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Polimiosite associada a infecção por HTLV-I: relato de caso

Polymyositis and HTLV-I infection: case report

Resumos

Apresentamos o caso de mulher com 57 anos de idade apresentando polimiosite, associada a infecção pelo HTLV-I, sem manifestações clínicas de acomentimento do sistema nervoso central e periférico. Fazemos alguns comentários sobre os aspectos fisiopatológicos do envolvimento muscular nas infecções pelo HTLV-I.

polimiosite; HTLV-I


We report the case of a 57 years-old woman presenting polymyositis associated to HTLV-I infection without clinical signs of involvement of the central and peripheral nervous system. Pathophysiologic aspects of muscular involvement in HTLV-I infection are discussed.

polymyositis; HTLV-I infection


POLIMIOSITE ASSOCIADA A INFECÇÃO POR HTLV-I

RELATO DE CASO

HÉLIO ARAÚJO OLIVEIRA* * Estudo realizado no Hospital Universitário da Universidade Federal de Sergipe (UFS); Professor Adjunto; ** Professor Auxiliar do Departamento de Medicina, CCBS-UFS. Aceite: 3-junho-2000. , JOSÉ CAETANO MACIEIRA** * Estudo realizado no Hospital Universitário da Universidade Federal de Sergipe (UFS); Professor Adjunto; ** Professor Auxiliar do Departamento de Medicina, CCBS-UFS. Aceite: 3-junho-2000. , RICARDO FAKHOURI** * Estudo realizado no Hospital Universitário da Universidade Federal de Sergipe (UFS); Professor Adjunto; ** Professor Auxiliar do Departamento de Medicina, CCBS-UFS. Aceite: 3-junho-2000.

RESUMO - Apresentamos o caso de mulher com 57 anos de idade apresentando polimiosite, associada a infecção pelo HTLV-I, sem manifestações clínicas de acomentimento do sistema nervoso central e periférico. Fazemos alguns comentários sobre os aspectos fisiopatológicos do envolvimento muscular nas infecções pelo HTLV-I.

PALAVRAS-CHAVE: polimiosite, HTLV-I.

Polymyositis and HTLV-I infection: case report

ABSTRACT - We report the case of a 57 years-old woman presenting polymyositis associated to HTLV-I infection without clinical signs of involvement of the central and peripheral nervous system. Pathophysiologic aspects of muscular involvement in HTLV-I infection are discussed.

KEY WORDS: polymyositis, HTLV-I infection.

O HTLV-I (human T-cell lymphoma virus type I) é um retrovirus etiologicamente associado à leucemia de células-T do adulto (LTA), paraparesia espástica tropical/mielopatia associada a HTLV-I (PET/MAH) e a manifestações clínicas de envolvimento de outros órgãos e sistemas, inclusive o músculo, levando ao aparecimento de polimiosite (PM)1. A associação entre PM e infecção pelo HTLV-I tem sido descrita; na Jamaica 85% dos pacientes portadores de PM são HTLV-I positivos2; no Japão, onde 16% da população é positiva para HTLV-I, a incidência de PM em soro-positivos é superior a 30%3. Geralmente as alterações musculares estão associadas a manifestações clínicas de envolvimento do sistema nervoso central ou periférico4. A literatura tem demonstrado que o envolvimento muscular isolado em pacientes infectados pelo HTLV-I tem sido pouco frequente e para alguns constitui uma raridade5. Este estudo tem como objetivo a apresentação de um caso de PM em paciente HTLV-I positivo, sem sintomatologia de comprometimento do sistema nervoso central (PET/MAH) e periférico.

CASO

ECN, 57 anos, feminina, de cor preta, Reg. HU ¾164.600, internada com história iniciada há 5 anos com lombalgia sem características definidas, seguida de dificuldade moderada para deambular, às custas de limitação da amplitude dos movimentos dos membros inferiores. As dificuldades referidas tiveram caráter progressivo e dez meses após encontrava-se com limitação também nos membros superiores principalmente quando elevava os braços. Com a progressão do quadro, passou a deambular com ajuda e quando sentada tinha dificuldade para levantar-se. Com a evolução da enfermidade notou o surgimento de deformidades no corpo, às custas dos quadris e dos membros superiores quando deambulava. Era tabagista inveterada; teve vida sexual ativa com vários parceiros, sete gestações a termo e quatro abortos provocados. O exame clínico mostrou estado geral satisfatório, e que estava alerta, lúcida e orientada; aparelhos e sistemas sem alteração. Na posição ortoestática apresentava hiperlordose lombar com deslocamento dos membros superiores para frente que se acentuava quando deambulava. Dificuldade acentuada de passar da posição sentada para posição ortostática e quando sentada no solo, ao levantar-se apresentava o levantar miopático (sinal de Gowers). A marcha era parética às custas de fraqueza muscular proximal nos membros inferiores. A inspeção da musculatura esquelética, não constatamos a presença de fasciculação, mas havia atrofia muscular localizada nas cinturas escapular e pélvica. Hipotonia estava presente nos quatro membros, sendo preferencialmente proximal. Os reflexos profundos e a força muscular proximal estavam diminuídos nos quatro membros. Não havia alteração da sensibilidade. Foram realizados os seguintes exames: hemograma completo, bioquímica e sumário de urina normais; CPK 530 UI/l; ELISA (2 testes) para HTLV-I/II positivo; Western Blot para HTLV-I/II reagente para HTLV-I; pesquisa de HIV negativa. RX de tórax e ECG normais; RNM da medula cervical e torácica teve resultado normal.

ENMG: O estudo da condução motora não mostrou alterações das latências e das amplitudes dos potenciais de ação, estando preservada a velocidade de condução motora nos nervos estudados. O nervo peroneal direito apresentou redução das amplitudes dos potenciais de ação obtidos, porém não foi obtido em estimulação supra-máxima. O estudo de condução sensitiva não mostrou alterações nos nervos surais. Ondas-F obtidas nos nervos tibiais apresentaram latências normais. Reflexo-H (S1-S2) apresentando latências e amplitudes normais. Eletromiografia quantitativa demonstrando predomínio de potenciais de ação com durações e amplitudes bastante reduzidas (miopáticos) nos músculos vasto medial e deltóide direitos, durante o esforço. Redução da amplitude média dos potenciais de ação em todos os músculos estudados. Aumento do número de potenciais polifásicos nos músculos vasto medial, tibial anterior e primeiro interósseo esquerdo. Ao esforço máximo, presença de padrão de recrutamento incompleto nos músculos vasto medial e tibial anterior direitos. Em repouso, silêncio elétrico em todos os músculos estudados. Conclusão: presença de quadro miopático, predominando nos músculos proximais (Polimiosite).

Biópsia do músculo supra-espinhoso direito realizada sob anestesia local, com fixação do músculo antes do processamento histológico (inclusão em parafina, coloração HE), mostrando músculo estriado esquelético exibindo perimísio infiltrado difusamente por células inflamatórias mononucleares, predominando linfócitos de moderada a grande intensidade; alguns fascículos musculares estão sendo agredidos pelo processo inflamatório, mostrando atrofia dos feixes celulares, com hialinização do citoplasma e desaparecimento ou diminuição do número de núcleos, revelando miosite crônica intensa (Fig 1).


Foi iniciada terapêutica com 60 mg de prednisona, com resposta satisfatória no primeiro mês; atualmente a paciente apresenta qualidade de vida regular: deambula sem ajuda mas apresenta diminuição da força muscular proximal; utiliza 10 mg de prednisona como dose de manutenção.

DISCUSSÃO

As formas clínicas da infecção pelo HTLV-I já são bastantes conhecidas. O envolvimento do SNC é a forma mais estudada6, com critérios bem definidos para o diagnóstico de PET/MAH7. Como estas formas clínicas têm se apresentado com polimorfismo evidente, atualmente a infecção pelo HTLV-I tem sido considerada como de envolvimento sistêmico. A associação entre PM e infecção pelo HTLV-I tem sido estudada4,8-11, podendo estar associada ou não a manifestações de envolvimento do SNC. Quando se trata de manifestação isolada a incidência é baixa, sendo considerada uma raridade e poucos casos foram descritos2,5.

O estudo da associação entre PM e infecção pelo HTLV-I, sem manifestação neurológica, tem permitido a vários autores a investigação dos mecanismos pelos quais o vírus desencadeia o processo inflamatório muscular. Já foi constatada a ocorrência de predominância de linfócitos CD8 no endomísio, com macrófagos e linfócitos CD4 no infiltrado que circunda as fibras musculares sadias comprometendo o MHC-I ( major histocompatibility complex class I)12; como também já foi verificado que o vírus não penetra nas fibras musculares e sim nos macrófagos endomisiais, não sendo observada a presença de antígenos HTLV-I em pacientes portadores de PM12. Estes achados dão conta de que a PM associada a infecção pelo HTLV-I não decorre de comprometimento direto da fibra muscular pelo vírus; os miotubos são resistentes à infecção, mas devido a um processo imunopatológico restrito desencadeado pela liberação de citocinas (interferon, TNF-alfa) e interleucinas-2, as quais interferem no MHC-I, proporcionando reconhecimento estranho das células T e produzindo resposta autoimune anormal12,13. Este mecanismo também está presente em outras doenças imunomediadas associadas a infecção pelo HTLV-I, como a mielopatia, polineurite e a sindrome de Sjögren12. Nos pacientes estudados com a presença de PM e sinais de envolvimento do SNC, o diagnóstico foi dado através da associação de sinais e sintomas de PET/MAH, com achados clínicos de envolvimento muscular, aumento até duas vezes da CPK, dados eletromiográficos compatíveis e a biopsia muscular revelando o processo inflamatório e o diagnóstico confirmado por ELISA e Western-Blot para HTLV-I. Nos pacientes em que não existe associação do quadro de PM e manifestações de envolvimento do SNC, o diagnóstico pode ser considerado através da cronicidade do acometimento muscular e de alguns dados epidemiológicos.

O caso apresentado é de uma paciente com quadro de PM sem sintomatologia de envolvimento do SNC, infectada pelo HTLV-I. Os sinais clínicos de cronicidade da lesão muscular, sem etiologia definida, somados a indícios de promiscuidade sexual, nos levaram a pensar na possibilidade de associação com infecção pelo HTLV-I, com confirmação laboratorial posterior.

Agradecimentos - Os autores agradecem ao Dr. Joaquim Machado (Laboratório LAMAC) pela realização dos exames laboratoriais e ao Dr. Eduardo Aquino pela realização do exame eletroneuromiográfico.

Dr. Hélio Araújo Oliveira - Rua Reginaldo Passos Pina 261 - 49040-000 Aracaju SE - Brasil.

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  • *
    Estudo realizado no Hospital Universitário da Universidade Federal de Sergipe (UFS);
    Professor Adjunto;
    **
    Professor Auxiliar do Departamento de Medicina, CCBS-UFS. Aceite: 3-junho-2000.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Dez 2000
    • Data do Fascículo
      Set 2000

    Histórico

    • Aceito
      03 Jun 2000
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