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Mário Corino da Costa Andrade (10.06.1906 a 16.06.2005)

IN MEMORIAM

Mário Corino da Costa Andrade (10.06.1906 a 16.06.2005)

"Dos ilustres antigos que deixarão

Tal nome qu'igualou fama, a memória

Ficou por luz do tempo a larga estória

Dos feitos em que mais se assinalarão."

Camões em Rimas, XXV

Josef Babinski (1857-1932) na apresentação do livro de Egas Moniz (1874-1955) sobre a angiografia cerebral mencionou a saga do povo português. Relacionou a obra do ilustre lusitano (1931) a de Vasco da Gama e Bartolomeu Dias. Agora, lembramos de outro vinculado a essa história: Mário Corino da Costa Andrade, o estudioso da paramiloidose, da "doença dos pezinhos".

Os sofredores do mal têm origem principalmente na região de Póvoa do Varzin, às margens dos mares dos navegadores lusitanos. Corino Andrade observou em 1939 uma doente da região com "uma forma peculiar de neuropatia" e também pescadores dessa região que não sentiam dor quando se cortavam nas cordas dos barcos e se queimavam com os cigarros. A extensão do conhecimento sobre essa doença fez com que o mestre tenha tido sempre o seu nome considerado respeitosamente na casa primaz da neurologia brasileira, no Instituto de Neurologia Deolindo Couto. Principalmente, o teve pelos seus contemporâneos: fundador dessa Casa, Deolindo Augusto de Nunes Couto (1902-1992) e, mais ainda, Antonio Rodrigues de Mello (1911-1988), estudioso que foi em nosso meio da Polineuropatia amiloidótica familiar (PAF) de Corino Andrade – termo que cunhou e ficou internacionalmente conhecido. O mestre brasileiro foi vinculado pela autora deste preito ao Centro de Paramiolidose que tem o seu nome no Hospital Universitário da UFRJ, em 1984. Corino Andrade delineou o acometimento clínico dos pacientes com PAF e os cuidados a serem seguidos, isto com a colaboração de sua distinta discípula e pesquisadora Paula Coutinho.

O renomado português nasceu em Moura, no Alentejo, foi filho de médico veterinário e não se limitou a avaliar a PAF. Em 1976, deslocou-se aos Açores onde deu início à investigação de outra doença do foro neurológico, a de Machado-Joseph. Corino Andrade licenciou-se em Medicina na Universidade de Lisboa em 1928, onde estagiou com Egas Moniz e Antonio Flores. Para completar os seus estudos, em 1930 foi trabalhar no Laboratório de Neuropatologia da Faculdade de Medicina de Estrasburgo, na França, em colaboração com Jean-Alexandre Barré (1880-1967). Lá recebeu o Prémio Déjerine, até então atribuído apenas a investigadores franceses. Mais tarde foi nomeado chefe de clínica e assumiu a chefia do Laboratório de Neuropatologia. Em 1936, partiu para Berlim, para fazer um estágio de um ano nas áreas da Neurologia Clínica e da Neuropatologia, para trabalhar com Cecile e Oskar Vogt. Em 1938, por força de doença paterna, regressou a Portugal, no auge do salazarismo. Ele teve dificuldades para retornar à Universidade de Lisboa e fixou-se no Porto, onde foi professor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, especialmente no Hospital Santo Antonio onde constituiu a sua equipe. Em 1952, identificou a paramiloidoise e publicou o seu artigo A peculiar form of peripheral neuropathy: familial atypical generalized amyloidosis with special involvement of peripheral nerves (Brain 1952; 75: 408-427).

Em 1975, fundou o Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, em associação com Nuno Grande. Segundo Mário Soares "Além de grande cientista e médico, Corino Andrade era um intelectual de uma vasta cultura, extremamente diversificada, e um intemerato resistente à ditadura". Miguel de Carvalho registra: "A grande virtude do Corino é ter formado uma equipe no Santo Antonio que atravessa todas as ciências neurológicas clínicas e básicas", diz Antonio Martins da Silva, professor do Instituto de Ciências Biomédica Abel Salazar". Paula Coutinho dá um testemunho da personalidade do expoente da neurologia portuguesa: "Engana-se quem imaginar Corino Andrade como um cientista convencional. Era e é um homem do mundo, inesgotavelmente interessado e atento às novas idéias e novos movimentos nos mais variados campos da atividade e da criatividade humana. Foi por isso sempre uma pessoa com quem é fascinante conversar, de livros, de política, de comida, de quase qualquer coisa." Mais comentou sobre a personalidade do mestre a pesquisadora: "Quais eram, finalmente, os segredos do Dr. Corino? A capacidade de diagnosticar situações, uma extraordinária argúcia na previsão de futuros desenvolvimentos, o conhecimento das potencialidades (e limitações) das pessoas que o procuravam, a rara capacidade de fomentar o espírito de equipe e o entusiasmo pelo serviço, onde todos trabalhavam muito para além dos horários estabelecidos, sentindo-se parte ativa do progresso conseguido, e uma espécie de sabedoria universal para a qual não existe palavra em português: o Dr. Corino é um sage."

Assim, recentemente perdemos o ilustre neurologista, falecido na cidade do Porto, que em sua vida longeva de 99 anos orgulhou sua pátria. O líder deixou importantes marcos de sua passagem, como o estudo de duas doenças neurológicas, luta contra o totalitarismo de Salazar, fundação do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar e os seus admiradores de aquém e além-mar.

Marleide da Mota Gomes

Instituto de Neurologia Deolindo Couto

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Jan 2006
  • Data do Fascículo
    Dez 2005
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