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Hemangioma capilar da medula: relato de caso

Capillary hemangioma of the spinal cord: case report

Resumos

Descrevemos um caso raro de hemangioma capilar da medula em mulher de 79 anos, que se apresentou com paraparesia progressiva, no período de 8 meses. Radiologicamente, esta lesão lembra outros tumores vasculares da medula espinhal. A paciente foi submetida a tratamento cirúrgico com boa recuperação. Em relação à histopatologia, a lesão assemelhou-se ao hemangioma capilar da pele e tecidos moles, composto de lóbulos de pequenos capilares associados a vasos nutridores, envolvidos por uma cápsula fibrosa. É realizada uma revisão dos casos publicados na literatura, assim como uma discussão dos aspectos clínicos, radiológicos, histológicos e do diagnóstico diferencial da lesão. O conhecimento da sua existência pode evitar erros de diagnóstico desta lesão benigna.

hemangioma capilar; tumores da medula espinhal; malformação vascular


We report a rare case of spinal cord capillary hemangioma in a 79-year-old woman, presented with paraparesia that had progressed within 8 months. Radiologically, the lesion resemble other vascular spinal cord tumors. The patient underwent surgery and the outcome was good. Histologically, the lesion resembled capillary hemangioma of skin or soft tissue, composed of lobules of small capillaries with associated feeding vessels, all enveloped by a delicate fibrous capsule. A review of the published cases in the literature is provided as well as a discussion of the clinical, radiological and histological aspects of the lesion and the differential diagnosis. Knowledge of its existence may avoid misdiagnosis of this benign lesion.

capilar hemangioma; spinal cord tumor; vascular malformation


Hemangioma capilar da medula: relato de caso

Capillary hemangioma of the spinal cord: case report

Maurus Marques de Almeida HolandaI; Stênio Abrantes SarmentoI; Rodrigo Vasconcelos Correia Lima de AndradeII; Evaldo de Sousa NóbregaIII; José Alberto Gonçalves da SilvaIV

INeurocirurgião da UNINEURO e do Hospital Santa Paula

IIGraduando de Medicina

IIIRadiologista do Hospital Humberto Lucena

IVNeurocirurgião do Hospital Santa Isabel - João Pessoa PB, Brasil

RESUMO

Descrevemos um caso raro de hemangioma capilar da medula em mulher de 79 anos, que se apresentou com paraparesia progressiva, no período de 8 meses. Radiologicamente, esta lesão lembra outros tumores vasculares da medula espinhal. A paciente foi submetida a tratamento cirúrgico com boa recuperação. Em relação à histopatologia, a lesão assemelhou-se ao hemangioma capilar da pele e tecidos moles, composto de lóbulos de pequenos capilares associados a vasos nutridores, envolvidos por uma cápsula fibrosa. É realizada uma revisão dos casos publicados na literatura, assim como uma discussão dos aspectos clínicos, radiológicos, histológicos e do diagnóstico diferencial da lesão. O conhecimento da sua existência pode evitar erros de diagnóstico desta lesão benigna.

Palavras-chave: hemangioma capilar, tumores da medula espinhal, malformação vascular.

ABSTRACT

We report a rare case of spinal cord capillary hemangioma in a 79-year-old woman, presented with paraparesia that had progressed within 8 months. Radiologically, the lesion resemble other vascular spinal cord tumors. The patient underwent surgery and the outcome was good. Histologically, the lesion resembled capillary hemangioma of skin or soft tissue, composed of lobules of small capillaries with associated feeding vessels, all enveloped by a delicate fibrous capsule. A review of the published cases in the literature is provided as well as a discussion of the clinical, radiological and histological aspects of the lesion and the differential diagnosis. Knowledge of its existence may avoid misdiagnosis of this benign lesion.

Key words: capilar hemangioma, spinal cord tumor, vascular malformation.

Os hemangiomas capilares são lesões vasculares benignas da superfície corporal sendo observadas freqüentemente na pele do couro cabeludo, face, cavidades oral e nasal, pescoço e tecido celular subcutâneo de crianças. Histologicamente, os hemangiomas caracterizam-se por possuir uma arquitetura lobular, com lóbulos nutridos por grandes vasos e por numerosos capilares alinhados por endotélio plano. Na variante juvenil do hemangioma capilar, os lúmens vasculares são estreitados por endotélio "roliço", resultando em lesões de aparência sólida. O conhecimento da existência desta lesão benigna, é mais um diagnóstico diferencial com os tumores intradurais1.

Hemangiomas capilares do sistema nervoso central e periférico são raros, havendo poucas referências na literatura, o que justifica o relato do presente caso.

CASO

Mulher de 79 anos, foi admitida com queixas de fraqueza progressiva nas pernas, dificuldade em subir escadas, deambulando com apoio de bengalas. Evoluiu em 8 meses, de forma assimétrica, acrescida de urgência urinária na semana que antecedeu à internação. Ao exame neurológico demonstrou uma paraparesia assimétrica (D>E), espasticidade, hiperreflexia 4+/4+, clono, sinal de Babinski bilateral e nível sensitivo (táctil, doloroso) em T12. A ressonância magnética (RM) da coluna vertebral evidenciou imagem de morfologia grosseiramente ovalada, localizada ao nível de T11 e T12, em situação intradural, extramedular, anterolateralmente à direita, que promovia compressão do parênquima medular adjacente. A referida imagem exibe sinal isointenso nas seqüências ponderadas em T1, sinal predominantemente hiperintenso em T2 e realce homogêneo pelo gadolínio. As medidas da lesão estimadas em 4,0x1,5x2,0 cm (LxAPxT) (Fig. 1). A paciente foi submetida a laminectomia de T11 e T12 e sob microscopia a lesão apresentava coloração avermelhada, aderida à medula espinhal, envolta em cápsula fina, cujo conteúdo era de consistência mole e sangrava à manipulação, sendo facilmente aspirável.


O estudo anatomopatológico revelou a presença de canais vasculares revestidos por células endoteliais fusiformes, raramente ovóides e imersos em um estroma de tecido conjuntivo. Os canais vasculares, por vezes, apresentam luz dilatada, contendo hemácias no seu interior, sendo bem evidenciados na Figura 2, caracterizando lesão vascular compatível com hemangioma capilar.


A paciente apresentou, no pós-operatório imediato, piora imediata do déficit motor, conseguindo deambular com dificuldade após uma semana e, a seguir, apresentou melhora significativa após 90 dias, quando passou a deambular sem apoio.

Para publicação, foi devidamente assinado pela paciente, consentimento livre e esclarecido, no hospital.

DISCUSSÃO

Os hemangiomas capilares são lesões benignas raras, podendo acometer o sistema nervoso central e periférico. Foram descritos, na literatura, menos de 20 casos desta lesão intra-dural, em íntima relação com a medula, cone medular e raízes da cauda eqüina2. Budinand et al. descreveram um caso de lesão epidural dorsal com extensão foraminal3. Freqüentemente, são únicos, tendo sido relatado, no entanto, um caso de hemangioma capilar múltiplo (hemangiomatose), acometendo a medula torácica, o cone medular e a cauda eqüina4.

O caso descrito apresentou sintomas semelhantes aos tumores intramedulares, porém distinto pelo seu tempo de evolução mais lenta e natureza não infiltrativa da lesão. Assim como nos 4 casos relatados por Roncaroli et al., não foi lembrada a possibilidade de hemangioma capilar, mesmo apresentando imagem de neoplasia muito vascularizada, só sendo confirmado o diagnóstico através de exame anatomopatológico5. Coincidentemente, tivemos a mesma localização da lesão em T11, como foi demonstrado em 2 de seus casos. Isto também é observado em outras publicações, em que há uma maior freqüência desta patologia, nos segmentos de T8 ao cone medular2,4-8. Além disso, tivemos um período de evolução de 8 meses, semelhante a estes 2 casos anteriormente mencionados. Os sinais e sintomas dos hemangiomas capilares têm seu aparecimento progressivo, simulando tumores intrarraqueanos, diferentemente dos sintomas súbitos que aparecem nos sangramentos dos angiomas cavernosos9-11.

Observou-se maior acometimento do hemangioma capilar da medula em pessoas com mais de 40 anos idade4,5,8 e preferencialmente, no sexo masculino, diferindo do comportamento dos angiomas cavernosos que são mais encontrados em mulheres jovens9.

Na imagem da RM, que é o exame de eleição, o hemangioma capilar exibe sinal isointenso nas seqüências ponderadas em T1, sinal hiperintenso em T2 e grande realce homogêneo pelo gadolínio, colocando-se entre um dos diagnósticos diferenciais dos tumores intradurais extramedulares e intramedulares6-8. Entre estes últimos, destacamos o angioma cavernoso, caracterizado pelo halo de hemosiderina e heterogeneidade de sinal, referentes à hemorragia aguda ou crônica visualizadas através deste exame9,10. Hida et al. descreveram um caso de hemangioma capilar intramedular cervical, num homem de 50 anos, com edema local da medula que foi inicialmente confundido com siringomielia12. Este mesmo trabalho foi comentado por Roncaroli et al., que discordaram do diagnóstico anatomopatológico daquela lesão5.

No caso em estudo, o diagnóstico, através da RM, foi de meningioma, que se caracteriza por ser um tumor intradural e extramedular, exibindo sinal isointenso nas seqüências ponderadas em T1, sinal predominantemente hiperintenso em T2 e realce pelo gadolínio. Apesar destas características, não foi lembrado o diagnóstico de hemangioma capilar.

O tratamento de eleição é cirúrgico através de laminectomia, encontrando-se lesão de coloração vermelho-escura ou marrom-avermelhada, de consistência mole, apresentando fina pseudocápsula2,11. Tsao et al. descreveram dois casos de hemangioma capilar do seio cavernoso que tiveram ressecção parcial e foram tratados com radioterapia estereotáxica fracionada complementar, obtendo ótimos resultados18.

O diagnóstico definitivo, na maioria das vezes, só se faz através do estudo anatomo-patológico, como nos casos dos hemangioblastomas, que são compostos por células estromais vacuolizadas, que representam o verdadeiro componente neoplásico, tendo núcleo de tamanho variado, apresentando atipias ou hipercromias ocasionais e caracterizando-se por conterem numerosos vacúolos citoplasmáticos de conteúdo lipídico e característica rede capilar exuberante assim como os hemangiopericitomas9,12-21. Situação semelhante acontece com os angiolipomas que são nítidos quando corados com hematoxilina-eosina14. O diagnóstico diferencial deve ser feito com outras neoplasias como hemangioendotelioma, meningioma, schwannoma, tumores fibrosos solitários, metástases, astrocitoma intramedular e angioma cavernoso, sendo de extrema valia o minucioso estudo durante análise da RM9,12-18.

É importante que o neurologista, radiologista e neurocirurgião estejam atentos para a existência desta patologia que é de bom prognóstico, diferentemente dos tumores medulares de potencial agressivo.

Recebido 29 Julho 2003, recebido na forma final 17 Outubro 2003.

Aceito 29 Novembro 2003.

Dr. Maurus Marques de Almeida Holanda - Rua Santos Coelho Neto 200/802 - 58038-450 João Pessoa PB - Brasil. E-mail: maurus@zaitek.com.br

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Jun 2004
  • Data do Fascículo
    Jun 2004

Histórico

  • Recebido
    29 Jul 2003
  • Revisado
    17 Out 2003
  • Aceito
    29 Nov 2003
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