Acessibilidade / Reportar erro

Neuropatologia das epilepsias de difícil controle: estudo de 300 casos consecutivos

Neuropathology of epilepsy: experience with 300 cases

Resumos

Fazemos uma análise das alterações neuropatológicas encontradas em 300 casos consecutivos de cirurgia da epilepsia realizadas durante período de 6 anos. O material foi predominantemente de lobo temporal (70,33%), sendo a esclerose hipocampal o diagnóstico mais frequente (44%), seguido das neoplasias (15%) e dos distúrbios da migração neuronal (10%). Os tumores mais frequentes foram o ganglioglioma (42,22%) e tumor neuroepitelial disembrioplástico (20%). Segue revisão dos diagnósticos mais comuns em epilepsia baseados nessa série e relatados na literatura.

epilepsia; cirurgia; neuropatologia; esclerose hipocampal; ganglioglioma; DNT


We report histopathological findings in 300 consecutive surgical specimens from epilepsy surgery during 6 years. Our material was mainly from temporal lobe epilepsy (70.33%). In 44% the diagnosis was hippocampal sclerosis. There were tumors in 15% of cases and neuronal migration disorders in 10%. The most common tumors were gangliogliomas (42.22%) and dysembryoplastic neuroepithelial tumors (20%). We review the more frequent diagnosis in epilepsy surgery based on this series and comparing with literature.

epilepsy; surgery; neuropathology; hippocampal sclerosis; ganglioglioma; DNT


NEUROPATOLOGIA DAS EPILEPSIAS DE DIFÍCIL CONTROLE

ESTUDO DE 300 CASOS CONSECUTIVOS

LIGIA MARIA BARBOSA-COUTINHO* * Estudo realizado na Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre (FFFCMPA) e Instituto de Pesquisas Biomédicas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS): Programa de Cirurgia da Epilepsia (PCE) da PUCRS; ** Laboratório CAPC de Goiânia. Aceite: 26-janeiro-1999. , ARLETE HILBIG* * Estudo realizado na Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre (FFFCMPA) e Instituto de Pesquisas Biomédicas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS): Programa de Cirurgia da Epilepsia (PCE) da PUCRS; ** Laboratório CAPC de Goiânia. Aceite: 26-janeiro-1999. , MARIA ELISA CALCAGNOTTO* * Estudo realizado na Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre (FFFCMPA) e Instituto de Pesquisas Biomédicas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS): Programa de Cirurgia da Epilepsia (PCE) da PUCRS; ** Laboratório CAPC de Goiânia. Aceite: 26-janeiro-1999. , EDUARDO PAGLIOLI* * Estudo realizado na Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre (FFFCMPA) e Instituto de Pesquisas Biomédicas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS): Programa de Cirurgia da Epilepsia (PCE) da PUCRS; ** Laboratório CAPC de Goiânia. Aceite: 26-janeiro-1999. , ELISEU PAGLIOLI-NETO* * Estudo realizado na Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre (FFFCMPA) e Instituto de Pesquisas Biomédicas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS): Programa de Cirurgia da Epilepsia (PCE) da PUCRS; ** Laboratório CAPC de Goiânia. Aceite: 26-janeiro-1999. , JADERSON COSTA DA COSTA* * Estudo realizado na Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre (FFFCMPA) e Instituto de Pesquisas Biomédicas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS): Programa de Cirurgia da Epilepsia (PCE) da PUCRS; ** Laboratório CAPC de Goiânia. Aceite: 26-janeiro-1999. , ANDRÉ PALMINI* * Estudo realizado na Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre (FFFCMPA) e Instituto de Pesquisas Biomédicas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS): Programa de Cirurgia da Epilepsia (PCE) da PUCRS; ** Laboratório CAPC de Goiânia. Aceite: 26-janeiro-1999. , ÉLBIR C. DE PAULA** * Estudo realizado na Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre (FFFCMPA) e Instituto de Pesquisas Biomédicas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS): Programa de Cirurgia da Epilepsia (PCE) da PUCRS; ** Laboratório CAPC de Goiânia. Aceite: 26-janeiro-1999.

RESUMO - Fazemos uma análise das alterações neuropatológicas encontradas em 300 casos consecutivos de cirurgia da epilepsia realizadas durante período de 6 anos. O material foi predominantemente de lobo temporal (70,33%), sendo a esclerose hipocampal o diagnóstico mais frequente (44%), seguido das neoplasias (15%) e dos distúrbios da migração neuronal (10%). Os tumores mais frequentes foram o ganglioglioma (42,22%) e tumor neuroepitelial disembrioplástico (20%). Segue revisão dos diagnósticos mais comuns em epilepsia baseados nessa série e relatados na literatura.

PALAVRAS-CHAVE: epilepsia, cirurgia, neuropatologia, esclerose hipocampal, ganglioglioma, DNT.

Neuropathology of epilepsy: experience with 300 cases

ABSTRACT - We report histopathological findings in 300 consecutive surgical specimens from epilepsy surgery during 6 years. Our material was mainly from temporal lobe epilepsy (70.33%). In 44% the diagnosis was hippocampal sclerosis. There were tumors in 15% of cases and neuronal migration disorders in 10%. The most common tumors were gangliogliomas (42.22%) and dysembryoplastic neuroepithelial tumors (20%). We review the more frequent diagnosis in epilepsy surgery based on this series and comparing with literature.

KEY WORDS: epilepsy, surgery, neuropathology, hippocampal sclerosis, ganglioglioma, DNT.

A epilepsia foi reconhecida pela primeira vez como uma doença do cérebro por Hipócrates em sua monografia "On the Sacred Disease"1. Mas foi somente em 1889 que Jackson & Beevor2 e Jackson & Colemann3 verificaram em exame post mortem a associação entre lesão de córtex frontal e crises convulsivas motoras focais. Inicialmente a demonstração da presença de lesões focais em pacientes com epilepsia era realizada apenas em estudos pós-morte como no importante estudo realizado por Margerison & Corselis4 sobre alterações clínicas, eletrencefalográficas e neuropatológicas em pacientes com epilepsia. A tentativa de tratamento cirúrgico das epilepsias não é tão recente5, mas inicialmente o diagnóstico histopatológico era muito difícil, pois o tecido era retirado em fragmentos. Em 1953, Falconer6 desenvolveu a técnica da retirada "em bloco", permitindo uma boa orientação anatômica e um exame histológico adequado. Recentemente, vários centros para tratamento cirúrgico da epilepsia estão sendo desenvolvidos e os neurocientistas têm explorado a neurofisiologia, neurofarmacologia e genética da epilepsia em animais e humanos, buscando um melhor entendimento da sua fisiopatologia. Em todos esses estudos a histopatologia tem-se tornado ponto crucial e há uma idéia crescente que o cérebro epiléptico apresenta morfologia alterada7,8. É ainda necessário esclarecer a relação de causa ou efeito entre algumas alterações morfológicas e a desordem epiléptica. Dessa forma, é fundamental que os neuropatologistas e pesquisadores em epilepsia estejam familiarizados com as alterações histopatológicas mais comumente encontradas nesses pacientes.

O objetivo do presente estudo é relatar os achados histopatológicos em 300 pacientes epilépticos tratados cirurgicamente, dando subsídios para patologistas, clínicos e cirurgiões envolvidos na análise e tratamento de pacientes epilépticos.

MÉTODO

O presente estudo baseia-se no material obtido através do Programa de Cirurgia da Epilepsia (PCE) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) no período de março de 1992 a fevereiro de 1998, e de material do Instituto de Neurologia e Laboratório CAPC de Goiânia por um período de um ano e meio. Foram incluídos todos os casos encaminhados para exame anátomo-patológico. Antes do procedimento cirúrgico, todos os pacientes foram submetidos a avaliação clínica, neuropsicológica, eletrofisiológica e ressonância magnética (RM), conforme protocolo do PCE.

O espécime recebido e examinado variou amplamente, dependendo da localização da área epileptogênica, da presença ou ausência de lesões focais e da abordagem cirúrgica. O material foi examinado pelas técnicas habituais de histopatologia com coloração pela hematoxilina-eosina (HE) em todos os casos; coloração pelo Nissl em todos os casos em que material envolvia hipocampo e na maioria dos outros casos; imuno-histoquímica para enolase neurônio específica (NSE), proteína ácida da fibra glial (GFAP), proteína S-100, vimentina (VIM) e sinaptofisina em casos selecionados, especialmente nos tumores e distúrbios da migração neuronal (DMN).

Os tumores foram designados de acordo com a classificação revisada da Organização Mundial de Saúde9.

A esclerose hipocampal (EH) foi diagnosticada quando existia perda neuronal e gliose no mínimo no segmento CA1 do hipocampo. Não foram feitas análises morfométricas. O diagnóstico de EH só é possivel quando existe integridade anatômica da formação hipocampal, sendo considerado inespecífico nos casos em que essa identificação não foi possível.

Os DMN variam desde alterações da laminação cortical associados a neurônios displásicos, à desorganização cortical com presença de células balonadas e heterotopias neuronais10,11.

RESULTADOS

Dos 300 casos estudados, 211 (70,33%) apresentaram alterações histopatológicas no lobo temporal, 45 (15%) casos no lobo frontal, 13 (4,3%) parietal e 4 (1,3%) occipital. Em 2 pacientes a localização foi no hipotálamo e em 2 foi ventricular. Em 10 casos a ressecção foi mais extensa em um hemisfério e em 13 casos não havia especificação de localização.

O diagnóstico histopatológico foi de esclerose hipocampal em 132(44%) pacientes, de neoplasia em 45(15%) casos, de DMN em 30(10%) casos, de malformação vascular em 16(5,3%) e de processo inflamatório em 20(6,7%). Outras alterações como gliose, cisto aracnoidal, alterações circulatórias, esquizencefalia e alterações inespecíficas estiveram presentes em 57 casos(19%) (Tabela 1).

Se levarmos em consideração apenas os pacientes com epilepsia temporal, a esclerose hipocampal esteve presente em 62,56% dos casos (Tabela 2).

No grupo dos tumores (45 casos), o ganglioglioma foi o mais frequente perfazendo 42,22% dos casos, seguido pelo tumor neuroepitelial desembrioplástico (DNT) e pelo astrocitoma de baixa malignidade (Tabela 3).

Os DMN estiveram presentes em 30 casos, sendo que em 9 se observaram alterações da laminação cortical com neurônios displásicos e em 19 havia presença de células balonadas além da desorganização cortical. Dois pacientes tiveram diagnóstico de heterotopia, sendo em um caso de heterotopia nodular subcortical.

Alterações inflamatórias estiveram presentes em 20 casos, sendo 11 casos (55%) de encefalite de Rasmussen. Em 5 pacientes havia encefalite de causa desconhecida, em 1 uma sequela de meningoencefalite e em 3 pacientes a cisticercose era causa da epilepsia.

As lesões vasculares estiveram presentes em 16 pacientes. Em 10 o diagnóstico foi de angioma cavernoso (cavernoma), em 3 casos havia angiomatose meningocerebral associada a calcificações cerebrais típicas da síndrome de Sturge-Weber-Dimitri e em 2 casos havia alteração vascular não classificada.

Os resultados são ilustradas na Figura 1 (A e H).


DISCUSSÃO

Esclerose Hipocampal (EH).

A EH refere-se à perda neuronal segmentar e gliose que envolve predominantemente a população neuronal mais vulnerável, ou seja aquela localizada no segmento CA1, CA3 e folium terminalis do corno de Ammon (CA)12,13. Essas alterações devem estar presentes, no mínimo, no setor Sommer do hipocampo (CA1). O segmento CA2 (mais resistente) está, em geral, relativamente preservado. No giro denteado também pode haver diminuição do número de células granulares. O diagnóstico de EH em espécimes cirúrgicos requer a integridade anatômica da formação hipocampal para a identificação dos diferentes segmentos. Se isto não acontecer, torna-se difícil esse diagnóstico.

A esclerose hipocampal ocorre em 47-70% dos pacientes com epilepsia temporal4 e pode ser vista macroscopicamente e pela RM14. Bruton15 encontrou EH em 43% de seus 249 casos de epilepsia temporal tratados cirurgicamente, enquanto Hirsch e col.16 encontraram essa alteração em dois terços de seus pacientes submetidos à ressecção do lobo temporal. Na nossa série, 62,6% das epilepsias temporais apresentavam EH. (Tabela 2)

Alguns investigadores referem a EH como causa da epilepsia temporal4,6, enquanto outros concluem que a patologia hipocampal é o resultado passivo das crises convulsivas17,18. Margerison & Corsellis4 analisaram o cérebro de 55 pacientes que morreram e que apresentavam epilepsia, diagnosticada clinica e eletrencefalograficamente, e concluíram que a perda celular hipocampal é a patologia central da epilepsia do lobo temporal. Da análise do estudo desses autores, pôde-se observar uma evolução nas alterações hipocampais. Inicialmente, observamos perda neuronal no hilo do giro dentado (esclerose do endfolium), que, muitas vezes é a única lesão hipocampal aparente19. Quando há esclerose hipocampal, há perda neuronal no hilo, em CA1 e CA3. Também pode haver perdas neuronais em regiões extra-hipocampais, particularmente no córtex ento-hirnal, giro para-hipocampal, amígdala, tálamo e cerebelo.

O diagnóstico de EH é importante pois os pacientes com EH ou com lesões focais têm melhor prognóstico pós-operatório em relação à epilepsia do que aqueles sem anormalidades20. A EH está associada com presença de crises prolongadas na infância (antes dos 3 anos), principalmente crises febris21.

Neoplasias.

Crises convulsivas podem ocorrer em presença de tumores cerebrais e sua incidência média é de 35%22. Se um tumor intracraniano vai ou não produzir crises convulsivas, isto vai depender da sua localização, natureza e da evolução da lesão23-25. Tumores supratentoriais, especialmente aqueles envolvendo córtex cerebral são frequentemente associados à epilepsia. A incidência de epilepsia está inversamente relacionada com a taxa de crescimento do tumor, ou seja, aqueles de crescimento mais lento estão mais associados ao desenvolvimento de epilepsia. Dados obtidos de séries de tratamento cirúrgico de pacientes com epilepsias de longa duração têm evidenciado a presença de tumores sem que houvesse evidência clínica de lesão expansiva. Estes representam predominantemente neoplasias intrínsecas de baixo grau de malignidade, como gliomas de baixo grau, tanto astrocitomas como oligodendrogliomas, gangliogliomas ou DNT25.

Os gangliogliomas são tumores constituídos inteiramente ou em parte por células neuronais maduras e seu aspecto microscópico pode simular vários tumores primários do sistema nervoso central (SNC). Sua diferenciação neuronal pode ser identificada pela imuno-histoquímica, utilizando a NSE e/ou a sinaptofisina. Como são tumores benignos, curáveis apenas com a extirpação cirúrgica, sua diferenciação com os demais tipos de neoplasias primárias, que necessitem terapêutica adjuvante, é muito importante. A denominação de ganglioglioma é aplicada àqueles tumores com componente glial, enquanto o termo gangliocitoma é reservado aos tumores mais raros constituídos apenas de células neuronais maduras. Perfazem 1% de todas as neoplasias do SNC e se localizam preferencialmente na região supratentorial, com maior frequência em lobo temporal. Na presente série foi o tumor mais frequente, sendo diagnosticado em 42,22% casos, a maioria de localização temporal.

Os DNT foram inicialmente identificados entre pacientes que foram submetidos à cirurgia da epilepsia no Hospital Sainte Anne em Paris26 e reconhecidos como entidade separada. São caracterizados por: localização temporal; arquitetura multinodular, sendo os nódulos constituídos por múltiplas variantes de células astrocíticas e oligodendrocíticas; focos de desorganização cortical displásica; e presença de "elemento glioneuronal especifico" que são elementos de estrutura colunar perpendicular à superfície cortical compostos por feixes de axônios delimitados por oligodendrócitos e com neurônios visíveis que parecem flutuar no líquido intersticial. Os DNT estiveram presentes em 9 casos, estando associado à DMN em um caso.

Tanto nos gangliogliomas, gangliocitomas e DNT pode existir uma mistura de elementos gliais e neuronais, à semelhança do que ocorre nas hamartias ganglioneurais, levantando a questão se esses tipos de neoplasias não seriam uma transformação neoplásica de uma alteração primária do desenvolvimento27.

Distúrbios da Migração Neuronal.

Os DMN compreendem um espectro de desorganização no desenvolvimento do córtex cerebral caracterizados pela desorganização da arquitetura cortical, com arranjo colunar ou laminar aberrante. Está associado a uma variedade de características morfológicas e com múltiplos fatores etiológicos. Os neuroblastos, oriundos da matriz germinativa periventricular, iniciam sua migração para a córtex ao redor da sexta semana e esta se estende até a vigésima semana de vida embrionária. Essa migração neuronal se faz em íntima relação com as fibras gliais radiais, que serviriam de "guia" para a distribuição dos neuroblastos em áreas citoarquitetônicas específicas do córtex, pré-determinadas por um "protomapa" existente na matriz germinativa. Assim, a laminação cortical é o resultado de um processo de migração neuronal contínuo, no qual as primeiras células a alcançarem o córtex permanecerão nas camadas mais profundas e as últimas a chegar se fixarão nas camadas mais superficiais. Qualquer agente teratogênico, atuando durante esse processo migratório, vai determinar parada na migração, na diferenciação neuronal ou em ambos, cujo resultado final vai depender do momento, da localização e da extensão da interferência no processo migratório. Clinicamente esses pacientes apresentam crises epilépticas que podem ser intratáveis. As técnicas de neuroimagem28- 31 podem demonstrar a presença de macro ou micropoligiria, lissencefalia, hemimegalencefalia, "córtex dupla" e heterotopias. Quando a lesão displásica é focal se observa uma área de aumento de intensidade de sinal em T2. Macroscopicamente, pode-se observar a presença de macrogiria24, micropoligiria e/ou áreas de perda de coloração, onde não se diferencia a substância branca da cinzenta. Microscopicamente, essas lesões podem variar, desde pequenos focos de heterotopias neuronal, até alterações na laminação cortical, com neurônios normais ou "displásicos".

Nas áreas displásicas pode-se observar apenas alteração na laminação do córtex cerebral, sem a presença de elementos celulares anormais, ou, além da alteração na laminação cortical, a presença neurônios "displásicos", provavelmente por erro na sua maturação, com consequente desaferentação. Em casos mais severos, além do erro na laminação cortical, há presença de numerosas células gigantes, algumas com características inequívocas de neurônios e outras com características intermediárias entre neurônios e células gliais. Estas células gigantes apresentam-se com grande volume, abundante citoplasma eosinofílico ("balloon cells") (Fig. 1-D) e imuno-histoquimicamente coram-se pela GFAP, NSE e vimentina sugerindo a pluripotencialidade dessas células. A reação imuno-histoquímica para vimentina é positiva nas células mais primitivas do SNC, e sua positividade nas células balonadas pode significar uma provável parada na diferenciação das mesmas. Como estas células são semelhantes às encontradas na esclerose tuberosa, muitas vezes, este tipo de displasia é designado como "forma frusta de esclerose tuberosa"32,33. A alteração da laminação cortical pode constituir uma paquigiria verdadeira, com a presença classicamente de quatro camadas34.

Alterações Inflamatórias.

A doença infecciosa do SNC é uma causa importante de foco epileptogênico perfazendo 3% de todas as crises convulsivas35, sendo que a cisticercose pode se manifestar por epilepsia em 22 a 37% dos casos. Tanto meningite como encefalite podem manifestar-se por crises convulsivas. Estes casos, entretanto, não fazem parte do grupo de pacientes com indicação para a cirurgia da epilepsia, pois o desenvolvimento das crises epilépticas é agudo ou subagudo. A doença inflamatória mais frequente no nosso grupo foi a encefalite de Rasmussen, em função da cronicidade da epilepsia associada a essa síndrome. Dos 20 casos com alterações inflamatórias, 11 (55%) tiveram esse diagnóstico. O diagnóstico diferencial entre encefalite de causa desconhecida e a encefalite de Rasmussen é realizado por uma correlação clínico-patológica e radiológica, tendo em vista que um dos critérios para o diagnóstico de encefalite de Rasmussen é o comprometimento unilateral do processo, que culmina com atrofia cerebral e suas consequências clínicas.

A síndrome, descrita por Rasmussen em 195836, caracteriza-se clinicamente por deterioração neurológica lenta e progressiva , com destruição ou atrofia cerebral unilateral e a presença de quadro de encefalite ao exame microscópico. Observa-se proliferação microglial e infiltrado inflamatório perivascular, com grau variável de gliose e alteração esponjiforme. Este quadro morfológico não é especifico, mas sua distribuição, forma de propagação, evolução e correlação clínica definem uma entidade distinta. Predominantemente é uma doença cortical da infância, que envolve todas as camadas corticais de forma descontínua37. O aspecto histopatológico varia conforme o momento na evolução da doença em que o material é ressecado cirurgicamente ou é examinado após a autópsia. Nas fases iniciais, a encefalite crônica se caracteriza pela presença de nódulos microgliais, infiltrado inflamatório crônico perivascular e neuronofagia. Esponjose e perda multifocal de neurônios estão associadas às alterações inflamatórias. Há hipertrofia e hiperplasia astrocitária, que envolve inteiramente o córtex. Nos estágios avançados da doença, o córtex está totalmente destruído e há apenas poucas ilhas de córtex residual, com raros focos inflamatórios.

Alterações Vasculares.

Os angiomas são na realidade hamartomas, e como tal, alteração no desenvolvimento e não uma neoplasia. No SNC, encontramos os hemangiomas cavernosos, denominados por muitos autores como cavernomas. Constituem 9 a 16% das malformações vasculares supratentoriais e de 5 a 10% da região infratentorial38 e são facilmente diagnosticados pelos métodos de neuroimagem, podendo se acompanhar de áreas de hemorragia. São constituídos de canais vasculares dilatados dispostos lado a lado, sem tecido encefálico entre eles. Pode-se observar a presença de hemossiderina nos tecidos circunvizinhos, demonstrando focos antigos de hemorragia, acompanhados, em geral por gliose reacional.

Na síndrome de Sturge-Weber-Dimitri ou angiomatose cerebrofacial observa-se a presença de crises convulsivas de difícil controle e calcificações corticais cerebrais parieto-occipitais. Macroscopicamente, há angiomatose com presença de capilares e veias ondulados que cruzam as leptomeninges e o tecido cerebral. A parede desses vasos é primitiva, com revestimento endotelial e fina camada de tecido conjuntivo. Acompanha-se de atrofia da terceira e quinta camadas corticais, com presença de focos de calcificação, que determinam o aspecto característico, à radiografia de crânio, de presença de calcificação que segue os giros corticais.

Outras Alterações.

Outras alterações menos frequentes e inespecíficas podem determinar o aparecimento de crises convulsivas, como cicatriz glial, cisto aracnoidal e esquizencefalia. Gliose, sem outra pista diagnóstica sobre a sua causa inicial desencadeante, foi encontrada em 13 pacientes (4,33%) da nossa série. Wolf & Wiestler27 encontraram em 7 pacientes (2,5%) de seu estudo uma cicatriz glial como causa das crises convulsivas de difícil controle.

Alterações celulares, como contração neuronal, por provável isquemia, foram encontradas, bem como focos de hemorragia antiga e recente, todas enquadradas em alterações circulatórias e/ou inespecíficas.

A esquizofrenia foi descrita por Yakovlev & Wadsworth39,40 que acreditvam que era devida a uma falha de crescimento e difereciação de áreas circunscritas da parede crebral, que ocorreria nos primeiros 2 meses de vida intrauterina. Entretanto atualmente há evid6encias claras, morfológicas e experimentais, que favorecem a origem destrutiva para essa lesão, que ocorreria no 4º e 6º meses, sendo associada a polimicrogina41. Portanto é uma lesão do parênquima nervoso após a sua formaçào, não sendo na realidade um erro no desenvolvimento, mas uma alteração por insuficiênica circulatória congênita.

Dr. Lígia M. Barbosa Coutinho - Rua Prof Fitzgerald 85/501 - 90470-160 Porto Alegre RS - Brasil.

  • 1
    Hippocrates: Oeuvres complètes d'Hippocrate. Paris. E Litrè, 1839-1861.
  • 2. Jackson H, Beevor CE. Case of tumors of the right temporo-sphenoidal lobe bearing on the localization of the sense of smell and on interpretation of a particular variety of epilepsy. Brain 1889;12:346-357.
  • 3. Jackson H, Colemann WS Case of epilepsy with tasting movements and "dreamy state": very small patch of softening in the left uncinate gyrus. In Taylor J (ed). Selected writings of John Hughlings Jackson. London: Hodder and Stoughton, 1931; 458-463.
  • 4. Margerison JH, Corsellis JAN. Epilepsy and the temporal lobes: a clinical, electroencephalographic and neuropathological study of the brain in epilepsy with particular reference to the temporal lobes. Brain 1966;89:499-530.
  • 5. Penfield W, Flanigin H Surgical therapy of temporal lobe seizures. Arch Neurol Psychiatr 1950;64:491-500.
  • 6. Falconer MA. Discussion of the surgery of temporal lobe epilepsy: surgical and pathological aspects. Proc R Soc Med 1953;46:971.
  • 7. Vinters HV, Armstrong DL, Babb TL, et al. The neuropathology of human symptomatic epilepsy. In Engel J Jr (ed). Surgical treatment of epilepsies. New York: Raven Press, 1993; 593-608.
  • 8. Armstrong DD. The neuropathology of temporal lobe epilepsy. J Neuropathol Exper Neurol. 1993;52: 433-443.
  • 9. Kleihues P, Burger PC, Scheithauer BW. Histological typing of tumours of the central nervous system. 2 Ed. New York:Springer- Verlag, 1993.
  • 10. Palmini A, Gambardella A, Andermann F, et al. Intrinsic epileptogenicity of human dysplastic cortex as suggested by corticography and surgical results. Ann Neurol 1995;37:476-487.
  • 11. Kuzniecky R, Murro A, King D. Magnetic resonance imaging in childhood intractable partialis epilepsies: pathologic correlation. Neurology 1993;43:681-687.
  • 12. Meencke KJ, Veith G Hippocampal sclerosis in epilepsy. In Luders H (ed). Epilepsy surgery, New York: Raven Press, 1991; 705-715.
  • 13. Sommer W. Erkrankung des Ammonhorns als aetiologisches Moment der Epilepsie. Arch Psychiatr Nervenk 1880;10:631-675.
  • 14. Kuzniecky R, Cascino GD, Palmini A, et al. Structural neuroimaging. In Engels J Jr. Surgical treatment of epilepsies, 2.Ed New York:Raven Press, 1993;197-209
  • 15. Bruton CJ. The neuropathology of temporal lobe epilepsy. Mandsley Monograph, n 31. Oxford: Oxford Univ Press, 1988.
  • 16. Hirsch LJ, Spencer SS, Spencer DD, Williamson PD, Mattson RH. Temporal lobectomy in patients with temporal epilepsy defined by depth electroencephalography. Ann Neurol 1991;30:347-356.
  • 17. Staunder KH. Epilepsie und Schläfenlappen. Arch Psychiat Nervenk 1935;104:181-211.
  • 18. Scholz W. The contribution of pathoanatomical research to the problem of epilepsy. Epilepsia 1959;1:36-55.
  • 19. Sloviter RS. The functional organization of the hippocampal dentate gyrus and its relevance to the pathogenesis of temporal lobe epilepsy. Ann Neurol 1994;35:640-654.
  • 20. Babb TL, Brown WJ. Pathological finding in epilepsy. In: Engel Jr.J (eds.), Surgical treatment of epilepsies, New York: Raven Press, 1987;511-540.
  • 21. Sagar H , Oxbury JM. Hippocampal neuron loss in temporal lobe epilepsy: correlation with early childhood convulsion. Ann Neurol 1987;22:334-40.
  • 22. Leblanc FE, Rasmussen T. Cerebral seizures and brain tumors. In Vinken PJ, Bruyn GW. Handbook of clinical neurology. Amsterdam:North Holland, 1974;15:292-301.
  • 23. Barbosa-Coutinho LM. Epilepsia e alteraçőes anátomo-patológicas. Rev. Pesquisa Médica (Porto Alegre) 1991;25:61-65.
  • 24. Barbosa-Coutinho LM. Alteraçőes morfológicas como causa de epilepsia. JLBE 1993;6:127-130.
  • 25. Honavar M, Meldrum BS. Epilepsy. In Graham DI, Lantos PL. Greenfield's neuropathology, 6 Ed. London: Arnold,1997;931-971.
  • 26. Daumas-Duport C. Dysembryoplastic neuroepithelial tumors. Brain Pathol 1993;3:283-295.
  • 27. Wolf HK, Wiestler OD. Surgical pathology of chronic epileptic seizure disorders. Brain Pathol 1993;3:371-380.
  • 28. Palmini A, Andermann F, Olivier A, Andermann E, Tampieri D, Robitaille Y Desordens da migraçăo neuronal e epilepsia:síndromes anátomo-clínicas, diagnóstico por neuroimagem, mecanismo patogenético e tratamento cirúrgico. JLBE 1991;4:11-18.
  • 29. Peiffer J. Morphologische Aspekte der Epilepsien. Berlin:Springer Verlag, 1963.
  • 30. Falconer J, Wada JA, Martin W, Li D. PET, CT and MRI imaging of neuronal migration anomalies in epileptics patients. Can J Neurol Sci 1990;17:35-39.
  • 31. Palmini A, Andermann F, Olivier A, et al.. Neuronal migration disorders:a contribution of modern neuroimaging to the etiologic diagnosis of epilepsy. Can J Neurol Sci 1991;18:580-587.
  • 32. Robain O, Flaquet CH, Heldt N, Rosenberg F. Hemimegalencephaly: a clinicopathologic study of four cases. Neuropathol Appl Neurobiol 1988;14:125-135.
  • 33. Perot P, Weir B, Rasmussen T. Tuberous sclerosis:surgical therapy for seizures. Arch Neurol 1966;15:498-506.
  • 34. Friede RL. Dysplasias of cerebral cortex. In Friede RL (ed) Developmental neuropathology Viena:Springer, 1989:330-346.
  • 35. Hauser WA, Kurland LT. The epidemiology of epilepsy in Rochester, Minnesota 1935 through 1967. Epilepsia 1975;16:1-66.
  • 36. Rasmussen T, Olszewski J, Lloyd-Smith D.Focal seizures due to chronic localized encephalitis. Neurology 1958;8:435-445.
  • 37. Robitaille Y. Neuropathologic aspects of chronic encephalitis. In Andermann F. Chronic encephalitis and epilepsy, Boston:Butterworth-Heinemann, 1991;7,79-110
  • 38. Ferszt R. Kreislaufstörungen des Nervensystems. In Cervós-Navarro J, Fertsz R. Klinische Neuropathologie Stuttgart:Georg Thieme Verlag 1989;112-114.
  • 39. Yakovlev PI, Wadsworth RC. Schizencephalies: a study of the congenital clefts in the cerebral mantle. I. Cleft with fused lips. J Neuropathol Exper Neurol 1946;5:116-130.
  • 40. Yakovlev PI, Wadsworth RC. Schizencephalies: a study of the congenital clefts in the cerebral mantle. II.Clefts with hydrocephalus and lips separated. Neuropathol Exp Neurol 1946;5:169-206.
  • 41. Harding B, Copp AJ. Malformations. In Graham D, Lantos PL. Greenfield's neuropathology. 6 Ed. London: Arnold, 1997:397-533.
  • *
    Estudo realizado na Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre (FFFCMPA) e Instituto de Pesquisas Biomédicas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS):
    Programa de Cirurgia da Epilepsia (PCE) da PUCRS;
    **
    Laboratório CAPC de Goiânia. Aceite: 26-janeiro-1999.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Dez 2000
    • Data do Fascículo
      Jun 1999

    Histórico

    • Aceito
      26 Jan 1999
    Academia Brasileira de Neurologia - ABNEURO R. Vergueiro, 1353 sl.1404 - Ed. Top Towers Offices Torre Norte, 04101-000 São Paulo SP Brazil, Tel.: +55 11 5084-9463 | +55 11 5083-3876 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista.arquivos@abneuro.org