivíduo.

Para tanto, os banhos deveriam ser de corpo inteiro, acompanhados de produtos especiais - sabonetes ingleses, colônias, loções e desinfetantes. Sabão feito de cinzas, “vinagreira”, óleo de babosa, e tudo aquilo de origem natural e que fazia parte das tradições, eram gradativamente substituídos pelos artigos da emergente indústria da limpeza e higiene pessoal. As publicidades aproveitavam o tom de conselho médico para apresentar e persuadir a compra de artigos diversos ligados à higiene, reforçando sua importância para a manutenção da saúde. A ideia da “higiene das aparências” reaparece nos discursos da publicidade, aos quais são associados quesitos de beleza, refinamento e até virilidade, mas com a diferença que o produto ao mesmo tempo combatia as doenças e males diversos.

A ênfase da importância das lavagens corporais não estava apenas nas publicidades, mas era o discurso dominante dos médicos, sanitaristas, educadores e outras figuras de influência social. Nos diversos tratados sobre higiene, é possível verificar a preocupação das autoridades médicas em mostrar os benefícios que a limpeza proporcionava à saúde. Em Elementos de hijiene, o médico e professor Afrânio Peixoto39 39 Peixoto, op. cit. desenvolve um capítulo específico sobre o asseio corporal. Com base em argumentos científicos, apresenta uma descrição detalhada sobre as vantagens promovidas pelos banhos, seus efeitos e os riscos que se assume ao evitá-los, apresentando dados sobre a quantidade de micróbios que a água era capaz de retirar do corpo em um banho de imersão.

Segundo o médico, devia-se atentar à temperatura da água no momento do banho, herança dos tratamentos de hidropatia do século XIX. Os frios estimulavam funções circulatória e respiratória, apetite, “contractibilidade muscular”, mas deveriam ser breves, contraindicado aos “nervosos excitáveis”, cardíacos, convalescentes, velhos e crianças. Já os banhos tépidos, ou mornos, teriam efeito de acalmar as excitações, descansar o corpo, devendo ser usados para o asseio, pois permitiam um tempo mais longo, ideal para eficácia da limpeza. Os banhos quentes eram menos indicados pelo risco de aceleramento da pulsação, sonolência e até morte por congestão cerebral. Peixoto também discorre sobre as duchas, banhos a vapor, a importância do sabão e dos cuidados particulares que se deveriam ter com o cabelo e com o couro cabeludo, rosto, ouvido, orelhas, nariz, boca, axilas, “partes secretas”, mãos e pés.

Os manuais prescritivos sobre administração do lar, puericultura e etiqueta, voltados principalmente às mulheres, era outro tipo de publicação interessante sobre os preceitos de higiene diária. Nelas, é notória a associação da higiene a virtudes morais e decoro. Em O lar doméstico: conselhos para boa direcção de uma casa, Vera Cleser aconselhava suas leitoras:

Falando de banhos, não tenho a pretenção de invadir o dominio do medico e falta-me competencia para expôr o valor hygienico da hydroterapia. Sem banhos, porém, não ha asseio possivel e sem asseio é repugnante a mais correcta formosura.

As crianças que se criam na sujidade são viciosas, doentias, repulsivas, manhosas, birrentas. Os homens pouco asseiados aviltam-se, porque a sujidade é indecente e tem afinidade com todos os vicios e todos os crimes. Os inglezes affirmam que se póde avaliar o gráo de civilisação de uma familia pela quantidade de sabão que ella gasta.

Estão longe os tempos em que sómente por ordem do medico se tomava banho? Hesito em dizer que sim. Entretanto, não ha cosmeticos poderosos como o banho diario.40 40 Cleser (1906, p. 59-60).

A autora usa da famosa frase que relacionava o uso do sabão como índice de civilidade de um povo, evidenciando que a falta de banhos era sinal de atraso e ignorância. Relacionava os maus hábitos de sujidade aos segmentos mais pobres e humildes da população, atribuindo-lhes o desconhecimento e a indolência, cabendo à dona-de-casa orientar suas criadas para remediar a situação.

Além da atenção com os serviçais, Cleser instruía o zelo com o asseio e a preparação de receitas para o trato específico de diversas partes do corpo, visando garantir a saúde e a higiene da família, principalmente das crianças. As prescrições de salubridade não se limitavam aos cuidados corporais e se estendiam aos espaços e objetos, revelando a necessidade de uma rotina rigorosa de manutenção da ordem e limpeza de toda a casa. Assim como diversos manuais femininos, Lar doméstico apresentava uma sequência de deveres à mulher, afirmando sua responsabilidade enquanto mãe, esposa e dona de casa na difusão dos preceitos de higiene dentro do espaço doméstico.41 41 Maluf e Mott (1998, p. 405) mostram como conhecimento de novas tecnologias e novas medidas de higiene preconizadas pelos médicos transformavam o papel feminino no âmbito doméstico. Na crescente exigência do cuidado materno com os filhos, tanto físico e moral quanto educacional, esperava-se que as mulheres dominassem um pouco de diferentes assuntos, em especial, os saberes médicos e de higiene.

Os manuais traziam também informações sobre a composição dos espaços e o uso de equipamentos, sugerindo aqueles que fossem mais adequados no atendimento aos quesitos de higiene. No caso das abluções, Júlia Lopes de Almeida,42 42 Almeida (1906, p. 16). em O livro das donas e donzelas, aconselhava a todas as moças ricas o “luxo de mármores e de metais nos seus quartos de banho”, enquanto para a burguesa “apressada ou fraca” o caso era outro:

[...] o quarto de banho deverá ser simples, amplo e risonho. Um oleado rodeará aí a banheira, para que a água não apodreça o assoalho, se não houver ladrilho; bastará mais um tapete para os pés, uma larga cadeira de encosto, cabides, um porta-toalhas, e, fixadas na parede, perto da banheira, e ao alcance da mão, a cesta da esponja e a concha do sabonete. Além disso, uma sólida cantoneira de mármore, as escovas e o pulverizador, o porta-grampos, etc.

Cleser43 43 Cleser, op. cit. também fazia distinção no nível de sofisticação dos compartimentos para banho, ainda que o mais importante fosse a prática em si e a disposição de acessórios complementares para garantir as condições necessárias. A falta de instalações jamais poderia justificar a sujidade pessoal.

Sobre os manuais e tratados, pode-se pensar que eram produtos típicos de sociedades em plena transformação, que necessitavam de uma linguagem comum e novos pontos de referência. Assim, a adesão a um modo de vida higiênico, que incluía regularidade dos banhos e a instalação dos equipamentos necessários dentro da casa, era também uma forma de inserção social e integração ao novo ideário dominante, ligado ao sistema de valores burgueses. Mais do que isso, ao associar-se à moralidade, à civilidade e às boas maneiras, servia como instrumento de distinção social que separava aqueles cujos modos de vida estavam alinhados à modernidade e o progresso, daqueles ainda presos às tradições e à letargia do passado.

A necessidade de diferenciação social também poderia estar por trás da grande preocupação da burguesia com a higiene do corpo e da casa. Segundo Mary Douglas,44 44 Douglas, op. cit. umas das razões pelas quais surge o medo das “impurezas perigosas” é a ameaça às “fronteiras externas” de uma sociedade. Lembrando que a autora define sujeira, antes de tudo, como desordem. Valendo-se dessas ideias, Adrián Forty45 45 Forty (2007). sugere que as mudanças sociais nos países europeus industrializados ao longo do século XIX - como o rápido aumento do poder político da classe operária e a desintegração das fronteiras sociais - poderiam estar relacionadas à importância atribuída à higiene pelas classes mais favorecidas. Segundo o autor, apesar de ser difícil provar que o “fetiche da higiene” foi provocado pelo temor burguês de perder autoridade social e política, há sinais suficientes de forte preconceito de classe no movimento a favor de maior higiene que permitem insinuar essa relação. Nesse sentido, a imposição de limpeza e salubridade para os corpos e espaços seria adotada como forma de domínio e controle, garantindo alguma “segurança psicológica” mediante a instabilidade da sociedade industrial.46 46 Ibid., p. 218.

Além dos banhos e da limpeza dos corpos, outra atividade que passou a ser mais controlada e incorporada ao ambiente do banheiro foi a realização das necessidades fisiológicas. Ligadas a uma série de objetos quando realizadas no interior doméstico, antes da implantação das redes de água e esgoto, elas eram feitas no mato, na beira dos rios, nas ruas e dentro das casas. Vasos e urinóis ficavam espalhados pelos quartos, alcovas e camarinhas - soluções disponíveis para quando houvesse a necessidade de urinar ou defecar, para, depois, serem despejados em vasos maiores ou barris, que seriam lançados em algum ponto distante da casa.

Vale notar que a captação de água e a eliminação dos dejetos sempre foram tarefas atreladas à mão de obra serviçal. Além de carregar a água, eram os escravizados os responsáveis pelo transporte dos materiais fecais em barris de madeira, os famosos “tigres”. Recolhidos nas casas ao anoitecer, esses trabalhadores levavam os tonéis nos ombros para serem despejados em algum curso d’água, não sendo raras as vezes que. Frequentemente, por excesso de carga, os tonéis estouravam durante o transporte, esparramando excrementos sobre o corpo e pelas vias públicas.47 47 Lima (1995-1996, p. 56).

O uso de vasos e urinóis dentro da casa estava associado a mobiliários que dissimulavam sua presença no espaço. Esses utensílios usualmente ficavam escondidos debaixo das camas, dentro de armários ou disfarçados em móveis específicos, como as mesas de cabeceira com um compartimento inferior reservado à guarda do vaso ou urinol. Outro exemplo desse tipo de mobiliário são as retretes, cadeiras ou caixas perfuradas no meio do assento, sob as quais se introduziam em seu interior, o urinol, uma bacia ou um vaso, que permaneciam ocultos.48 48 Campos (1997, p. 448), Lima, op. cit, p. 58 e Oliveira (1991, p. 50). É interessante notar que a disseminação do uso de retretes entre a “burguesia” brasileira ao longo do século XIX atestava, segundo Lima,49 49 Lima, op. cit., p. 56. a “progressiva privatização” da prática.

Além desses objetos, havia também espaços específicos dentro da moradia para essa mesma finalidade. Eudes Campos50 50 Campos, op. cit., p. 450-451. observa que o gabinete para latrina existiu dentro dos interiores domésticos na época da Corte no Rio de Janeiro, antes mesmo da implantação das redes de água e esgoto. Denominado de “secreta” ou “comua”, em geral um cubículo isolado, com emanações fétidas, colocado embaixo da escada ou num canto da casa, e/ou separado por um corredor, dada à intolerância dos odores. Em São Paulo, o aposento da latrina era localizado do lado de fora da casa (Figura 2).

Os odores que emanavam das fossas eram o grande problema das latrinas. Acreditava-se que os ares pestilentos eram os responsáveis pela transmissão de moléstias, de modo que, além do incômodo pelo mau odor, o medo levava as latrinas a serem locadas em pontos isolados ou externos da casa. Na tentativa de minimizar o efeito, passou-se a utilizar o recurso do despejo da água, a fim de que o líquido empurrasse os resíduos para fora, limpasse o recipiente e não deixasse voltar as emanações fétidas.

Gradativamente, o receptáculo “rústico” da latrina foi substituído pelo “vaso sanitário”, uma vasilha de cerâmica ou louça dotada de um sifão - um fecho hídrico em curvatura dupla que evita o retorno dos odores e, ao mesmo tempo, permite a saída dos resíduos em um meio aquoso. Dessa maneira, o vaso sanitário com sifão se tornou um recurso autorizado para a instalação da latrina nos interiores domésticos.

No entanto, para o bom desempenho dos water closets, era necessária a articulação eficiente da entrada e saída da água, em um fluxo contínuo, possível apenas pela engenhosidade do sistema de canalizações. No final do século XIX, a maioria das moradias brasileiras era desprovida desses serviços. Logo, a instalação do vaso sanitário permaneceu do lado de fora da casa. É de se presumir então que, ao menos no período noturno, o costume dos urinóis nos dormitórios permaneceu, servindo a latrina como vaso de despejo do conteúdo dos utensílios na manhã seguinte.

Paralelamente ao desenvolvimento do equipamento sanitário, as novas descobertas científicas sobre a microbiologia mostravam que, além dos odores fétidos, o problema do contato com os materiais fecais era o excremento em si. Em razão do seu alto grau de impureza, era preciso isolá-los, não apenas em relação ao corpo humano, mas do meio que os cercava. Justificava-se, assim, toda aparelhagem que fizesse desaparecer qualquer sinal de vestígio dos dejetos: a descarga de água que os levava embora, o sifão que não permitia o retorno de seus odores, a louça branca do vaso para permitir a limpeza de qualquer resíduo. Além, é claro, da ligação ao sistema de esgotos, responsável pelo seu transporte e despejo em local distante.

Nesse sentido, o Código Sanitário Estadual de 1894 sistematizou as novas exigências referentes à latrina: a bacia deveria ser de material impermeável, sem relevo e nenhum tipo de ornamento. A caixa de madeira para revestimento estava proibida e a instalação do sifão era obrigatória. Determinava-se ainda uma caixa d’água para a lavagem do vaso, com jorro convenientemente calculado do líquido para produzir a limpeza completa da bacia e permitir o escoamento pelo tubo de descida.

Diante da nova sensibilidade, tudo aquilo que era sujo e doente não era mais para ser visto, sentido ou tocado. Como pontua Lima,51 51 Lima, op. cit., p. 88. o que vinha de dentro do corpo deveria ser retirado do campo visual e olfativo, subtraído ao olhar, mascarado e bem tampado. Se as retretes e os mobiliários dissimuladores já eram discretos ao cumprirem o papel de esconder e fechar, o que dizer dos novos aparelhos tecnológicos:

Quando os materiais fecais passaram a ser levados pelas águas do revolucionário water closet [...] tornaram-se absolutamente invisíveis, tragadas para as profundezas da terra através das novas instalações hidráulicas, impelidas por uma aversão de evidente significado social.52 52 Ibid.

O equipamento técnico, portanto, viria a consolidar a ideia dos materiais fecais como objeto de repugnância, assim como as práticas de excreção, relegando qualquer forma de contato ou referência. Por esse motivo, nos manuais domésticos, dedicados aos banhos e as formas de limpeza do corpo, limitavam-se a mencionar apenas a exigência do “water-closet escrupulosamente limpo com seu apparelho automatico e um sachet du fleur de lavande na parede”.53 53 Cf. Almeida (1914, p. 162).

Agenciamento da materialidade: organização do espaço e equipamentos

Se antes os objetos que cumpriam a função de higiene e limpeza (jarros, bacias, urinóis, retretes, banheiras portáteis etc.) ficavam dispersos pelos ambientes, a implantação do sistema de canalizações exigiu que os dispositivos de entrada e saída de água fossem posicionados de forma definitiva no espaço. O mesmo ocorreu com todo o conjunto de equipamentos sanitários. Estabelecia-se, assim, o arranjo entre lavatório, banheira e bacia sanitária (mais conhecida water closet), complementado pela conexão de suportes que aproximavam cada vez mais os objetos da mão: sabão, esponja, toalha, papel higiênico. Outros componentes também poderiam fazer parte do conjunto: o chuveiro, o bidet e um aparelho de calefação da água. Essas facilidades, ao serem concentradas em um mesmo espaço, exigiram a definição de um ambiente exclusivo para sua funcionalidade - o banheiro.

Dessa maneira, o arranjo espacial padronizado do novo ambiente, com a fixação dos equipamentos em um espaço exclusivo, contrapunha-se à locomobilidade no uso dos antigos objetos que detinham uma “condição nômade” no espaço da casa. Em uma analogia ao mobiliário medieval, Giedion54 54 Giedion, op. cit, p. 676. afirma que o nomadismo em relação aos poucos móveis da época (arcas, baús, mesas e cadeiras desmontáveis) era “resultado” da instabilidade das condições de vida na Idade média, da mesma forma que o “banho portátil” era da instabilidade de orientação sobre a higiene.

Como coloca Giedion, há relação entre a instalação permanente das peças sanitárias e a estabilização das práticas de higiene, mas não se pode afirmar que a primeira tenha sido exclusivamente decorrência da segunda. Se a produção dos equipamentos respondia a uma demanda, esta também era gerada em razão da produção. Isso significa que a aparelhagem sanitária também determinava a estabilização das práticas, bem como tinha ascendência sobre os próprios anseios de higiene.

O banheiro em seu arranjo espacial e aparelhamento técnico não pode ser entendido apenas como forma refletida e estática da “higienização” e de todos os valores associados de distinção, moral, ordem e progresso. Segundo Meneses,55 55 Meneses (1996, p. 149). o banheiro é um artefato que interfere ativamente nos costumes, nas práticas e nas relações entre as pessoas, e entre corpos e objetos. Mais que simples produto daquelas mudanças, ele foi também veículo de mediação e conformação de um campo de forças sociais dentro de um processo de renovação de valores e sensibilidades.

A exigência do uso do aparelhamento técnico nas legislações, publicidade e discursos predominantes fez com que as atividades de higiene passassem a ser reconhecidas como legítimas quando intermediadas pela nova tecnologia. Da mesma forma, a prescrição de determinados materiais de acabamento para os equipamentos e o ambiente, como a preferência pela cerâmica esmaltada e metais, por terem a superfície lisa e lavável, propiciou que estas características físicas se tornassem elementos importantes na constituição da própria ideia de higiene.

O ponto é compreender que a noção do que é estar limpo e saudável transcendia o discurso verbal e foi construída pela percepção sensorial advinda da relação entre usuário e o conjunto do espaço e equipamentos. Dessa maneira, diversas concepções poderiam emergir a partir dessa troca. Conforme pontua Latour,56 56 Latour (1991, p. 19). o significado não antecede os dispositivos tecnológicos, ou seja, é preciso o aparelhamento técnico intermediar, interferir, agir sobre, para que se construa o sentido daquela interação.

Um exemplo claro é a percepção da conveniência. A tecnologia das redes urbanas transformou os modos de captação de água e eliminação dos resíduos por meio do simples acionamento de dispositivos. Abrir a torneira do lavatório ou da banheira substituía uma gama de tarefas que empenhavam tempo e trabalho corporal - buscar água nas fontes, preparar as banheiras para as abluções. A prontidão de entrada e saída da água trazia uma nova dimensão no gerenciamento das atividades. A partir de então, era desnecessário quantificar quantos litros de água deveriam ser armazenados para a realização das tarefas domésticas, de modo que elas poderiam ser realizadas a qualquer momento, sem necessidade de planejamento prévio ou dependência de mão de obra serviçal. Os equipamentos sanitários complementavam a conveniência: o modo mediatizado de operação, altamente controlado e racionalizado, em tarefas padronizadas (apertar botões, puxar válvula, girar torneira) garantia a aprendizagem automatizada sem requerer grande mobilização do corpo ou esforço para compreensão intelectual.57 57 Carvalho (2008, p. 197).

Da mesma forma, puxar uma descarga de água no vaso sanitário eliminava a necessidade de transitar com os dejetos para um lugar de despejo, assim como limpar vasos, urinóis, latrinas. Com o uso do “revolucionário” water closet, evitava-se ao máximo qualquer tipo de contato com os excrementos, tornando a relação com os dejetos mais distante e abstrata.

Se o uso dos aparelhos e dispositivos em si já era uma grande conveniência, sua concentração e arranjo em um espaço determinado, com todos os acessórios à mão, configurava uma comodidade. Reduzia-se a necessidade de movimentos e deslocamentos, seja nas sequências das práticas - defecar/urinar e depois lavar as mãos; banhar-se com sabão e secar-se com a toalha sobre o tapetinho no piso frio - ou na execução das tarefas, como a limpeza e assepsia realizadas de uma vez para todo conjunto.

Nesse sentido, o conjunto dos aspectos levantados, ao propiciar maior comodidade, rapidez e eficiência, incentivava a regularidade de uma sequência de práticas na rotina doméstica. Intermediados pelo novo aparelhamento técnico, os hábitos de higiene se tornavam normalizados, no sentido colocado por Costa:58 58 Costa (1979, p. 50). a adaptação às novas condutas era realizada não pela repressão, mas por meio de mecanismos que estimulavam e diversificavam comportamentos e sentimentos até então inexistentes ou imperceptíveis.

Nesse processo, a produção de novas características corporais também interferia na adesão cada vez maior ao uso do equipamento sanitário no espaço do banheiro. Primeiramente, pela incorporação da dinâmica que o objeto impunha ao usuário. Ainda que lavar o corpo ou fazer as necessidades fisiológicas fossem atividades cotidianas, sua realização intermediada pelo arranjo do aparelhamento técnico e o espaço do banheiro conduzia a novas condições específicas promovidas pelas características físicas desses elementos. O indivíduo introjeta a “ação”, aprende a manipular o objeto daquela forma, em uma síntese que, segundo Warnier,59 59 Warnier (1999) apud Rede (2012, p. 141). longe de ser estática, implica interação dinâmica entre corpo, espaço e objetos. Nesse sentido, uma vez incorporada essa relação, a ação será desenvolvida de maneira automática, sem tensões ou gasto de energia, quase que de forma inconsciente, além de individualizada e privativa.

Outra questão relativa à interação com o corpo eram as novas sensações produzidas tanto no nível físico quanto psicológico. A repulsa a tudo aquilo que era “sujo” - o contato com os próprios excrementos, os odores do corpo - exigia o uso contínuo de produtos de higiene para desodorização pessoal e do ambiente. Vale ressaltar a importância do sifão que, uma vez adquirido e utilizado ao longo dos anos, provocou o aumento da intolerância às exalações dos esgotos, mesmo posteriormente, quando já se sabia que o odor fétido não transmitia doenças.

Com as redes de abastecimento, o contato com a água tornava-se mais frequente e mais intenso, despertando novas formas de interação com o líquido. As inúmeras modalidades de banhos e formas de limpeza corporal apresentadas nos manuais prescritivos mostravam a dimensão que as abluções passaram a ter no cotidiano. Essa diversidade, segundo Lima,60 60 Lima, op. cit., p. 79. revela um “evidente deslumbramento com a nova descoberta, com os alívios e prazeres que ela era capaz de proporcionar ao corpo, como se quisessem apagar com um só ímpeto séculos de imundícies acumuladas”. A interação com o líquido se mostrava altamente positiva, como colocava Júlia Lopes de Almeida,61 61 Almeida (1906, p. 16). em Livro das donas e donzelas: “a água é um elemento essencial da vida e o principal fator da saúde humana. Uma casa em que [...] o quarto de banho [seja] diariamente frequentado, atravessará largos períodos de serenidade e de alegria!”

Os efeitos dos banhos, sejam os frios, com aumento do vigor, ou os quentes e mornos, com o relaxamento do corpo, eram experiências que operavam sobre os níveis de sensibilidade, promovendo novas sensações ligadas ao bem-estar físico e psicológico. Quando Júlia Lopes de Almeida62 62 Ibid. recomendava às moças ricas o luxo dos mármores e metais em seus quartos de banho, sua descrição da experiência da ablução era explicitamente associada ao sentimento do prazer:

Uma mulher moça e formosa (qual é delas que não se julga assim?) ao escorregar na água quente, que todo o corpo enlaça, lambe e amolenta, que doces sonhos teceria, vendo por entre as pestanas cerradas as cores eternamente fugitivas dos mármores e os reflexos dos vidros e dos metais!

Nesse caso, o metal e o mármore constroem a ideia de sofisticação e deleite estético junto à sensação de descontração e sensualidade causada pelo toque da água quente no corpo. São os rituais de preparo da mulher, os quais Lupton e Miller63 63 Lupton e Miller (1992, p. 31). dizem ser muito mais compatíveis à ablução na banheira do que ao banho do chuveiro, este de efeitos vigorosos e de rapidez “adequados” ao uso masculino. Novamente a languidez do corpo feminino era assunto, mas, dessa vez, sem os julgamentos morais do século XIX, e sim como uma forma de afirmação da importância dos cuidados de beleza e formosura da figura da mulher.

Os cuidados consigo mesmo ganhavam importância à medida que a individualidade era cada vez mais enaltecida naquela sociedade em que os valores burgueses estavam em ascensão. A interação com a tecnologia tornava o corpo predisposto a novos aprendizados que redefiniam todo um regime de práticas ligadas à limpeza e excreções. Como consequência, observou-se a intensificação e aprimoramento das atividades de higiene da casa e do corpo, acentuando as sensibilidades e os níveis de exigência, sobretudo quando parte da população ainda apresentava certas formas de resistência.

A distinção social pelos hábitos ainda era muito marcada, de modo que, à proporção que os serviços de canalizações e equipamentos sanitários se popularizavam, mais sofisticados se tornavam os métodos no trato do corpo e do ambiente pelas camadas mais ricas, agora beneficiadas pelo ingresso da indústria de artigos de limpeza e higiene pessoal no mercado nacional. Como pontua Ruth Cowan,64 64 Boivin (2008, p. 176). em relação ao equipamento técnico de modo geral - e não apenas ao sanitário-, sua entrada no espaço doméstico possibilitou casas, roupas e corpos mais limpos e outras vantagens, mas também levou a novos padrões da noção de limpeza e higiene. Assim, houve uma relação muito íntima e recíproca entre as possibilidades criadas pelas novas tecnologias e as exigências das novas convenções sociais.

A condição de bem-estar, prazer e comodidade, que diversos autores denominam de “conforto”, uma “disciplina doce” e “insidiosa”, atinge uma forma de satisfação corporal tanto física quanto psicológica, na qual ninguém deseja nem tem meios de recusar.65 65 Béguin, op. cit, p. 48. Essa sensação não era exclusiva das atividades do banheiro - o conforto já estava presente na casa burguesa muito antes, sendo uma das principais características da domesticidade moderna. Nos contextos das grandes cidades industriais, o trabalho produtivo foi deslocado para espaços específicos, reduzindo a casa às funções sociais ligadas ao núcleo familiar. Contraponto à esfera pública, a moradia se torna cada vez mais encerrada em si, em um ambiente propício à valorização da vida privada e das trocas afetivas, onde se dá a recompensa das energias físicas e mentais consumidas no universo hostil do trabalho.

A casa passa a ser a expressão da personalidade, “repositório das virtudes perdidas ou negadas no mundo exterior”,66 66 Forty, op. cit, p. 140. ou o lugar da ascensão da individualidade. A constituição do espaço doméstico perpassa assim pelo aspecto subjetivo do indivíduo, concomitante à apreensão objetiva colocada pela materialidade. Essa duplicidade aparece na discussão de Rice,67 67 Rice (2007, p. 4). na qual dois aspectos orientam a emergência da noção de interior doméstico: a conexão entre a referência espacial, as imagens desse espaço e a ideia de interioridade psíquica. Nesse sentido, o interior doméstico é, ao mesmo tempo, uma construção física e psíquica.

Vale notar que as formas de manifestação da subjetividade não serão iguais por toda a casa. Ainda que não tivesse uma posição definida no zoneamento do espaço doméstico, o banheiro é, sem dúvida, o ambiente mais privativo e, por isso, uma “conquista psicológica”, já que a “intimidade do lugar se impõe com uma insistência até então desigual: tudo deve ser concebido para evitar a presença de um terceiro”.68 68 Vigarello (2008, p. 386).

O banheiro tem uso solitário, distante dos olhares, sem compromisso com representações sociais - “não se entra aí em sociedade”.69 69 Staffe (1982, p. 4) apud Vigarello, op. cit., 2008, p. 387. É o local onde se desenrolam umas das poucas experiências do cotidiano em que o sujeito pode estar consigo mesmo, adquirindo consciência de si por meio do primeiro mediador físico com o mundo: o seu próprio corpo. A presença dos espelhos e o contato com a própria nudez fortalecem essa relação.

Ao mesmo tempo, o banheiro era o local absoluto onde o corpo é controlado, segundo regras sociais de higiene, moral e etiqueta. As atividades do banheiro objetivam também o domínio de sua natureza selvagem, similar a um “laboratório de trato dos resíduos corporais”: eliminam-se suor, urina, fezes, células mortas da pele, mau hálito etc.70 70 Lupton e Miller, op. cit, p. 1. Observa-se a simultaneidade do processo - ao mesmo tempo que um novo território privado e íntimo é conquistado, criam-se formas de controle moral e física. Nesse sentido, o banheiro assume o lugar de preparo para a apresentação em sociedade, exatamente quando o corpo limpo e asseado passa a ser alvo dos discursos higienistas, fazendo dele um meio de representação e construção sociais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tomando como referência um espaço específico da casa - o banheiro - foi possível analisar as diversas escalas de intervenção e apropriação da ideia de higiene, no contexto de São Paulo, entre o final do século XIX e o início do século XX. Desde as esferas pública e urbana, com as políticas sanitaristas e as ingerências nos espaços, às esferas privada e individual, relativas à casa e à interação com os novos aparatos técnico-sanitários.

Para cada escala, colocaram-se perguntas específicas que direcionaram os métodos de análise e as fontes documentais mais adequadas para cada abordagem. Conforme pontua Lepetit,71 71 Lepetit (2001). a variação das aproximações implica na alteração da perspectiva sobre o objeto de estudo, mas “nada indica que os fenômenos e as estruturas mudam se o olhar que se projeta sobre eles se modifica”.72 72 Ibid., p. 209. Escolher a escala é eleger o nível de informação que se quer obter - ou os níveis, já que a variação das perspectivas pode trazer leituras correlacionadas entre os diferentes aspectos observados. Portanto, a interpretação não se reduz a uma esfera específica: ao contrário, é priorizada a relação entre as várias escalas, em suas diferentes temporalidades e níveis da realidade (estrutura, conjuntura, acontecimento).

Ainda segundo Lepetit,73 73 Ibid. trata-se do jogo de escalas, pelo qual se permite a passagem da macro para a microesfera, considerando o sincronismo entre as questões centrais de cada dimensão abordada. A operação revela a posição relativista do autor que, como outros pensadores da terceira geração de Annales, veem na multiplicidade de métodos e objetos de estudos novas perspectivas para compreensão dos problemas históricos. Isso inclui as investigações de situações particulares da micro-história, em que as experiências cotidianas e subjetivas podem ser agentes ativos nas grandes estruturas de transformação de uma sociedade.

O estudo sobre o espaço doméstico permite trabalhar com frentes diversas de análises, o que justifica o método adotado de cruzar diferentes fontes documentais, cada uma iluminando um aspecto do problema de pesquisa. O artigo partiu de um documento comum da arquitetura - a planta do projeto residencial - pela qual é possível recuperar uma série de organizações espaciais definidas por parâmetros disciplinares, disponibilidades técnicas, materiais e econômicas. Essas organizações, contudo, não se definiam apenas em função desses fatores, por isso buscou-se atrelar a leitura das plantas a outros conjuntos de fontes documentais - relatórios, ofícios, legislações, cartografia -, que ajudassem a revelar as mudanças nas práticas e nas ideias associadas à nova noção de higiene, também veiculadas em artigos de jornais e revistas, publicidades, manuais femininos e de economia doméstica, tratados médicos, entre outros.

O cruzamento das fontes, além de revelar um conjunto mais amplo e complexo de definições do espaço do banheiro, aponta para a importância de outros agentes ligados ao uso da casa e ao consumo dos novos serviços e equipamentos, como as prestadoras de infraestrutura e fabricantes de produtos, a imprensa e a publicidade, os profissionais da saúde e, sobretudo, os usuários da casa e do cômodo sanitário, sejam moradores, trabalhadores ou frequentadores da moradia.

Ao deslocar o olhar para as dimensões de uso e consumo, foi possível verificar o processo de recepção dos serviços de abastecimento de água e esgoto em domicílio, viabilizados por meio da aparelhagem técnica e do espaço do banheiro. Mais especificamente, como os novos modos de uso da água atendiam às necessidades dos habitantes, analisando quais foram as significações que se depreendiam dessas experiências. Vale mencionar que é na etapa de consumo que determinados aspectos inerentes à produção, circulação e comercialização podem ser confirmados, relativizados ou ressignificados. Principalmente quando são serviços de salubridade que envolvem a introjeção de hábitos ligados à saúde e à higiene, bem como à moral, à civilidade, à privacidade e à individualidade.

Dessa maneira, este artigo sobre o espaço e os equipamentos do banheiro segue a perspectiva dos estudos de cultura material defendido pelo historiador Ulpiano Bezerra de Meneses,74 74 Meneses (1983, p. 112). em que a materialidade é entendida enquanto todo “segmento do meio físico que é socialmente apropriado”. A noção de apropriação social é fundamental nesse sentido: “é por meio dela que a sociedade, a partir de padrões culturalmente estabelecidos e compartilhados, estabelece suas múltiplas interações com o universo material, moldando-lhe a forma, conferindo-lhe papéis e atribuindo-lhe significados”.75 75 Rede, op. cit., p. 147, grifo nosso.

Entretanto, esse processo não é unilateral, pois o mesmo segmento físico que é apropriado pelas pessoas também tem o poder de ação sobre elas, constituindo-se assim sob duplo aspecto: como “produtos” e “vetores das relações sociais”.76 76 Meneses, op. cit, p. 112-113. É produto porque resulta “da ação humana, de processos de interações sociais que criam e transformam o meio físico”. É vetor porque se constitui como “suporte e condutor concretos para a efetivação das relações entre os homens”.77 77 Rede, op. cit., p. 147. É importante frisar que, nos estudos de cultura material, a materialidade não está descolada da esfera das relações humanas, como se uma precedesse a outra. Como pontua Rede,78 78 Ibid. é justamente o inverso: “Já no ato de sua concepção, o conjunto de representações, de valores e de ideias que subsidiarão as práticas sociais traz a marca de sua materialidade”.

Nota-se que na perspectiva proposta por Meneses,79 79 Meneses (1996). o estudo do universo material implica na compreensão de variadas dimensões relativas à constituição e apropriação do segmento físico. Como na análise das cidades, em que o autor propõe uma discussão a partir de três enfoques inter-relacionados: a de “artefato”, “campo de forças” e “imagem”. “Artefato” corresponde à “coisa complexa, fabricada, historicamente produzida [...] ao qual se impôs forma e/ou função e/ou sentido”. Ao mesmo tempo, sua produção se dá por meio de “forças econômicas, territoriais, especulativas, políticas, sociais, culturais, em tensão constante”, de maneira que “o artefato é sempre produto e vetor deste campo de forças nas suas configurações dominantes e nas práticas que ele pressupõe”.

A “imagem”, por sua vez, se refere ao sentido de representação, isto é, as “práticas sociais (que produzem artefatos e também procuram neles reproduzir-se) não se fazem às cegas, mecanicamente ou por instinto”, mas segundo um “imaginário, imaginação” que pode incorporar elementos outros como “conhecimento imediato, esquemas de inteligibilidade, classificações, memória, ideologia, valores, expectativas, etc.” Meneses80 80 Ibid. ressalta que os três enfoques (“artefato”, “campo de forças” e “imagem”) devem ser compreendidos enquanto “dimensões solidariamente imbricadas”, “cada uma dependendo profundamente das demais, em relação simbiótica”.

Assim, ao adotar como método de pesquisa o cruzamento de diferentes conjuntos de fontes documentais, tanto na escala pública da cidade quando na escala privada da casa, foi possível realizar a leitura de sua problemática em diferentes esferas da realidade, articulando as dimensões de artefato, campo de forças e representação, iluminando a constituição material desse cômodo da casa, o banheiro, bem como suas práticas. Nesse entendimento, a habitação e seus espaços são tanto objetos de análise de si mesmos quanto “vetores para a investigação de aspectos relevantes na organização, funcionamento e transformação de uma sociedade”.81 81 Meneses (2003, p. 28).

FONTES MANUSCRITAS

  • COMISSÃO GEOGRAPHICA E GEOLÓGICA (São Paulo). Planta geral da cidade de São Paulo, com indicações diversas. Engenheiro-chefe: João Pedro Cardoso. São Paulo: Comissão Geographica e Geológica, 1914. Planta color., 106 × 86 cm. Escala 1:20.000. Acervo Cartográfico do Arquivo Público do Estado de São Paulo.
  • SÉRIE de Obras Particulares. São Paulo: Fundo Prefeitura Municipal. Grupo Diretoria de Obras e Viação. São Paulo: Arquivo Histórico Municipal Washington Luís (SOP-AHMWL).

FONTES IMPRESSAS

  • ALMEIDA, Júlia Lopes de. Livro das noivas. 3. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves & Cia., 1914. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3yvHNPj Acesso em: 12 abr. 2020.
    » https://bit.ly/3yvHNPj
  • ALMEIDA, Júlia Lopes de. Livro das donas e donzelas. [S. l.: s. n.], 1906. Disponível em: Disponível em: https://bityli.com/PDogf Acesso em: 6 jul. 2020.
    » https://bityli.com/PDogf
  • A PROPÓSITO... Correio Paulistano. São Paulo, n. 12.988, p. 1, 29 out. 1899. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3jmDP7f Acesso em: 10 jan. 2020.
    » https://bit.ly/3jmDP7f
  • CASA. O Commercio de São Paulo, São Paulo, n. 589, p. 2, 1895. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3kyR9ou Acesso em: 28 fev. 2020.
    » https://bit.ly/3kyR9ou
  • CLESER, Vera. O lar doméstico: conselhos práticos sobre a boa direcção de uma casa. 3. ed. Rio de Janeiro: Laemmert & C., 1906.
  • CORREIO PAULISTANO, São Paulo, n. 14.780, 1904. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3ksRlFB Acesso em: 12 jan. 2020.
    » https://bit.ly/3ksRlFB
  • O ESTADO DE S. PAULO, São Paulo, p. 2, 26 out. 1894. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/38egEp1 Acesso em: 13 fev. 2020.
    » https://bit.ly/38egEp1
  • O REPÓRTER, São Paulo, n. 117, 1896. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/2WqwGtB Acesso em: 12 jan. 2020.
    » https://bit.ly/2WqwGtB
  • PEIXOTO, Afrânio Peixoto. Elementos de hijiene. [S. l.]: Francisco Alves, 1913.
  • RELATÓRIO da Commissão de exame e inspecção das habitações operárias e cortiços no destricto de Santa Ephigenia, apresentado ao cidadão Cezario Motta, Secretário dos Negócios do Interior do Estado de São Paulo. Elevação lateral e planta, nº 1. Original, tela amidoada, nanquim colorido com aquarela. Ordem E 0972. Acervo do Arquivo Público do Estado de São Paulo (APESP).
  • SÃO PAULO (Estado). Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Altino Arantes, Presidente de S. Paulo, pelo Secretário da agricultura, Commercio e Obras públicas, Candido Nazianzeno Nogueira da Motta, Anno de 1915. São Paulo: Tipografia Siqueira & C., 1916.
  • VIDA diaria. Correio Paulistano, São Paulo, n. 13.262, p. 2, 4 ago. 1900. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3jmCH3v Acesso em: 25 fev. 2020.
    » https://bit.ly/3jmCH3v

LIVROS, ARTIGOS E TESES

  • BÉGUIN, François. As maquinarias inglesas do conforto. Espaço e Debates, [S. l.], n. 34, p. 39-53, 1991.
  • BERNARDINI, Sidney Piochi. Construindo infraestruturas, planejando territórios: a Secretaria de Agricultura, Comércio e Obras Públicas do governo estadual paulista (1892-1926). 2007. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.
  • BOIVIN, Nicole. Material Cultures, Material Minds: The Impact of Things on Human Thought, Society and Evolution. Cambridge: Cambridge University Press, 2008.
  • BONDUKI, Nabil. Origens da habitação social no Brasil: arquitetura moderna, Lei do Inquilinato e difusão da casa própria. São Paulo: Estação Liberdade, 1998.
  • CAMPOS, Eudes. Arquitetura paulistana sob o Império: aspectos da formação da cultura burguesa em São Paulo. 1997. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1997.
  • CARVALHO, Vânia Carneiro de. Gênero e artefato: o sistema doméstico na perspectiva da cultura material. São Paulo: Edusp, 2008.
  • CORDEIRO, Simone Lucena (org.). Os cortiços de Santa Ifigênia: sanitarismo e urbanização. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2010.
  • COSTA, Jurandir Freire. Ordem médica e norma familiar. Rio de Janeiro: Graal, 1979.
  • DOUGLAS, Mary. Pureza e perigo. São Paulo: Perspectiva, 2014. (Debates, 120).
  • ELEB, Monique; DEBARRE, Anne. L’Invention de I’habitation moderne: Paris, 1880-1914. Paris: Hazan, 1995.
  • FORTY, Adrián. Objetos de desejo: design e sociedade desde 1750. São Paulo: Cosac Naify, 2007.
  • GIEDION, Siegfried. La mecanización toma el mando. Barcelona: Gustavo Gili, 1978.
  • HOMEM, Maria Cecília Naclério. Cozinha e indústria em São Paulo: do Rural ao Urbano. São Paulo: Edusp, 2015.
  • HOMEM, Maria Cecília Naclério. O palacete paulistano e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira, 1867-1918. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
  • LATOUR, Bruno. The Berlin Key or How to Do Words with Things. In: GRAVES-BROWN, Paul. Matter, Materiality and Modern Culture. Londres: Routledge, 1991. p. 10-21.
  • LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. A República ensina a morar (melhor). São Paulo: Hucitec, 1999.
  • LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. Cozinhas, etc.: um estudo sobre as zonas de serviço da Casa Paulista. São Paulo: Perspectiva, 1978.
  • LEPETIT, Bernard. Arquitetura, Geografia, História: Usos da Escala. In: LEPETIT, Bernard Lepetit; SALGUEIRO, Heliana Salgueiro (Org.). Por uma nova história urbana. São Paulo: Edusp, 2001, p. 191-226.
  • LIMA, Tania Andrade. Humores e odores: ordem corporal e ordem social no Rio de Janeiro, século XIX. Manguinhos: História, Ciências, Saúde, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 44-96, 1995-1996.
  • LUPTON, E.; MILLER, J.A. The Bathroom, the Kitchen, and the Aesthetics of Waste: A Process of Elimination. Cambridge, MA: MIT List Visual Arts Center, 1992.
  • MALUF, Marina; MOTT, Maria Lúcia. Recônditos do mundo feminino. In: SEVCENKO, Nicolau (Org.). História da vida privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, v. 3, p. 367-422.
  • MARINS, Paulo César Garcez. Habitação e vizinhança: limites da privacidade no surgimento das metrópoles brasileiras. In: SEVCENKO, Nicolau (Org.). História da vida privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. v. 3, p. 131-214.
  • MENESES, Ulpiano Bezerra de. A cultura material no estudo das sociedades antigas. Revista de História, São Paulo, n. 115, p. 103-117, 1983.
  • MENESES, Ulpiano Bezerra de. Fontes visuais, cultura visual, história visual: balanço provisório, propostas cautelares. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 23, n. 45, p. 11-36, 2003.
  • MENESES, Ulpiano Bezerra de. Morfologia das cidades brasileiras: introdução ao estudo histórico da iconografia urbana. Revista USP, São Paulo, n. 30, p. 144-155, 1996.
  • OLIVEIRA, Neide Gomes de. História dos hábitos de higiene no Brasil dos séculos XVIII ao XX. Dimensões: Revista de História da Ufes, Vitória, n. 2, p. 42-58, 1991.
  • PAULILLO, Clarissa de Almeida. Corpo, casa e cidade: três escalas da higiene na consolidação do banheiro nas moradias paulistanas (1893-1929). Dissertação (Mestrado em Design e Arquitetura) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017.
  • REDE, Marcelo. História e cultura material. In: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (Org.). Domínios da história. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. p. 133-150.
  • RICE, Charles. The Emergence of the Interior. London: Routledge, 2007.
  • SALIBA, Elias Thomé. A dimensão cômica da vida privada na República brasileira. In: SEVCENKO, Nicolau (Org.). História da vida privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. v. 3, p. 289-366.
  • SAMPAIO, Maria Ruth Amaral de. O papel da iniciativa privada na formação da periferia paulistana. Espaço & Debates, n. 37, v. XIV, 1994, p. 19-33.
  • SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. Higiene e higienismo entre o Império e a República. In: DEL PRIORE, Mary; AMANTINO, Marcia (Org.). História do corpo no Brasil. São Paulo: Editora Unesp, 2011. p. 283-312.
  • SEVCENKO, Nicolau. Introdução: O prelúdio republicano, astúcias da ordem e ilusões do progresso. In: SEVCENKO, Nicolau (Org.). História da vida privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. v. 3, p. 7-48.
  • VIGARELLO, Georges. Higiene do corpo e trabalho das aparências. In: CORBIN, Alain. et al. História do corpo. Volume 2: da Revolução à Grande Guerra. Petrópolis: Vozes, 2008. p. 375-392.
  • VIGARELLO, Georges. O limpo e o sujo: uma história da higiene corporal. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
  • 1
    Este artigo é fruto da pesquisa de mestrado que originou a dissertação Corpo, casa e cidade: três escalas da higiene na consolidação do banheiro nas moradias paulistanas (1893-1929)PAULILLO, Clarissa de Almeida. Corpo, casa e cidade: três escalas da higiene na consolidação do banheiro nas moradias paulistanas (1893-1929). Dissertação (Mestrado em Design e Arquitetura) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017., de Clarissa de Almeida Paulillo, sob orientação da Prof.ª Dr.ª Tatiana Sakurai, realizada no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), com apoio da CAPES. A dissertação ficou em primeiro lugar do XXXI Prêmio Design do Museu da Casa Brasileira, na categoria “Trabalhos escritos - não publicados”.
  • 3
    O material consultado como fonte de pesquisa são as plantas anexadas aos pedidos para construção ou reforma de moradias, submetidos à aprovação da Intendência municipal por particulares, arquivados na Série de Obras Particulares do Arquivo Histórico Municipal Washington Luís (SOP-AHMWLSÉRIE de Obras Particulares. São Paulo: Fundo Prefeitura Municipal. Grupo Diretoria de Obras e Viação. São Paulo: Arquivo Histórico Municipal Washington Luís (SOP-AHMWL).), da Prefeitura Municipal de São Paulo. No acervo, estão disponíveis projetos de 1893 a 1923, lembrando que 1893 foi a data da Lei Municipal nº 38, que tornou obrigatória a apresentação de planta para o alvará de licença.
  • 4
    Cf. Eleb (1995ELEB, Monique; DEBARRE, Anne. L’Invention de I’habitation moderne: Paris, 1880-1914. Paris: Hazan, 1995.), Giedion (1978GIEDION, Siegfried. La mecanización toma el mando. Barcelona: Gustavo Gili, 1978.) Lemos (1999LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. A República ensina a morar (melhor). São Paulo: Hucitec, 1999.) e Vigarello (1996VIGARELLO, Georges. O limpo e o sujo: uma história da higiene corporal. São Paulo: Martins Fontes, 1996.).
  • 5
    Sevcenko (1998SEVCENKO, Nicolau. Introdução: O prelúdio republicano, astúcias da ordem e ilusões do progresso. In: SEVCENKO, Nicolau (Org.). História da vida privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. v. 3, p. 7-48., p. 34).
  • 6
    Sevcenko (id., p. 11) chama a atenção para a “Revolução Científico-Tecnológica”, resultante da aplicação das descobertas científicas aos processos produtivos, ampliando novos campos de exploração industrial, além do desenvolvimento nas áreas da bacteriologia, medicina, higiene e profilaxia. Inicialmente presente na Europa e nos Estados Unidos, o impacto dessa revolução no Ocidente se traduz na variedade de novos equipamentos, produtos e processos no cotidiano, além da repercussão decisiva no controle das doenças e no prolongamento da vida.
  • 7
    Ibid., p. 35.
  • 8
    Marins (1998MARINS, Paulo César Garcez. Habitação e vizinhança: limites da privacidade no surgimento das metrópoles brasileiras. In: SEVCENKO, Nicolau (Org.). História da vida privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. v. 3, p. 131-214., p. 132).
  • 9
    Bernardini (2007BERNARDINI, Sidney Piochi. Construindo infraestruturas, planejando territórios: a Secretaria de Agricultura, Comércio e Obras Públicas do governo estadual paulista (1892-1926). 2007. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007., p. 287).
  • 10
    Bonduki (1998BONDUKI, Nabil. Origens da habitação social no Brasil: arquitetura moderna, Lei do Inquilinato e difusão da casa própria. São Paulo: Estação Liberdade, 1998., p. 35).
  • 11
    Cf. Cordeiro (2010CORDEIRO, Simone Lucena (org.). Os cortiços de Santa Ifigênia: sanitarismo e urbanização. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2010.).
  • 12
    Douglas (2014DOUGLAS, Mary. Pureza e perigo. São Paulo: Perspectiva, 2014. (Debates, 120)., p. 12, 50).
  • 13
    Béguin (1991BÉGUIN, François. As maquinarias inglesas do conforto. Espaço e Debates, [S. l.], n. 34, p. 39-53, 1991., p. 51).
  • 14
    Ibid., p. 53.
  • 15
    Segundo Saliba (1998SALIBA, Elias Thomé. A dimensão cômica da vida privada na República brasileira. In: SEVCENKO, Nicolau (Org.). História da vida privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. v. 3, p. 289-366., p. 294), uma das formas da “modernização compulsória” da nova república brasileira era a definição de um novo viver cotidiano na esfera pública atrelado ao viver na esfera privada.
  • 16
    Motta Júnior et al., Relatório da Comissão de Exame e Inspecção das habitações operárias e cortiços no distrito de Santa Ephigênia (1894) apud Cordeiro, op. cit., p. 100, grifo do autor.
  • 17
    Cf. Homem (1996HOMEM, Maria Cecília Naclério. O palacete paulistano e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira, 1867-1918. São Paulo: Martins Fontes, 1996.).
  • 18
    Cf. São Paulo (1916SÃO PAULO (Estado). Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Altino Arantes, Presidente de S. Paulo, pelo Secretário da agricultura, Commercio e Obras públicas, Candido Nazianzeno Nogueira da Motta, Anno de 1915. São Paulo: Tipografia Siqueira & C., 1916.). Embora o número pareça bastante expressivo, ele não significa que a maioria da população da cidade estivesse atendida pelos serviços de abastecimento de água e esgoto, já que grande parte das moradias, sobretudo as mais pobres, localizava-se fora do perímetro urbano.
  • 19
    Cf. Comissão Geographica e Geológica (1914COMISSÃO GEOGRAPHICA E GEOLÓGICA (São Paulo). Planta geral da cidade de São Paulo, com indicações diversas. Engenheiro-chefe: João Pedro Cardoso. São Paulo: Comissão Geographica e Geológica, 1914. Planta color., 106 × 86 cm. Escala 1:20.000. Acervo Cartográfico do Arquivo Público do Estado de São Paulo.).
  • 20
    Esse modelo de cômodo sanitário pode ter como origem os banheiros dos hotéis de luxo dos Estados Unidos, concebidos como “células padronizadas”, na qual a racionalidade se fazia necessária para garantir “um banheiro para cada quarto” - um grande diferencial de comodidade para a época.
  • 21
    Cf. Peixoto (1913PEIXOTO, Afrânio Peixoto. Elementos de hijiene. [S. l.]: Francisco Alves, 1913.).
  • 22
    Cf. Bonduki, op. cit. e Sampaio (1994SAMPAIO, Maria Ruth Amaral de. O papel da iniciativa privada na formação da periferia paulistana. Espaço & Debates, n. 37, v. XIV, 1994, p. 19-33.).
  • 23
    Cf. Bonduki, op. cit.
  • 24
    Cf. Vida diaria (1900VIDA diaria. Correio Paulistano, São Paulo, n. 13.262, p. 2, 4 ago. 1900. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3jmCH3v . Acesso em: 25 fev. 2020.
    https://bit.ly/3jmCH3v...
    ).
  • 25
    Bonduki, op. cit, p. 54.
  • 26
    Cf. O Estado de S. Paulo (1894O ESTADO DE S. PAULO, São Paulo, p. 2, 26 out. 1894. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/38egEp1 . Acesso em: 13 fev. 2020.
    https://bit.ly/38egEp1...
    ); O Reporter (1896O REPÓRTER, São Paulo, n. 117, 1896. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/2WqwGtB . Acesso em: 12 jan. 2020.
    https://bit.ly/2WqwGtB...
    ).
  • 27
    Cf. Casa (1895CASA. O Commercio de São Paulo, São Paulo, n. 589, p. 2, 1895. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3kyR9ou . Acesso em: 28 fev. 2020.
    https://bit.ly/3kyR9ou...
    ).
  • 28
    Decreto Estadual nº 708, de 18 de setembro de 1899.
  • 29
    Lemos (1999LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. A República ensina a morar (melhor). São Paulo: Hucitec, 1999., p. 67-68).
  • 30
    Bernardini, op. cit., p. 356, 362.
  • 31
    Os sobrados geminados se popularizam de fato nos anos 1920, possibilitados pela maior difusão do emprego de estruturas em concreto armado nas construções da cidade de São Paulo. A técnica era a ideal para elevação de maior número de pavimentos nas edificações, além de possibilitar a realização de lajes para os pisos dos banheiros e terraços no andar superior. A laje de concreto possibilita a canalização do piso para o escoamento de esgotos.
  • 32
    Correio Paulistano (1904CORREIO PAULISTANO, São Paulo, n. 14.780, 1904. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3ksRlFB . Acesso em: 12 jan. 2020.
    https://bit.ly/3ksRlFB...
    ).
  • 33
    É certo que havia ocorrências em que o Serviço Sanitário intervinha diretamente ao solicitar à RAE para a instalação domiciliar, bem com intimar os residentes a prover o aparelhamento no interior doméstico. No entanto, as próprias autoridades colocavam restrições quanto ao nível de interferência dos agentes sanitários no espaço privado dos cidadãos. Em 1899, Antonio da Silva Prado, o primeiro prefeito da cidade de São Paulo, Emílio Ribas, diretor do Serviço Sanitário, e Theodoro Sampaio, o diretor da RAE, reuniram-se para decidir que “os inspetores e os demais empregados da fiscalização municipal não fizessem intimações sobre a execução de obras no interior das casas”, devendo apenas dar orientação aos moradores e notificar a prefeitura dos melhoramentos necessários (A PROPÓSITO..., 1899A PROPÓSITO... Correio Paulistano. São Paulo, n. 12.988, p. 1, 29 out. 1899. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3jmDP7f . Acesso em: 10 jan. 2020.
    https://bit.ly/3jmDP7f...
    ).
  • 34
    Lemos (1978LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. Cozinhas, etc.: um estudo sobre as zonas de serviço da Casa Paulista. São Paulo: Perspectiva, 1978.).
  • 35
    Homem (2015HOMEM, Maria Cecília Naclério. Cozinha e indústria em São Paulo: do Rural ao Urbano. São Paulo: Edusp, 2015.).
  • 36
    Lemos, Op. cit., (1978LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. Cozinhas, etc.: um estudo sobre as zonas de serviço da Casa Paulista. São Paulo: Perspectiva, 1978., p. 198.).
  • 37
    Vigarello (1996VIGARELLO, Georges. O limpo e o sujo: uma história da higiene corporal. São Paulo: Martins Fontes, 1996., p. 238).
  • 38
    Cf. Sant’Anna (2011SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. Higiene e higienismo entre o Império e a República. In: DEL PRIORE, Mary; AMANTINO, Marcia (Org.). História do corpo no Brasil. São Paulo: Editora Unesp, 2011. p. 283-312.).
  • 39
    Peixoto, op. cit.
  • 40
    Cleser (1906CLESER, Vera. O lar doméstico: conselhos práticos sobre a boa direcção de uma casa. 3. ed. Rio de Janeiro: Laemmert & C., 1906., p. 59-60).
  • 41
    Maluf e Mott (1998MALUF, Marina; MOTT, Maria Lúcia. Recônditos do mundo feminino. In: SEVCENKO, Nicolau (Org.). História da vida privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, v. 3, p. 367-422., p. 405) mostram como conhecimento de novas tecnologias e novas medidas de higiene preconizadas pelos médicos transformavam o papel feminino no âmbito doméstico. Na crescente exigência do cuidado materno com os filhos, tanto físico e moral quanto educacional, esperava-se que as mulheres dominassem um pouco de diferentes assuntos, em especial, os saberes médicos e de higiene.
  • 42
    Almeida (1906ALMEIDA, Júlia Lopes de. Livro das donas e donzelas. [S. l.: s. n.], 1906. Disponível em: Disponível em: https://bityli.com/PDogf . Acesso em: 6 jul. 2020.
    https://bityli.com/PDogf...
    , p. 16).
  • 43
    Cleser, op. cit.
  • 44
    Douglas, op. cit.
  • 45
    Forty (2007FORTY, Adrián. Objetos de desejo: design e sociedade desde 1750. São Paulo: Cosac Naify, 2007.).
  • 46
    Ibid., p. 218.
  • 47
    Lima (1995-1996LIMA, Tania Andrade. Humores e odores: ordem corporal e ordem social no Rio de Janeiro, século XIX. Manguinhos: História, Ciências, Saúde, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 44-96, 1995-1996., p. 56).
  • 48
    Campos (1997CAMPOS, Eudes. Arquitetura paulistana sob o Império: aspectos da formação da cultura burguesa em São Paulo. 1997. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1997., p. 448), Lima, op. cit, p. 58 e Oliveira (1991OLIVEIRA, Neide Gomes de. História dos hábitos de higiene no Brasil dos séculos XVIII ao XX. Dimensões: Revista de História da Ufes, Vitória, n. 2, p. 42-58, 1991., p. 50).
  • 49
    Lima, op. cit., p. 56.
  • 50
    Campos, op. cit., p. 450-451.
  • 51
    Lima, op. cit., p. 88.
  • 52
    Ibid.
  • 53
    Cf. Almeida (1914ALMEIDA, Júlia Lopes de. Livro das noivas. 3. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves & Cia., 1914. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3yvHNPj . Acesso em: 12 abr. 2020.
    https://bit.ly/3yvHNPj...
    , p. 162).
  • 54
    Giedion, op. cit, p. 676.
  • 55
    Meneses (1996MENESES, Ulpiano Bezerra de. Morfologia das cidades brasileiras: introdução ao estudo histórico da iconografia urbana. Revista USP, São Paulo, n. 30, p. 144-155, 1996., p. 149).
  • 56
    Latour (1991LATOUR, Bruno. The Berlin Key or How to Do Words with Things. In: GRAVES-BROWN, Paul. Matter, Materiality and Modern Culture. Londres: Routledge, 1991. p. 10-21., p. 19).
  • 57
    Carvalho (2008CARVALHO, Vânia Carneiro de. Gênero e artefato: o sistema doméstico na perspectiva da cultura material. São Paulo: Edusp, 2008., p. 197).
  • 58
    Costa (1979COSTA, Jurandir Freire. Ordem médica e norma familiar. Rio de Janeiro: Graal, 1979., p. 50).
  • 59
    Warnier (1999) apud Rede (2012REDE, Marcelo. História e cultura material. In: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (Org.). Domínios da história. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. p. 133-150., p. 141).
  • 60
    Lima, op. cit., p. 79.
  • 61
    Almeida (1906ALMEIDA, Júlia Lopes de. Livro das donas e donzelas. [S. l.: s. n.], 1906. Disponível em: Disponível em: https://bityli.com/PDogf . Acesso em: 6 jul. 2020.
    https://bityli.com/PDogf...
    , p. 16).
  • 62
    Ibid.
  • 63
    Lupton e Miller (1992LUPTON, E.; MILLER, J.A. The Bathroom, the Kitchen, and the Aesthetics of Waste: A Process of Elimination. Cambridge, MA: MIT List Visual Arts Center, 1992., p. 31).
  • 64
    Boivin (2008BOIVIN, Nicole. Material Cultures, Material Minds: The Impact of Things on Human Thought, Society and Evolution. Cambridge: Cambridge University Press, 2008., p. 176).
  • 65
    Béguin, op. cit, p. 48.
  • 66
    Forty, op. cit, p. 140.
  • 67
    Rice (2007RICE, Charles. The Emergence of the Interior. London: Routledge, 2007., p. 4).
  • 68
    Vigarello (2008VIGARELLO, Georges. Higiene do corpo e trabalho das aparências. In: CORBIN, Alain. et al. História do corpo. Volume 2: da Revolução à Grande Guerra. Petrópolis: Vozes, 2008. p. 375-392., p. 386).
  • 69
    Staffe (1982, p. 4) apud Vigarello, op. cit., 2008VIGARELLO, Georges. Higiene do corpo e trabalho das aparências. In: CORBIN, Alain. et al. História do corpo. Volume 2: da Revolução à Grande Guerra. Petrópolis: Vozes, 2008. p. 375-392., p. 387.
  • 70
    Lupton e Miller, op. cit, p. 1.
  • 71
    Lepetit (2001LEPETIT, Bernard. Arquitetura, Geografia, História: Usos da Escala. In: LEPETIT, Bernard Lepetit; SALGUEIRO, Heliana Salgueiro (Org.). Por uma nova história urbana. São Paulo: Edusp, 2001, p. 191-226.).
  • 72
    Ibid., p. 209.
  • 73
    Ibid.
  • 74
    Meneses (1983MENESES, Ulpiano Bezerra de. A cultura material no estudo das sociedades antigas. Revista de História, São Paulo, n. 115, p. 103-117, 1983., p. 112).
  • 75
    Rede, op. cit., p. 147, grifo nosso.
  • 76
    Meneses, op. cit, p. 112-113.
  • 77
    Rede, op. cit., p. 147.
  • 78
    Ibid.
  • 79
    Meneses (1996MENESES, Ulpiano Bezerra de. Morfologia das cidades brasileiras: introdução ao estudo histórico da iconografia urbana. Revista USP, São Paulo, n. 30, p. 144-155, 1996.).
  • 80
    Ibid.
  • 81
    Meneses (2003MENESES, Ulpiano Bezerra de. Fontes visuais, cultura visual, história visual: balanço provisório, propostas cautelares. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 23, n. 45, p. 11-36, 2003., p. 28).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    31 Ago 2021
  • Aceito
    04 Mar 2022
Museu Paulista, Universidade de São Paulo Rua Brigadeiro Jordão, 149 - Ipiranga, CEP 04210-000, São Paulo - SP/Brasil, Tel.: (55 11) 2065-6641 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: anaismp@usp.br