Resumos
Schwannomas intracranianos não associados a nervos cranianos são incomuns e raramente encontrados na região subfrontal. Apresentamos raro caso de schwannoma da goteira olfatória, acometendo paciente de 27 anos, masculino, com quadro iniciado há 1 ano com perda da olfação e cefaléia. Ao exame de admissão, apresentava papiledema bilateral e anosmia. Tomografia computadorizada de Cranio (TC) revelou processo expansivo bifrontal hipodenso ao parênquima, com aspecto multicístico, sem captação do contraste iodado, promovendo compressão dos cornos ventriculares frontais. Os achados radiológicos sugeriam meningeoma cístico da goteira olfatória. Foi submetido a craniotomia frontal para descompressão. Um mês após, TC de controle revelou processo expansivo da região da goteira olfatória homogeneamente captante do contraste iodado, que se estendia para o interior da cavidade nasal esquerda. RM não adicionou novas informações. Foi realizado segundo procedimento cirúrgico por via naso-etmoidal, com ressecção incompleta da lesão. A ressecção completa foi possível através de re-operação por craniotomia bifrontobasal. O diagnóstico histopatológico de schwannoma foi realizado através de microscopia óptica convencional e confirmado por técnica de imuno-histoquímica, utilizando o anticorpo para proteína S-100. A raridade deste tumor, seus aspectos clínicos, radiológicos e histológicos justificam esta publicação.
anosmia; schwannoma; nervo olfatório; imuno-histoquímica
Intracranial schwannoma not related to cranial nerves are unusual and rarely found in the subfrontal region. We report a case of olfactory groove schwannoma in a 27-year-old male, who presented with anosmia and headache initiated one year ago. At admission, bilateral papilledema was noted with absense of motor deficits or cranial nerves abnormalities. Cranial computed tomography (CT) revealed a bifrontal multicystic isodense enhancing mass lesion causing a frontal ventricular horn compression. Radiological features resembled that of a cystic olfactory groove meningioma. Decompressive bifrontal craniotomy was done. One month later, CT demonstrated a homogeneously contrast-enhancing mass in the olfactory groove region who extended into the left nasal cavity. Magnetic resonance imaging did not add more informations. A second surgical procedure was done through a nasoethmoidal approach with incomplete resection of the lesion. The complete tumor resection was only possible in a third surgery through another bifrontal approach. The hystopathological diagnosis of schwannoma was performed by conventional methods and confirmed by immunohistoquemical staining for S-100 protein. The rarity of this tumor and his clinical, radiological and histological aspects justify this publication.
anosmia; schwannoma; olfactory nerve; immunohistochemistry
Schwannoma da goteira olfatória
Relato de caso
Olfactory groove schwannoma:
Case report
Heider Lopes de SouzaI; Ana Maria de Oliveira RamosII; Carlos Cesar Formiga RamosIII; Syomara Pereira da Costa MeloIV; Hougelle Simplício Gomes PereiraV; João Flávio Gurjão MadureiraVI; Janaína Martins de LanaVI
Serviço de Neurocirurgia do Hospital Universitário Onofre Lopes
IProfessor Doutor em Neurocirurgia
VMédico Residente de Neurocirurgia
VIEstudante de graduação do Curso Médico
Departamento de Patologia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte
IILaboratório Médico de Patologia Dr. Getulio de Oliveira Sales, Natal RN, Brasil, Professora Assistente e Patologista
IIILaboratório Médico de Patologia Dr. Getulio de Oliveira Sales, Natal RN, Brasil, Professor Doutor em Medicina
IVMédica Residente de Patologia
Endereço para correspondência Endereço para correspondência Dr. Heider Lopes de Souza Avenida Afonso Pena 960 59020-100 Natal RN, Brasil E-mail: heider@ufrnet.br
RESUMO
Schwannomas intracranianos não associados a nervos cranianos são incomuns e raramente encontrados na região subfrontal. Apresentamos raro caso de schwannoma da goteira olfatória, acometendo paciente de 27 anos, masculino, com quadro iniciado há 1 ano com perda da olfação e cefaléia. Ao exame de admissão, apresentava papiledema bilateral e anosmia. Tomografia computadorizada de Cranio (TC) revelou processo expansivo bifrontal hipodenso ao parênquima, com aspecto multicístico, sem captação do contraste iodado, promovendo compressão dos cornos ventriculares frontais. Os achados radiológicos sugeriam meningeoma cístico da goteira olfatória. Foi submetido a craniotomia frontal para descompressão. Um mês após, TC de controle revelou processo expansivo da região da goteira olfatória homogeneamente captante do contraste iodado, que se estendia para o interior da cavidade nasal esquerda. RM não adicionou novas informações. Foi realizado segundo procedimento cirúrgico por via naso-etmoidal, com ressecção incompleta da lesão. A ressecção completa foi possível através de re-operação por craniotomia bifrontobasal. O diagnóstico histopatológico de schwannoma foi realizado através de microscopia óptica convencional e confirmado por técnica de imuno-histoquímica, utilizando o anticorpo para proteína S-100. A raridade deste tumor, seus aspectos clínicos, radiológicos e histológicos justificam esta publicação.
Palavras-chave: anosmia, schwannoma; nervo olfatório, imuno-histoquímica.
ABSTRACT
Intracranial schwannoma not related to cranial nerves are unusual and rarely found in the subfrontal region. We report a case of olfactory groove schwannoma in a 27-year-old male, who presented with anosmia and headache initiated one year ago. At admission, bilateral papilledema was noted with absense of motor deficits or cranial nerves abnormalities. Cranial computed tomography (CT) revealed a bifrontal multicystic isodense enhancing mass lesion causing a frontal ventricular horn compression. Radiological features resembled that of a cystic olfactory groove meningioma. Decompressive bifrontal craniotomy was done. One month later, CT demonstrated a homogeneously contrast-enhancing mass in the olfactory groove region who extended into the left nasal cavity. Magnetic resonance imaging did not add more informations. A second surgical procedure was done through a nasoethmoidal approach with incomplete resection of the lesion. The complete tumor resection was only possible in a third surgery through another bifrontal approach. The hystopathological diagnosis of schwannoma was performed by conventional methods and confirmed by immunohistoquemical staining for S-100 protein. The rarity of this tumor and his clinical, radiological and histological aspects justify this publication.
Keywords: anosmia, schwannoma, olfactory nerve, immunohistochemistry.
Os schwannomas, ou neurinomas intracranianos, não associados com nervos cranianos, são incomuns e raros na região subfrontal. Gelabert et al.1, em 2000, descreveram o décimo sexto caso da literatura e, em 2001, Tan et al e Tsai et al. adicionaram mais dois casos2,3. São mais frequentes em adultos jovens do sexo masculino4,5; alguns destes casos estão relacionados com a doença de von Recklinghausen6,7. Com exceção dos nervos ópticos e olfatório, todos os outros nervos são possíveis locais de ocorrência de schwannomas, pelo fato de serem revestidos pelas células de Schwann, produtoras de mielina. O nervo olfatório possui um tipo de célula que expressa características fenotípicas tanto de células de Schwann quanto de astrócitos, havendo dúvidas se essas células podem dar origem a tumores com características histológicas semelhantes aos schawnnomas4,8,9. Existem controvérsias a respeito de sua origem a partir das células do bulbo olfatório, parênquima frontal ou de células do seio etmoidal4,6,10,11. Do ponto de vista radiológico, apresentam-se como massa homogênea ou sólido-cística. A TC mostra processo expansivo frontobasal, sólido, isodenso, com edema perilesional de intensidade variável, com captação uniforme do contraste11,12.
Relatamos mais um caso de schwannoma da goteira olfatória, neoplasia bastante rara nesta topografia; segundo o nosso conhecimento, é o décimo-nono caso referido na literatura.
CASO
Homem de 27 anos apresentou quadro de anosmia há 1 ano. Ao exame físico inicial, apresentava anosmia e edema de papila bilateral. TC evidenciou processo expansivo cístico, multiloculado, bifrontal, exercendo efeito de massa sobre os cornos frontais dos ventrículos laterais (Fig 1). Foi feita a hipótese inicial de neurocisticercose. Submetido a craniotomia bifrontal, observou-se intensa reação inflamatória e lesões císticas, cujo conteúdo era amarelo citrino. O paciente evoluiu com melhora da hipertensão intracraniana, recebendo alta hospitalar. Um mês após, TC de controle e ressonância magnética (RM) evidenciaram massa homogênea na região da goteira olfatório, células etmoidais, seio esfenoidal e cavidade nasal esquerda (Fig 2-A). Foi submetido a craniotomia bifrontal combinada com acesso trans-etmoidal medial esquerda, com ressecção incompleta da lesão. A ressecção completa foi possível na terceira cirurgia, por craniotomia bifrontal. A reconstrução da fossa anterior do crânio foi realizada com enxerto ósseo da tábua óssea externa, gálea aponeurótica pediculada e cola biológica. Não houve fístula liquórica ou meningite pós-operatória. Seis meses após a cirurgia, RM de crânio não evidenciou neoplasia residual (Fig 2-B).
O espécime cirúrgico era constituído de vários fragmentos branco-acinzentados e irregulares, os quais foram submetidos a técnicas habituais de processamento histológico e emblocados em parafina. A secção foi corada pela hematoxilina-eosina e pela técnica de imunohistoquímica, utilizando-se anticorpo para a proteína S-100. A microscopia óptica (Fig 3-A) revelou estrutura neoplásica constituída por células fusiformes, arranjadas ora em feixes paralelos e uniformes sobre matriz colagenizada, por vezes mostrando corpos de Verocay (padrão Antoni A do schwannoma), ora dispostas anarquicamente em matriz reticular e frouxa (padrão Antoni B do schwannoma), ocorrendo predomínio do primeiro padrão. As células neoplásicas mostraram forte reatividade para a proteína S-100 (Fig 3-B).
DISCUSSÃO
A origem dos schwannomas do sistema nervoso central é enigmática. Aceita-se sua origem a partir do bulbo olfatório, por este ser parte do sistema nervoso central5,13,14. A predominância dessas lesões em adultos jovens sugere que as mesmas sejam causadas por um distúrbio do desenvolvimento. Segundo Strum et al.13, os terminais nervosos embrionários seriam os mais prováveis candidatos. Entretanto, schwannomas extra-axiais não associados a nervos cranianos geralmente apresentam-se tardiamente, sugerindo uma diferente patogênese para este subgrupo15. Quando se especula se o schwannoma da região da goteira olfatório seria originário no tecido cerebral, acredita-se na possibilidade de proliferação anormal de focos de células de Schwann ectópicas. Este fato não foi demonstrado nos hemisférios cerebrais ou cerebelo4,5,11,13. Outra hipótese seria a origem a partir dos ramos durais do nervo trigêmio (nervos etmoidais anteriores), que, por serem distribuídos nas meninges, acham-se cobertos por células de Schwann, após penetrar a pia-máter na fossa anterior do crânio14. Sehrbundt et al. relataram três casos de neurinoma da goteira olfatória associados a neurofibromatose generalizada16. O presente caso não mostrava estigmas desta doença.
As manifestações neurológicas relatadas na literatura, tais como epilepsia, distúrbios frontais, síndrome de hipertensão intracraniana, anosmia e amaurose são inespecíficas e podem ser encontradas em outros processos expansivos intracranianos8. Os meningiomas da goteira olfatória são tumores frequentes, perfazendo cerca de 10% dos meningiomas intracranianos; sua apresentação clínica caracteriza-se por anosmia bilateral, atrofia óptica e edema de papila contra-lateral, constituindo a síndrome de Foster-Kennedy. Quando císticos, assemelham-se ao presente caso, porém incidem em faixa etária mais tardia8. A imagem radiológica dos schwannomas pode ser normal ou evidenciar alterações ósseas inespecíficas. A angiografia cerebral geralmente mostra massa hipervascularizada na fossa anterior do crânio, desviando posteriormente as artérias cerebrais anteriores6. Sato et al.12 descreveram um caso de schwannoma subfrontal vascularizado pelas artérias oftálmica e orbitofrontal. Tais achados angiográficos levam ao diagnóstico diferencial com os meningiomas e gliomas desta localização17.
O diagnóstico histológico de schwanoma, independente do sítio de origem, é feito com base na disposição das células neoplásicas que segue dois padrões arquiteturais - Antoni A e Antoni B. O primeiro é caracterizado por organização compacta e paralela de células fusiformes entrelaçadas, com núcleos alongados e sem actínia, dispostas sobre um estroma colageinizado. O segundo apresenta-se de forma desorganizada, com núcleos arredondados, ovalados ou alongados que repousam sobre estroma frouxo, com aspecto em teia de aranha. Pode ser observada vasculatura proeminente, com vasos de parede espessada devido a hialinização da membrana basal. Outro achado bastante significativo é a presença dos corpos de Verocay - núcleos ordenados em paliçada, alternando com espaço eosinofílico e anucleado. Ultraestruturalmente, vê-se duplicação da lâmina basal, além da riqueza lisossomal das células que se organizam em padrão Antoni A e da predominância de retículo endoplasmático liso e complexos de Golgi, nas células que assumem o padrão Antoni B. Independente do padrão apresentado, em estudos de imuno-histoquímica, as células neoplásicas são fortemente positivas para anticorpo dirigido contra proteína S-10018,19.
Os achados histológicos na coloração por hematoxilina e eosina, no presente caso, já indicavam o diagnóstico de schwannoma, o qual foi confirmado pela técnica de imuno-histoquímica com proteína S-100.
Cirurgia é a principal modalidade terapêutica; a excisão completa da neoplasia é possível, estando associada à cura2. Os achados operatórios são de tumor ocupando a região da goteira olfatório, aderido à lâmina cribiforme, com extensão variável para o interior da cavidade nasal. A fossa anterior do crânio deve ser reconstituída com uma combinação de gálea aponeurótica, tábua óssea, retalho muscular e cola biológica. No presente caso, a ressecção completa foi realizada na terceira intervenção cirúrgica.
Os schwannomas da goteira olfatória são raros; e, até o presente momento, foram relatados apenas 19 casos na literatura, aos quais se acrescenta o relato deste caso, tratado cirurgicamente e aparentemente curado.
Recebido 5 Junho 2002, recebido na forma final 8 Agosto 2002.
Aceito 2 Setembro 2002.
Estudo realizado no Serviço de Neurocirurgia do Hospital Universitário Onofre Lopes
- 1. Gelabert M, Fernandez J, Lopez E. Schwannoma of the olfactory groove. Neurologia 2000;15:404-405.
- 2. Tan TC, Ho LC, Chiu HM, Leung SC. Subfrontal schwannoma masquerading as meningioma. Singapore Med J 2001;42:275-277.
- 3. Tsai YD, Lui CC, Eng HL, Liang CL, Chen HJ. Intracranial subfrontal schwannoma. Acta Neurochir (Wien) 2001;143:313-314.
- 4. Sabel LH, Teepen JL.The enigmatic origin of olfactory schwannoma. Clin Neurol Neurosurg 1995; 97:187-191.
- 5. Kasantikul V, Jan Browan W, Cahan DL. Intracerebral neurilemmoma. J Neurol Neurosurg Psychiatry 1981;44:1110-1115.
- 6. Husain M, Mishra UK, Newton G, Husain N. Isolated olfactory groove neurilemmoma. Surg Neurol 1992;37:115-117.
- 7. Christin E, Naville F. A propos de neurofibromatoses centrale: leurs formes familiales et hereditaires, les neurofibromes des nerfs optiques. Cas à evolution atypique diversites des structures histologiques. Ann Med 1920;8:30-50.
- 8. Russel DS, Rubinstein LJ. Pathology of tumors of the nervous system. 5.Ed. London: Arnold,1989:776-777.
- 9. Doucette R. Glial influences an axonal growth in the primary olfactory system. Glia 1990;3:433-449.
- 10. Ulrich J, Levy A, Pfister C. Schwannoma of the olfactory groove: case report and review of previous cases. Acta Neurochir (Wien) 1978;40:315-321.
- 11. Praharaj SS, Vajramani GV, Santosh V, Shankar SK, Kolluri S. Solitary olfactory groove schwannoma: case report with review of the literature. Clin Neurol Neurosurg 1999;101:26-28.
- 12. Sato S, Toya S, Nakamura T,et al. Subfrontal schwannoma: report of a case. No Shinkei Geka 1985;13:883-887.
- 13. Strum KW, Bohnis G, Kosmaoglu V. Uber ein Neurinoma der lamina cribrosa. Zb Neurochir 1968;29:217-222.
- 14. Nagao S, Aoki T, Kondo S, Gi H, Matsunaga M, Fujita Y. Subfrontal schwannoma: a case report. No Shinkei Geka 1991;19:47-51.
- 15. Huang PP, Zagzag D, Benjamim V. Intracranial schwannoma presenting as a subfrontal tumor: case report. Neurosurgery 1997;40:194-197.
- 16. Sehrbundt VE, Pau A, Tyrtas S. Olfactory groove neurinoma. J Nerosurg 1973;17:193-196.
- 17. Auer RN, Budny J, Drake CG. Frontal lobe perivascular schwnnoma: case report. J Neurosurg 1982;56:154-157.
- 18. Enzinger FM, Weiss SW, Goldblum JR. Soft tissue tumors. 4.Ed. St Louis: Mosby, 2001:1160-1167.
- 19. Burger PC, Scheithauer BW. Tumors of the central nervous system. In AFIP Atlas of tumor pathology. Thrid Series, Fascicle 10. Washington: Armed Forces Institute of Pathology, 1994.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
16 Abr 2003 -
Data do Fascículo
Mar 2003
Histórico
-
Aceito
02 Set 2002 -
Recebido
05 Jun 2002