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Holoprosencefalia: análise do seu espectro morfológico em doze casos de autópsia

Holoprosencephaly: morphological aspects of twelve cases of autopsy

Resumos

O termo holoprosencefalia (HPC) é usado para o complexo de deformidades hemisféricas causadas por falha no desenvolvimento da vesícula prosencefálica. Este estudo tem como objetivo relatar o espectro morfológico de 12 casos de HPC, classificá-los e compará-los com a literatura pertinente. Avaliadas 5837 necrópsias realizadas entre 1960 e 1995, 12 apresentavam HPC. Dados como sexo, idade, e presenças de outras malformações associadas foram avaliados e comparados com as demais malformações e com o total de necrópsias. A maioria dos casos era de masculinos (66,66%) e neomortos (75%). A forma de HPC mais frequentemente encontrada foi a lobar (58,3%) e a alteração facial mais frequente foi a ciclopia (25%). Houve tendência estatística de que a HPC possa, dentro das malformações do sistema nervo central (SNC), acometer mais o sexo masculino e de que a neomortalidade seja maior na HPC do que nas outras malformações do SNC.

holoprosencefalia; malformações cerebrais; necrópsia


The term holoprosencephaly (HPC) is used to indicate the group of hemispheric deformities caused by a failure in the development of the prosencephalic vesicle. The purpose of this study is to explain the morphologic specter of twelve cases of HPC, qualify them, and compare them to the literature. It was evaluated 5837 pediatrics necropsies, and there were 12 cases of HPC. Data like gender, age and the presence of another associated malformations were evaluated and compared to another malformations and to the total number of necropsies. The majority of the cases was male (66.66%), and stillborns (75%). The most frequently type of HPC found was the lobar type (58.3%), and the most frequently type of facial alteration was the ciclopy (25%). There is a statistic tendency to HPC affect the male sex, in comparison with other neurologic malformations. Besides, the stillborns are more frequently observed in HPC than in other neurologic malformations.

holoprosencephaly; autopsy; nervous system malformations


HOLOPROSENCEFALIA

Análise do seu espectro morfológico em doze casos de autópsia

Lúcia de Noronha1 1 Unidade de Patologia Pediátrica e Perinatal (UPPP) do Serviço de Anatomia Patológica (SAP) do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (HC-UFPR) e Laboratório de Patologia Experimental da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), Curitiba PR, Brasil: Professora Assistente da PUC-PR, Mestre em Patologia; 2 Acadêmico de Medicina da PUC-PR; 3 Acadêmica de Medicina da UFPR; 4 Professor Assistente do Departamento de Patologia Médica da UFPR; 5 Professora Convidada do Departamento de Patologia Médica da UFPR; 6 Professor Adjunto da PUC-PR. , Ramon Coral Ghanem2 1 Unidade de Patologia Pediátrica e Perinatal (UPPP) do Serviço de Anatomia Patológica (SAP) do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (HC-UFPR) e Laboratório de Patologia Experimental da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), Curitiba PR, Brasil: Professora Assistente da PUC-PR, Mestre em Patologia; 2 Acadêmico de Medicina da PUC-PR; 3 Acadêmica de Medicina da UFPR; 4 Professor Assistente do Departamento de Patologia Médica da UFPR; 5 Professora Convidada do Departamento de Patologia Médica da UFPR; 6 Professor Adjunto da PUC-PR. , Fabíola Medeiros3 1 Unidade de Patologia Pediátrica e Perinatal (UPPP) do Serviço de Anatomia Patológica (SAP) do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (HC-UFPR) e Laboratório de Patologia Experimental da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), Curitiba PR, Brasil: Professora Assistente da PUC-PR, Mestre em Patologia; 2 Acadêmico de Medicina da PUC-PR; 3 Acadêmica de Medicina da UFPR; 4 Professor Assistente do Departamento de Patologia Médica da UFPR; 5 Professora Convidada do Departamento de Patologia Médica da UFPR; 6 Professor Adjunto da PUC-PR. , José Knopfholz2 1 Unidade de Patologia Pediátrica e Perinatal (UPPP) do Serviço de Anatomia Patológica (SAP) do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (HC-UFPR) e Laboratório de Patologia Experimental da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), Curitiba PR, Brasil: Professora Assistente da PUC-PR, Mestre em Patologia; 2 Acadêmico de Medicina da PUC-PR; 3 Acadêmica de Medicina da UFPR; 4 Professor Assistente do Departamento de Patologia Médica da UFPR; 5 Professora Convidada do Departamento de Patologia Médica da UFPR; 6 Professor Adjunto da PUC-PR. , Tiago Augusto Magalhães2 1 Unidade de Patologia Pediátrica e Perinatal (UPPP) do Serviço de Anatomia Patológica (SAP) do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (HC-UFPR) e Laboratório de Patologia Experimental da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), Curitiba PR, Brasil: Professora Assistente da PUC-PR, Mestre em Patologia; 2 Acadêmico de Medicina da PUC-PR; 3 Acadêmica de Medicina da UFPR; 4 Professor Assistente do Departamento de Patologia Médica da UFPR; 5 Professora Convidada do Departamento de Patologia Médica da UFPR; 6 Professor Adjunto da PUC-PR. , Gilberto Antunes Sampaio4 1 Unidade de Patologia Pediátrica e Perinatal (UPPP) do Serviço de Anatomia Patológica (SAP) do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (HC-UFPR) e Laboratório de Patologia Experimental da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), Curitiba PR, Brasil: Professora Assistente da PUC-PR, Mestre em Patologia; 2 Acadêmico de Medicina da PUC-PR; 3 Acadêmica de Medicina da UFPR; 4 Professor Assistente do Departamento de Patologia Médica da UFPR; 5 Professora Convidada do Departamento de Patologia Médica da UFPR; 6 Professor Adjunto da PUC-PR. , Maria José Serapião5 1 Unidade de Patologia Pediátrica e Perinatal (UPPP) do Serviço de Anatomia Patológica (SAP) do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (HC-UFPR) e Laboratório de Patologia Experimental da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), Curitiba PR, Brasil: Professora Assistente da PUC-PR, Mestre em Patologia; 2 Acadêmico de Medicina da PUC-PR; 3 Acadêmica de Medicina da UFPR; 4 Professor Assistente do Departamento de Patologia Médica da UFPR; 5 Professora Convidada do Departamento de Patologia Médica da UFPR; 6 Professor Adjunto da PUC-PR. , Luiz Fernando Bleggi Torres6 1 Unidade de Patologia Pediátrica e Perinatal (UPPP) do Serviço de Anatomia Patológica (SAP) do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (HC-UFPR) e Laboratório de Patologia Experimental da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), Curitiba PR, Brasil: Professora Assistente da PUC-PR, Mestre em Patologia; 2 Acadêmico de Medicina da PUC-PR; 3 Acadêmica de Medicina da UFPR; 4 Professor Assistente do Departamento de Patologia Médica da UFPR; 5 Professora Convidada do Departamento de Patologia Médica da UFPR; 6 Professor Adjunto da PUC-PR.

RESUMO - O termo holoprosencefalia (HPC) é usado para o complexo de deformidades hemisféricas causadas por falha no desenvolvimento da vesícula prosencefálica. Este estudo tem como objetivo relatar o espectro morfológico de 12 casos de HPC, classificá-los e compará-los com a literatura pertinente. Avaliadas 5837 necrópsias realizadas entre 1960 e 1995, 12 apresentavam HPC. Dados como sexo, idade, e presenças de outras malformações associadas foram avaliados e comparados com as demais malformações e com o total de necrópsias. A maioria dos casos era de masculinos (66,66%) e neomortos (75%). A forma de HPC mais frequentemente encontrada foi a lobar (58,3%) e a alteração facial mais frequente foi a ciclopia (25%). Houve tendência estatística de que a HPC possa, dentro das malformações do sistema nervo central (SNC), acometer mais o sexo masculino e de que a neomortalidade seja maior na HPC do que nas outras malformações do SNC.

PALAVRAS-CHAVE: holoprosencefalia, malformações cerebrais, necrópsia.

Holoprosencephaly: morphological aspects of twelve cases of autopsy

ABSTRACT - The term holoprosencephaly (HPC) is used to indicate the group of hemispheric deformities caused by a failure in the development of the prosencephalic vesicle. The purpose of this study is to explain the morphologic specter of twelve cases of HPC, qualify them, and compare them to the literature. It was evaluated 5837 pediatrics necropsies, and there were 12 cases of HPC. Data like gender, age and the presence of another associated malformations were evaluated and compared to another malformations and to the total number of necropsies. The majority of the cases was male (66.66%), and stillborns (75%). The most frequently type of HPC found was the lobar type (58.3%), and the most frequently type of facial alteration was the ciclopy (25%). There is a statistic tendency to HPC affect the male sex, in comparison with other neurologic malformations. Besides, the stillborns are more frequently observed in HPC than in other neurologic malformations.

KEY WORDS: holoprosencephaly, autopsy, nervous system malformations.

O termo holoprosencefalia (HPC) é usado para o complexo de deformidades hemisféricas causadas por falha no desenvolvimento da vesícula prosencefálica. A vesícula prosencefálica é a parte mais cranial do tubo neural. Ela se divide sagitalmente dando origem, bilateralmente, em torno da quinta semana de gestação às vesículas telencefálicas que formarão os dois hemisférios cerebrais. Também se divide transversalmente originando o telencéfalo e diencéfalo, e horizontalmente originando os bulbos olfatórios e vesículas ópticas1. Conforme o grau de severidade dessas várias falhas, a HPC pode sofrer as seguintes gradações: alobar, semilobar, lobar e arrinencefalia isolada2,3. Agenesia dos bulbos e dos tractos olfatórios são achados frequentemente associados à holoprosencefalia1,4,5, mas podem ocorrer como malformação isolada ou estar presente em outras síndromes1,5. Frequentemente encontram-se, também, anormalidades faciais, assim como, ciclopia, cebocefalia, etmocefalia, fenda facial mediana e hipo ou hipertelorismo ocular5-8.

A incidência da HPC é variável, estima-se um valor entre 1/160004,9 e 1/5300010 nascidos vivos. É 200 vezes mais frequente em crianças de mães diabéticas5,6. É geralmente esporádica, entretanto, está frequentemente associada a aberrações dos cromossomos 13 e 18 e triploidias1,3,4,7. Por outro lado, a ocorrência de holoprosencefalia em condições autossômicas recessivas e ligadas ao sexo está bem estabelecida1,3,4,7. O prognóstico varia de acordo com o tipo de malformação4,5. Em alguns raros casos menos severos, com cérebros bem desenvolvidos, pode-se esperar uma expectativa de vida próxima do normal11.

Atualmente, vários estudos têm procurado identificar as alterações genéticas e outros fatores envolvidos na gênese dessa malformação; entretanto, a heterogenicidade etiológica vem dificultando essa investigação. A investigação ultrassonográfica de fetos, realizada sistematicamente ou na presença de oligo/poli-hidrâmnios ou retardo no crescimento intra-uterino podem levar ao diagnostico pré-natal das holoprosencefalias3,4,12.

Este estudo tem como objetivo relatar o espectro morfológico de 12 casos de holoprosencefalia, classificá-los e compará-los com a literatura pertinente.

MÉTODO

Realizaram-se, entre os anos de 1960 e 1995, 5837 necrópsias perinatais e pediátricas, tendo sido verificados 1202 casos (20,59%) de malformações em geral. As 157 malformações do sistema nervoso central (SNC) representaram 13,06% das malformações geraise estiveram presentes em 2,69% do total de necrópsias estudadas13. As necrópsias foram avaliadas e parâmetros como sexo, idade, e presença de outras malformações associadas foram compilados em planilha. A presença de síndrome específica ou simples associação ao acaso foram pesquisadas nos casos selecionados e as HPC foram classificadas conforme os critérios de DeMyer e Zeman2,3 (Tabelas 1 e 2).

Os casos foram subdivididos em grupos etários: natimortos (NM=óbito intra-uterino), neomortos (NE= óbito até 28 dias), lactentes (L=óbito até 11 meses), pré-escolares (PE=óbito até os 6 anos) e escolares (E=óbito até os 14 anos)14. A idade ou tempo de vida foi anotada em horas, dias, meses ou anos conforme o grupo etário, sendo que os natimortos apresentam somente idade gestacional dada em semanas já que o seu tempo de vida é igual a zero. As idades gestacionais dos natimortos e neomortos foram calculadas baseadas em dados ecográficos e medidas antropométricas.

Para análise estatística, os dados deste estudo foram divididos em quatro níveis: 1)total de necrópsias (n=5837); 2)total de malformações gerais (n=1202); 3)total de malformações do SNC (n=157); 4)total de casos de HPC (n=12). Utilizou-se o teste do qui-quadrado com nível de significância de 5% para se verificar se dados como sexo e mortalidade em determinada faixa etária se mantinham proporcionais ao longo dos níveis citados ou sofriam alguma alteração quando se tratava de HPC.

RESULTADOS

A prevalência de HPC entre todos os casos de necrópsias pediátricas e perinatais deste estudo (n = 5837) foi 0,21% e a prevalência de casos de HPC entre todas as malformações (n = 1202) foi aproximadamente 1,00%. Se considerarmos apenas os casos de malformações do SNC (n = 157) esta prevalência foi 7,64%.

Dentre os 12 casos estudados, 8 (66,66%) eram do sexo masculino, 3 (25%) do sexo feminino e um caso (8,33%) de hermafroditismo verdadeiro (intersexo). Na Tabela 3, nota-se predominância discreta do sexo masculino em três níveis estudados, com predomínio do sexo feminino entre as malformações do SNC. Comparados ambos os sexos no total de necrópsias com o total de malformações em geral encontrou-se p=0,508. Quando comparados os 1199 casos de malformações em geral com os 156 casos de malformações do SNC encontrou-se p=0,047. Relacionando-se os casos de malformações do SNC com os casos de HPC obteve-se p=0,158.

Com relação aos grupos etários, observou-se em todos os grupos estudados uma prevalência de NE. Esta prevalência acentua-se significativamente quando se leva em conta a densidade (número de casos / intervalo de tempo), como é demonstrado na Tabela 4. Quando se verifica a faixa etária dos casos de HPC percebe-se que há maioria de neomortos, não havendo natimortos, pré-escolares e escolares. Dentre os 9 neomortos, 7 eram de termo com tempo de vida médio de 205,85 minutos e 2 eram pré-termo com tempo de vida de 360,5 minutos (p=0,324).

Na análise estatística observou-se uma quantidade menor de óbitos intra-uterinos nas malformações do SNC quando comparadas às malformações em geral (p=0,00321). Quanto aos casos de HPC comparados com as malformações do SNC em geral houve número nulo de óbitos intra-útero (p=0,1613). Desta forma, há tendência estatística de que a neomortalidade seja maior na HPC do que nas outras malformações do SNC (p=0,1207).

Quanto à forma de apresentação, a mais frequente foi a forma lobar, presente em 58,3%(n=7) dos casos. As formas semilobar e alobar estiveram ambas presentes em 16,7% (n=2) dos casos. Houve um caso de arrinencefalia isolada (8,3%).

As alterações faciais estão demonstradas na Figura 1. Quanto às malformações associadas observamos que 25% dos casos apresentaram anormalidades que em conjunto representavam uma síndrome específica ou cromossomopatia, a HPC fazendo parte do espectro deste fenótipo. Havia dois casos de trissomia do 13 (16,7%) e um caso trissomia do 18 (8,3%). Outras malformações congênitas de diversos órgãos ou sistemas foram encontradas associadas com as HPC porém sem caracterizar um fenótipo sindrômico, parecendo se tratar de puro acaso ou formas frustras de alterações cromossomiais. Estas malformações são demonstradas na Tabela 5.


As figuras 2, 3 e 4 ilustram nossos achados.




DISCUSSÃO

A prevalência de HPC foi 7,64% dentre as malformações do SNC, o que representou 1,00% de todos os malformados e 0,21% de todas as necrópsias perinatais e pediátricas realizadas no HC/UFPR entre os anos de 1960 e 1995. Matsunaga et al. (citados por Chervenak et al.4) encontraram, em 1977, em estudo epidemiológico de 150 embriões com HPC, incidência de 1:250 abortos espontâneos (0,4%). Dentre nascidos vivos calcula-se uma incidência entre 1/160004,9 e 1/5300010 (0,006 e 0,002%).

Pelo estudo estatístico, concluiu-se que dentre as 5830 necrópsias estudadas o fato de ter ou não uma malformação independe do sexo da criança, ou seja, os casos de malformação se distribuem de forma proporcional segundo o sexo (p=0,5058). Assim como existem mais crianças do sexo masculino no todo, isto também ocorre entre os malformados. Entretanto, se compararmos os 1199 casos de malformações gerais com os casos de malformações do SNC (n=157), observamos neste último maior prevalência do sexo feminino, havendo diferença estatisticamente significativa (p=0,047). Este valor de "p" indica uma tendência das malformações do SNC ocorrerem no sexo feminino. A explicação para este fato se dá quando se verifica que defeito do tubo neural, malformação do SNC mais frequente, é mais prevalente no sexo feminino13. Em nossa amostra a predominância foi do sexo masculino (2,67:1). Isso sugere uma tendência estatística de que a HPC possa, dentro das malformações do SNC, acometer mais o sexo masculino. Observou-se, entretanto, que os casos de malformação do SNC quando comparados aos de HPC não demonstram diferença estatística quanto ao sexo da criança (p= 0,157), talvez pelo reduzido número de casos de HPC encontrados nessa amostra. Roach et al.9 encontraram uma predominância do sexo feminino na proporção de 3:1, praticamente uma inversão de valores. Alguns autores, entretanto, acreditam que não há preferência entre os sexos1, enquanto outros defendem que a incidência varia, não podendo ser bem determinada15.

O tempo de vida foi inversamente proporcional à severidade das malformações. Assim, os NE com a forma alobar e semilobar tiveram tempo de vida médio de 19,5 horas. Já os NE e L que possuíam a forma lobar, de pequena gravidade, viveram em média 76,5 dias, variando de 30 minutos a 11 meses. Os neomortos a termo tiveram estatisticamente o mesmo tempo de vida que os pré-termo, não parecendo interferir a idade gestacional na sobrevida dos portadores de HPC, desde que compatível com a vida.

A observação da Tabela 4, associada ao estudo estatístico, demonstra que as malformações do SNC levam menos a óbito intra-uterino que as malformações em geral. Por isto, ocorreram mais casos de neomortos e lactentes entre os casos com malformações do SNC. As tendências estatísticas levam a crer que, se houvesse amostra maior, seria possível constatar que a HPC modificaria o período em que o óbito vai ocorrer, quando comparado às demais malformações do SNC. Isto sugere que a HPC tende a determinar mais o óbito no período pós-natal imediato que as outras malformações neurológicas.

A forma de HPC mais frequentemente encontrada foi a lobar (58,3%), seguida pela forma alobar (16,7%), semilobar (16,7%) e arrinencefalia isolada (8,3%). Parant et al. encontraram dentre 12 casos de HPC, 11 (91%) da forma alobar e apenas um semilobar12. Em outro estudo5, dentre 6 casos de HPC, foram encontrados dois alobares, três semilobares e um lobar. Pode-se perceber uma grande variabilidade nos resultados, o que se credita às pequenas amostras relatadas na literatura devido à raridade desta malformação ou a eventuais associações com outras sindromes.

A ciclopia, alteração facial mais severa, foi a mais frequente, seguida pela anomalia grau V. A etmocefalia, a anormalidade facial menos comum foi vista em apenas um caso (8,3%).

Um caso apresentava implantação baixa das orelhas e microoftalmia que, não podendo ser classificado, foi considerado um caso transicional entre as formas menos severas de alterações faciais.

Segundo DeMyer et al.8, as alterações faciais e craniais encontradas nos casos de holoprosencefalia são geralmente proporcionais àquelas encontradas no cérebro. Assim, quanto mais graves as alterações faciais presentes, maior a probabilidade de que a HPC seja alobar, com baixas perspectivas de vida, sendo importante indicador prognóstico. Entretanto, neste estudo, esta correlação só foi verdadeira em 75% dos casos, o que coincide com outro estudo onde encontrou-se 80% de correlação11.

Cerca de 25% dos casos apresentaram cromossomopatias, sendo dois casos de trissomia do 13 (16,7%) e um caso trissomia do 18 (8,3%). Aproximadamente metade dos pacientes não apresenta alterações cromossômicas, entretanto é frequente a presença de trissomia do 13 em pacientes com HPC associada a múltiplas malformações viscerais1. As anormalidades cromossômicas estão frequentemente ausentes quando a HPC é a única malformação8, mas na presença de comprometimento multissistêmico, estas são frequentes, embora haja exceções5,8.

Quanto a outras malformações não relacionadas a cromossomopatias, as alterações renais e adrenais foram muito frequentes nessa amostra. As mais frequentes foram a hipoplasia adrenal, presente em 44,4% dos casos e a displasia renal cística, presente em 22,2% dos casos. Muitos autores relataram a presença de hipoplasia adrenal e tireoideana nesses pacientes1,5. Existem registros na literatura sobre associação de HPC com anoftalmia, pés tortos, hidrocefalia, defeitos diafragmáticos, onfalocele, malformações de fígado, vagina, hipófise, coração, além de outras 5,6,15. Neste estudo, as formas mais graves de HPC estiveram acompanhadas de outras malformações.

A riqueza de variações associadas à falta de informações sobre o assunto tornam a HPC diagnóstico muitas vezes pouco cogitado, embora esta doença seja relativamente prevalente dentro das malformações de SNC.

Recebido 16 Março 2001, recebido na forma final 1 Agosto 2001. Aceito 6 Agosto 2001.

Dr. Lúcia de Noronha - Centro de Ciências Biológicas e da Saúde - Disciplina de Patologia, PUC-PR - Rua Imaculada Conceição 1155 - 80215-901 Curitiba PR - Brasil.

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    Unidade de Patologia Pediátrica e Perinatal (UPPP) do Serviço de Anatomia Patológica (SAP) do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (HC-UFPR) e Laboratório de Patologia Experimental da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), Curitiba PR, Brasil:
    Professora Assistente da PUC-PR, Mestre em Patologia;
    2
    Acadêmico de Medicina da PUC-PR;
    3
    Acadêmica de Medicina da UFPR;
    4
    Professor Assistente do Departamento de Patologia Médica da UFPR;
    5
    Professora Convidada do Departamento de Patologia Médica da UFPR;
    6
    Professor Adjunto da PUC-PR.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Nov 2001
    • Data do Fascículo
      Dez 2001

    Histórico

    • Revisado
      01 Ago 2001
    • Recebido
      16 Mar 2001
    • Aceito
      06 Ago 2001
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