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Mecanismos de ativação agonista e antagonista no joelho de indivíduos com reconstrução de ligamento cruzado anterior: estudo cinético e eletromiográfico

Resumos

OBJETIVO: Avaliar e comparar o torque e a atividade eletromiográfica dos músculos vasto lateral e bíceps femoral durante a extensão e a flexão do joelho em cadeia cinética aberta. MÉTODO: 15 sujeitos do sexo masculino, distribuídos em: cinco no Grupo Teste (GT) (32,2 ± 7,1 anos) com reconstrução do ligamento cruzado anterior via artroscópica (tendão patelar), e dez no Grupo Controle (GC) sem lesão (30,1 ± 10,7 anos). Foi utilizado o Cybex 6000 a 100°.s-1 e eletrodos bipolares diferenciais ativos (Delsys-Bagnoli 8), com a freqüência de amostragem de 1000 Hz e tempo de aquisição de 10 segundos. Foram considerados os valores do Root Mean Square (RMS) e o padrão temporal de ativação dos músculos em função da fase do movimento (envoltório linear). RESULTADOS: O lado lesado apresentou maior pico de torque flexor e menor pico de torque extensor. Maior ativação agonista e menor ativação antagonista para o bíceps femoral e menor ativação agonista para o vasto lateral. Pelo envoltório linear a ativação do vasto lateral no grupo teste foi diminuindo. CONCLUSÃO: Apesar de reabilitados, o membro lesado permaneceu com déficits no torque extensor, apresentando menor, mais precoce e decrescente ativação do músculo vasto lateral e menor ativação antagonista do músculo bíceps femoral, apesar do maior torque flexor e da maior ativação de unidades motoras durante a flexão do joelho. Estes déficits podem explicar algumas queixas clínicas que permaneceram nestes indivíduos.

Ligamento cruzado anterior; Fisioterapia; Eletromiografia; Biomecânica; Joelho


PURPOSE: To assess and compare torque and electromyographic activity of the vastus lateralis and biceps femoris muscles upon knee extension and flexion in open kinetic chain. METHODS: Fifteen male subjects were distributed in two groups: Test Group (TG) (32.2 ± 7.1 years) composed by five subjects who had previously been submitted to anterior cruciate ligament arthroscopic reconstruction (patellar tendon); and Control Group (CG) (30.1 ± 10.7 years) composed by ten uninjured subjects. Data acquisition was performed using Cybex 6000 at 100°.s-1; 10 seconds of electromyography data were obtained using active differential electrodes (Delsys-Bagnoli 8) at a sample rate of 1000 Hz. Root Mean Square (RMS) values and temporal pattern of muscles activation based on movement phase were considered (linear envelope). RESULTS: Injured legs showed greater flexor peak torque and smaller extension peak torque; greater agonist activation and smaller antagonist activation for the biceps femoris muscle, and smaller agonist activation for the vastus lateralis muscle. Linear envelope showed that test group showed smaller vastus lateralis muscle activation comparing to control group. CONCLUSION: Despite the rehabilitation period, injured legs still showed extensor torque deficit, which may explain the remaining complains presented by anterior cruciate ligament reconstructed subjects.

Anterior Cruciate Ligament; Physical therapy; Electromyography; Biomechanics; Knee


ARTIGO DE ATUALIZAÇÃO

Mecanismos de ativação agonista e antagonista no joelho de indivíduos com reconstrução de ligamento cruzado anterior: estudo cinético e eletromiográfico

Anice de Campos PássaroI; Amélia Pasqual MarquesII; Isabel de Camargo Neves SaccoIII; Alberto Carlos AmadioIV; Tatiana de Almeida BacarinV

IFisioterapeuta, Mestre do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Professora do Centro Universitário Capital

IIProfessora Livre Docente do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

IIIProfessora Doutora do Laboratório de Biomecânica do Movimento e Postura Humana, Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

IVProfessor Titular do Laboratório de Biomecânica, Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo

VFisioterapeuta Mestre do Laboratório de Biomecânica do Movimento e Postura Humana, Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Rua Cipotânia, 51, Butantã São Paulo,Brasil .Cep.: 05360-160 E-mail: anicepassaro@usp.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar e comparar o torque e a atividade eletromiográfica dos músculos vasto lateral e bíceps femoral durante a extensão e a flexão do joelho em cadeia cinética aberta.

MÉTODO: 15 sujeitos do sexo masculino, distribuídos em: cinco no Grupo Teste (GT) (32,2 ± 7,1 anos) com reconstrução do ligamento cruzado anterior via artroscópica (tendão patelar), e dez no Grupo Controle (GC) sem lesão (30,1 ± 10,7 anos). Foi utilizado o Cybex 6000 a 100°.s-1 e eletrodos bipolares diferenciais ativos (Delsys-Bagnoli 8), com a freqüência de amostragem de 1000 Hz e tempo de aquisição de 10 segundos. Foram considerados os valores do Root Mean Square (RMS) e o padrão temporal de ativação dos músculos em função da fase do movimento (envoltório linear).

RESULTADOS: O lado lesado apresentou maior pico de torque flexor e menor pico de torque extensor. Maior ativação agonista e menor ativação antagonista para o bíceps femoral e menor ativação agonista para o vasto lateral. Pelo envoltório linear a ativação do vasto lateral no grupo teste foi diminuindo.

CONCLUSÃO: Apesar de reabilitados, o membro lesado permaneceu com déficits no torque extensor, apresentando menor, mais precoce e decrescente ativação do músculo vasto lateral e menor ativação antagonista do músculo bíceps femoral, apesar do maior torque flexor e da maior ativação de unidades motoras durante a flexão do joelho. Estes déficits podem explicar algumas queixas clínicas que permaneceram nestes indivíduos.

Descritores: Ligamento cruzado anterior; Fisioterapia; Eletromiografia; Biomecânica; Joelho.

INTRODUÇÃO

O ligamento cruzado anterior (LCA) estabiliza o deslocamento anterior da tíbia e as aberturas em varo e valgo desta articulação(1). Pesquisas in vivo mostraram que cargas de tensionamento direto sobre este ligamento produziram inibição do quadríceps femoral e facilitação dos flexores de joelho. Esses achados podem ter uma significância clínica, pois possivelmente as funções do joelho devem ser prejudicadas pelo rompimento desses mecanoreceptores ligamentares(2-5).

Osternig et al.(6) investigaram a coativação da musculatura do quadríceps e isquiotibiais no dinamômetro isocinético em mulheres velocistas e corredoras de distância, e verificaram que os flexores de joelho são mais ativos durante a extensão do joelho do que o quadríceps durante a flexão. Isso poderia estar relacionado a uma maior, força do quadríceps, o que exigiria uma maior coativação antagonista dos flexores para a coordenação e desaceleração do membro. Além disso, a maior massa muscular do quadríceps também poderia favorecer a desaceleração da flexão pelo efeito viscoelástico, significando que esta flexão seria controlada primariamente por um mecanismo passivo(6).

Nielsen e Kagamihara(7,8) sugeriram a existência de um programa motor específico para a coativação muscular no qual os interneurônios do modelo recíproco seriam ativamente inibidos por comandos centrais. Ou seja, haveria uma depressão da inibição recíproca o que aumentaria o nível de excitabilidade dos motoneurônios dos músculos antagonistas e resultaria na coativação. Esta mesma hipótese é defendida por outros autores (9-12).

Carolan e Cafarelli(10) verificaram que o treinamento de resistência dos extensores do joelho, resultou em menor coativação entre extensores e flexores. Com isso acreditam que após uma semana de treinamento, a redução da força opondo-se ao movimento, contribuiria para um aumento significativo na contração voluntária máxima extensora.

A literatura mostra evidências de que a coativação muscular que ocorre no joelho serviria para proteger e estabilizar a articulação durante as contrações potentes, assim como poderia distribuir a pressão através da articulação e minimizar a fadiga e o dano articular(4-6, 9,12-17).

Osternig et al..(4) verificaram que os músculos flexores de joelho com lesão do LCA geraram significativamente menor atividade antagonista quando comparado ao contralateral e não encontraram diferenças significativas nos torques musculares tanto no grupo com lesão de LCA como no grupo controle. Estudo mais recente confirmou está hipótese(18). Makihara et al.(19) verificaram menores torques flexores isométrico e isocinético a partir de 60° de flexão do joelho em indivíduos que reconstruíram LCA utilizando tendão dos músculos semitendíneo e grácil.

Este estudo teve como objetivo avaliar e comparar o torque e a atividade eletromiográfica dos músculos vasto lateral e bíceps femoral entre os membros lesado e não lesado de indivíduos com reconstrução do LCA com um grupo de indivíduos saudáveis, durante a execução do movimento de extensão e flexão de joelho em cadeia aberta, e assim contribuir com os protocolos de reabilitação, podendo enfatizar trabalhos musculares mais específicos, estimulando o mecanismo de coativação muscular.

MATERIAIS E MÉTODOS

Sujeitos

A amostra foi constituída de 15 sujeitos voluntários do sexo masculino, na faixa etária de 20 a 40 anos, sendo cinco com reconstrução do LCA, pertencentes ao Grupo Teste (GT) e dez sem lesão ou qualquer disfunção osteo-mio-articular, pertencentes ao Grupo Controle (GC). Para compor o GT foram selecionados sujeitos com reconstrução de LCA por via artroscópica utilizando tendão patelar há pelo menos oito meses antes da coleta de dados e deveriam estar de alta médica e fisioterapêutica. Todos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido aprovado pela comissão de ética local (Protocolo de Pesquisa nº 559/01).

Material

Para avaliação do torque foi utilizado o dinamômetro isocinético (Cybex 6000, New York, EUA ) e para a eletromiografia (EMG) foram utilizados eletrodos bipolares diferenciais ativo (Delsys-Bagnoli 8, Boston, EUA) constituídos de Ag/AgCl, de dimensões 10 X 1 mm, distância inter eletrodos de 10 mm e pré-amplificação de 10 no eletrodo e de 100 no condicionador, totalizando um ganho de 1000. A freqüência de amostragem foi de 1000 Hz e o tempo de aquisição foi de 10 segundos. Um conversor A/D de 12 Bits foi utilizado. Para localização do ponto motor dos músculos vasto lateral e bíceps femoral foi utilizado o Gerador Universal de Pulsos (Omni Pulse 900, Piracicaba, Brasil) que gera trens de pulso de 1 ms, em freqüência tetanizante (20 a 80 Hz).

Protocolo de avaliação

No prontuário de cada paciente foram obtidos os dados do diagnóstico, data da lesão e cirurgia, joelho lesado, dominante e tipo de cirurgia. Na anamnese verificou-se a queixa principal, tempo e local de reabilitação, sendo em seguida realizado o exame físico de inspeção, palpação e avaliação do alinhamento dos joelhos. O ponto motor dos músculos vasto lateral e bíceps femoral foi localizado bilateralmente através da estimulação elétrica para posterior colocação dos eletrodos superficiais. Estes foram fixados com fita adesiva dupla face e fita adesiva do tipo transpore para evitar a movimentação destes eletrodos durante o exercício.

O protocolo utilizado para o Cybex foi a execução de extensões e flexões do joelho a 100°.s-1, com uma amplitude total de movimento de aproximadamente 120° (0° correspondeu à extensão completa). Os sujeitos foram posicionados sentados em aproximadamente 90° de flexão de quadril e o eixo rotacional do dinamômetro foi alinhado ao eixo do joelho. Antes da realização da aquisição dos dados, houve uma etapa de habituação quando os sujeitos executaram três exercícios de flexão e extensão do joelho e um descanso de 180 segundos antes da avaliação a fim de evitar fadiga muscular. Os sujeitos executaram cinco repetições na velocidade escolhida, sendo que o GC iniciou o teste pelo membro dominante, enquanto o GT iniciou pelo membro não lesado.

Análise dos dados

Na EMG foram considerados os valores do Root Mean Square (RMS) obtidos por meio da retificação do sinal e pela seleção das fases correspondentes à extensão e flexão do joelho para cada músculo, e o padrão temporal de ativação dos músculos em função da fase do movimento representado pelo envoltório linear, como forma de representar qualitativamente a coordenação temporal da atividade muscular durante o movimento.

Para a obtenção dos envoltórios lineares foram realizadas etapas matemáticas em ambiente de programação matemática (Matlab) utilizando o seguinte procedimento: após a retirada do off-set do sinal bruto, retificou-se o sinal eletromiográfico por onda completa, filtrou-se com filtro passa-baixa tipo butterworth de 4ª ordem com freqüência de corte de 5 Hz, em seguida o sinal foi normalizado na intensidade pela sua média e em função do tempo de extensão e flexão do joelho (de 0 a 100 % do ciclo). Foram extraídas as seguintes variáveis: 1) primeiro pico de ativação do músculo vasto lateral, 2) término da ativação do músculo vasto lateral, 3) primeiro pico de ativação do músculo bíceps femoral, 4) término da ativação do músculo bíceps femoral, 5) início da ativação do músculo bíceps femoral (Figura 1).


Análise estatística

O teste W de Shapiro Wilk testou a normalidade da distribuição de todas as variáveis contínuas do presente estudo. As variáveis foram descritas para cada grupo experimental em termos de média e desvio-padrão.

Foram feitas análises comparativas intergrupos comparando-se o membro dominante do GC com membro lesado e não lesado do GT, e membro não dominante do GC com membro não lesado do GT. Na análise intragrupos comparou-se no GC o membro dominante e não dominante, e no GT membro lesado com membro não lesado. Utilizou-se, Anova two way sendo que um fator era o grupo experimental e outro o membro (medidas repetidas), seguido do teste HSD de Tukey, sendo consideradas significativas as diferenças com nível de significância igual a 5%.

RESULTADOS

Os grupos estudados apresentaram-se estatisticamente semelhantes quanto à idade GC=30,1±10,7 anos e GT=32,2±7,1 anos e índice de massa corpórea (IMC) GC=23,6±2,1 kg e GT=25,2±1,8 kg {Test t (Studant)}. As características clínicas do GT estão representadas na Tabela 1. Todos os sujeitos foram operados pela mesma equipe utilizando para fixação do enxerto parafuso de interferência.. Além disso, foram reabilitados pela mesma instituição seguindo protocolo já estabelecido e de reconhecido valor.

Avaliação do Torque

Na análise intergrupos (Tabela 2), o pico de torque flexor foi maior no lado lesado do GT em relação ao lado dominante do GC (p=0,049). Da mesma forma, o pico de torque flexor do lado não lesado do GT apresentou-se maior em relação ao membro não dominante do GC (p=0,017).

Na análise intragrupos, no GT o membro lesado apresentou menores picos de torque extensor (p= 0,032) No GC não houve diferenças entre os membros (Tabela 3).

Avaliação Eletromiográfica

A comparação intergrupos dos valores de RMS pode ser vista na Tabela 4 O GT apresentou menor RMS do bíceps femoral no membro não lesado durante sua fase agonista em relação ao membro não dominante do GC (p= 0,016)

Avaliando-se o efeito de interação entre os grupos e lados verificou-se que houve diferença estatisticamente significante para ativação do músculo bíceps femoral tanto na fase agonista (p=0,001) como antagonista (p=0,001). Para o músculo vasto lateral houve diferença apenas para a fase agonista (p=0,001), sendo portanto semelhantes para a ativação antagonsista deste músculo (p=0,656). Assim sendo, na análise intragrupos (Tabela 5) o GC apresentou maior ativação agonista para o músculo bíceps femoral no membro dominante (p=0,024). Já o GT apresentou diferenças estatisticamente significantes para ambos os músculos, e houve maior ativação agonista (p=0,001) e menor ativação antagonista (p=0,001) para o músculo bíceps femoral no membro lesado e menor ativação agonista para o músculo vasto lateral no membro lesado (p=0,001).

Análise do Envoltório Linear

As Figuras 2 e 3 representam os envoltórios médios do GT e GC para os músculos em ambos os lados estudados. Observa-se que a ativação do músculo vasto lateral vai diminuindo durante sua ação agonista (0-50% no ciclo de movimento) para o GT, principalmente no membro lesado (Figura 2). O GC nesta mesma situação apresenta uma ativação estável (Figura 3).



A Tabela 6 apresenta o envoltório linear intragrupos dos músculos bíceps femoral e vasto lateral nas fases agonista e antagonista. Verifica-se que não houve diferença estatisticamente significante entre os membros do GC. No GT verificou-se que o membro lesado apresentou o primeiro pico de ativação do vasto lateral mais precoce do que o membro não lesado (p=0,001).

Na comparação intergrupos, para as variáveis do envoltório linear, os grupos foram estatisticamente semelhantes quanto ao padrão temporal de recrutamento muscular, com exceção do primeiro pico do vasto lateral que ocorreu antes no membro lesado quando comparado ao membro dominante (p=0,001).

DISCUSSÃO

A hipótese deste estudo era de que indivíduos com reconstrução do LCA reabilitados não apresentassem diferenças de torque extensor, podendo apresentar, contudo diferenças quanto ao padrão e intensidade de ativação muscular, principalmente relacionada ao músculo bíceps femoral durante sua fase antagonista, conforme a literatura(4,6-10). No entanto, o membro lesado apresentou menores picos de torque extensor em relação ao membro não lesado, o que diverge de outros estudos(4,18) mostrando, contudo um déficit na recuperação destes indivíduos. Além disso, na análise intergrupos também se pode verificar maior pico de torque flexor no membro lesado em relação ao membro dominante. A literatura(4,18) também não refere diferenças quanto ao torque flexor e este fato supostamente está relacionado ao trabalho de reabilitação com enfoque ao ganho de força dos flexores de joelho, evitando forças de deslocamento anterior da tíbia que poderiam estar tensionando o enxerto(20).

Quanto à intensidade de ativação muscular verificou-se que há diferença estatisticamente significante entre os grupos e lados para o músculo bíceps femoral na fase agonista e antagonista. O membro lesado apresentou maior ativação agonista deste músculo, ou seja, recruta mais unidades motoras nesta tarefa especifica podendo estar relacionado ao treinamento muscular realizado durante a reabilitação. Além disso, foi analisado eletromiograficamente apenas um músculo flexor, sendo que o torque articular se constitui da ação de vários músculos flexores do joelho.

Outro resultado importante e que está de acordo com a literatura é a menor ativação antagonista do músculo bíceps femoral em indivíduos com reconstrução do LCA(4-6, 9-17). Mesmo considerando as limitações já descritas, é interessante observar que apesar do maior torque flexor e de uma maior ativação agonista neste grupamento muscular, o que sugere um bom treinamento desta musculatura num momento de estabilização da articulação, pode infeir-se que esta musculatura não foi ativada de maneira adequada.

No entanto, isso pode estar relacionado ao menor torque extensor no membro lesado, assim como a menor ativação agonista deste músculo, ou seja, este momento extensor não foi suficiente para ativar a musculatura antagonista e a desaceleração desta extensão pode ter ficado a cargo do efeito viscoelástico dos músculos flexores do joelho(6) .

A menor ativação antagonista do músculo bíceps femoral em indivíduos que reconstruíram o LCA, identificado pelos menores valores de RMS está de acordo com a literatura tal como Osternig et al.(4) e Solomonow et al.(5) que observaram uma importante diminuição da coativação em indivíduos que reconstruíram o LCA e explicam tal fato pela não existência de mecanoreceptores no enxerto, receptores estes que seriam responsáveis por ativar os flexores de joelho, regulando o torque extensor. Assim podemos inferir, tal como fizeram estes autores que esta diminuição de ativação pode ser um déficit de controle muscular nestes indivíduos. Amiridis et al.(21) justificaram a menor coativação dos flexores de joelho em atletas de alta performance quando comparados a sedentários em função das solicitações de treinamento para hipertrofia muscular. Com isso inferem que essa diminuição de ativação antagonista do músculo bíceps femoral também pode evidenciar um melhor preparo dessa musculatura e não um déficit.

Baratta et al.(13) divergem quanto ao fato do treinamento de força dos isquiotibias serem responsáveis pela menor coativação desta musculatura. Ao contrário, eles acreditam que o treinamento rotineiro desta musculatura em atletas fará com que esta população apresente níveis de coativação semelhante aos indivíduos saudáveis.

Acredita-se que este aumento da coativação possa ser uma resposta imediata devido ao aumento do recrutamento muscular para ganho de força, mas não necessariamente possa-se dizer que este aumento na coativação irá permanecer.

A análise qualitativa dos envoltórios lineares sugere uma diminuição na ativação do músculo vasto lateral no GT durante o movimento de extensão do joelho, que de certa forma era o esperado como forma de evitar forças de cisalhamento no enxerto. É interessante observar que este padrão se repete no membro não lesado.

O presente estudo também verificou que o GC e GT foram semelhantes quanto ao padrão temporal de recrutamento muscular observado pelas variáveis dos envoltórios lineares, com exceção do primeiro pico do músculo vasto lateral que ocorreu antes no membro lesado quando comparado ao membro dominante do GC e não lesado do GT. É provável que ocorra esta ativação mais precoce no membro lesado como forma de compensar uma diminuição progressiva de ativação que vai ocorrendo durante o movimento de extensão (0-50% do ciclo de movimento).

Algumas limitações foram observadas no decorrer deste estudo, dentre elas um número de sujeitos pequeno no GT, os indivíduos não foram operados pelo mesmo cirurgião e nem reabilitados por um único fisioterapeuta, porém vale ressaltar que o objetivo do estudo foi avaliar indivíduos de alta médica e fisioterapêutica que se encontravam nas condições da maioria dos pacientes que após a lesão recebem tratamento cirúrgico algumas sessões de fisioterapia e têm alta. No momento não houve o objetivo de verificar se a técnica cirúrgica, o protocolo de reabilitação assim como o tempo da restauração da área doadora podem ter influenciado nas variáveis analisadas. Estas variáveis poderão ser consideradas em trabalhos futuros.

CONCLUSÃO

Apesar de reabilitados, o membro reparado cirurgicamente permaneceu com déficits no torque extensor, apresentando uma ativação menor e decrescente do músculo vasto lateral e menor coativação muscular. Destaca-se, contudo o maior torque flexor encontrado neste membro.

Estes déficits podem explicar algumas queixas clínicas que muitas vezes permanecem nestes indivíduos como atrofia muscular do quadríceps, instabilidade e dor. Possivelmente um trabalho de força mais precoce para o músculo quadríceps possa beneficiar mais significantemente na recuperação da reparação do LCA através da melhora no mecanismo de coativação muscular.

Trabalho recebido em 24/04/07

aprovado em 20/06/07

Trabalho realizado no Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Jul 2008
    • Data do Fascículo
      2008

    Histórico

    • Aceito
      20 Jun 2007
    • Recebido
      24 Abr 2007
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