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Hemianopsia altitudinal inferior por aracnoidite optoquiasmática

Resumos

Os autores relatam o caso de um paciente de 48 anos de idade, queixando-se de falta de visão nas metades inferiores dos campos visuais, há aproximadamente um ano. A doença evoluiu progressivamente após sinusotomia maxilar e frontal. Os diversos exames complementares realizados nada revelaram de anormal. Reação de Wassermann sempre negativa no sangue. Ao exame oftalmoscópico ficou patenteado, em AO, franca atrofia, no setor superior das papilas e edema pronunciado em suas metades inferiores. O exame campimétrico revelou nítida hemianopsia altitudinal inferior. As demais funções neurológicas e o exame clínico geral nada mais demonstraram de anormal. A iodoventriculografia evidenciou sinais radiológicos de aracnoidite optoquiasmática. À intervenção cirúrgica, foi verificada a existência de aracnoidite intensa na região quiasmática, com compressão dos nervos ópticos e do próprio quiasma. Após a intervenção cirúrgica, exames oftalmoscópicos sucessivos demonstraram melhora franca da acuidade visual em AO e discreto aumento dos campos visuais. Finalizando, os AA. tecem considerações sôbre as prováveis causas etiológicas dêsse tipo de reação meníngea.


Report of a case, in a male, white, 48 years old man, who presented a blindness of inferior half of visual fields, since one year before his admission in the hospital. The disease progressed slowly after a maxillar and frontal sinusotomy was performed. Several complementary tests were normal. Wassermann reactions were normal. Ophthalmologic examination revealed in superior half of papillae, in both eyes, a severe atrophy and edema in their inferior halves. Other neurological functions and clinical examination were normal. Ventriculography with lipiodol showed radiological signs of optochiasmatic arachnoiditis. Operation showed a severe arachnoiditis in chiasmatic region, which compressed optic nerves and chiasma. After intervention, successive ophthalmologic examinations revealed a considerable improvement of visual acuity, in both eyes, and a moderate increase of visual fields. The probable etiologic causes of this kind of meningeal reaction are discussed.


REGISTRO DE CASOS

IAssistente de Clínica Neurológica na Fac. Med. Univ. São Paulo (Prof. A. Tolosa)

IIAssistente de Clínica Oftalmológica na Fac. Med. Univ. São Paulo (Prof. Cyro Rezende)

IIINeurocirurgião do Hospital das Clínicas da Fac. Med. Univ. São Paulo (Serviços dos Profs. Benedito Montenegro e Adherbal Tolosa)

RESUMO

Os autores relatam o caso de um paciente de 48 anos de idade, queixando-se de falta de visão nas metades inferiores dos campos visuais, há aproximadamente um ano. A doença evoluiu progressivamente após sinusotomia maxilar e frontal. Os diversos exames complementares realizados nada revelaram de anormal. Reação de Wassermann sempre negativa no sangue. Ao exame oftalmoscópico ficou patenteado, em AO, franca atrofia, no setor superior das papilas e edema pronunciado em suas metades inferiores. O exame campimétrico revelou nítida hemianopsia altitudinal inferior. As demais funções neurológicas e o exame clínico geral nada mais demonstraram de anormal. A iodoventriculografia evidenciou sinais radiológicos de aracnoidite optoquiasmática. À intervenção cirúrgica, foi verificada a existência de aracnoidite intensa na região quiasmática, com compressão dos nervos ópticos e do próprio quiasma. Após a intervenção cirúrgica, exames oftalmoscópicos sucessivos demonstraram melhora franca da acuidade visual em AO e discreto aumento dos campos visuais. Finalizando, os AA. tecem considerações sôbre as prováveis causas etiológicas dêsse tipo de reação meníngea.

SUMMARY

Report of a case, in a male, white, 48 years old man, who presented a blindness of inferior half of visual fields, since one year before his admission in the hospital. The disease progressed slowly after a maxillar and frontal sinusotomy was performed. Several complementary tests were normal. Wassermann reactions were normal. Ophthalmologic examination revealed in superior half of papillae, in both eyes, a severe atrophy and edema in their inferior halves. Other neurological functions and clinical examination were normal. Ventriculography with lipiodol showed radiological signs of optochiasmatic arachnoiditis. Operation showed a severe arachnoiditis in chiasmatic region, which compressed optic nerves and chiasma. After intervention, successive ophthalmologic examinations revealed a considerable improvement of visual acuity, in both eyes, and a moderate increase of visual fields. The probable etiologic causes of this kind of meningeal reaction are discussed.

A raridade com que uma aracnoidite optoquiasmática produz hemianopsia altitudinal e o sucesso terapêutico da intervenção cirúrgica justificam a presente publicação.

N. N., 48 anos, masculino, branco, italiano, cntalhador, internado no Hospital das Clínicas, em 12 julho de 1948 (H. C. 106.990). O paciente procurou o Serviço de Oftalmologia e, ulteriormente, o de Neurologia do Hospital das Clínicas, queixando-se de falta de visão nas metades inferiores dos campos visuais e, há cêrca de 6 meses, de intensa diminuição da potência coeundi. Seus primeiros sintomas datam de, aproximadamente, um ano antes de sua internação, quando começou a sentir diminuição intensa da visão central, principalmente para o lado do ôlho esquerdo. Concomitantemente, sentia dôres muito violentas na região occipital, irradiando-se também para as regiões temporais. Essas dores, que nunca se acompanharam de vômitos, foram rareando, aparecendo apenas de tempos em tempos e não incomodando muito o paciente. Entretanto, com a regressão das dores de cabeça, houve agravamento dos distúrbios visuais. Procurou então um oftalmologista que, em busca de focos infecciosos, solicitou uma série de exames paraclínicos: radiografias de dentes, dos seios paranasais e do tórax, intubação duodenal, hemograma, hemossedimentação, exame de urina, reações serológicas para lues. Dos resultados dêsses exames, apenas merece ser assinalada a verificação de uma opacidade do seio maxilar direito, com reação da mucosa do seio frontal do mesmo lado. Na mesma ocasião, submeteu-se o paciente, também, a exame urológico e do aparelho cardiovascular, nada de importante havendo sido verificado. O eletrocardiograma revelou traçado normal. Apesar do tratamento instituído, o paciente não teve melhoras em suas condições visuais. Outro oftalmologista encontrou uma síndrome de Forster-Kennedy e aventou a possibilidade da existência de um tumor cerebral. Em conseqüência, o doente procurou um neurologista, que nada encontrou ao exame clínico do sistema nervoso. Exame do liqüido cefalorraquidiano feito nessa ocasião mostrou, de anormal, apenas ligeiro aumento da pressão inicial (22 cm. de água pelo manómetro de Claude em punção suboccipital e decúbito lateral); as reações e pesquisas de rotina feitas com o líquido cefalorraquidiano resultaram negativas. O paciente foi então submetido a uma série de radioterapia em fraca dose, que em nada influiu em sua sintomatologia.

Com o correr do tempo, os distúrbios visuais ficaram localizados na metade inferior dos campos visuais. Assim, quando alguém lhe oferecia um cigarro ou lhe estendia a mão, o paciente nada via, de modo que não tomava o cigarro, nem apertava a mão, circunstâncias que lhe proporcionavam não poucos malentendidos sociais. Poucos dias antes de procurar o Hospital das Clínicas, ao avistar uma senhora na rua, ou antes, o busto dessa senhora, desviou e, sem nada ver, tropeçou, caindo e derrubando um carrinho de criança que a transeunte conduzia. Jamais teve alucinações visuais de qualquer natureza. Digno de nota, no histórico do paciente, é a ausência de qualquer distúrbio da olfacão. Nega terminantemente a existência pregressa de traumatismos cranianos. Além da queixa visual, acusa apenas grande diminuição da potência sexual nos últimos 6 meses.

Antecedentes - Logo no início da doença, o doente foi operado de sinusite maxilar e frontal do lado direito. Nega passado venéreo-luético. Jamais sofreu de poliúria, polidipsia, ou distúrbios do ritmo do sono. Nunca teve diplopia. Não fuma, nem faz uso de bebidas alcoólicas. Sempre trabalhou como entalhador. Jamais lidou com produtos tóxicos. Pai vivo e sadio; mãe falecida em idade avançada; de seus 4 irmãos, um apresenta anosmia devida a rinite atrófica. Exame físico geral - Discretos traços acromegalóides que, segundo afirma o paciente, lhe são constitucionais. Não encontramos focos de infecção. Bulhas cardíacas normais, com ligeira modificação do timbre da 2.a bulha no foco aórtico; discreta esclerose das artérias periféricas. Tensão arterial 160 — 110. Pulso com 80 batimentos por minuto. Abdome e órgãos genitais externos normais. Exame neurológico - Psiquismo íntegro. Apesar da hemianopsia altitudinal inferior, não se notam atitudes de compensação da cabeça para suprir a visão dos campos hemianópticos. Equilíbrio estático e cinético normal; não há Romberg. Fôrça muscular bem desenvolvida. Manobras deficitárias negativas. Coordenação muscular normal. Ausência de qualquer sinal da série cerebelar. Tono normal. Reflexos clônicos profundos normais nos membros inferiores e diminuídos nos superiores. Reflexos cutaneo-plantares em flexão de ambos os lados; não há Rossolimo, nem Mendel-Bechterew. Reflexos cremastéricos e cutâneo-abdominais normais. Reflexos corneopalpebrais normais bilateralmente. Não há clono, trepidação ou automatismos. Sensibilidade normal em tôdas suas formas. Quanto aos nervos cranianos, exceto no que diz respeito ao exame neurocular, nada de anormal apresentam. Ausência de distúrbios tróficos, vasomotores ou esfinctéricos. Não há sinais meníngeos. Contração e descontração muscular normais. Exame neurocular: Acuidade visual em OD, 0.180 e em OE, 0.038 (projetor de Clason). Ao exame externo, nada digno de nota nas pálpebras e regiões circunvizinhas. Nada de particular no aspecto do olhar. Musculatura extrínseca normal. Pupilas isocóricas, sem deformações. Reflexos à luz, consensuais e acomodação-convergência, presentes e normais. Reação hemia-nóptica de Wernicke ausente. Exame oftalmoscópico: em AO, pupilas esbranqui-çadas, de limites nítidos e nível normal nos setores superiores; róseas, de limites desaparecidos e elevados nos seus setores inferiores, sendo em OD mais acentuada a elevação (cêrca de 1 mm). Em AO, artérias com reflexo mediano aumentado, lembrando algumas o tipo em fio de cobre, outras tendendo ao fio de prata. Desorganização do quadro vascular sôbre o edema; dilatações venosas, espasmos arteriais, pequenas hemorragias intersticiais. A região macular, bem como o restante dos fundos oculares, apresentam aspecto normal. Exames perimétrico e campi-métrico: hemianopsia altitudinal inferior (fig. 1).


Exames complementares - As radiografias do crânio revelaram osteoporose generalizada, com suturas e impressões digitais normais para a idade. A sela turcica, de grandes proporções, apresenta as clinóides com certa osteoporose. Ausência de calcificações ou outras imagens anormais do endocrânio. Exame de sangue: Várias reações de Wassermann e Kahn no sangue sempre resultaram negativas. Eletrencefalograma: Traçado em condições técnicas satisfatórias. Foram examinadas áreas frontais (1 e 5), centrais (2 e 6), temporais (9 e 10), parietais alta e baixa (3, 11, 7 e 12) e occipitais (4 e 8), quer com método unipolar, quer no bipolar sucessivo no sentido anteroposterior de cada hemisfério e no sentido transversal, abrangendo áreas homólogas de ambos hemisférios concomitantemente. O eletrencefalograma é regular, simétrico; o ritmo de base dominante é o ritmo α com freqüência de 9 c/s. e desvio de potencial médio de 50 microvolts. A hiperventilação pulmonar não modificou substancialmente êste aspecto básico do traçado, salvo com ligeira e passageira lentificação geral. Em conclusão: eletrencefalograma dentro dos limites da normalidade. Não há sinais eletrencefalográficos de comprometimento direto ou indireto dos hemisférios cerebrais (Dr. Paulo Pinto Pupo). Exame hematológico: Eritrócitos 5.000.000 por mm3; leucócitos 7.100 por mm3; hemoglobina 102% ou 16,3 g. por litro; valor globular 1,0; neutrófilos 56,0%, eosinófilos 2,4%, basófilos 1,6%, linfócitos típicos 22,4%, linfócitos leucocitóides 14,4%, monócitos 3,2%. Em conclusão: linfocitose, eritrócitos normocíticos e normocrômicos. Dosagem de glicemia 107 mg. por 100 ml.

Com a suspeita de uma aracnoidite da região optoquiasmática, solicitamos o exame otorrinolaringológico a fim de apurar a existência de um foco infeccioso, possivelmente agente de reação meníngea. Pedimos também a colaboração do Serviço de Nutrição e Endocrinologia do Hospital das Clínicas, para a verificação de eventuais transtornos da região diencéfalo-hipofisária. Exame otorrinolaringológico: Secreção purulenta escassa e pequenos polipos em ambos os meatos médios - provável etmoidite crônica hiperplástica. Otoscopia normal. Angina catarral aguda em declínio. Ouvido interno e médio: provas com os diapasões normais. Audição normal para a voz murmurada. Ausência de nistagmo espontâneo. Provas labirínticas pràticamente normais (Dr. J. J. Whitaker). A pesquisa das funções díencéfalo-hipofisárias não revelou alterações dêsse sistema. Como provas funcionais foram realizadas as seguintes: metabolismo basal — 15%; colesterol 304 mg. por 100 ml; as provas para a tolerância à glicose e à insulina resultaram normais; cálcio no sangue 11,3 mg. por 100 ml; fósforo no sangue 2,4 mg. por 100 ml; fosfatase 2,2 unidades King Armstrong por 100 ml (Dr. Attilio Z. Flosi).

Em virtude dêsse quadro clínico, representado apenas por uma hemianopsia altitudinal inferior, correspondente à atrofia primitiva das metades superiores das papilas, com edema de suas metades inferiores e, por outro lado, na ausência de qualquer sinal clínico, radiológico, humoral ou eletrencefalográfico de tumor cerebral, concluímos pelo diagnóstico de aracnoidite optoquiasmatica. O edema nas porções não atrofiadas das papilas era, muito provavelmente, determinado pela dificuldade na circulação de retorno, provocada pelo espessamento da leptomeninge ao. redor dos nervos e quiasma ópticos. Para melhor comprovação diagnostica, foi feito exame iodoventriculográfico; após punção do ventrículo direito, através de perfuração occipital, foram injetados 4 cm.3 de lipiodol, que se alojou no corno frontal. Sob radioscopia, foi observada a passagem do contraste pelo orifício de Monro direito e preenchimento sucessivo da porção anterior do 3.° ventrículo. Esta imagem apresentou-se anormal, mostrando retificação da porção ântero-superior e retração dos recessos quiasmáticos. Não há impressões tumorais. As demais porções do sistema ventricular se encontram normais. Pela iodoventriculografia, foi firmado o diagnóstico de aracnoidite optoquiasmatica.

Intervenção cirúrgica (9 agôsto 1948) - Craniotomia frontotemporal esquerda, realizada nos moldes clássicos, com levantamento progressivo do lobo frontal, até ser atingida a região infundíbulo-hipofisária, sendo verificada intensa aracnoidite optoquiasmatica, que cobria totalmente ambos os nervos ópticos e a fúrcula anterior do quiasma. Esta aracnoidite foi desfeita integralmente, apresentando-se ambos os nervos ópticos e a fúrcula anterior do quiasma com aspecto macroscòpicamente normal. A intervenção foi encerrada após pesquisa cuidadosa de toda a região, não sendo encontrada qualquer formação tumoral. O exame anátomo-patológico do tecido colhido durante a intervenção revelou tratar-se de um processo inespecífico de leptomeningite crônica (Dra. M. L. Mercadante).

Evolução - Tivemos ocasião de examinar os fundos oculares várias vêzes nos dias que se seguiram à intervenção cirúrgica, notando-se o quadro já descrito, com pequenas modificações nos aspectos dos vasos. A acuidade visual melhorou progressivamente. Assim, em 26-8-1948, a acuidade passou a 0,70 (O. D.) e 0,13 (O. E.). Em 22-9-48 foi encontrado: em OD 0,70 e em OE 0,18. Em 26-8-48, além da melhora na acuidade visual, pudemos notar melhoria dos campos visuais (fig. 2), melhoria essa que se acentuou muito lentamente, conforme exame praticado em 30-11-1948 (fig. 3). Temos certeza de que a melhoria não irá além disso, visto já haver franca atrofia das metades superiores das papilas. De fato, em 15-2-1949 verificou-se o mesmo grau da acuidade visual verificado no exame anterior. À oftalmoscopia; em OD., papila de limites pouco precisos, esbranquiçada superiormente; róseo claro, inferiormente. Artérias enibainhadas, segmentadas, com vários cruzamentos. Vasos de neo formação entre a artéria nasal superior e nasal inferior. Artérias em fios de cobre e em fios de prata no setor superior da retina.



COMENTÁRIOS

Se a hemianopsia altitudinal inferior apresentada pelo paciente ficou satisfatòriamente explicada pelo processo de aracnoidite optoquiasmática, a etiologia desta última presta-se a controvérsias. A infecção dos seios paranasais é considerada, desde os trabalhos fundamentais da escola de Clovis Vincent1 1 . Bollack, J.; David, M. e Puech, P. — Les arachnoidites optochiasmatiques. Masson & Cie. éd., Paris, 1937. , como uma das mais freqüentes causas de aracnoidite optoquiasmática (10 sôbre 66 casos da clínica de Vincent). Segundo essa escola, as infecções sinusais manteriam uma reação meníngea de modo análogo à das infecções otíticas. O paciente apresentou, precedendo de pouco o aparecimento dos primeiros sintomas visuais, um processo de pansinusite, havendo mesmo sido submetido a uma sinusectomia. Justifica-se, assim, a tendência a atribuir o processo meníngeo à infecção sinusal de que era portador. Entretanto, chama a atenção a desproporção entre o número elevado de casos de sinusites e a relativa raridade das aracnoidites optoquiasmáticas. Cushing2 2 . Cushing, H. — The chiasmal syndrome of primary optic atrophy and bitemporal field defects in adults with a normal sella turcica. Arch. Ophtal., 3:505 e 704 (maio e junho) 1930. duvida da relação de causa e efeito entre os processos inflamatórios das cavidades paranasals e os espessamentos da aracnóide da região optoquiasmática.

Recentemente Bruetsch 3 3 . Bruetsch, W. L. — Etiology of optochiasmatic arachnoiditis. Arch. Neurol, a. Psychiat., 59:215-228 (fevereiro) 1948. examinou o estado da aracnoidite da região da cisterna quiasmática em 400 necrópsias de casos de várias entidades consideradas como possíveis causas de aracnoidite optoquiasmática. Dêsse trabalho, Bruetsch concluiu que, embora em considerável número de casos de aracnoidite optoquiasmática sua etiologia não podia ser estabelecida, a sífilis era a causa mais freqüente. Em nosso paciente, julgamos que a sífilis não pode ser imputada como fator etiológico, em vista da falta de passado venéreo-luético e da negatividade das reações específicas no sangue e no liquor. Outras causas comuns de aracnoidite optoquiasmática estudadas por Bruetsch não podem ser responsabilizadas em nosso caso: infecções cerebromeníngeas, moléstias desmielinizantes, traumatismos, arteriosclerose cerebral. Aracnoidites peritumorais têm sido verificadas em craniotomias; a ampla exploração da região operada realizada durante o ato cirúrgico, permite excluir essa possibilidade no caso que registramos. Assim, por exclusão, seria a sinusite, em nosso paciente, causa única da aracnoidite optoquiasmática. Não temos, porém, elementos para uma afirmação decisiva.

Hartmann e David, citados por Monbrun 4 4 . Monbrun, A. — Précis d'Ophthalmologic Societé Française d'Ophthalmologic Tomo VI, Masson et Cie Paris, 1939. , acham difícil atribuir uma hemianopsia horizontal a lesões puramente quiasmáticas, admitindo também a existência de lesões das partes inferiores ou superiores do nervo óptico em sua porção intracraniana. De modo mais geral, Bruetsch considera que a síndrome quiasmática, que na maioria dos casos de aracnoidite optoquiasmática tem sido atribuída exclusivamente à constrição pelo espessamento de leptomeninge, é devida a concomitantes lesões do quiasma e de outras partes das vias visuais. No caso de Craig e Lillie5 5 . Craig. W. M. e Lillie, W. I. — Chiasmal syndrome produced by chronic arachnoiditis; report of eight cases. Arch. Ophthal., 5:558 (abril) 1931. havia paralelamente uma degeneração cística do quiasma. Cushing lembra a possibilidade de uma ação conjunta da mesma causa sôbre a leptomeninge e sôbre os nervos ópticos. Realmente, para apoiar tais conclusões, cooperam os pobres resultados terapêuticos das intervenções cirúrgicas que libertam as vias ópticas da compressão pelo espessamento meníngeo. De Marzio, Cavina e Di Nigris, citados por Bollack1 1 . Bollack, J.; David, M. e Puech, P. — Les arachnoidites optochiasmatiques. Masson & Cie. éd., Paris, 1937. , assinalam, ao que parece pela primeira vez, sete casos de hemianopsias horizontal, uni ou bilateral, superior ou inferior, acompanhada de atrofia da metade oposta da papila e de edema da metade correspondente. Baseados nesses casos, os autores concluíram que pouca ação tinham as intervenções cirúrgicas sôbre as perturbações visuais, o que vem comprovar a possibilidade da ação de causa central, extrameníngea, na etiopatogenia do quadro.

No que concerne ao nosso caso, evidentemente não podemos, por falta de exame histológico das vias ópticas, asseverar de sua integridade. Contudo, a indiscutível melhora da acuidade visual bilateral, a melhoria embora pouco pronunciada dos campos visuais e a regressão parcial do edema nas metades inferiores das papilas, levam à conclusão de que o efeito constritivo da leptomeninge da região cisternal desempenhava o principal, senão único, papel patogênico no quadro clínico. Pelo menos clinicamente, devemos reconhecer a possibilidade de lesões nas porções inferior ou superior do quiasma condicionar hemianopsias altitudinais, respectivamente, superior ou inferior. Sem dúvida esses casos são raríssimos. Kestenbaum 6 6 . Kestenbnum, A. — Clinical Methods of Neuro-ophthalmologic Examination. William Heineman Ltd., Londres, 1947. considera discutível sua existência. Julgamos, assim, interessante o registro do presente caso, que representa o menos encontradiço dos tipos da "multiforme sintomatologia perimétrica" da aracnoidite optoquiasmática (Malbran7 7 . Malbran, J. — Campo Visual Normal y Patológico. El Ateneo ed. Buenos Aires, 1936. ).

Trabalho apresentado ao Departamento de Neuro-Psiquiatria da Associação Paulista de Medicina em 17 fevereiro 1949.

  • 1. Bollack, J.; David, M. e Puech, P. Les arachnoidites optochiasmatiques. Masson & Cie. éd., Paris, 1937.
  • 2. Cushing, H. The chiasmal syndrome of primary optic atrophy and bitemporal field defects in adults with a normal sella turcica. Arch. Ophtal., 3:505 e 704 (maio e junho) 1930.
  • 3. Bruetsch, W. L. Etiology of optochiasmatic arachnoiditis. Arch. Neurol, a. Psychiat., 59:215-228 (fevereiro) 1948.
  • 4. Monbrun, A. Précis d'Ophthalmologic Societé Française d'Ophthalmologic Tomo VI, Masson et Cie Paris, 1939.
  • 5. Craig. W. M. e Lillie, W. I. Chiasmal syndrome produced by chronic arachnoiditis; report of eight cases. Arch. Ophthal., 5:558 (abril) 1931.
  • 6. Kestenbnum, A. Clinical Methods of Neuro-ophthalmologic Examination. William Heineman Ltd., Londres, 1947.
  • 7. Malbran, J. Campo Visual Normal y Patológico. El Ateneo ed. Buenos Aires, 1936.
  • Hemianopsia altitudinal inferior por aracnoidite optoquiasmática

    R. Melaragno FilhoI; P. Braga MagalhãesII; Rolando A. TenutoIII
  • 1
    . Bollack, J.; David, M. e Puech, P. — Les arachnoidites optochiasmatiques. Masson & Cie. éd., Paris, 1937.
  • 2
    . Cushing, H. — The chiasmal syndrome of primary optic atrophy and bitemporal field defects in adults with a normal sella turcica. Arch. Ophtal.,
    3:505 e 704 (maio e junho) 1930.
  • 3
    . Bruetsch, W. L. — Etiology of optochiasmatic arachnoiditis. Arch. Neurol, a. Psychiat., 59:215-228 (fevereiro) 1948.
  • 4
    . Monbrun, A. — Précis d'Ophthalmologic Societé Française d'Ophthalmologic Tomo VI, Masson et Cie Paris, 1939.
  • 5
    . Craig. W. M. e Lillie, W. I. — Chiasmal syndrome produced by chronic arachnoiditis; report of eight cases. Arch. Ophthal., 5:558 (abril) 1931.
  • 6
    . Kestenbnum, A. — Clinical Methods of Neuro-ophthalmologic Examination. William Heineman Ltd., Londres, 1947.
  • 7
    . Malbran, J. — Campo Visual Normal y Patológico. El Ateneo ed. Buenos Aires, 1936.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Fev 2015
    • Data do Fascículo
      Set 1949
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