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Aspergilose cerebral em paciente imunocompetente

Cerebral Aspergillus abscess in immunocompetent patient

Resumos

Descrevemos um caso raro de aspergilose cerebral, como complicação de cirurgia para aneurisma cerebral, em paciente imunocompetente, e com sucesso no tratamento. A paciente, de 40 anos, havia sido submetida a craniotomia para clipagem de aneurisma da artéria pericalosa. Após cinco meses, no sitio cirúrgico, surgiram múltiplos abscessos por Aspergillus sp. Foram necessárias duas craniotomias para a retirada da massa fúngica e uso de anfotericina B. Após 14 anos de acompanhamento, a evolução mostra resolução da aspergilose, sem seqüela. O tratamento do abscesso cerebral por Aspergilus exige acompanhamento clínico contínuo, repetidas drenagens cirúrgicas intracranianas e o uso de anfotericina B no tratamento medicamentoso.

aspergilose; abscesso cerebral; micose oportunística


We report an unusual case of brain aspergillosis with multiple recurrent abscess in a 40 years-old immunocompetent woman, with good therapeutical outcome. The patient presented a subaracnoid hemorhage caused by a ruptured pericalosal artery aneurysm and was submitted to a craniotomy for aneurysm surgery. Five months later, she developed multiple Aspergillus cerebral abscess. Two craniotomies and amphotericin B became necessary during treatment. Fourteen years later, she is asymptomatic. Treatment of brain aspergillosis abscess implied the combination of both surgical and drug therapy with amphotericin B.

aspergillosis; brain abscess; opportunistic mycosis


Aspergilose cerebral em paciente imunocompetente

Cerebral Aspergillus abscess in immunocompetent patient

Geraldo Pianetti FilhoI; Enio Roberto Pietra PedrosoII; Alexandre Varela GiannettiIII; Rogério DarwichIV

Serviços de Neurocirurgia e Clínica Médica do Hospital das Clínicas (HC) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte MG, Brasil

IProfessor Adjunto do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da UFMG (FM), Neurocirurgião do HC

IIProfessor Titular do Departamento de Clínica Médica da FM

IIINeurocirurgião do HC

IVNeurologista

RESUMO

Descrevemos um caso raro de aspergilose cerebral, como complicação de cirurgia para aneurisma cerebral, em paciente imunocompetente, e com sucesso no tratamento. A paciente, de 40 anos, havia sido submetida a craniotomia para clipagem de aneurisma da artéria pericalosa. Após cinco meses, no sitio cirúrgico, surgiram múltiplos abscessos por Aspergillus sp. Foram necessárias duas craniotomias para a retirada da massa fúngica e uso de anfotericina B. Após 14 anos de acompanhamento, a evolução mostra resolução da aspergilose, sem seqüela. O tratamento do abscesso cerebral por Aspergilus exige acompanhamento clínico contínuo, repetidas drenagens cirúrgicas intracranianas e o uso de anfotericina B no tratamento medicamentoso.

Palavras-chave: aspergilose, abscesso cerebral, micose oportunística.

ABSTRACT

We report an unusual case of brain aspergillosis with multiple recurrent abscess in a 40 years-old immunocompetent woman, with good therapeutical outcome. The patient presented a subaracnoid hemorhage caused by a ruptured pericalosal artery aneurysm and was submitted to a craniotomy for aneurysm surgery. Five months later, she developed multiple Aspergillus cerebral abscess. Two craniotomies and amphotericin B became necessary during treatment. Fourteen years later, she is asymptomatic. Treatment of brain aspergillosis abscess implied the combination of both surgical and drug therapy with amphotericin B.

Key words: aspergillosis, brain abscess, opportunistic mycosis.

A aspergilose representa um espectro patológico determinado por espécies do gênero Aspergillus (fumigatus, flavus, niger, terreus, sudowi, ustus, versicolor, amstelodami, oryzae, candidus, restrictus, nidulans), que são os fungos mais comuns do planeta, presentes no solo, adubo, feno, cereais, vegetais e até em ambiente hospitalar. Penetram no organismo humano por várias vias, especialmente, inalatória e se alojam inicialmente, nos seios para-nasais1-3 e a seguir invade as vias aéreas inferiores. O pulmão é o órgão predominantemente envolvido. Os neutrófilos, macrófagos e monócitos são fundamentais para a sua destruição. O fungo, se for capaz de ultrapassar as defesas humanas, é angiotrópico, promovendo destruição vascular com infarto, necrose, trombose e hemorragia texturais. O acometimento de pessoas imunocompetentes caracteriza-se, principalmente, por reação de hipersensibilidade dirigida ao aparelho respiratório e envolvimento saprofítico de cavidades pulmonares (caverna). A sua capacidade de invasão de órgãos e tecidos (invasão pulmonar, abscesso cerebral, infecção disseminada) associa-se, usualmente, com imunossupressão de várias etiologias. O acometimento do sistema nervoso central (SNC) é muito grave, com 75% a 100% de morte, apesar do tratamento intensivo com anfotericina B (anfB)4,5. O diagnóstico é difícil, freqüentemente realizado à necropsia4-9. A preocupação com a aspergilose cerebral é assunto atual devido ao aumento de sua incidência nos últimos anos, em decorrência, principalmente, do maior uso de imunodepressores2,6,10-12, da disseminação do vírus da imunodeficiência humana (VIH) e da síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA)7. A invasão do SNC por Aspergillus sp. pode ocorrer pela via hematogênica, como manifestação da disseminação sistêmica, ou por contigüidade13, pelas estruturas contaminadas, principalmente pelos seios para-nasais e pela mastóide, após traumatismo crânio-encefálico, por punções lombares repetidas para tratamento intratecal com penicilina2 e ainda após manipulação neurocirúrgica10,14-16.

O primeiro caso de Aspergillus no SNC após uma neurocirurgia foi descrito em 197317. Este trabalho descreve caso semelhante, em que uma paciente evoluiu com abscessos frontais por Aspergillus sp, após o tratamento cirúrgico de um aneurisma intracraniano. A diferença deste caso está na higidez prévia à neurocirurgia, da paciente objeto deste relato, em que, apesar da reserva do prognóstico, obteve-se sucesso terapêutico com a combinação de cirurgia de drenagem e uso de anfB. Parece ser o primeiro caso descrito no Brasil de sucesso terapêutico na aspergilose do SNC após neurocirurgia.

CASO

Mulher de 40 anos, hígida até dezembro de 1989, quando apresentou cefaléia fronto-occipital de início súbito, seguida de fraqueza muscular nos membros à direita e perda momentânea da consciência. Foi atendida em serviço de urgência. Apresentava-se consciente, normotensa, com sinais de irritação meníngea e hemiparesia com predomínio crural à direita. A tomografia computadorizada do crânio (TC) revelou sangue na região frontal esquerda, o estudo angiográfico do sistema carotideano mostrou dilatação aneurismática na artéria pericalosa esquerda, na emergência da artéria calosa marginal. No décimo quarto dia após o sangramento, quando já estava recuperada da hemiparesia, foi submetida a craniotomia bifrontal com clipagem do aneurisma. O pós-operatório transcorreu sem anormalidades e recebeu alta em boas condições, sem lesões neurológicas. Cinco meses após voltou a apresentar, na região frontal, cefaléia intensa, e outros sinais inflamatórios. Nova TC revelou abscesso intimamente relacionado com o seio frontal, que havia sido aberto durante a cirurgia anteriormente realizada. Foi submetida a punção aspirativa transcutânea, com obtenção de secreção purulenta, que foi drenada. O exame direto, em lâmina, deste material, revelou hifas que a cultura identificou Aspergillus sp. (Fig 1). Foi medicada com fluconazol durante 40 dias com melhora da sintomatologia.


Manteve-se assintomática até cinco meses após a interrupção do anti-fúngico quando, de novo, voltou a ter cefaléia e edema frontais. Estava anósmica, com anemia normocrômica e velocidade de hemossedimentação elevada, leucócitos e plaquetas numericamente normais. A TC mostrou abscessos frontais (Fig 2). Foi submetida a craniotomia com drenagem dos abscessos, retirada de processo inflamatório e cicatricial aderido à dura-mater, curetagem e limpeza da cavidade do seio frontal. O estado anátomo-patológico do material curetado evidenciou presença de Aspergillus sp (Fig 3). A sorologia para o VIH era negativa. Foi iniciado o tratamento com anfB que provocou vômitos incoercíveis, o que exigiu sua suspensão. Voltou a receber fluconazol por 30 dias, obtendo alta, sem queixas, em boas condições clínicas. Em maio de 1991, 18 meses após o tratamento inicial do aneurisma, reapareceu a mesma sintomatologia de cefaléia e edema frontal, e a TC revelou, novamente, abscessos frontais múltiplos. Foi submetida a craniotomia com drenagem dos abscessos e administrada anfB, inicialmente em regime hospitalar e depois ambulatorial.



Após as primeiras doses de anfB surgiram convulsões generalizadas, que foram tratadas com fenitoína. No quarto mês de tratamento apresentou acidemia e hipopotassemia grave (1 mEq/L), sem elevação das escórias nitrogenadas, que foram corrigidas, sem suspensão da anfB. A dose acumulativa total da anfB chegou a 4800 mg, em 10 meses de tratamento, interrompida em março de 1992, com recuperação plena do estado geral e da anemia, tendo desenvolvido discreta euforia. As TC realizadas até dois anos após o tratamento não mostraram sinais de recidiva. O último controle, feito 14 anos após a primeira neurocirurgia, continuou mostrando paciente assintomática, sem intercorrências, sendo considerada curada.

DISCUSSÃO

Trata-se, este caso, do primeiro citado na literatura brasileira, e dos primeiros na literatura mundial, em que o envolvimento do SNC pelo Aspergillus sp., após craniotomia, evoluiu com plena recuperação do paciente.

A aspergilose do SNC possui propensão para localizar-se nas cavidades supratentoriais14, e elevada mortalidade apesar do uso de anfB1,4,6,9. Provêm geralmente de disseminação hematogênica ou por contigüidade a partir das estruturas aeradas da face e crânio. A disseminação pode ocorrer desde a meninge, causada por hifas, abscessos produzidos por pseudo-hifas e infarto cerebral decorrente de ramos das hifas que obstruem vasos grandes e intermediários provocando trombose arterial cerebral16,17. A invasão vascular secundária pode resultar em aneurisma micótico e hemorragia intraparenquimatosa16,17. As hifas podem bloquear os vasos sangüíneos intracerebrais, promover infarto, comumente hemorrágico e estéril, que pode evoluir para abscesso séptico2,3,6,16-18, e promover reação inflamatória mista e necrose6,16, vasculite e aneurisma micótico3,16,17 quando o fungo causa erosão através da parede do vaso para o interior do parênquima cerebral isquêmico.

A infecção por contigüidade, em pacientes imunossuprimidos, geralmente se associa ao acometimento dos seios paranasais e relaciona-se com condições de intensa invasividade fúngica. O Aspergillus sp. pode penetrar a órbita e promover proptose, quemose e necrose cutânea. A extensão direta da órbita para o lobo frontal pode rapidamente provocar trombose do seio cavernoso. A destruição óssea, infiltração retro-orbitária e formação de abscessos podem ser evidentes12. Os vasos cerebrais podem ficar ocluídos pelo Aspergillus e com infarto cerebral. O abscesso cerebral apresenta necrose localizada com numerosas hifas ao redor de tecido de granulação denso. As pessoas imunocompetentes, embora raramente, podem ter quadros semelhantes com granulomas e vasculites. A meningite devida ao Aspergillus é também rara e associa-se com o uso de drogas ilícitas ou cirurgia trans-esfenoidal19.

As imagens à TC2,3,6 revelam lesões de baixa densidade, com pequeno ou nenhum efeito de massa e sem realce com contraste. A presença de imagem anelar ou nodular consistente com o diagnóstico de abscesso ou granuloma3 indica que as defesas sistêmicas do hospedeiro são hábeis em isolar e encapsular o agente agressor. A parede do anel é freqüentemente fina e mais irregular do que a do abscesso piogênico. A neurocirurgia também pode ser fonte de infecção.

Existem poucas descrições de pacientes com aspergilose cerebral e que sobreviveram após serem submetidos a intervenção cirúrgica e terapia anti-fúngica6,12,16,18. A infecção fúngica que se apresenta como massa deve ser tratada pela ressecção cirúrgica agressiva. O paciente que apresenta recorrência7 pode se beneficiar de aplicação da anfB intralesional20.

Os fatores que predispõem a aspergilose invasiva2,16 associam-se com o tratamento com altas doses de glicocorticóides (como nos linfomas, nas doenças autoimunes, nos transplantes de órgãos), o hipercorticismo supra-renal (síndrome de Cushing), a granulocitopenia intensa e persistente (quimioterapia para a leucemia, linfoma e transplante de medula óssea), a doença granulomatosa crônica, a SIDA. A virulência do agente é também fator de grande importância para a patogenicidade da aspergilose. A recorrência da aspergilose pulmonar é observada em 50% dos pacientes que receberam ciclos intensivos de quimioterapia para o câncer. Esta mesma propensão é encontrada após cirurgia do SNC.

O diagnóstico diferencial da imunodeficiência em paciente com infecções recorrentes é complexo por envolver características semelhantes a patologias que envolvem anormalidades dos neutrófilos, linfócitos, monócitos, anticorpos e complemento. A maioria dos pacientes não apresenta defeito identificável dos fagócitos ou imunodeficiência. Em geral, deve-se efetuar uma avaliação no decorrer de um ano. Neste período, para caracterizar alguma imunodeficiência, os pacientes devem apresentar, pelo menos, uma das seguintes alterações clínicas: 1. mais de duas infecções bacterianas sistêmicas (septicemia, meningite, osteomielite), 2. três infecções respiratórias graves (pneumonia, sinusite), ou três bacterianas (celulite, otite média com drenagem, linfadenite); 3. infecção em local pouco habitual (abscesso hepático ou cerebral); 4. infecções por patógenos pouco comuns (pneumonia por Aspergillus, candidíase disseminada ou infecção por Serratia marcescens, por espécies de Nocardia e de Berkoldaria cepacia) e; 5. infecções muito graves21.

Os pacientes com defeitos da adesão e da motilidade dos neutrófilos geralmente desenvolvem microabscessos cutâneos e formações granulomatosas associados a patógenos comuns como S. aureus, S. marcescens, Pseudomonas, Aspergillus ou apresentam lesões mucosas pela C. albicans. Há escassez de neutrófilos no local da inflamação. Ocorrem também linfadenopatia recorrente, abscessos hepáticos bacterianos, pneumonia, linfadenite, infecções cutâneas. Podem evoluir com anemia, dermatite purulenta crônica, hepatoespleno e linfadenomegalias, doença pulmonar restritiva, gengivite, hidronefrose, estenose gastrintestinal, osteomielite em múltiplos locais ou nos ossos pequenos das mãos e dos pés. Há história familiar de infecções recorrentes ou por micorganismos catalase-positivos. A sintomatologia inicia desde os primórdios da vida até o início da vida adulta. Na deficiência de mieloperoxidase o principal problema consiste no aumento das infecções pela Candida em alguns pacientes portadores de diabetes mellitus. Na deficiência de adesão leucocitária ocorre leucocitose significativa, separação retardada do cordão umbelical, onfalite, gengivite, infecções cutâneas e otite média recorrentes, pneumonite, peritonite, abscessos anais e deficiências na cicatrização das feridas. Os neutrófilos podem também apresentar redução da adesividade e da quimiotaxia após exposição a numerosos fármacos, entre os mais comuns estão os corticóides e a epinefrina, e manifesta-se por acentuada neutrofilia, infecções recorrentes dos tecidos moles, demora na cicatrização das feridas e acentuada redução da formação de pus. As manifestações começam no período neonatal e a sobrevivência não ultrapassa dois anos de idade. Na síndrome de Chédiak–Higashi há neutropenia, febre alta, hepatoesplenomegalia sem septicemia bacteriana. Na febre familiar do mediterrâneo as infecções recidivantes ocorrem uma a duas vezes por mês ou mesmo por semana com serosites, artrites e até amiloidose renal.

As deficiências na função dos linfócitos T (LT) geralmente manifestam-se por infecções oportunísticas. Há ausência de corpúsculos de Howell-Jolly; as contagens normais de plaquetas, de neutrófilos e de linfócitos, no sangue periférico, ajudam a excluir as síndromes de asplenia, de Wiskott-Aldrich, as neutropenias congênitas e adquiridas, os defeitos graves da quimiotaxia, a possibilidade de defeito grave dos LT22.

Na agamaglobulinemia ligada ao X aparecem infecções por microrganismos piogênicos extracelulares agressivos como pneumococos, estreptocoos e espécies de Haemophilus, entre seis a nove meses após o nascimento. As infecções mais comuns são sinusite, pneumonite, otite, artrite séptica, meningite, septicemia. Em geral não ocorrem infecções fúngicas crônicas. Na imunodeficiência variável comum as infecções recorrentes, ocorrem muitos anos após o nascimento, associa-se com síndrome espru-símile, com timoma, alopécia em áreas, anemia hemolítica, atrofia gástrica, acloridria, anemia perniciosa. A deficiência seletiva de IgA relaciona-se com infecções predominantemente nos aparelhos respiratório e gastrintestinal e excessiva susceptibilidade às infecções virais. Na imunodeficiência com níveis elevados de IgM o habitual é a sintomatologia desde a lactância, com infecções piogênicas recorrentes, caracterizadas por otite, sinusite, pneumonite e amigdalite. Na doença linfoproliferativa ligada ao X ocorre resposta imune inadequada à infecção pelo vírus Epstein-Barr. As pessoas são sadias até apresentarem mononucleose infecciosa, e manifesta-se geralmente antes dos cinco anos de idade. Na hiperimunoglobulina E há dermatite crônica e infecções sinopulmonares recorrentes.

As deficiências hereditárias do complemento estão associadas ao lupus eritematoso sistêmico, glomerunefrites, vasculites e infecções piogênicas recorrentes e disseminadas relacionadas com a Neisseria, o angioedema hereditário (lesões cutâneas, meningite meningocóccica, crise episódicas de edema circunscrito não-pruriginoso da pele ou da mucosa das vias aéreas ou do trato gastrintestinal).

Na hipoplasia tímica (síndrome de DiGeorge) ocorrem anomalias dos grandes vasos (arco aórtico direito), atresia do esôfago, úvula bífida, cardiopatia congênita, hipoplasia mandibular. Nos distúrbios de imunodeficiência combinada grave (IDCG) surge no lactente otite, pnemonite, septicemia, diarréia, infecções cutâneas. As infecções persistentes são relacionadas a microrganismos oportunistas como C. albicans, P. carinii e vírus da varicela, do sarampo, parainfluenza 3 e citomegálico. As suas variantes (recessiva ligada ao X, autossômica recessiva, deficiências enzimáticas por adenosina desaminase, Janus quinasse 3, RAG-1 ou RAG-2, IL-7Ralfa, ou com leucopenia) são todas de evolução semelhantes a IDCG. Outros distúrbios da imunodeficiência combinada decorrentes de deficiências de purina nucleosídeo fosforilase, das mutações da cadeia alfa do receptor da interleucina 2, da ativação deficiente dos LT, da expressão defeituosa dos antígenos do complexo de histocompatibilidade principal, da imunodeficiência com trombocitopenia e eczema (síndrome de Wiskott-Alddrich), da ataxia-telangiectasia (ataxia cerebelar com telangiectasias oculocutâneas, doença sinopulmonar crônica, elevada incidência de processos malignos), ou a hipoplasia da cartilagem-cabelo (nanismo com membros curtos, infecções freqüentes e graves), a função dos LT está diminuída, porém não ausente. Os pacientes apresentam, desde recém-nascidos, infecções pulmonares, cutâneas, urinárias, intestinais recorrentes ou crônicas, septicemia por Gram negativos, ou varicela grave.

As mutações de interferon gama R1 e da interleucina 12 R beta 1 associam-se com infecções disseminadas pelo BCG. Nas deficiências primárias do sistema do complemento há susceptibilidade aumentada às infecções por microrganismos Gram positivos encapsulados, por meningococos ou gonococos.

A aspergilose invasiva ocorre especialmente em pacientes imunossuprimidos, tendo como fatores predisponentes altas doses de esteróides sistêmicos, a granulocitopemia intensa, a doença granulomatosa. O envolvimento saprofítico do trato respiratório decorre da contaminação de cavidades pré-existentes ou bronquiectasias que se desenvolvem na tuberculose ou sarcoidose. As crianças com fibrose cística e broquiectasia podem também apresentar condições de crescimento saprofítico para as espécies de Aspergillus, que se desenvolvem no cerume e restos descamados no conduto auditivo externo. Na imunodeficiência intensa pode haver progressão para a mastóide e o SNC.

A apresentação mais freqüente da aspergilose em pacientes sem imunodeficiência é a forma de alveolite alérgica extrínseca que surge em repetidas exposições ao fungo em trabalhadores não-atópicos (pulmão dos fazendeiros). Pode também provocar sinusite alérgica (em paciente atópico com polipose nasal) e aspergilose alérgica broncopulmonar. A sinusite invasiva por aspergilose ocorre raramente em hospedeiros normais. Deve-se evitar a lesão encefálica e a hipertensão intracraniana, em paciente com aspergilose, pelo risco de favorecer a invasão cerebral pelo Aspergillus.

A patogenicidade das espécies de Aspergillus, embora dependa primariamente da imunossupressão, decorre também de fatores de virulência, que sob certas condições in vitro, algumas cepas sintetizam proteases tais como elastase, implicada na invasão do tecido pulmonar. Algumas cepas de A. fumigatus e flavus produzem um inibidor do complemento que podem aumentar a patogenicidade pela subversão da geração de opsoninas e fatores quimiotáticos. O A. fumigatus produz a gliotoxina que possui, in vitro, atividade imunossupressora e antifagocítica. A ação destas toxinas sobre o ser humano é ainda desconhecida.

O diagnóstico da aspergilose do SNC é difícil em decorrência da sintomatologia inespecífica6 e ausência de síndrome febril13. O acometimento pulmonar nem sempre está presente. O exame de líquor revela alterações sutis, com pequena elevação das proteínas. O Aspergillus sp, é raramente cultivado a partir do líquor11,13. Por estes motivos e pela gravidade do prognóstico, o diagnóstico por meio de técnica intervencionista deve ser avaliado.

O caso clínico aqui descrito apresenta características singulares que excluem os vários fatores que promovem imunodeficiência, ainda reforçados pelo longo tempo de acompanhamento, 14 anos, com total ausência de sintomas após o tratamento da aspergilose.

Apesar da preservação da imunidade nesta paciente, as recidivas foram muitas, o risco de morte elevado; entretanto, apesar das adversidades, a persistência da terapêutica combinada, cirúrgica e clínica, conseguiram a sua recuperação completa. O tratamento clínico é recomendado até duas semanas após a recuperação da medula óssea quando há neutropenia23. O contato direto da anfB com o SNC pode provocar cefaléia, delírios, vômitos, parestesias, convulsões, aracnoidite, radiculopatias, mielopatias, meninigte, plegias. Neste caso a convulsão associada ao teste inicial com a anfB, impediu o seu uso intratecal. As formulações lipossomais, apesar de dispendiosas, não estavam disponíveis na época em que a paciente foi tratada.

A excisão cirúrgica tem sido de sucesso para tratar a aspergilose invasiva do cérebro24, e dos seios paranasais25,26, assim como a colonização não-invasiva dos seios da face27. A anfB é a droga de escolha para a aspergilose invasiva. A eficácia é melhor quando o diagnóstico é precoce, a imunossupressão não é intensa e a sua dose é rapidamente administrada para atingir seus níveis terapêuticos28-31. O sucesso terapêutico evidencia que a aspergilose encefálica deve ser tratada com perseverança, de forma a realizar tantas cirurgias quantas forem necessárias para drenar a lesão fúngica, associada ao tratamento medicamentoso com a anfB.

Em conclusão, a aspergilose do SNC em paciente imunodeprimido possui prognóstico reservado, a morte advém rapidamente, e é também grave no paciente imunocompetente. A terapêutica deve ser a mais precoce, tentando a combinação com a ressecção cirúrgica da massa tantas vezes quantas forem necessárias associadas ao uso de anfotericina B.

Recebido 15 Outubro 2004, recebido na forma final 10 Setembro 2005. Aceito 12 Setembro 2005.

Dr. Geraldo Pianetti Filho - Rua dos Aimorés 2480/902 - 30140-072 Belo Horizonte MG - Brasil. E-mail: pianettigpf@aol.com.br

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Jan 2006
  • Data do Fascículo
    Dez 2005

Histórico

  • Aceito
    12 Set 2005
  • Revisado
    10 Set 2005
  • Recebido
    15 Out 2004
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