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Síndrome do túnel do carpo: aspectos clínico-epidemiológicos em 668 casos

Carpal tunnel syndrome: clinical and epidemiological studies in 668 cases

Resumos

Foram estudados 668 pacientes (1059 mãos) com síndrome do túnel do carpo entre janeiro de 1989 e junho de 1996. O critério de seleção e inclusão dos pacientes baseou-se na diferença de latência sensitiva > ou = 1,0 ms entre os potenciais de ação sensitivos dos nervos mediano e radial após estimulação no punho e registro no I dedo (diferença mediano-radial, DMR), representando diferença maior que 6 desvios-padrão (DP). Foi obtida DMR em 125 mãos normais (grupo controle) com limite superior de normalidade de 0,43 ms (média + 2 DP). Todos os casos tiveram estudo eletrofisiológico bilateral, sendo excluídos casos com cirurgia prévia ou evidência de neuropatia periférica. A idade variou de 17 a 83 anos com média de 47,5 anos; 91,3% eram do sexo feminino; 72% referiam sintomatologia bilateral e 85,3% no período noturno/matinal. Dor, dormência e formigamento foram conjuntamente referidos por 64,4%, sendo que dor como sintoma isolado foi raro; além da mão, houve extensão do quadro álgico para outros territórios em 39,4%. Os sintomas ocorreram em todos dos dedos em 42,5% seguido do III, III-IV, I-II-III e II-III-IV dedos. Não houve correlação precisa com antecedentes traumáticos no punho. A duração da sintomatologia foi ampla, variando de 1 a >120 meses. A doença mais comumente referida pelos pacientes foi diabetes mellitus com 4,4% do total.

síndrome do túnel do carpo; nervo mediano; neuropatia compressiva; mononeuropatia


Between January/1989 and June/1996, 1 059 carpal tunnel syndrome hands (CTS) from 668 patients were studied. None had been previously operated and all had bilateral conduction studies; peripheral neuropathy was excluded. The patients were selected with sensory median/radial difference (MRD) > or = 1.0 ms that strongly supports electrodiagnosis of CTS (standard deviation >6) after stimulation on wrist and recording on thumb. Normal MRD were obtained in 125 hands with upper limit of normality = 0,43 ms (mean + 2 SD). The age ranged from 17 to 83 years (mean 47.5) and 91.3% were female; the complaints were bilateral in 72% and nocturnal/awakening in 85.3%. Pain, numbness and paraesthesia occurred in 64.4%; pain as the only symptom was rare but proximal extension was frequent (39.4%). All fingers were symptomatic in 42.5%, followed by middle, middle-ring, thumb-index-middle and then index-middle-ring ones. There was no correlation with traumatic past history on wrist. The duration CTS symptoms ranged from 1 to > 120 months. Diabetes mellitus was present in 4.4% even after peripheral neuropathy exclusion.

carpal tunnel syndrome; median nerve; compression neuropathy; mononeuropathy


SÍNDROME DO TÚNEL DO CARPO

ASPECTOS CLÍNICO-EPIDEMIOLÓGICOS EM 668 CASOS

JOÃO ARIS KOUYOUMDJIAN* * Departamento de Ciências Neurológicas, Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, São Paulo, Brasil: Professor-Assistente e Chefe do Serviço de Eletroneuromiografia. Aceite: 26-novembro-1998.

RESUMO - Foram estudados 668 pacientes (1059 mãos) com síndrome do túnel do carpo entre janeiro de 1989 e junho de 1996. O critério de seleção e inclusão dos pacientes baseou-se na diferença de latência sensitiva ³ 1,0 ms entre os potenciais de ação sensitivos dos nervos mediano e radial após estimulação no punho e registro no I dedo (diferença mediano-radial, DMR), representando diferença maior que 6 desvios-padrão (DP). Foi obtida DMR em 125 mãos normais (grupo controle) com limite superior de normalidade de 0,43 ms (média + 2 DP). Todos os casos tiveram estudo eletrofisiológico bilateral, sendo excluídos casos com cirurgia prévia ou evidência de neuropatia periférica. A idade variou de 17 a 83 anos com média de 47,5 anos; 91,3% eram do sexo feminino; 72% referiam sintomatologia bilateral e 85,3% no período noturno/matinal. Dor, dormência e formigamento foram conjuntamente referidos por 64,4%, sendo que dor como sintoma isolado foi raro; além da mão, houve extensão do quadro álgico para outros territórios em 39,4%. Os sintomas ocorreram em todos dos dedos em 42,5% seguido do III, III-IV, I-II-III e II-III-IV dedos. Não houve correlação precisa com antecedentes traumáticos no punho. A duração da sintomatologia foi ampla, variando de 1 a >120 meses. A doença mais comumente referida pelos pacientes foi diabetes mellitus com 4,4% do total.

PALAVRAS-CHAVE: síndrome do túnel do carpo, nervo mediano, neuropatia compressiva, mononeuropatia.

Carpal tunnel syndrome: clinical and epidemiological studies in 668 cases

ABSTRACT - Between January/1989 and June/1996, 1 059 carpal tunnel syndrome hands (CTS) from 668 patients were studied. None had been previously operated and all had bilateral conduction studies; peripheral neuropathy was excluded. The patients were selected with sensory median/radial difference (MRD) ³ 1.0 ms that strongly supports electrodiagnosis of CTS (standard deviation >6) after stimulation on wrist and recording on thumb. Normal MRD were obtained in 125 hands with upper limit of normality = 0,43 ms (mean + 2 SD). The age ranged from 17 to 83 years (mean 47.5) and 91.3% were female; the complaints were bilateral in 72% and nocturnal/awakening in 85.3%. Pain, numbness and paraesthesia occurred in 64.4%; pain as the only symptom was rare but proximal extension was frequent (39.4%). All fingers were symptomatic in 42.5%, followed by middle, middle-ring, thumb-index-middle and then index-middle-ring ones. There was no correlation with traumatic past history on wrist. The duration CTS symptoms ranged from 1 to > 120 months. Diabetes mellitus was present in 4.4% even after peripheral neuropathy exclusion.

KEY WORDS: carpal tunnel syndrome, median nerve, compression neuropathy, mononeuropathy.

O síndrome do túnel do carpo (STC) representa a neuropatia compressiva mais comum, melhor definida e mais estudada do ser humano. O nervo mediano pode ser comprimido na região do túnel do carpo por qualquer proliferação tenossinovial, anormalidade da articulação do punho, tumor ou anomalia muscular. O túnel do carpo é delimitado dorsal e lateralmente pelos ossos do carpo e ventralmente (volar) pelo espesso ligamento transverso do carpo. Pelo seu interior passam além do nervo mediano, mais nove tendões flexores (flexor digitorum superficialis I-IV, flexor digitorum profundus I-IV e flexor pollicis longus), deixando o espaço muito vulnerável a anormalidades inflamatórias desses últimos, ocasionando edema e aumento pressórico no túnel. A prevalência do STC varia de 51 a 125:100 000, ocorrendo mais frequentemente no sexo feminino entre 40 e 60 anos. A compressão do nervo mediano no túnel do carpo decorre na maioria dos casos de tenossinovite crônica flexora não específica, podendo ocorrer também em muitas outras entidades nosológicas ou lesões que ocupem espaço no túnel. O diagnóstico clínico e eletrofisiológico precisos, com tratamento precoce, conduzem à cura completa na maioria dos casos1-5.

O principal método diagnóstico para a STC é o exame eletroneuromiográfico, particularmente condução nervosa, comprovando bloqueio sensitivo-motor do nervo mediano no carpo, com aumento de latência e redução da velocidade de condução (VC). A redução da VC no sítio compressivo decorre de desmielinização focal (para-nodal) ou segmentar (internodo completo) que representam base fisiopatogênica das neuropatias compressivas6.

O presente estudo tem por objetivo avaliar os aspectos clínicos e epidemiológicos em 668 casos do STC, casuística de amplitude ainda não relatada na literatura nacional.

CASUÍSTICA E METODOLOGIA

No período entre 17 de janeiro de 1989 a 10 de junho de 1996 foram estudados 885 pacientes com diagnóstico eletrofisiológico compatível com STC. Os primeiros 154 pacientes foram analisados retrospectivamente e o restante prospectivamente, segundo protocolo especialmente desenvolvido. Todos os pacientes foram atendidos no consultório do autor (privados, conveniados e do Sistema Único de Saúde), sendo submetidos a exame de condução nervosa no mesmo aparelho, modelo ATI 9000, e nas mesmas condições ambientais. A temperatura da sala variou de 20 a 31°C sendo aquecida ou refrigerada de acordo com a necessidade. As mãos foram aquecidas por meio de imersão em água quente por 2 minutos quando necessário.

O critério eletrofisiológico de inclusão na casuística foi diferença de latência igual ou maior a 1,0 milissegundo (ms) entre os potenciais de ação sensitivos (PAS) do nervo mediano e radial (diferença mediano-radial, DMR), obtidos após estimulação antidrômica no punho e registro no I dedo por meio de eletrodos de anel separados a 2-3 cm (ativo proximal). A estimulação no punho foi entre a linha média e a borda radial, permitindo desencadeamento de estímulos tanto ao nervo mediano como ao nervo radial; o estimulador foi desviado lateral (nervo radial) ou medialmente (nervo mediano) para diferenciação dos PAS. A distância entre a estimulação e o registro foi 100 milímetros (mm) com pequena variação em alguns casos, dependendo do tamanho da mão. A duração do estímulo foi 0,05 ms e ocasionalmente 0,1 ms; a intensidade foi definida pouco acima da máxima resposta obtida em termos de amplitude do PAS (estimulação supramáxima). A medida de latência foi feita no início do PAS dos nervos mediano e radial; não foram considerados valores de amplitude dos potenciais.

Grupo controle de 70 pacientes (125 mãos) normais, 61 do sexo feminino e 9 do sexo masculino, foi utilizado para DMR; não havia qualquer evidência clínica de doença neuromuscular ou sintomatologia sugestiva de STC nos membros superiores. Os parâmetros técnicos foram os mesmos descritos acima; a faixa etária variou de 17 a 70 anos (média = 36,9) sendo 87% do sexo feminino e 13% masculino.

O valor de corte da DMR estabelecido no presente estudo foi igual ou maior a 1,0 ms, representando média com DP>6 não deixando dúvida quanto a diagnóstico eletrofisiológico de STC.

Os critérios de exclusão da casuística original foram: 1. Exame de condução nervosa realizado para STC com cirurgia anterior. 2. Exame de condução nervosa realizado para STC em apenas um membro superior. 3. Exame de condução nervosa anormal realizado mais de uma vez no mesmo paciente; nesses casos foi utilizado apenas o primeiro. 4. Pacientes nos quais o PAS do nervo radial não foi obtido no segmento punho - I dedo. 5. VC motora do nervo ulnar no antebraço menor que 50,0 metros por segundo (m/s) uni ou bilateralmente para exclusão de neuropatia periférica. 6. PAS do nervo ulnar, segmento punho - V dedo (antidrômico) com amplitude menor que 15 microvolts (uV), pico-pico, uni ou bilateralmente, para exclusão de neuropatia periférica. 7. Pacientes assintomáticos.

Após aplicados os critérios de exclusão, restaram 668 pacientes correspondentes a 1 059 mãos com diagnóstico de STC que serão analisados no presente estudo.

Foram analisadas as seguintes variáveis clínico-epidemiológicas: idade, sexo, tempo de evolução, localização, horário e tipo de sintomatologia, presença de atrofia tenar, especialidade do médico que referiu o caso, doenças associadas conhecidas do(a) paciente e antecedentes traumáticos.

RESULTADOS

1. Controles normais

A DMR normal foi calculada em 70 pacientes (125 mãos), 61 do sexo feminino e 9 do sexo masculino, faixa etária entre 17 a 70 anos (média = 36,9), conforme já detalhado anteriormente. Os resultados mostram limite superior de normalidade (LSN) da DMR (média + 2 DP) igual a 0,48 ms para o lado direito, 0,38 ms para o lado esquerdo e 0,43 ms para o total.

2. Casuística (DMR)

O lado com diagnóstico eletrofisiológico de STC foi considerado de acordo com DMR ³ 1,0 ms, conforme descrito nos critérios de inclusão; considerou-se também DMR ³ 1,0 ms quando o PAS do nervo mediano, segmento punho - I dedo, estava ausente (DMR não obtida, inexcitável). Entre as 1059 mãos positivas, 230 (34,4%) eram apenas à direita, 47 (7,0%) apenas à esquerda e 782 (58,5%) bilateralmente. A DMR não foi obtida (inexcitável) em 6,0% dos casos à direita, em 12,7% dos casos à esquerda e em 20,3% dos casos com anormalidade bilateral.

3. Achados clínico-epidemiológicos

3.1 Sexo. Entre os 668 casos estudados, 610 (91,3%) eram do sexo feminino e 58 (8,7%) do sexo masculino.

3.2 Idade. A idade variou de 17 a 83 anos com média de 47,5. Na média geral não houve diferença significante de idade entre os sexos feminino (média = 47,6 com variação de 17 a 83 anos) e masculino (média = 46,4 com variação de 21 a 71 anos). Na distribuição da idade por décadas, observou-se grande incidência entre 31 e 60 anos (pico entre 41 e 50 anos) no sexo feminino. Os pacientes do sexo masculino, contudo, tiveram distribuição mais uniforme entre 21 e 70 anos, sendo muito maior do que o feminino entre 21 e 30 anos e 61 e 70 anos. Em ambos sexos não foram registrados casos na primeira década, foi rara na segunda década e em igual número entre 71 e 80 anos (Fig 1).


3.3 Especialidade de referência. A maioria dos pacientes foi enviada para avaliação eletrofisiológica após consulta nas áreas de Ortopedia (34,6%), Reumatologia (22,9%), Neurologia/Neurocirurgia (19,3%) ou Cirurgia Vascular (12,4%).

3.4 Lado acometido referido pelo paciente. A sintomatologia foi referida bilateralmente pelos pacientes em 72,5% (simétrica em 20,2%, maior à direita em 38,0% e maior à esquerda em 14,3%) e unilateralmente em 27,5% (direita em 19,3% e esquerda em 8,1%).

3.5 Horário. A maioria dos pacientes (85,3%) apresentou sintomatologia predominantemente no período noturno e matinal (ao despertar). A sintomatologia contínua ocorreu em 12,9% e em apenas 1,8% no período diurno.

3.6 Dor. O quadro álgico apenas em território distal à compressão no carpo (mão) ocorreu em pouco mais da metade dos casos (58,2%). Houve extensão para antebraço em 17,6% e para todo membro superior incluindo ombro em 13,6%. O quadro álgico apenas em dedos isolados ou combinados não foi comum (2,4%).

3.7 Sintomatologia geral referida nos dedos. A maioria dos pacientes (42,5%) referiu sintomatologia em toda mão. Quando os dedos eram definidos, a referência foi mais frequente no III dedo (13,8%), III-IV dedos (10,1%), I-II-III dedos (9,7%) e II-III-IV dedos (6,2%); em todos esses grupos os dedos estão relacionados ao nervo mediano. Os dedos isolados mais acometidos foram na ordem: III dedo (13,8%), I dedo (2,7%) e II dedo (1,7%); não houve queixa de acometimento isolado dos dedos IV ou V.

3.8 Tempo de evolução. A duração da sintomatologia pode ser agrupada de várias formas. Os pacientes com tempo de evolução de até 1 mês corresponderam a 9,7%, até 6 meses, 33,1%, até 1 ano, 50,6%, até 2 anos, 64,1% e até 5 anos, 79,5%. Deve ser salientado que 16,2% dos casos vieram para avaliação eletrofisiológica com duração de sintomatologia de pelo menos 10 anos.

3.9 Sintomatologia referida (dor/dormência/formigamento). A grande maioria dos pacientes queixou-se de dor, dormência e formigamento (64,4%). Deve ser salientado que raros casos (1,5%) tiveram apenas dor como sintoma.

3.10 Atrofia tenar. Atrofia tenar, refletindo degeneração axonal (desnervação) do nervo mediano, ocorreu em 6,2% dos casos, sendo 3,8% à direita.

3.11 Antecedente de fratura. O antecedente de fratura no punho ou terço inferior do antebraço ocorreu em 1,3% e desses apenas em 2 casos (0,17% do total) houve correlação entre o lado da fratura e o lado sintomático do STC. Nesse item o critério de anormalidade usado foi DMR ³ 0,5 ms.

3.12 Doenças referidas. O maior grupo percentual de doença associada conhecida pelos pacientes correspondeu ao diabetes mellitus com 4,4%. Doenças associadas com menor incidência foram Parkinson e miopatia com 0,6%, esclerodermia e hipotiroidismo com 0,4% e artrite reumatóide, gôta e lupus eritematoso sistêmico com 0,3%.

DISCUSSÃO

O critério de inclusão dos casos de STC no presente estudo foi baseado na diferença de latência igual ou maior a 1,0 ms entre os PAS obtidos aos nervos mediano e radial após estimulação antidrômica no punho e registro no I dedo com medida no início da deflexão negativa do PAS. Esse valor representa média acrescida de 6 DP, após dados obtidos do grupo controle com 125 mãos, sendo levemente mais prolongado à direita. Esse primeiro ponto nos conduz a ampla discussão na literatura acerca da especificidade e sensibilidade no diagnóstico eletrofisiológico do STC. Andary et al.7 definem sensibilidade do teste eletrofisiológico como sendo o achado positivo (anormal) correlacionando-se precisamente com a doença, e especificidade do teste eletrofisiológico como sendo o achado negativo (normal) correlacionando-se precisamente com a ausência de doença. Infelizmente não existe método eletrofisiológico com sensibilidade/especificidade de 100% ("gold-standard"); a literatura relata sensibilidade na faixa de 80 a 92%7. O estudo da condução nervosa em neurofisiologia clínica geralmente utiliza como valores máximos de latência (LSN), média acrescida de 2 DP. No estudo atual foi feita opção de seleção dos pacientes com DMR acima de 6 DP para que a sensibilidade atingisse o "gold-standard" e não houvesse dúvida quanto ao diagnóstico de STC.

A DMR não foi obtida (PAS não obtido ao nervo mediano, I dedo) em 6% dos casos à direita, 12,7% à esquerda e 20,3% bilateralmente. A maior incidência de DMR não obtida à esquerda talvez possa ser explicada pela menor importância de sintomatologia no lado não dominante, fazendo com que o diagnóstico eletrofisiológico seja mais tardio. Já nos casos com DMR não obtida bilateralmente (20,3%), a compressão supostamente é mais crônica e grave.

Os critérios de exclusão utilizados eliminam os pacientes com anormalidade de condução nervosa difusa sugestiva de neuropatia periférica e, ainda, aqueles com cirurgia prévia, mais de um exame eletrofisiológico ou exame realizado em apenas um membro. Dessa forma, a neuropatia compressiva isolada pôde ser caracterizada sem interferência de anormalidade eletrofisiológica sistêmica ou cirurgia prévia. As anormalidades uni ou bilaterais também puderam ser definidas com precisão após estudo bilateral em toda casuística.

Os achados clínico-epidemiológicos encontrados revelam ampla predominância do STC no sexo feminino (91,3%), valor próximo em 135 casos de população brasileira (87,4%)8 e mais elevados em relação a literatura internacional, na faixa de 75%1. Os dados referentes a faixa etária foram muito parecidos com a literatura nacional e internacional. Nóbrega et al.8 referem 30,3% dos casos entre 50-59 anos correspondendo a 28,3% da presente casuística entre 51-60 anos. Dawson et al.1 referem 58% dos casos entre 40-60 anos, correspondendo a 58,8% da presente casuística entre 41-60 anos.

Os pacientes do sexo masculino tiveram maior incidência de STC nas décadas 21-30 e 61-70 anos; a maior incidência de STC em homens mais velhos foi descrita anteriormente por Payan9. A variação de idade também foi semelhante ao descrito na literatura, 17 a 83 anos, mostrando a raridade do STC na infância e adolescência. A referência dos casos para investigação eletrofisiológica ocorreu predominantemente nas áreas de Ortopedia (34,6%), Reumatologia (22,9%), Neurologia/Neurocirurgia (19,3%) e Cirurgia Vascular (12,4%), sugerindo como a sintomatologia do STC pode ser interpretada pelos(as) pacientes. Boniface et al.10 referem Reumatologia e Reabilitação com 57%, Ortopedia com 24%, Clínica Médica com 10% e Cirurgia Geral com 5%. Nóbrega at al.8 referem Reumatologia, Neurologia e Ortopedia, nessa ordem.

O lado sintomático referido pelos(as) pacientes correspondeu a 72,5% bilateral e 27,5% unilateral (19,3% direito e 8,1% esquerdo); os casos com sintomatologia bilateral foram mais comuns de maneira assimétrica predominantemente à direita. A presente casuística revela maior percentagem de sintomatologia bilateral em relação ao descrito na literatura brasileira e internacional8,10. A desproporção entre o lado sintomático referido pelos pacientes, 72,5% bilateral e 27,5% unilateral, e o lado com anormalidade eletrofisiológica diagnóstica de STC usado no presente estudo, 58,5% bilateral e 41,5 unilateral pode ser explicada pelo elevado DP (>6) utilizado na DMR para seleção dos pacientes. Dessa forma, muitos pacientes com STC cujas mãos sintomáticas tinham anormalidade eletrofisiológica leve, não foram incluídos pelo DMR elevado.

O horário mais comum de sintomatologia foi noturno/matinal em 85,3%, dado característico do STC. A dor, sintoma inespecífico relacionado à compressão nervosa, diferente da dormência e formigamento, pode ocorrer abaixo (58,2%, mão) ou incluir territórios acima do bloqueio no carpo (39,4%), como antebraço, braço e ombro; esse dado é bem descrito na literatura1,5,11. Os dedos sintomáticos referidos pelos(as) pacientes refletem a pouca especificidade desse dado, pois em 42,5% ocorreu em todos eles, incluindo-se dessa maneira, territórios de projeção sensitiva dos nervos ulnar (V dedo e metade medial do IV) e radial (face dorsal do I dedo); em proporções menores foram bem localizados no território do nervo mediano (III, III-IV, I-II-III e II-III-IV dedos) totalizando 39,8%. A literatura revela ausência de localização específica (todos dedos) em 64%, valor maior do que da presente casuística, com dedos isolados mais freqüentemente sintomáticos representados pelo III e II-III1.

O tempo de evolução ou duração dos sintomas na atual casuística foi semelhante aos achados na literatura: 33,3% com até 6 meses, 31,2% de 6-24 meses e 35,5% acima de 2 anos1. O complexo sintomático mais comum referido foi dor, déficit sensitivo (dormência) e parestesias (formigamento), correspondendo a 64,4%; as sensações de "choques" (paroxismos posturais) não foram considerados como sintomas isolados. É muito interessante e digna de registro a insignificância estatística de dor como sintoma isolado do STC (1,5%). Atrofia tenar foi encontrada em 6,2% dos casos de STC, refletindo maior gravidade da compressão nervosa, já com evidência de degeneração axonal.

O antecedente de fratura não foi importante no desencadeamento do STC: apenas 2 dos 15 casos com fratura anterior descrita na região do carpo tiveram correlação positiva com o lado sintomático. As doenças referidas pelos pacientes estão relacionadas à maior predisposição a neuropatias compressivas do mediano no túnel do carpo por dano metabólico ou estrutural ao nervo. Não foi realizado, contudo, estudo específico para investigação de doenças associadas, não tendo valor estatístico os achados do presente estudo (doenças conhecidas referidas pelos pacientes). Ressalte-se, contudo, 4,4% de diabetes mellitus, semelhantes à literatura internacional, não representando na maioria dos casos fator causador de STC.

CONCLUSÕES

1. Sexo feminino: 91,3%.

2. Idade: 47,5 anos (17 a 83 anos) com grande incidência entre 31 e 60 anos; os homens tiveram distribuição mais uniforme ao longo das décadas.

3. Sintomatologia bilateral: 72,5%; sintomatologia uni ou bilateral foi mais frequente à direita.

4. Sintomatologia noturna/matinal: 85,3%; comumente referida como dor, dormência e formigamento em 64,4%; dor como sintoma isolado foi rara (1,5%).

5. Dormência e formigamento foram, em geral, referidos na mão, porém o quadro álgico se estendeu proximalmente em 39,4%.

6. Sintomatologia em toda mão: 42,5%; a seguir foram referidos no III dedo (13,8%), III-IV dedos (10,1%) e I-II-III dedos (9,7%).

7. Duração da sintomatologia: ampla (1 a >120 meses) com distribuição relativamente uniforme ao longo do tempo.

8. Antecedente remoto de fratura: sem correlação importante.

9. Doenças conhecidas: diabetes mellitus referido em 4,4%, mesmo excluídos casos com neuropatia periférica eletrofisiológica.

10. O LSN (m + 2DP) para DMR foi de 0,48 ms (direito), 0,38 ms (esquerdo) e 0,43 ms (total).

Dr. João Aris Kouyoumdjian - Av. Bady Bassitt 3896 - 15025-000 São José do Rio Preto SP - Brasil. Fax 017 232-7757 E-mail: jaris@zaz.com.br.bjaris@zaz.com.br.b

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    Departamento de Ciências Neurológicas, Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, São Paulo, Brasil:
    Professor-Assistente e Chefe do Serviço de Eletroneuromiografia. Aceite: 26-novembro-1998.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Dez 2000
    • Data do Fascículo
      Jun 1999

    Histórico

    • Aceito
      26 Nov 1998
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