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Marcador D8-17: implicações para a neuropsiquiatria

D8/17 marker: implication to neuropsychiatry

Resumos

Estudos recentes sugerem uma associação entre febre reumática (FR) e transtornos do espectro obsessivo-compulsivo, o que levou à hipótese de que alterações na resposta imune pudessem ter um papel na etiologia destes últimos. Um marcador biológico que talvez identifique maior susceptibilidade para o desenvolvimento de FR e desses transtornos neuropsiquiátricos tem causado grande interesse na literatura. Trata-se do D8/17, um anticorpo monoclonal contra um antígeno de membrana de linfócitos B. Neste artigo introduzimos conhecimentos sobre o D8/17 e discutimos suas implicações como um possível marcador biológico de transtornos neuropsiquiátricos associados ou não à FR.

febre reumática; coréia de Sydeham; transtorno obsessivo-compulsivo; síndrome de Tourrete; D8/17


Recent studies suggest that there is a relationship between rheumatic fever (RF) and some neuropsychiatric disorders. Thus, it has been thought that autoimmune mechanisms might be related to the etiology of these neuropsychiatric disorders. It has also been demonstrated that a B cell alloantigen associated to RF is also abnormally overexpressed in patients with such neuropsychiatric disorders. This alloantigen is recognised by a monoclonal antibody known as D8/17. The aim of this article is to introduce the recent work done about D8/17 and its possible implications to the study of neuropsychiatric disorders related or not to RF.

rheumatic fever; Sydeham chorea; obsessive-compulsive disorder; Tourrete syndrome; D8/17


MARCADOR D8-17

IMPLICAÇÕES PARA A NEUROPSIQUIATRIA

JULIANA DINIZ* * Estudante de Medicina, ** Pós-graduando, *** Professor Assistente Doutor do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Este estudo foi financiado em parte pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) (processos: 95/5012-7; 95-5013-3; 96/11991-0; 96/7425-0; 97/5815-8) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (processos: 201282/92-5, 521369/96-7) para EDM; processos FAPESP 98/15013-9 para AH; e processo FAPESP (98/9895-9) para o PGA. Aceite: 7-dezembro-1999. ; PEDRO GOMES DE ALVARENGA* * Estudante de Medicina, ** Pós-graduando, *** Professor Assistente Doutor do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Este estudo foi financiado em parte pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) (processos: 95/5012-7; 95-5013-3; 96/11991-0; 96/7425-0; 97/5815-8) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (processos: 201282/92-5, 521369/96-7) para EDM; processos FAPESP 98/15013-9 para AH; e processo FAPESP (98/9895-9) para o PGA. Aceite: 7-dezembro-1999. ; ANA HOUNIE** * Estudante de Medicina, ** Pós-graduando, *** Professor Assistente Doutor do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Este estudo foi financiado em parte pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) (processos: 95/5012-7; 95-5013-3; 96/11991-0; 96/7425-0; 97/5815-8) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (processos: 201282/92-5, 521369/96-7) para EDM; processos FAPESP 98/15013-9 para AH; e processo FAPESP (98/9895-9) para o PGA. Aceite: 7-dezembro-1999. ; EURIPEDES C. MIGUEL*** * Estudante de Medicina, ** Pós-graduando, *** Professor Assistente Doutor do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Este estudo foi financiado em parte pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) (processos: 95/5012-7; 95-5013-3; 96/11991-0; 96/7425-0; 97/5815-8) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (processos: 201282/92-5, 521369/96-7) para EDM; processos FAPESP 98/15013-9 para AH; e processo FAPESP (98/9895-9) para o PGA. Aceite: 7-dezembro-1999.

RESUMO - Estudos recentes sugerem uma associação entre febre reumática (FR) e transtornos do espectro obsessivo-compulsivo, o que levou à hipótese de que alterações na resposta imune pudessem ter um papel na etiologia destes últimos. Um marcador biológico que talvez identifique maior susceptibilidade para o desenvolvimento de FR e desses transtornos neuropsiquiátricos tem causado grande interesse na literatura. Trata-se do D8/17, um anticorpo monoclonal contra um antígeno de membrana de linfócitos B. Neste artigo introduzimos conhecimentos sobre o D8/17 e discutimos suas implicações como um possível marcador biológico de transtornos neuropsiquiátricos associados ou não à FR.

PALAVRAS-CHAVE: febre reumática, coréia de Sydeham, transtorno obsessivo-compulsivo, síndrome de Tourrete, D8/17.

D8/17 marker: implication to neuropsychiatry

ABSTRACT - Recent studies suggest that there is a relationship between rheumatic fever (RF) and some neuropsychiatric disorders. Thus, it has been thought that autoimmune mechanisms might be related to the etiology of these neuropsychiatric disorders. It has also been demonstrated that a B cell alloantigen associated to RF is also abnormally overexpressed in patients with such neuropsychiatric disorders. This alloantigen is recognised by a monoclonal antibody known as D8/17. The aim of this article is to introduce the recent work done about D8/17 and its possible implications to the study of neuropsychiatric disorders related or not to RF.

KEY WORDS: rheumatic fever, Sydeham chorea, obsessive-compulsive disorder, Tourrete syndrome, D8/17.

Na ausência de conhecimentos sobre a etiologia da maior parte dos transtornos neuropsiquiátricos e de exames laboratoriais diagnósticos, o marcador D8/17, aparece como instrumento de grande valor heurístico para a prática clínica. Nos próximos parágrafos apresentamos os conceitos sobre o D8/17 e discutimos suas possíveis implicações como possível marcador biológico de alguns transtornos neuropsiquiátricos associados ou não à febre reumática (FR).

Acredita-se que a FR, uma sequela da faringite causada por um estreptococco beta hemolítico do grupo A (SBHGA), possua etiologia auto imune, possivelmente associada a um mimetismo molecular entre a proteína M dos estreptococcos e tecidos humanos1,2. É possível, ainda, que essa bactéria possa interferir na resposta imune com a produção de superantígenos3. Como apenas 3% dos indivíduos acometidos pela faringite estreptocóccica desenvolvem FR, acredita-se que a susceptibilidade para o indivíduo apresentar esta resposta imune alterada seja geneticamente transmitida. Ao procurar um marcador genético para a FR, Patarroyo et al.4 observaram a presença aumentada de um antígeno de membrana de linfócitos B (LB) em portadores de FR. Esse antígeno (batizado 883) estava presente em aproximadamente o mesmo número de pacientes com FR estudados na Colômbia ou nos Estados Unidos sugerindo uma distribuição mundial desse antígeno5. Segundo Patarroyo, o risco de desenvolver FR era 12 vezes maior em indivíduos 883 positivos do que no resto da população. Continuando os estudos de Patarroyo, Zabriskie et al.6 produziram anticorpos monoclonais com a imunização de camundongos com LB de pacientes com FR tanto 883+ como 883-. Em conjunto, esses anticorpos reconheciam aproximadamente 92% dos pacientes com FR. Imunizações posteriores7 levaram ao isolamento de um terceiro anticorpo monoclonal denominado D8/17. Este último parece reconhecer um antígeno de LB presente na maioria da população mas que aparece de forma aumentada em pacientes com FR e seus familiares.

O método primariamente utilizado para análise de D8/17 contava com técnicas da microscopia de fluorescência e pode ser encontrado no estudo descrito por Herdy et al.8. Este método foi, recentemente, adaptado para o uso de citometria de fluxo por Chapman et al.9. A obtenção dos anticorpos monoclonais foi descrita por Zabriskie et al.6.

D8/17 na população normal, na FR e em outras doenças autoimunes

Estudos com imunofluorescência demonstraram que 80-90% das pessoas saudáveis apresentavam de 0 a 5% dos LB marcados com D8/17. Ao mesmo tempo, 10% dos indivíduos não afetados apresentavam LB marcados até um desvio padrão (DP) acima do normal (média=12%). Finalmente, nos pacientes com FR, as porcentagens de LB marcados com D8/17 estavam aumentadas em pelo menos dois DP (>20%). Foi estabelecido, então, um valor limite de linfócitos marcados de até 12%5 e valores acima desse são considerados positivos. Considerando a relação entre a FR e a infecção pelo SBHGA, levantou-se a hipótese de que porcentagens aumentadas de LB marcados com D8/17 estivessem associadas à reatividade ao SBHGA e não necessariamente à FR. Para estudar essa hipótese, os níveis de LB marcados com D8/17 foram analisados em pacientes com glomerulonefrite difusa aguda (GNDA), ou seja, pacientes que desenvolveram uma grande reatividade ao SBHGA (formação de imunocomplexos) mas que não produziram anticorpos ou resposta citotóxica contra tecidos do próprio organismo como ocorre na FR. Nesses pacientes ou seus familiares não foram encontrados valores aumentados de D8/17 mesmo que neles os níveis de anticorpos antiestreptocóccicos estivessem elevados7,10. Além disso, os valores de LB marcados com D8/17 mantêm-se estáveis por muito tempo mesmo na ausência de novas infecções (Zabriskie, comunicação pessoal, 1999).

Estudos com pacientes portadores de outros transtornos autoimunes tais como lupus eritematoso sistêmico (LES), artrite reumatóide e esclerose múltipla também não detectaram aumento de LB marcados com D8/175. Apesar da função desse antígeno ainda ser desconhecida, as evidências acima indicam que este deve estar de alguma forma relacionado à FR.

D8/17 em transtornos neuropsiquiátricos

A pesquisa de LB marcados com o D8/17 pode ser útil em certos casos para o diagnóstico diferencial de pacientes com coréia de Sydenham (CS), uma manifestação neurológica tardia da FR. Feldman et al.11 descreveram dois casos isolados de coréia em que precisaram descartar a hipótese de LES e, para tanto, pesquisaram anticorpos antifosfolípedes (normalmente positivos no LES) e a expressão do D8/17. O resultado negativo do primeiro teste e a alta expressão do segundo, juntamente com a história clínica, foram eficientes em esclarecer o diagnóstico.

Recentemente, diversos estudos observaram presença aumentada de transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) síndrome de Tourette (ST) ou transtorno de tiques crônicos (TTC) (Tabela 1) em pacientes com FR com ou sem CS (12, 13). Esses achados geraram nova linha de pesquisa sugerindo que fatores imunológicos associados à infecção estreptocóccica pudessem participar na fisiopatologia destes transtornos. Ampliando ainda mais esta hipótese, o grupo do National Institute of Mental Health (NIMH ) relatou o surgimento e/ou exacerbação dos sintomas de TOC e ST na vigência de infecção por SBHGA e na ausência de FR, em um grupo de crianças e adolescentes. Este grupo criou então o acrônimo PANDAS - Pediatric Autoimmune Neuropsychiatric Disorders Associated With Streptococcal Infection- para designar esse subgrupo de pacientes, que apesar de não apresentarem FR, expressam sintomas neuropsiquiátricos cujo início, exacerbação e melhora se associam com a infecção estreptocócica14. Na tentativa de buscar maiores evidências neurobiológicas para esta associação Swedo et al.15 estudaram a expressão do D8/17 em 27 crianças que preenchiam os critérios diagnósticos para PANDAS. Nessas crianças, foi encontrada expressão aumentada do D8/17 em 85% dos casos contra 17% nos controles. Simultaneamente, Murphy et al16 estudaram pacientes com TOC e ST, sem FR ou CS ou PANDAS, e também encontraram expressão significativamente maior de D8/17 em 100% dos 31 casos analisados comparados a 5% de 21 controles. Assim, a expressão aumentada do D8/17 pode ser um marcador também para a presença de transtornos com o TOC e ST além da CS e da FR.

Considerando que outros transtornos psiquiátricos pudessem estar associados à expressão aumentada de D8/17, Hollander et al.17 estudaram a expressão desse marcador em 18 crianças autistas e 14 controles. Foram encontrados níveis elevados de D8/17 nos pacientes autistas, relacionando, inclusive, a gravidade do quadro (dos comportamentos repetitivos e compulsões) com a expressão aumentada do D8/17.

DISCUSSÃO

A ausência da expressão aumentada do D8/17 em pacientes com GNDA ou doenças autoimunes5 reforça a hipótese do D8/17 funcionar como um marcador para FR, podendo ser um instrumento para o diagnóstico diferencial da CS11. Sua alta positividade em pacientes com TOC e ST, mesmo na ausência de FR, pode sugerir o envolvimento de mecanismos autoimunes na etiologia destes transtornos. Essa compreensão poderá, por sua vez, levar à caracterização de subgrupos de pacientes para os quais tratamentos mais específicos poderão ser desenvolvidos.

No entanto, esses achados devem ser vistos com cautela. Outros transtornos teriam de ser estudados para esclarecer a especificidade desse marcador ou mesmo sua relação com alterações no sistema nervoso central. Outra grande crítica ao estudo do D8/17 é a dificuldade de reprodução do método, que, até agora, foi apenas realizado com sucesso por dois grupos de pesquisa. Nosso grupo está iniciando um estudo em que será avaliada a expressão do D8/17 em pacientes que tiveram FR. Além de estudar a expressão desse marcador a longo prazo, vamos relacionar o diagnóstico de transtornos neuropsiquiátricos e a gravidade de seus sintomas com a expressão de D8/17. Outro estudo terá como alvo familiares de primeiro grau de portadores de FR, verificando, assim, a distribuição do marcador nas famílias dos afetados, o que pode ajudar a levantar hipóteses acerca da sua herdabilidade e da transmissão da susceptibilidade à FR.

Apesar da hipótese da etiologia autoimune para transtornos como TOC, ST, TTC, e CS ser ainda pura especulação, a conhecida associação entre FR e a infecção estreptocóccica e entre FR e esses transtornos geram novas hipóteses sobre a sua fisiopatologia. Assim, o estudo do D8/17 nesses transtornos pode permitir a identificação de subgrupos de pacientes com bases etiológicas comuns, como a imunológica. Nesses, existe a possibilidade de serem desenvolvidas novas alternativas de tratamento. Já existem relatos de casos de pacientes com TOC e/ou ST que responderam a tratamentos de plasmaferese, gamaglobulinas e corticoterapia18. Entretanto, uma definição ainda está distante e muitos estudos para verificar a verdadeira relação entre TOC, ST e FR e o D8/17 ainda precisam ser desenvolvidos.

Agradecimentos: John B. Zabriskie, M.D., Laboratory of Immunology and Microbiology, Rockefeller University, NY, USA.

Juliana Diniz - PROTOC, Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP - Rua Ovídio Pires de Campos s/nº - 05430-010 São Paulo SP - Brasil. Fax: 11 280 0842. E-mail: ecmiguel@usp.br

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  • *
    Estudante de Medicina,
    **
    Pós-graduando,
    ***
    Professor Assistente Doutor do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Este estudo foi financiado em parte pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) (processos: 95/5012-7; 95-5013-3; 96/11991-0; 96/7425-0; 97/5815-8) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (processos: 201282/92-5, 521369/96-7) para EDM; processos FAPESP 98/15013-9 para AH; e processo FAPESP (98/9895-9) para o PGA. Aceite: 7-dezembro-1999.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Dez 2000
    • Data do Fascículo
      Jun 2000

    Histórico

    • Aceito
      07 Dez 1999
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