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Síndrome de Benedikt

REGISTRO DE CASOS

Assistente de Clínica Neurológica Fac. Med. Univ. S. Paulo (Prof. Adherbal Tolosa)

RESUMO

É estudado o caso de um paciente com tremor do tipo parkinsoniano no membro superior direito, hipertonia de ação no membro inferior direito, reflexo de postura à direita e paresia dissociada do nervo oculomotor à esquerda. O exame do líquido cefalorraquidiano mostrou aumento da taxa de glicose. O A. salienta a importância do acometimento do nervo oculomotor que permite localizar a lesão no pedúnculo cerebral esquerdo. Estudando as síndromes pedunculares alternas, o A. comenta cada uma delas, especialmente a de Benedikt, na qual inclui o caso apresentado, discutindo, depois, a provável etiologia.

SUMMARY

The A. studies the case of a man, who presented a Parkinsonian tremor in the right arm, hypertonus of action in the right leg, reflexes of posture in the right side of the body and a dissociated left ophtalmoplegia. Laboratory tests showed an increase of glucose content in spinal fluid. The A. calls attention to the third nerve, which allowed the localization of the lesion in left cerebral peduncle. The alternating cerebral peduncle syndromes are studied, chiefly the syndrome of Benedikt, where the A. include his case; lastly, the A. studies its most probable etiology.

As síndromes pedunculares são relativamente raras e embora se trate, em geral, de lesões estritamente localizadas em pequeno segmento do encéfalo, elas se exteriorizam sob formas múltiplas, dependentes das estruturas diretamente atingidas. Eis porque julgamos de interesse o caso que vamos apresentar.

Observação - J. V. S., com 23 anos, brasileiro, preto, solteiro, carroceiro, examinado no Ambulatório de Neurologia do Hospital das Clínicas da Fac. Med. Univ. S. Paulo (Prof. A. Tolosa), em 9 julho 1945. Queixava-se de tremores no braço direito, diplopia e "esquecimento" na perna direita, fenômenos esses que haviam surgido há 10 meses.

Antecedentes e moléstia atual - Há 10 meses, após apanhar forte chuva, sentiu tonturas acompanhadas de "embaraçamento" da vista esquerda, enxergando os objetos com tonalidade amarelada (sic). Permaneceu acamado por 8 dias, sem hipertermia ou cefaléia e não melhorou com as injeções de neosalvarsan que lhe foram aplicadas. Após 30 dias, notou enfraquecimento da perna direita que o impedia de ficar de pé, ligeiro repuxamento da boca, dificuldade em pronunciar certas palavras e diplopia. Posteriormente, surgiram tremores no polegar direito, que progressivamente atingiram a mão e o antebraço homólogos; tais tremores não se intensificavam sensivelmente pela movimentação. Nega cefaléias, sonolência, vômitos e alucinações visuais. Nega febre, traumatismos cranianos ou surtos eruptivos. Na infância, teve sarampo e varicela; aos 16 anos, pneumonia e, aos 18, blenorragia. Tabagista e etilista moderado. Pai falecido, mãe viva e sadia. Tem 4 irmãos, dos quais ignora o paradeiro. Nega moléstia idêntica na família.

Exame físico - Indivíduo do tipo normolíneo. Mucosas visíveis bem coradas, gânglios epitrocleanos não palpáveis; não há esternalgia, nem tibialgia. Ao exame dos diferentes aparelhos, nada encontramos digno de nota. Pressão arterial Mx. 12,0 - Mn. 7,5; bulhas cardíacas bem audíveis e normais. Não há sinais anormais à ausculta dos pulmões. Fígado e baço palpáveis.

Exame neurológico - O paciente apresenta movimentos involuntários, espontâneos, no membro superior direito, localizados principalmente na mão, caraterizados por flexões sucessivas da primeira e, menos acentuadamente, da segunda falange do polegar, acompanhadas de ligeiras flexões do indicador e do mínimo e de movimentos de pequena amplitude de adução e abdução da mão, movimentos esses que chegam até o ombro sob forma de abalos sucessivos. Estes movimentos são rítmicos, com freqUência de 3 por segundo; diminuem durante o sono, aumentam com a movimentação e podem ser suspensos voluntariamente com certo esforço por pequeno espaço de tempo. Estrabismo externo do olho esquerdo. Leve-repuxamento da boca para a esquerda; face voltada para a esquerda e ligeiramente para cima (fig. 1). Não há alterações do equilíbrio estático; ausente o sinal de Romberg. O paciente executa bem os movimentos voluntários em todos os territórios do corpo, salvo certos movimentos dependentes do oculomotor esquerdo. Força muscular conservada; normais as manobras deficitárias de Raimist; dos braços estendidos de Mingazzini, de Barre e do pé de cadáver. Sinal da asa do moinho ausente. Não conseguimos apurar a existência de ataxias. Tono muscular normal nos membros superiores e diminuído nos músculos das panturrilhas, bilateralmente. Os movimentos passivos dos membros realizam-se sem dificuldade. Nota-se, todavia, durante a marcha, hipertonia do membro inferior direito, que se apresenta em hipertensão; ao caminhar, o paciente arrasta a planta do pé no solo com o ruído caraterístico das marchas espasmódicas. Durante a marcha, não se observam os movimentos associados do membro superior direito e o tremor da mão direita não se modifica. Não há disartria, embora o paciente acuse ligeira dificuldade em pronunciar certas palavras que antes pronunciava corretamente. Mímica, mastigação e deglutição normais. Reflexo patelar vivo, bilateralmente; reflexo adutor da coxa ausente à esquerda; reflexo médio púbico só dando resposta superior. Não há reflexos patológicos, estando ausentes os sinais de Rossolimo e Mendel-Bechterew. Reflexo cutaneoplantar presente e normal de ambos os lados; não há sinal de Babinski; reflexos cutâneo-abdominais normais. Reflexos de postura de Foix e Thévenard presentes no tornozelo e punho direitos. Não há clono, automatismo ou sincinesias. A pesquisa das diferentes formas de sensibilidade nada revela de anormal, não havendo igualmente perturbações tróficas ou vasomotoras. Psiquismo íntegro, respondendo com exatidão e presteza às perguntas que lhe são feitas; o paciente acha-se bem orientado alo e autopsiquicamente; memória, atenção e afetividade conservadas.


Exames complementares. Exame neurocular - Ligeira deformação da pupila esquerda; anisocoria manifesta, sendo a pupila E. maior que a D.; reflexo, fotomotor muito reduzido na amplitude e na velocidade à E.; paralisia de acomodação à E.; perda de paralelismo do olhar para o infinito, havendo tendência à divergência e elevação do O. E.; limitação da excursão do O. E. para baixo, para baixo e para dentro, para baixo e para fora, havendo, portanto, paresia do reto inferior esquerdo; o estudo da diplopia revela desdobramento das imagens não só no plano vertical, mas em todas as direções, fato que faz supor existirem alterações das fibras que atuam sobre os outros músculos dependentes do nervo óculo-motor, embora só se possa observar o fenômeno objetivamente através da perda da excursão no campo do reto inferior; a convergência está diminuída, não secundariamente, por perda de visão, nus por estarem atingidas as vias desse movimento conjugado. Visão: O. D. igual a 1; em O. E. igual a 0,4; o exame revela perda de refração do olho esquerdo, que se normaliza com mais 1 dioptría. Campo visual normal; papila, mácula, retina periférica normal cm A. O.; circulação retiniana normal (J. Cândido da Silva). Exame de sangue - Reações de Wassermann e Kahn negativas. Exame do líquido cefalorraqueano - Punção suboccipital em decúbito horizontal; pressão inicial 8 (Claude); líquor límpido e incolor; 0,5 células por milímetro cúbico; albumina 0,10 grs. por litro; r. Pandy e Nonne negativas; r. benjoim 00000.00000.00000.0; r. Takata-Ara,, Wassermann e Steinfeld negativas; cloretos 7,0 grs. por litro; glicose 0,97 grs. por litro (J. M. T. Bittencourt). Exame neurotorrinolaringológico - Ausência de nistagmo espontâneo; ausência dc perturbações do equilíbrio estatocinético; ausência de perturbações da sensibilidade e motricidade na face, fossas nasais, boca, faringe e laringe; audição conservada; hipoexcitabilidade vestibular calórica bilateral (A. Correia).

Resumindo, temos: 1) pela ananmese: início da moléstia caraterizado por tonturas, seguindo-se, 3 meses após, tremor no membro superior direito, que se instalou progressivamente, iniciando-se no polegar da mão direita e propagando-se depois para a mão e o antebraço; diplopia. 2) pvlo exame somatoneurológico: tremor do tipo parkinsoniano no membro superior direito; hipertonia de ação no membro inferior direito; exagero dos reflexos de postura no hemicorpo direito; paresia dissociada do oculomotor esquerdo. Há, por conseguinte: 1) uma síndrome extra-piramidal no hemicorpo direito, caraterizada por tremor do tipo parkinsoniano, exaltação dos reflexos de postura de Foix e Thévenard, hipertonia do membro inferior direito, verificada durante a marcha; 2) lesão dissociada do 3 par craniano esquerdo, caraterizala por paralisia do reto inferior, midríase e debilidade da contração pupilar à convergência. O acometimento do nervo oculomotor é elemento de grande valor, pois representa a nota topográfica da lesão, permitindo localizá-la no pedúnculo cerebral esquerdo. A associação de síndrome hipercinética à direita com paralisia do nervo oculomotor esquerdo, conduz ao diagnóstico de síndrome peduncular alterna.

As síndromes pedunculares podem ser assim classificadas: 1 - Síndrome do pé do pedúnculo ou de Weber. 2 - Síndrome do locus niger. 3 - Síndrome da calota: a) do núcleo rubro, superior, sem lesão do 3.° par ou síndrome de Foix, Chiray e Nicolesco; inferior, com lesão do 3.° par, realizando a síndrome de Claude ou a de Benedikt, b) da substância cinzenta periependimária - atingindo os núcleos dos nervos pedunculares ou a substância reticular. 4 - Síndromes complexas: Síndrome de von Monakow e de Foville, superior. A seguir, lembramos as caraterísticas principais de algumas destas síndromes pedunculares.

A síndrome de Weber, ou melhor, de Gluber-Weber, pois Gluber descreveu essa síndrome 4 anos antes que Weber, carateriza-se por hemiplegia contralateral à lesão e paralisia homolateral do nervo oculomotor. A hemiplegia, de tipo piramidal, é acompanhada dos sinais de libertação: espasmocidade, hiperreflexia osteotendinosa, sinal de Babinski, clono da rótula e do pé, automatismos e sincinesias. O comprometimento do nervo oculomotor pode ser total ou dissociado. Não há movimentos involuntários espontâneos, pois as estruturas extrapiramidais não são atingidas. A lesão localiza-se no pé do pedúnculo, atingindo o feixe corticospinhal antes da decussação, as fibras do feixe geniculado e as fibras radiculares do nervo motor ocular comum. As lesões do pé do pedúnculo, conforme a sua extensão, podem determinar síndromes de vários tipos: tipo X ou duplo Weber, quando há lesão dos dois nervos oculo-motores e tetraplegia; tipo Y, quando há lesão dos dois nervos oculo-motores e hemiplegia; tipo Y invertido, quando um só nervo oculomotor é atingido e há tetraplegia. No caso estudado por Tolosa e Yenturi1 1 . Tolosa, A. e Venturi, V. - A propósito da síndrome de Weber de origem luética. Rev. Neurol, e Psiquiat. S. Paulo, 5: 1, 1939. , o diagnóstico inicial foi de paralisia do nervo oculomotor esquerdo por meningite luética; alguns dias após a malarioterapia, surgiu hemiparesia abrangendo face e membros. Tratava-se, portanto, de uma síndrome de Weber de origem luética.

A propósito da síndrome de Weber, é interessante assinalar a possibilidade de discordância entre o diagnóstico neurológico e o quadro anátomo-patológico. Caetano da Silva Jr.2 2 . Caetano da Silva Jr., J. A. - Hemiplegia alterna tipo Weber sem lesão peduncular. Arq. Neuro-Psiquiat. (S. Paulo), 4: 118 (junho) 1946. relatou o caso de uma paciente que apresentava hemiplegia discreta do tipo piramidal à esquerda, acompanhada de paralisia do motor ocular comum à direita, no qual fora feito o diagnóstico de síndrome de Weber por hemorragia no pedúnculo cerebral direito. Todavia, o exame anátomo-patológico revelou integridade absoluta dos pedúnculos cerebrais; a hemiparesia esquerda fora provocada por hemorragia no lobo temporal direito comprimindo a cápsula interna, ao passo que o 3.° par craniano direito fora apreendido, fora do eixo nervoso central, por coágulo sangüíneo formado após extravasamento do sangue na cisterna interpeduncular; tratava-se, pois, de uma síndrome de Weber sem lesão peduncular.

Síndrome de Benedikt - Os casos descritos sob este rótulo até 1930 mereceram de Souques, Crouzon e Bertrand3 4: 3. Souques, Crouzon e Bertrand - Revision du syndrome de Benedikt à propos de l'autopsie d'un cas de ce syndrome. Forme tremo-choréo-athétoide et hypertonique du syndrome de noyau rouge. Rev. Neurol., tomo II, 337 (outubro) 1930. excelente revisão. Em 1889, Benedikt4 3 4. Loc. cit., pg. 389. descreveu uma síndrome caraterizada por: "hemiparesia com paralisia cruzada do motor ocular comum e tremor das extremidades paréticas." A topografia da lesão não foi bem precisada pelo autor, pois, sendo descrita como lesão peduncular ao nível do núcleo do 3.° par craniano, não foi dito se era localizada no pé ou na calota. Wallemberg4 3 4. Loc. cit., pg. 389. , entretanto, já em 1887, necropsiando um caso em que havia estrabismo externo do olho direito, hemiplegia e movimentos atetóticos dos dedos do lado esquerdo, encontrou pequeno cisto localizado na calota do pedúnculo direito, que destruíra parte do núcleo rubro, fibras radiculares do nervo oculomotor e o terço médio do locus niger. Em 1902, Halban e Infeld5 5 . Loc. cit. 3, pg. 393. , num caso em que havia paralisia dos dois motores oculares comuns e paresia espástica no hemicorpo direito, com hiperreflexia e movimentos involuntários atetóticos nos dedos e artelhos, encontraram um tubérculo na calota do pedúnculo cerebral esquerdo. Massary, Bertrand, Bouquien e Joseph6 6 . Loc. cit. 3, pg. 395. , em 1929, num caso em que havia paralisia do nervo oculomotor direito e tremor do membro superior esquerdo, encontraram lesão necrótica na calota do pedúnculo cerebral direito. Souques, Crouzon e Bertrand3 4: 3. Souques, Crouzon e Bertrand - Revision du syndrome de Benedikt à propos de l'autopsie d'un cas de ce syndrome. Forme tremo-choréo-athétoide et hypertonique du syndrome de noyau rouge. Rev. Neurol., tomo II, 337 (outubro) 1930. , na revisão que fizeram, notaram que o sinal de Babinski estava ausente em todos os casos, indicando não haver lesão do feixe piramidal. A síndrome de Benedikt se carateriza, pois, por movimentos involuntários espontâneos e hipertonia de ação contralateral e paralisia do nervo oculomotor ipsilateral à lesão. Os movimentos involuntários espontâneos contralaterais são do tipo córeo-atetótico, parkinsoniano, tremores ou balismos, que se exageram pela movimentação e cessam durante o sono. A hipertonia se acentua pela movimentação. A lesão determinante se localiza na calota, peduncular, no segmento inferior do núcleo rubro, atingindo as fibras radiculares do nervo oculomotor. Não há lesão do feixe piramidal. A lesão do núcleo rubro explica os movimentos involuntários espontâneos e a hipertonia de ação.

Tetriakoít e Pacheco e Silva7 7 . Tetriakoff, C. e Pacheco e Silva, A. C. - Uma forma particular de síndrome peduncular alterna. Mem. Hospício de Juqueri (S. Paulo), 1: 101, 1924. publicaram a observação de um paciente portador de hemiplegia esquerda com tremor intencional nos membros superior e inferior do lado hemiplégico, estrabismo externo do olho direito, demência e delírio incoerente. O resultado positivo da reação de Wassermann e o exame do fundo de olho (retinite pigmentar) falavam a favor de lesões sifilíticas. Baseados nestes dados, os autores localizaram a lesão no pedúnculo cerebral direito, adiante do lemnisco mediano e um pouco para fora do núcleo oculomotor, atingindo o feixe piramidal, os filetes do 3.° par, e algum centro do tono parapiramidal, provavelmente o locus niger; tratava-se de uma forma particular de síndrome peduncular alterna, na qual o feixe piramidal também fora atingido.

Nosso caso apresenta sintomatologia caraterística da síndrome de Benedikt: tremor do tipo parkinsoniano, hipertonia de ação, exaltação dos reflexos de postura à direita e paralisia parcelada do nervo oculomotor à esquerda. Assim, a lesão está, provavelmente, localizada no pedúnculo cerebral esquerdo, atingindo a parte inferior do núcleo rubro e as fibras radiculares do 3.° par (Fig. 2). O caso assemelha-se ao de Souques, Crouzon e Bertrand8 8 . Loe. cit. 8, pg. 398. , o qual apresentava movimentos involuntários espontâneos, contratura e paresia do lado esquerdo, e paralisia do motor ocular comum à direita; não havia clono, automatismo ou exaltação dos reflexos osteotendinosos, sendo impossível afirmar a existência do sinal de Babinski; a necropsia revelou amolecimento da hemicalota peduncular direita, exclusivamente sobre o núcleo rubro, com destruição completa de seu núcleo central e destruição parcial dos núcleos lateroventral e dorsomediano; o polo superior do núcleo rubro, o corpo de Luys e as diversas formações da região subóptica estavam íntegros; havia, também, destruição das fibras radiculares do nervo oculomotor que atravessavam o núcleo rubro.


A síndrome de Claude carateriza-se por sinais cerebelares contra-laterais e paralisia do nervo oculomotor ipsilateral à lesão; pode existir, também, lesão do 4.° par craniano. A lesão localiza-se no segmento inferior do núcleo rubro; as íntimas conexões deste núcleo e do pedúnculo cerebelar superior com as fibras do motor ocular comum explicam satisfatoriamente a sintomatologia em apreço. Aluizio Marques9 9 . Marques, Aluizio - Das síndromes alternas do núcleo vermelho. O Hospital (Rio de Janeiro), 23: 487 (abril) 1943. publicou uma observação anátomo-clínica, cuja sintomatologia consistia em hemiataxia, hemiassinergia e hipotonia à esquerda, associadas a disartria e paralisia completa do nervo oculomotor direito; este caso identifica-se com a síndrome de Claude, e o diagnóstico clínico foi confirmado anátomo-patologicante, sendo encontrado amolecimento maciço do núcleo vermelho do lado direito.

A síndrome de von Monakow carateriza-se por anestesia, paresia e trtemor no hemicorpo contralateral à lesão, e paralisia direta do nervo oculomotor. A lesão responsável, extensa, abrange, além das vias motoras e fibras radiculares do 3.° par, as vias sensitivas localizadas no segmento posterior da calota peduncular. Finalmente, a síndrome de Foville, superior, consiste na paralisia do olhar para o lado oposto à lesão, quando esta atinge, no pedúnculo, as fibras que, pelo fascículo longitudinal medial, unem os núcleos do nervo oculomotor e abducente, e de outros nervos que controlam os movimentos oculógiros.

O caso que relatamos enquadra-se na síndrome de Benedikt. O diagnóstico diferencial com as outras síndromes pedunculares acima referidas é facilmente estabelecido: com a síndrome de Weber, pela ausência de manifestações da série piramidal; com a síndrome de Claude, pela falta de desordens da série cerebelar; com a síndrome de von Monakow, pela inexistência de distúrbios sensitivos; com a síndrome de Foville, superior, pela ausência de distúrbios da movimentação conjugada dos olhos.

Estudaremos, agora, o diagnóstico diferencial com outras síndromes pedunculares que se acompanham de hipercinesias, A síndrome superior do núcleo rubro ou síndrome de Foix, Chiray e Nicolesco, carateriza-se por hipercinesias do tipo tremo-córeo-atetótico ou por assinergia no hemicorpo do lado oposto à lesão, devido às relações do núcleo rubro com os pedúnculos cerebelosos superiores; não há, porém, paralisia do nervo oculomotor, pois a lesão se localiza no segmento superior do núcleo rubro. Num caso estudado por Teixeira Lima e Tancredi10 10 . Teixeira Lima, A. e Tancredi, F. - Síndrome superior do núcleo vermelho, forma tremo-córeo-atetósica. Arq. Assist. Psicopatas de São Paulo, 4: 226 (junho) 1939. , havia entrave motor, hipertonia acentuada no membro superior e discreta no membro inferior esquerdo, hiperreflexia osteotendinosa sem clono, nem Babinski; no membro superior esquerdo existiam movimentos involuntários espontâneos, regulares, de pequena amplitude, com frequência de 4 a 5 por minuto, localizados sobretudo na mão. Esse tremor, do tipo parkinsoniano, se exagerava pela movimentação voluntária. No pé, o tremor surgia raramente, e era de pequena amplitude. Por vezes, o membro superior direito apresentava movimentos do tipo tremo-córeo-atetótico. Não havia assinergia e todos os nervos cranianos estavam íntegros. Tratava-se, portanto, de uma síndrome superior do núcleo rubro, correspondente à descrita por Foix, Chiray e Nicolesco.

Grandes são as dificuldades para o diagnóstico da síndrome superior do núcleo vermelho, pois, estando ausente a principal nota de localização peduncular, que é a lesão dos 3.° ou 4.° nervos, o diagnóstico diferencial com as síndromes hemiparkinsonianas, hemi-coréicas ou hemiassinérgicas, devidas a lesões de outros centros ou vias nervosas, se torna difícil; o esclarecimento decisivo só pode ser fornecido pelo exame anátomo-patológico. Roussy, Levy e Bertillon11 1: 11. Roussy, Levy e Bertillon - Un cas de hénri-syndrome cerebeleux avec tremblement du type sclérose en plaques et mouvements athétosiques. Rev. Neurol., 29 (Janeiro) 1925. publicaram uma observação em que havia, no hemicorpo direito, assinergia, dismetria, adiadococinesia, tremor intencional, hipotonia, movimentos atetóticos ligeiros da mão e do pé, atitude anormal da mão, diminuição da força muscular, exaltação dos reflexos osteotendinosos, hiperestesia superficial e hipopalestesia; não havendo distúrbios oculares, os autores diagnosticaram síndrome superior do núcleo rubro. As escassas perturbações da sensibilidade objetiva e a ausência completa de distúrbios subjetivos da sensibilidade permitiram afastar a idéia de lesão atingindo o tálamo. A hipótese de lesão cerebelar também foi afastada, por ser difícil atribuir, ao comprometimento do cerebelo, fenômenos de assinergia, dismetria, tremor intencional surgidos bruscamente e acompanhados de mínimas perturbações do equilíbrio. Baseados em que a lesão do núcleo rubro explicava a sintomatologia cerebelar e os movimentos atetóticos, e que este núcleo se acha intercalado na via cerebelo-talâmica, admitiram tratar-se de uma síndrome externa do núcleo rubro, por amolecimento conseqüente à obliteração das artérias que irrigam a região rubrotalâmica. Infelizmente, não houve confirmação anátomo-patológica.

A síndrome do locus niger é caraterizada por tremor do tipo parkinsoniano e regidez muscular no hemicorpo contralateral à lesão. O diagnóstico com as síndromes parkinsonianas unilaterais por lesão dos núcleos estriados é difícil. Blocq e Marinesco12 12 . Loc. cit. 3, pg. 412. , necropsiando um caso no qual Charcot havia feito o diagnóstico de parkinson unilateral esquerdo, encontraram um tumor localizado no pedúnculo cerebral direito, interessando particularmente a substância negra de Sómmering.

As síndromes da substância cimenta peduncular (núcleos dos nervos pedunculares e substancia reticular) se caraterizam por paralisia nos territorios dependentes do 3.° e 4.° nervos cranianos, havendo, por conseguinte, duplo estrabismo externo e ptose bilateral; pode haver, também, perturbações da função hípnica, narcolepsia com ou sem cataplexia, e alucinóse peduncular, assim como perturbações vegetativas.

Diversas causas podem acarretar síndromes pedunculares. Entre as mais frequentes, contam-se os processos vasculares - hemorragias ou amolecimentos, consequentes a tromboses ou embolias. De acordo com Lhermitte, Masquin e Trelles13 13 . Lhermitte, Masquin e Trelles - Précis d'anatomo-physiologie normale et pathologique du système nerveux central. Masson et Cie., Paris, 1937, pg. 535. , os pedúnculos cerebrais são vascularizados por: a) artérias paramedianas que, penetrando lateralmente, irrigam o locus niger, o núcleo vermelho e o núcleo do nervo oculomotor. Segundo Foix e Nicolesco, os ramos que irrigam a metade superior e a metade inferior do núcleo íubro são distintos, e a lesão de um ou outro desses ramos acarretaria processos diferentes; b) artérias circunferenciais longas, ramos da artéria cerebelosa superior, quadrigêmeas, carotidianas posteriores, cerebral posterior e coroidiana anterior; c) artérias circunferenciais curtas, que nascem das artérias circunferenciais longas, irrigando a face anterolateral do pedúnculo em toda a sua altura (fig.2). Se aceitarmos, para o caso que estudamos, a hipótese da lesão vascular, a sintomatologia observada dependeria de amolecimento no território subordinado às artérias param edianas. No caso de Teixeira Lima e Tancredi11 1: 11. Roussy, Levy e Bertillon - Un cas de hénri-syndrome cerebeleux avec tremblement du type sclérose en plaques et mouvements athétosiques. Rev. Neurol., 29 (Janeiro) 1925. , a hipótese aventada foi a de lesão do ramo da artéria cerebral posterior que irriga a metade superior do núcleo vermelho.

Os vírus neurotrópicos podem acarretar lesões nervosas importantes no mesencéfalo. De modo geral, nas afecções a vírus observa-se um quadro infeccioso agudo, acompanhado de perturbações do sono. Períodos de hipersônia podem alternar-se com períodos de agitação; existem, todavia, casos em que a insónia é o sintoma principal. Surgem depois perturbações oculares (ptose palpebral, estrabismo, diplopia, perda da acomodação, anisocoria, preguiça ou paralisia da contração à luz e acomodação). Os distúrbios motores se caraterizam por movimentos coreicos, puros ou associados a movimentos atetóticos e a mioclonias; podem surgir também paralisias completas, súbitas e flácidas, sendo mais comum o tipo paraplégico. As perturbações do tono muscular se manifestam sobretudo pela hipertonia, responsável pelas posições catatônicas e pela fácies enexpressiva. Os distúrbios sensitivos se caraterizam por dores violentas, profundas, intoleráveis e súbitas. Frequentemente há hipersalivação, crises de sudorese, poliúria e alterações do líquido cefalorraqueano.

Os tumores localizados nos pedúnculos cerebrais podem determinar também o aparecimento de síndromes pedunculares. Nestes casos, o início é geralmente insidioso, a evolução é lenta, com fenômenos gerais de hipertensão craniana. A propósito, citamos o caso de Raymond e Cestan14 14 . Loc. cit. 3, pg. 387. , em que um endotelioma destruiu, à esquerda, a totalidade do núcleo rubro, parte interna da fita de Reil, o núcleo do nervo oculomotor e, à direita, a parte interna do núcleo rubro, ficando íntegro o pé do pedúnculo cerebral. Aluizio Marques15 15 . Marques, Aluizio - Síndrome mesencefálica por goma sifilítica. Rev. Med. Municipal (Rio de Janeiro), 2: 247 (agosto) 1941. apresentou um caso com hemiplegia esquerda, oftalmoplegia direita, tremor intencional à direita, bradipsiquismo e sonolência, constituindo um conjunto sindrômico complexo, impossível de ser catalogado em qualquer síndrome peduncular bem individualizada, sendo classificado de um modo geral como síndrome raesencefálica. Os exames do líquor e do sangue levantaram a suspeita de lues, confirmada pelos demais exames, que permitiram afastar definitivamente qualquer outra hipótese diagnostica. A necropsia mostrou uma goma sifilítica no pedúnculo cerebral direito, atingindo o pé, estendendo-se para cima e para a linha mediana, alcançando parte do núcleo rubro. Kolisch16 16 . Loc. cit. 7, pg. 392. relata o caso de uma criança de 8 anos que, em seguida a um traumatismo, apresentou paralisia parcial de ambos os nervos oculomotores, hemicoréa e hemi-paresia à esquerda. Pela necropsia, foi encontrado no pedúnculo cerebral direito um tubérculo que ocupava o território do núcleo rubro e do lemnisco, estendendo-se do aqueduto de Sylvius ao locus niger. Os traumatismos são também freqüentes agentes etiológicos de síndromes pedunculares. Bychowski17 17 . Loc. cit. 7, pg. 402. relata o caso de uma moça que, após uma queda, apresentou ptose palpebral direita e, um mês mais tarde, tremor da mão esquerda que se manifestava sobretudo na execução de movimentos voluntários.

Os dados clínicos e os revelados pelos exames complementares, apresentados pelo nosso paciente, mostram que as hipóteses etiológicas mais prováveis são a encefalítica e a vascular, pois outros fatores podem ser excluídos. O início súbito da moléstia, que se deu após o paciente ter apanhado forte chuva determinando possível baixa da resistência geral, a evolução relativamente lenta dos sintomas, a limitação do processo aos núcleos da substância cinzenta pelos quais os vírus neurotrópicos manifestam muitas vezes acentuada predileção, a hiperglicorraquia e a negatividade das reações sorológicas para a lues, são fatores que fazem preferir a hipótese etiológica infecciosa. Todavia, a limitação do processo ao território da artéria paramediana esquerda, o início súbito, a ausência de febre ou hipersônia não nos permitem afastar definitivamente a hipótese vascular, enbora o paciente não apresente alterações do aparelho circulatório.

Av. Celso Garcia, 3965 - São Paulo

Trabalho apresentado à Secção de Neuro-Psiquiatria da Associação Paulista de Medicina em 19 março 1946; entregue para publicação em 6 setembro 1946.

  • Síndrome de Benedikt

    Wilson Brotto
  • 1
    . Tolosa, A. e Venturi, V. - A propósito da síndrome de Weber de origem luética. Rev. Neurol, e Psiquiat. S. Paulo,
    5: 1, 1939.
  • 2
    . Caetano da Silva Jr., J. A. - Hemiplegia alterna tipo Weber sem lesão peduncular. Arq. Neuro-Psiquiat. (S. Paulo),
    4: 118 (junho) 1946.
  • 4:
    3. Souques, Crouzon e Bertrand - Revision du syndrome de Benedikt à propos de l'autopsie d'un cas de ce syndrome. Forme tremo-choréo-athétoide et hypertonique du syndrome de noyau rouge. Rev. Neurol., tomo II, 337 (outubro) 1930.
  • 3
    4. Loc. cit., pg. 389.
  • 5
    . Loc. cit.
    3, pg. 393.
  • 6
    . Loc. cit.
    3, pg. 395.
  • 7
    . Tetriakoff, C. e Pacheco e Silva, A. C. - Uma forma particular de síndrome peduncular alterna. Mem. Hospício de Juqueri (S. Paulo),
    1: 101, 1924.
  • 8
    . Loe. cit.
    8, pg. 398.
  • 9
    . Marques, Aluizio - Das síndromes alternas do núcleo vermelho. O Hospital (Rio de Janeiro),
    23: 487 (abril) 1943.
  • 10
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  • 15
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  • 16
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  • 17
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Fev 2015
    • Data do Fascículo
      Dez 1946
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