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Modelo experimental de osteotomia em coelhos imaturos

Resumos

Apresenta-se um modelo experimental de osteotomia de fíbula em coelhos com esqueleto imaturo adequado para o estudo do processo de reparação óssea. A osteotomia foi realizada por serra elétrica padronizada, sem utilização de dispositivos de fixação. Este modelo foi testado em cinco coelhos e constou da descrição detalhada de técnica operatória, anestesia e técnica radiográfica. Os animais foram submetidos a eutanásia após cinco semanas e tiveram suas fíbulas encaminhadas para avaliação histológica. Comprovou-se que o modelo é eficiente, simples e de fácil execução, tornando-se opção atraente para todos aqueles que desejam realizar estudos de consolidação óssea durante a imaturidade esquelética.

Consolidação óssea; estudo experimental - coelho; osteotomia


Authors present an experimental model for fibular osteotomy in immature rabbits usefull to study healing bone process. Osteotomy was produced by means of eletric saw without utilization of fixing devices. This model was applied in five rabbit were sacrified after five weeks and had their fibular send for histological evaluation. Operative technique, anesthesia, roetigenografic technique were detailed discribed. The model was proved to be efficient, simple and of easy execution, becoming an atractive option for whoever wish to perform studies of bone healing through skeleon development.

Bone healing; experimental osteotomy; rabbit


ARTIGO ORIGINAL

Modelo experimental de osteotomia em coelhos imaturos

Marcos Almeida MatosI; Renato Ribeiro GonçalvesII; Francisco Pereira AraújoIII

IProf. Assistente da Escola Bahiana de Medicina; pós-graduando do IOT/FMUSP

IIPós-graduando do IOT/FMUSP

IIIResidente e estagiário de pesquisa na Escola Bahiana de Medicina

RESUMO

Apresenta-se um modelo experimental de osteotomia de fíbula em coelhos com esqueleto imaturo adequado para o estudo do processo de reparação óssea. A osteotomia foi realizada por serra elétrica padronizada, sem utilização de dispositivos de fixação.

Este modelo foi testado em cinco coelhos e constou da descrição detalhada de técnica operatória, anestesia e técnica radiográfica. Os animais foram submetidos a eutanásia após cinco semanas e tiveram suas fíbulas encaminhadas para avaliação histológica.

Comprovou-se que o modelo é eficiente, simples e de fácil execução, tornando-se opção atraente para todos aqueles que desejam realizar estudos de consolidação óssea durante a imaturidade esquelética.

Descritores: Consolidação óssea; estudo experimental - coelho; osteotomia

INTRODUÇÃO

O profissional que lida com fraturas é, preferencialmente, um bom fisiologista que procura compreender os fenômenos que participam da reparação óssea(13). Contudo o processo de reparação de fraturas ainda permanece um campo aberto para pesquisa, dada à sua complexidade biológica.(12)

Vários modelos experimentais descritos na literatura são úteis para o estudo da reparação óssea. Algumas restrições, entretanto, tornam modelos clássicos inadequados para o objetivo de muitos estudos. O rato e o camundongo, por exemplo, têm uma anatomia e uma biologia óssea diferente do ser humano(10). Mamíferos e primatas são de difícil manuseio e de alto custo para se trabalhar em grupos grandes. Outros animais de pequeno porte apresentam dificuldades técnicas para a realização da fratura ou osteotomia, além de requererem métodos de fixação, o que influencia diretamente na reparação óssea.(1,2,3,4,6,10) Também não se encontra com facilidade publicações específicas com modelos de esqueleto imaturo.

Baseado nestes fatos, apresenta-se um modelo experimental de consolidação óssea em coelhos com esqueleto imaturo, utilizando-se a osteotomia cirúrgica da fíbula. O coelho já é largamente utilizado como animal de experimentação e, por seu tamanho, possibilita fácil manuseio, bem como utilização de grupos moderadamente grandes a baixo custo.(2,6,10) Além do mais, a anatomia da fíbula do membro pélvico deste animal torna possível observar a consolidação óssea sem a interferência de dispositivos de fixação. Acredita -se que este modelo venha contribuir muito para os pesquisadores que se interessam por este fenômeno biológico complexo denominado reparação óssea.

MATERIAL E MÉTODOS

Animal de experimentação (amostra)

Foram utilizados 5 coelhos (Oryctologus cuniculus) machos, da raça nova zelândia albino, com esqueleto imaturo (com anel epifisário radiologicamente aberto), com peso médio de 729,16g (500 a 1000g).

Ambiente

Os animais foram mantidos em biotério, em gaiolas metálicas, medindo 2320cm2. Cada gaiola continha um animal que era alimentado com ração padrão peletizada, associada a suplementação hídrica adequada.

Anestesia

Para a realização da técnica anestésica, seguiu-se a metodologia preconizada por HARKNESS E WAGNER (1993)(5). Os alimentos, mas não a água, foram retirados por 8 a 12 horas antes da anestesia. Cada animal recebeu 0,2 mg/Kg de sulfato de atropina 30 minutos antes do procedimento para diminuir o tônus vagal. A anestesia constou da aplicação na musculatura da porção proximal do membro pélvico de 25 a 30 mg/Kg de cetamina e de 5 a 10 mg/Kg de diazepam. A indução por esta técnica está estimada em 4 a 13 minutos, com uma duração de ação de até 60 minutos.(5)

Técnica operatória

O animal era contido em decúbito dorsal em mesa operatória adequada para coelhos. Realizava-se tricotomia da região lateral (fibular) do membro pélvico direito e procedia-se anti-sepsia com sabão degermante e álcool iodado a 5% em todo o membro. Eram então colocados os campos estéreis, sendo que o membro a ser operado era isolado com o uso de um campo fenestrado. O procedimento operatório constou de uma via de acesso lateral no membro pélvico direito de aproximadamente 5mm na região da pele suprajacente à fíbula. Em seguida procedia-se a divulsão da pele, subcutâneo e abertura da fascia dos músculos fibulares, os quais eram afastados e isolados da porção cranial da fíbula. Exposta a fíbula e desnudada do seu periósteo, procedia-se uma osteotomia diafisária na sua porção cranial, utilizando-se serra elétrica com lâmina padronizada de 12mm de largura e de 0,5 mm de espessura . O fechamento da ferida operatória foi realizado usando-se fio absorvível de polivicril 5-0 para o fechamento da fascia e fio inabsorvível de mononylon 5-0 para o fechamento da pele, sendo a sutura de pele deixada sem curativo. Este procedimento operatório foi realizado em todos os 5 coelhos.

Avaliação radiológica

Foram obtidas duas avaliações radiológicas de cada animal. Uma imediatamente após o procedimento e outra após um período de cinco semanas quando já se esperava uma consolidação radiológica significativa. A técnica radiológica baseou-se naquela descrita por RIBEIRO, AMSTALDEN, E IZALTO (1993)(11), sendo as radiografias realizadas com um aparelho Toshiba XR6010 de 10mas, usando-se um tempo de exposição de 0,3ms, carga de 60Kv, uma distância de 70cm e filme Kodak 13x18. Na primeira radiografia observou-se o tipo e local da osteotomia e na segunda radiografia observou-se o estágio radiológico da consolidação da osteotomia ou a presença de retardo de consolidação e pseudoartrose.

Avaliação histológica

Ao final de cinco semanas os animais foram submetidos a eutanásia farmacológica, que constou da aplicação da anestesia descrita anteriormente, associada a uma dose de 2ml de cloreto de potássio por via intravascular. Suas fíbulas foram dissecadas, extirpadas das partes moles adjacentes, fixadas em formalina a 10% e encaminhadas para o laboratório de histopatologia. No laboratório, as peças foram descalcificadas com ácido nítrico a 7,5%, procedeu-se a inclusão em parafina e realizarem-se cortes no sentido longitudinal das peças de aproximadamente 7µ de espessura, sendo as lâminas coradas pelo método da hematoxilina-eosina e estudadas em microscópio ótico comum.

RESULTADOS

Nenhum problema com o ferimento cirúrgico foi observado e também não houve evidências de alteração na saúde física ou no comportamento dos coelhos, levando a crer que o método não produziu incapacidade ou sofrimento para os animais.

A osteotomia foi realizada sem dificuldades em todos os animais. A avaliação radiográfica, realizada conforme descrição anterior, mostrou que o sítio da osteotomia localizou-se no osso diáfisário da fíbula, sendo o aspecto radiográfico sempre muito semelhante, mostrando evidências de formação de calo reparatório em todas as osteotomias ao final de cinco semanas.

A avaliação histológica dos sítios das osteotomias mostrou que nos cinco casos estudados, a reparação óssea encontrava-se em estágio avançado. Uma visão da realização da osteotomia no intra-operatório pode ser observada nas figuras 1 e 2. O aspecto radiográfico pré e pós-operatório encontra-se nas figuras 3 e 4, o aspecto da osteotomia já consolidada encontra-se na figura 5. A figura 6 mostra o calo em estágio reparatório bastante avançado após cinco semanas da osteotomia.







DISCUSSÃO

Muitos modelos experimentais têm sido utilizados para estudar o processo de consolidação de fraturas. O problema é que devido às diferenças anatômicas, biológicas e técnicas, nem sempre estes modelos fornecem parâmetros adequados para o ser humano.(10,12) Existem descritos, com sucesso, estudos em camundongo, cavalo, rato, gato, cão, ovelha, galinha, pombo, primatas, coelhos e em outro animais menos comuns(10). Cada pesquisa revela vantagens e desvantagens próprias, devendo o investigador ser hábil o bastante para retirar da literatura o modelo que melhor se adeque ao estudo proposto.

A compreensão exata dos fatores que influenciam o processo biológico da consolidação óssea depende de modelos experimentais devidamente adaptados aos seus objetivos da pesquisa. Cada modelo aplica-se melhor a um determinado tipo de estudo. A importância do desenvolvimento de novos modelos experimentais reside na necessidade de se colocar à disposição dos investigadores uma variedade ampla que ajuste-se a objetivos específicos.

Alguns modelos, já estudados, apresentam dificuldades na obtenção de dados fidedignos quando se deseja compará-los com a consolidação espontânea de fraturas em humanos, especialmente em pacientes pediátricos. Estas dificuldades passam pela necessidade de aparelhos para fixação, pela hipermobilidade do foco quando não se fixa a fratura, pela dificuldade de se obter fraturas uniformes quando produzidas manualmente, pelas dimensões do animal e, ás vezes, até pela falta de costume no manuseio do animal escolhido.(1,4)

A maioria dos estudos de reparação óssea envolve animais com esqueleto maduro; sendo que em boa parte deles, o rato é o animal de escolha.(4,6,10) As vantagens são o seu pequeno porte e o manuseio fácil. As fraturas podem ser produzidas sem dificuldade de forma manual, mas normalmente se encontra uma dificuldade técnica na sua padronização.(4,6) Já os procedimentos cirúrgicos envolvendo animais de tão pequeno tamanho são trabalhosos, além do mais, osteotomias ou fraturas nestes animais normalmente requerem algum método de fixação (interna ou externa) e isto implica em um modelo de reparação que sofre influência dos dispositivos de fixação.(4,10)

O rato e o camundongo, possuem um processo reparatório diferente do homem pois estes animais são desprovidos de um sistema harvesiano ósseo e isto impossibilita estudos que pretendam examinar a forma, função ou propriedades materiais e biomecânicas do sistema harvesiano.(10) É difícil obter múltiplas amostras de um mesmo osso destes pequenos roedores, os quais também não se mostram práticos para estudos biomecânicos e testes de biomateriais, pois requerem métodos difíceis para a fixação da fratura ou osteotomia proposta(6,10).

Os grandes animais, tais como mamíferos, cães e primatas, exigem custos elevados para sua utilização. É importante que se use um número suficiente de animais para que se garanta uma significância estatística9. Vinte, trinta ou quarenta animais de grande porte em uma pesquisa pode ser muito dispendioso, além do que o manejo destes animais pode ser extremamente difícil para um pesquisador comum.

O coelho, no entanto, é um animal ao qual grande parte dos pesquisadores está acostumada. O seu tamanho é pequeno o bastante para serem utilizados grupos moderadamente numerosos, mas é grande o suficiente para possibilitar a fixação da fratura ou osteotomia, administração de drogas por via parenteral e a realização de experimentos biofísicos. O coelho também possui um sistema harvesiano ósseo parecido com o do homem, por isto o tipo de reparação óssea pós-fratura que ocorre neste animal é muito semelhante ao dos seres humanos.(1,2,5,10,12)

Neste modelo, escolheu-se o coelho pela facilidade no manuseio, por ter um tamanho que facilita a execução técnica de uma osteotomia e porque o condicionamento deste animal em gaiolas possibilita atividade bem próxima à normal. A utilização do animal com esqueleto imaturo caracteriza este modelo como peculiar no estudo da consolidação óssea, quando o interesse é extrapolar os conhecimentos obtidos para a população pediátrica humana.

As fraturas foram executadas cirurgicamente com o auxílio de uma serra elétrica e apresentaram o mesmo padrão, cujos traços foram semelhantes quanto à forma e à sua localização no osso, pré-requisitos citados por alguns autores como necessários para comparação e execução deste tipo de estudo(4,8). Isto, portanto, não se constituiu em uma dificuldade técnica deste modelo experimental. A anatomia do membro pélvico do coelho, cuja tíbia e fíbula encontram-se fundidas em sua porção distal permitiu a não utilização de fixação que tornou-se dispensável, pois o animal continuou deambulando ativamente e sem prejuízos perceptíveis após o procedimento. A não utilização de fixação também é desejável para se observar a formação natural do calo ósseo, sem preocupação com alterações advindas da presença do material de síntese.(3,4)

Estima-se que em 6 semanas o preenchimento de um orifício ósseo de 5,5mm feito em metáfises tibiais de cães já tenha completado(11) o seu processo reparatório, muito embora o mesmo não tenha acontecido completamente com coelhos utilizados em experimento semelhante realizado por KATTHAGEN & MITELMEIER(7), talvez pelo fato destes autores terem utilizado orifícios de 6mm, que são maiores absoluta e relativamente(7,11).Aqui, portanto, resolveu-se usar um tempo semelhante, embora discretamente menor devido ao fato de animais imaturos possuírem maior potencial reparativo. Este tempo mostrou-se suficiente pois ao final das cinco semanas, todos os animais já apresentavam calo radiográfico e apresentavam um estudo histológico que demonstrava tecido em estágio reparatório avançado no sítio da osteotomia.

A otimização deste modelo foi realizada com cinco coelhos para se evitar perda desnecessária(9), pois mostrou-se objetivamente uniforme em todos os animais. Acredita-se que a partir destes dados de otimização, experimentos com números maiores possam ser realizados utilizando-se o modelo proposto para estudos aplicados, tais como efeitos de drogas e de métodos de síntese sobre a regeneração óssea, especialmente em esqueleto imaturo.

CONCLUSÃO

O modelo experimental apresentado para o estudo da reparação óssea utilizando a osteotomia da fíbula de coelhos com esqueleto imaturo é uma técnica facilmente exeqüível, que possibilita pesquisar um número moderadamente grande de animais a um custo relativamente pequeno. Este modelo deverá contribuir adequadamente para estudos de consolidação óssea sob o efeito de drogas e condições fisiológicas e patológicas variadas em animais em crescimento.

Trabalho recebido em 20/12/2000. Aprovado em 12/06/2001

Trabalho realizado na Escola Bahiana de Medicina e no Instituto de Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Out 2005
  • Data do Fascículo
    Dez 2001

Histórico

  • Aceito
    12 Jun 2001
  • Recebido
    20 Dez 2000
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