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Influência da manipulação prévia no tratamento e na recidiva local dos sarcomas de tecidos moles

Resumos

OBJETIVO: Avaliar os efeitos da manipulação prévia no tratamento ci rúrgico e na recidiva local dos sarcomas de tecidos moles. MÉTODO: Foram avaliados 30 pacientes submetidos a tratamento cirúrgico de um sarcoma de tecidos moles (STM), que foram divididos em dois grupos: pacientes que foram submetidos a uma biópsia ou ressecção inadvertida prévia do tumor e os encaminhados para tratamento sem qualquer procedimento prévio. Os grupos foram comparados de acordo com o tipo de cirurgia realizada, as complicações e a ocorrência de recidiva local. RESULTADOS: A manipulação prévia dos STM foi observada em 60% da casuística, alterando a técnica operatória em 66,6% dos casos. A freqüência de amputações foi semelhante nos dois grupos, mas três amputações foram realizadas por ressecção prévia inadequada. As complicações não foram significativamente diferentes nos grupos (p = 0,282), assim como a recidiva local (p = 0,461). CONCLUSÕES: A manipulação prévia dos STM influenciou no tratamento cirúrgico, mas não influenciou nas complicações pós-operatórias ou na recidiva local.

Sarcoma de tecidos moles; Neoplasias; Cirurgia


OBJECTIVE: Evaluate the influence of previous manipulation in the treatment and local relapse of soft tissue sarcomas. METHODS: We evaluated 30 patients submitted to soft-tissue sarcoma (STS) surgery. These patients were divided into two groups: patients with previous unplanned resection of the tumor, and patients referred to a specialized center without any previous surgical treatment. We compared the two groups by the type of surgical treatment, complications and local relapse. RESULTS: Previous manipulation of the STS was seen in 60% of the patients on the series, changing the surgical technique in 66.6% of the cases. The amputation rate was similar between both groups, but three patients were amputated as a result of inappropriate previous resection. Complications were not significantly different between the groups (p = 0.282), as well as for local relapse (p = 0.461). CONCLUSION: The previous manipulation of soft tissue sarcomas influenced the surgical treatment, but neither influenced post-operative complications nor local relapse.

Sarcoma; Cancer; Surgery


ARTIGO ORIGINAL

Influência da manipulação prévia no tratamento e na recidiva local dos sarcomas de tecidos moles

Luiz Eduardo Moreira TeixeiraI; Ivana Duval AraújoII; Ricardo Horta MirandaIII; Gustavo Albergaria de MagalhãesIV; Daniel Ferreira GhediniIV; Marco Antônio Percope de AndradeV

ICoordenador do Ambulatório de Oncologia Ortopédica do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG

IIProfessora Adjunta do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG

IIICoordenador de Serviço de Oncologia Ortopédica da Santa Casa de Belo Horizonte

IVMédico Residente do Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG

VCoordenador do Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Avenida do Contorno,. 7485 Bairro Santo Antônio Belo Horizonte, MG-Brasi CEP.: 30110120 E-mail: luizmteixeira@yahoo.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar os efeitos da manipulação prévia no tratamento ci rúrgico e na recidiva local dos sarcomas de tecidos moles.

MÉTODO: Foram avaliados 30 pacientes submetidos a tratamento cirúrgico de um sarcoma de tecidos moles (STM), que foram divididos em dois grupos: pacientes que foram submetidos a uma biópsia ou ressecção inadvertida prévia do tumor e os encaminhados para tratamento sem qualquer procedimento prévio. Os grupos foram comparados de acordo com o tipo de cirurgia realizada, as complicações e a ocorrência de recidiva local.

RESULTADOS: A manipulação prévia dos STM foi observada em 60% da casuística, alterando a técnica operatória em 66,6% dos casos. A freqüência de amputações foi semelhante nos dois grupos, mas três amputações foram realizadas por ressecção prévia inadequada. As complicações não foram significativamente diferentes nos grupos (p = 0,282), assim como a recidiva local (p = 0,461).

CONCLUSÕES: A manipulação prévia dos STM influenciou no tratamento cirúrgico, mas não influenciou nas complicações pós-operatórias ou na recidiva local.

Descritores: Sarcoma de tecidos moles; Neoplasias; Cirurgia.

INTRODUÇÃO

O termo sarcoma de tecidos moles (STM) define um grupo heterogêneo de tumores mesenquimais extra-esqueléticos que se origina de músculos, tecido fibroso, fáscia, tendões, vasos e tecido adiposo(1). Os tumores de nervos periféricos, apesar da origem neuroectodérmica, são incluídos nesse grupo pela sua localização, histologia e comportamento biológico similares. São relativamente raros e apresentam uma grande variedade de subtipos histológicos e locais de distribuição pelo corpo, tornando difícil a obtenção de informações consistentes sobre a história natural, prognóstico e tratamento destes tumores(2).

Na suspeita de um STM, o diagnóstico definitivo deve ser confirmado por meio de uma biópsia incisional aberta ou por agulha. Este procedimento é motivo freqüente de complicação no tratamento dos STM por influenciar o tratamento cirúrgico. Embora a biópsia deva ser realizada em centros de referência e pelo cirurgião que fará o procedimento definitivo, menos de 50% dos casos chegam ao especialista antes de qualquer manipulação prévia. E, nos casos manipulados antes do encaminhamento, as complicações são seis vezes mais freqüentes e responsáveis até mesmo por transformar um tratamento conservador em uma amputação do membro(3-5) .

O objetivo deste estudo é avaliar os efeitos de uma manipulação prévia dos STM no tratamento cirúrgico definitivo e na ocorrência de recidiva local do tumor.

PACIENTES E MÉTODOS

No período de janeiro de 2000 a novembro de 2005 foram atendidos no Ambulatório de Tumores Músculo-esqueléticos do Hospital das Clínicas (HC) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e no Biocor Instituto 42 pacientes com diagnóstico de sarcomas extra-esqueléticos localizados em extremidades, na região pélvica e glútea. Desses, 30 pacientes foram incluídos no estudo. Foram excluídos 12 pacientes: três não apresentavam dados suficientes no prontuário, três pacientes perderam o seguimento clínico e seis apresentavam tumores de evolução, tratamento ou prognósticos diferentes e que usualmente não são incluídos no grupo de STM sendo eles o dermatofibrossarcoma (n= 3), rabdomiossarcoma (n=1), tumor de Ewing extra-esquelético (n=1) e linfoma não-Hodgkin (n=1).

Todos os pacientes foram submetidos a tratamento cirúrgico com a participação do mesmo cirurgião e todos os diagnósticos foram confirmados pelo exame anátomo-patológico da peça cirúrgica. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética de ambos os Serviços em que foi realizada a pesquisa, como parte da dissertação de mestrado "Fatores Prognósticos para o Desenvolvimento de Metástases e Recidiva Local nos Sarcomas de Tecidos Moles em Extremidades", com aprovação final pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG (parecer número ETIC 002/07).

Dos pacientes que compuseram a amostra a idade média foi de 47,66 ± 19,1 anos, variando entre 18 e 86 anos. O tempo médio de acompanhamento foi de 29,5 ± 12,2 meses, com o mínimo de 12 meses e o máximo de 62 meses, sendo que 18 (60 %) pacientes eram do sexo masculino e 12 (40 %) do sexo feminino.

O diagnóstico histológico está listado na Tabela 1. Dos 30 pacientes da amostra 22 (73,3%) foram submetidos à cirurgia conservadora com preservação do membro e oito (26,7%) foram submetidos a amputações. As margens cirúrgicas estavam livres de contaminação pelo tumor em 22 (73,4%) dos casos e contaminada em oito (26,6%) pacientes.

A biópsia aberta foi realizada em todos os pacientes diagnosticados após o encaminhamento. Nos pacientes em que a biópsia ou uma ressecção prévia já havia sido realizada, o diagnóstico era confirmado pela revisão de lâmina do estudo anátomo-patológico e os pacientes eram submetidos a ressecções definitivas ou ampliação de margens cirúrgicas (Figura 1).


Os pacientes foram divididos em dois grupos de acordo com a abordagem inicial dos STM:

Grupo A (n = 18): pacientes submetidos à manipulação prévia ao encaminhamento para tratamento definitivo. A manipulação incluiu biópsias ou ressecção inadvertida do tumor.

Grupo B (n = 12): pacientes encaminhados e tratados antes de qualquer manipulação cirúrgica.

Os dois grupos foram comparados de acordo com o tipo de cirurgia realizada (amputação X cirurgia conservadora), com as complicações ocorridas no pós-operatório e com a recidiva local no seguimento clínico.

A análise estatística foi feita por meio do teste do Qui-quadrado ( χ 2) para comparação das variáveis qualitativas em tabelas tipo 2 x 2 aplicando-se o teste exato de Fisher quando havia restrições ao uso do Qui-quadrado. Para avaliação da recidiva local foi realizada análise multivariada por regressão logística, correlacionando-a aos outros fatores prognósticos associados com a recorrência (sexo, idade, tamanho do tumor, grau de malignidade à histologia, mar-gens cirúrgicas, localização do tumor, profundidade em relação à fáscia tumoral, localização em compartimentos, presença de necrose e invasão vascular à histologia). Foram consideradas significativas diferenças no nível de 5 %.

RESULTADOS

A manipulação prévia dos STM foi observada em 18 (60%) pacientes e somente 12 (40%) foram encaminhados sem qualquer procedimento prévio. A manipulação influenciou o tratamento cirúrgico através da mudança no acesso, ampliação de margens ou necessidade de ressecção de compartimentos adicionais em 12 pacientes (66,6%). Destes quatro (22,2%) pacientes necessitaram de uma amputação como tratamento cirúrgico, sendo três em decorrência do procedimento realizado previamente. Nos pacientes encaminhados sem qualquer manipulação apenas dois (16,6%) necessitaram de amputação (Figura 2). Entretanto, a cirurgia de amputação não foi significativamente mais freqüente no grupo manipulado antes do encaminhamento (p = 0,544).


As complicações pós-operatórias foram observadas em oito (26,7%) pacientes, sendo seis (33,3%) no grupo de pacientes manipulados (grupo A) previamente que incluíram três deiscências de ferida, uma infecção profunda e um seroma. As complicações foram observadas em dois (16,6%) pacientes do grupo B ocorrendo uma deiscência e uma infecção profunda de ferida operatória. Estes dados também não foram significativos quando comparados os dois grupos (p = 0,282).

A recidiva local foi observada em 10 (33,3%) pacientes sendo cinco do grupo A e cinco do grupo B (Figura 3). Quando comparados os dois grupos não observamos diferença significante (p = 0,461).


DISCUSSÃO

O tratamento principal dos STM é a cirurgia, complementada ou não pela radioterapia e quimioterapia(2,6,7) . A radioterapia e a cirurgia são indicadas para o controle local e a quimioterapia objetiva o tratamento sistêmico da doença, mas sua indicação ainda é controversa para os STM(6) . A cirurgia deve ser realizada por acesso amplo, com a ressecção de todo o tumor, envolvido por tecidos normais, em um único bloco, incluindo o trajeto da biópsia e o orifício de saída do dreno quando presente(2,3) . Esta cirurgia acrescida da radioterapia tem alcançado controle local em até 90% dos casos(6-8).

Vários fatores prognósticos estão relacionados com a recorrência local, especialmente as margens alcançadas durante o procedi mento cirúrgico; entretanto, poucos estudos avaliam a influência da manipulação prévia inadequada do tumor no tratamento cirúrgico definitivo e na recidiva local(9).

Em nossa casuística observamos que 60% dos pacientes foram manipulados antes do encaminhamento, freqüência maior que em outros centros, mas compatível com dados relatados por Mankin et al.(4,5) . A cirurgia definitiva foi influenciada pela manipulação em 66,6% dos casos desse grupo; seja pela modificação da via de acesso, pela ampliação do campo operatório ou pela ressecção adicional de compartimentos contaminados. Apesar do tratamento com amputação ter sido semelhante nos dois grupos de pacientes, em três casos do grupo previamente manipulado, essa foi indicada por manipulação inadequada realizada antes do encaminhamento, mesmo problema observado por Siebenrock, et al.(10) , que concluíram que a ressecção inadvertida prévia de um sarcoma de partes moles resulta em cirurgias mais mutiladoras e altas incidências de recidiva local.

As complicações resultantes de retalhos de dissecção alargados, como necrose e deiscências de ferida, assim como os seromas e hematomas são freqüentes nos procedimentos cirúrgicos para tratamento dos STM. Não observamos diferenças entre os grupos em nosso estudo, sugerindo que a realização de técnica cirúrgica similar não aumenta o risco de complicações pós-operatórias.

A manipulação inadequada do tumor tem sido relatada como fator de mau prognóstico para a recorrência(9-11) . Entretanto, a maioria dos trabalhos mostra que uma re-operação para ampliação de margens cirúrgicas, realizada em tempo hábil, evita a recidiva e não compromete o controle local nem a sobrevida dos pacientes quando comparados a pacientes não submetidos a ressecções inadvertidas(11-13) .

Em nosso estudo observamos que a manipulação inadequada dos STM é comum, que altera a técnica cirúrgica na maioria dos casos, mas não aumentou a recorrência local e não aumentou a ocorrência de complicações pós-operatórias. Esses dados sugerem a necessidade de maior divulgação das informações relacionadas com o manejo de tumores de partes moles e do encaminhamento precoce para centros de referências em casos de suspeita ou confirmação de um STM. A complementação do tratamento em tempo hábil de um STM previamente manipulado permite evitar uma recorrência local e melhorar o prognóstico desses pacientes.

CONCLUSÃO

A manipulação cirúrgica prévia de um sarcoma de tecidos moles influenciou no tratamento cirúrgico definitivo, mas não alterou a ocorrência de complicações pós-operatórias ou de recidiva local.

Trabalho recebido em 04/07/07

aprovado em 10/09/07

Trabalho realizado no Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais e no Biocor Instituto

  • 1- Enzinger FM, Weiss SW. Soft tissue tumors. Missouri: Mosby-Year Book; 1995.
  • 2- Ishihara HY, Jesus-Garcia R, Korukian M, Ponte FM. Sarcoma de tecidos moles: fatores prognósticos. Rev Bras Ortop. 2004;39:637-47.
  • 3- Enneking WF. The issue of biopsy [editorial]. J Bone Joint Surg Am. 1982;64:1119-20.
  • 4- Mankin HJ, Lange TA, Spanier SS. The hazards of biopsy in patients with malignant primary bone and soft tissue tumors. J Bone Joint Surg Am. 1982;64:1121-7.
  • 5- Mankin HJ, Mankin CJ, Simon MA. The hazards of biopsy revisited. J Bone Joint Surg Am. 1996;78:656-63.
  • 6- Frustaci S, Gherlinzoni F, De Paoli A, Bonetti M, Azzarelli A, Comandone A et al. Adjuvant chemotherapy for adult soft tissue sarcomas of the extremities and girdles: results of the Italian Randomized Cooperative Trial. J Clin Oncol. 2001;19:1238-47.
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  • 12- Fiori M, Casali PG, Miceli R Mariani L, Bertulli R, Lozza L et al. Prognostic effect of re-excision in adult soft tissue sarcoma of the extremity. Ann Surg Oncol. 2006;13:110-7.
  • 13- Manoso MW, Frassica DA, Deune EG, Frassica FJ. Outcomes of re-excision after unplanned excisions of soft-tissue sarcomas. J Surg Oncol. 2005,91:153-8.
  • Endereço para correspondência:
    Avenida do Contorno,. 7485
    Bairro Santo Antônio
    Belo Horizonte, MG-Brasi
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Nov 2008
    • Data do Fascículo
      2008

    Histórico

    • Recebido
      04 Jul 2007
    • Aceito
      10 Set 2007
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