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Avaliação do padrão de movimento dos joelhos e tornozelos durante a maturação da marcha normal

Resumos

OBJETIVO: Descrever o padrão de movimento dos joelhos e tornozelos na fase de apoio em grupos etários diferentes, com a proposta de identificar como estes parâmetros comportam-se durante a maturação da marcha normal. MÉTODOS: Foram considerados como critérios de inclusão a ausência de patologias osteo-musculares e neurológicas, e a realização de exame tridimensional da marcha de forma voluntária e consentida. Os dados cinemáticos foram coletados durante a velocidade auto selecionada no grupo de 34 crianças com idade média de 9.7 + 2.7 anos e no grupo de 17 adultos com idade média 25 + 3.8 anos. As variáveis analisadas foram: 1) Flexão de joelhos ao contato inicial, 2) Primeiro pico de flexão dos joelhos no apoio, 3) Flexão mínima dos joelhos no apoio e 4) Dorsiflexão máxima dos tornozelos no apoio. Os dados obtidos foram comparados entre os grupos e submetidos à análise estatística. RESULTADOS: Os resultados mostraram que o grupo de crianças apresentou um maior grau de flexão de joelhos na fase de apoio, porém a dorsiflexão dos tornozelos foi similar à apresentada pelos adultos. CONCLUSÃO: Na amostra estudada, o padrão de movimento dos joelhos na fase de apoio foi diferente entre crianças (9.7 anos em média) e adultos (25 anos em média), o que sugere que o processo de maturação da marcha normal pode se prolongar até a segunda década de vida.

Marcha; Criança; Biomecânica


OBJECTIVE: The purpose of this study was to evaluate the movement pattern of knee and ankle during stance phase in order to analyze the behavior of these parameters during gait maturation process. METHODS: Subjects without neuro-muscular diseases and with complete documentation at gait laboratory were included. Kinematics data were collected during self-selected speed in the children group (n =34) with mean age of 9.7 + 2.7 years and in the adult group (n =17) with mean age 25 + 3.8 years. The variables analyzed were 1) Knee flexion at initial contact 2) First peak knee flexion in stance 3) Minimum knee flexion in stance and 4) Peak of ankle dorsiflexion in stance. RESULTS: The results were compared and underwent statistical analysis. The children group showed higher knee flexion in stance than the adult group; however, dorsiflexion peak in stance did not present statically significant differences between groups. CONCLUSION: In the studied group, knee flexion during stance phase was different between children (mean age 9.7 years) and adults (mean age 25 years), which suggests that gait maturation process can last until the second decade of life.

Gait; Child; Biomechanics


ARTIGO ORIGINAL

Avaliação do padrão de movimento dos joelhos e tornozelos durante a maturação da marcha normal

Mauro César Morais Filho; Renata Albertin dos Reis; Cátia Myuki Kawamura

Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD)/SP - Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Rua Dr. Bacelar, 317 apt 84, Vila Clementino – São Paulo-Brasil. CEP: 04026-001 E-mail: mfmorais@terra.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Descrever o padrão de movimento dos joelhos e tornozelos na fase de apoio em grupos etários diferentes, com a proposta de identificar como estes parâmetros comportam-se durante a maturação da marcha normal.

MÉTODOS: Foram considerados como critérios de inclusão a ausência de patologias osteo-musculares e neurológicas, e a realização de exame tridimensional da marcha de forma voluntária e consentida. Os dados cinemáticos foram coletados durante a velocidade auto selecionada no grupo de 34 crianças com idade média de 9.7 + 2.7 anos e no grupo de 17 adultos com idade média 25 + 3.8 anos. As variáveis analisadas foram: 1) Flexão de joelhos ao contato inicial, 2) Primeiro pico de flexão dos joelhos no apoio, 3) Flexão mínima dos joelhos no apoio e 4) Dorsiflexão máxima dos tornozelos no apoio. Os dados obtidos foram comparados entre os grupos e submetidos à análise estatística.

RESULTADOS: Os resultados mostraram que o grupo de crianças apresentou um maior grau de flexão de joelhos na fase de apoio, porém a dorsiflexão dos tornozelos foi similar à apresentada pelos adultos.

CONCLUSÃO: Na amostra estudada, o padrão de movimento dos joelhos na fase de apoio foi diferente entre crianças (9.7 anos em média) e adultos (25 anos em média), o que sugere que o processo de maturação da marcha normal pode se prolongar até a segunda década de vida.

Descritores: Marcha. Criança. Biomecânica.

INTRODUÇÃO

A marcha humana é uma forma de locomoção bípede com movimentos cíclicos, que demanda interação entre os sistemas neuromotor, sensorial, musculoesqueletico, e requer mínimo consumo de energia metabólica.1

O ciclo da marcha é caracterizado por dois contatos inicias consecutivos realizados pelo mesmo membro inferior. Sendo dividido em duas fases distintas (apoio e balanço). Na velocidade de marcha habitual de 80m/min, estas fases representam respectivamente 62% e 38% do ciclo de marcha.

A fase de apoio é o período em que o pé se mantém em contato com o solo e pode ser subdividida em primeiro duplo apoio (0% a 12%), apoio simples (12% a 50%), e segundo duplo apoio (50% a 62%). A fase de balanço é o período em que o membro está em movimento de progressão e sem contato ao solo. Pode ser subdividida em balanço inicial (62% a 75%), balanço médio (75% a 85%) e balanço terminal (85 % a 100%).2

A cinemática é definida como o estudo dos movimentos sem levar em consideração as forças que os produzem.

Os joelhos fletem duas vezes durante cada ciclo da marcha. A flexão aumenta para 8º a 9º após o contato inicial e em seguida ocorre sua extensão durante o apoio até cerca de 40% do ciclo. No terço inicial da fase de balanço o joelho volta a fletir e atinge seu pico de flexão (60º) com o objetivo de liberar de forma adequada o pé ipsilateral.3

Os tornozelos também apresentam dois períodos de flexão plantar seguidos por uma dorsiflexão progressiva durante a maior parte da fase de apoio. Após o desprendimento dos pés no apoio, os tornozelos têm novamente movimento de dorsiflexão que perdura até o contato inicial.4

O atual desenvolvimento da análise da marcha, e sua crescente aplicação ao estudo de padrões patológicos, têm criado a necessidade do conhecimento dos dados de normalidade. Isto é mais evidente no estudo de crianças. O padrão de marcha em crianças difere substancialmente do padrão de marcha dos adultos, o que nos leva a crer que medidas durante as várias faixas etárias são necessárias para comparações críticas, porém a literatura sobre este tema é escassa.5

Muitos fatores complicam a diferenciação entre a marcha normal e patológica nas crianças. São eles: crescimento músculo-esquelético, maturação do sistema nervoso central, capacidade de aprendizado e variações associadas com mudanças na velocidade.2

Cinco determinantes essenciais para a maturidade da marcha são: aumento da duração do apoio simples, aumento da velocidade da marcha, aumento do comprimento de passo, aumento da proporção entre a largura da pelve e a distância entre os tornozelos, e a redução da cadência,2 porém idade de aquisição da maturidade da marcha é objeto de controvérsia na literatura, podendo variar de 3.5 até 11 anos, de acordo com o método de análise utilizado.3,5-10

Com isto, o objetivo deste estudo foi descrever o padrão de movimentos dos joelhos e tornozelos na fase de apoio em grupos etários diferentes, com a proposta de identificar como estes parâmetros comportam-se durante a maturação da marcha normal.

MÉTODOS

Participantes

Para este estudo foi feita a coleta de dados de 51 indivíduos normais que foram divididos em dois grupos:

1 – Grupo de crianças (n =34) com idade média 9.7 + 2.7 anos (15 meninos e 19 meninas);

2 – Grupo de adultos (n =17) com idade média 25 + 3.8 anos (6 homens e 11 mulheres).

Os indivíduos eram todos voluntários e preencheram o termo de consentimento para uso dos dados coletados durante o exame da marcha, cujo procedimento é não invasivo e indolor. Antes da participação, todos os procedimentos foram explicados para cada indivíduo e cuidador responsável.

Todos os dados foram coletados durante a marcha com velocidade livre numa pista de 8 metros. Os indivíduos vestiam trajes de banho para permitir a colocação de marcadores diretamente sobre a pele e estavam descalços durante o exame.

Os critérios de inclusão para o trabalho foram que os indivíduos fossem hígidos, sem presença de patologias osteomuscular ou neurológicas previamente conhecidas e sem cirurgias ortopédicas anteriores nos membros inferiores.

Local

Este é um estudo retrospectivo, onde a coleta de dados da marcha normal foi realizada no Laboratório de Marcha da Associação de Assistência à Criança Deficiente em São Paulo, Brasil.

Instrumentação

Os dados de cinemática foram coletados por meio do sistema de análise tridimensional de marcha Vicon 370 (Oxford Metrics Limited; UK) constituído por 6 câmeras de infravermelho de frequência de 60fps (Hertz) e marcadores passivos de 25mm de diâmetro – para todas as capturas foi utilizado o sistema de calibração dinâmica Dynacal 2, da mesma empresa.

Os programas de captura empregados foram as versões 2.7 e, posteriormente, 4.5 do Vicon DataStation, e o pós-processamento dos dados foi gerado integralmente pelo Vicon Clinical Manager (VCM), versão 1.37. Este último tem como modelos biomecânicos o sistema de marcadores Helen Hayes11, as equações de Davis, Ounpuu, Tyburski e Gage para a estimativa dos centros articulares dos membros inferiores.12

Foram coletados 6 ciclos por cada indivíduo, selecionando 1 ciclo representativo de cada lado.

Parte da cinemática do movimento ou a orientação espacial dos segmentos em cada instante é expressa em ângulos de Euler pelo VCM, tendo como sequência de rotação: flexão, abdução e rotação. Os três ângulos de Euler da pelve e o ângulo de progressão dos pés (a)são relativos a um sistema de coordenadas vinculado ao laboratório (sistema global) e é definido pelo método de calibração do sistema Vicon 370. Os demais segmentos são orientados tendo como referência o segmento adjacente proximal (sistema local), onde um sistema de coordenadas é gerado com auxílio de pontos anatômicos e medidas antropométricas prévias.12

Para o estudo foram analisados os seguintes parâmetros da cinemática: 1) Flexão de joelhos ao contato inicial, 2) 1º pico de flexão dos joelhos no apoio, 3) Flexão mínima dos joelhos no apoio, 4) Dorsiflexão máxima dos tornozelos no apoio.

Análise Estatística

A análise estatística foi realizada através da aplicação do teste t de Student, sendo considerado significativo p < ou = 0.05 ou 5%.

RESULTADOS

O grau de flexão de joelhos ao contato inicial foi maior no grupo de crianças 7.18º quando comprado com o grupo de adultos 3.17º (p< 0.001).

O 1º pico de flexão de joelho no apoio foi maior no grupo de crianças 21.51º quando comparado com o grupo de adultos 13.44º (p < 0.001).

A flexão mínima dos joelhos no apoio também foi maior no grupo de crianças 6.19º quando comparada com o grupo de adultos -0,24º (p < 0.001). (Figuras 1 e 2)



No entanto, o pico de dorsiflexão no apoio não demonstrou diferença estatística significativa entre o grupo de crianças 13.58º quando comparado com o grupo de adultos 12.64º (p = 0.170). (Tabela 01)

DISCUSSÃO

Existe uma necessidade clara de medidas objetivas ao invés de julgamentos subjetivos na avaliação da marcha. A análise da marcha quantifica o andar e contribui para a avaliação de mudanças antes de intervenções terapêuticas. Além de que, a coleta de alguns parâmetros da marcha normal é necessária para a interpretação e quantificação da marcha patológica.

Através dos dados coletados neste estudo observamos que os adultos apresentaram menor grau de flexão dos joelhos ao contato inicial, na 1ª onda de flexão no apoio, e na flexão mínima no apoio quando comparado as crianças. Uma possível explicação para estes achados, é que através da flexão dos joelhos na fase de apoio, as crianças obtêm uma aproximação do centro de massa ao solo, fornecendo uma maior estabilidade na marcha.

O pico da dorsiflexão no apoio não exibiu diferença significativa entre os grupos de adultos e crianças.

Sutherland et al.3 observou em crianças de 2 e 7 anos de idade, um aumento de cerca de 10º na flexão de joelho após o contato inicial, seguido por uma diminuição na flexão, sendo que em torno dos 35 a 40% do ciclo o ângulo de flexão era equivalente ao medido durante o contato inicial. No grupo de crianças com dois anos, os joelhos fletiam mais e retornavam mais gradualmente a posição de contato inicial do que nas crianças de sete anos. As crianças de dois anos também apresentaram um maior grau de dorsiflexão durante a fase de apoio.

No estudo de Ganley e Powers7, não foram observadas diferenças na cinemática articular de quadril, joelho e tornozelo entre crianças de sete anos e adultos.

O processo de crescimento envolve desenvolvimento neuromuscular junto a um aumento na estatura e ambos aspectos deste processo podem influenciar no desenvolvimento do padrão de marcha em crianças normais. Kyriaris8 relatou leves diferenças na marcha de crianças após os 10 anos de idade quando comparadas à marcha adulta, e que teriam como fator determinante o comprimento do membro inferior.

Ounpuu et al.5 observaram através da coleta de dados da marcha normal, evidências de que as crianças estabelecem um padrão cinemático e cinético maturo antes dos 5 anos de idade.

No entanto, na amostra estudada o grupo formado por crianças com idade média de 9.7 anos apresentou maior flexão dos joelhos na fase de apoio quando comparado ao grupo de adultos. Este dado sugere que o processo de maturação da marcha persiste após esta idade, o que torna desejável a realização de estudos futuros para a melhor definição do processo de maturação da marcha normal.

CONCLUSÃO

O presente estudo mostra que o padrão de movimento dos joelhos na fase de apoio difere entre os grupos de crianças e adultos. As crianças apresentaram um maior grau de flexão dos joelhos ao contato inicial, na 1ª onda de flexão no apoio, e na flexão mínima no apoio. Porém, o padrão de movimento dos tornozelos na fase apoio não apresentou diferença estatisticamente significativa entre os grupos.

AGRADECIMENTOS

A toda equipe do Laboratório de Marcha da AACD que contribuiu para a realização deste estudo.

Trabalho recebido em 04/10/08

aprovado em 09/06/09

Todos os autores declaram não haver nenhum potencial conflito de interesses referente a este artigo.

Estudo realizado no Laboratório de Marcha da Associação de Assistência à Criança Deficiente, AACD, São Paulo, SP, Brasil.

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  • 2. Sutherland DH, Olshen RA, Biden EN, Wyatt MP. The development of mature walking. Oxford: Mac Keith Press; 1988.
  • 3. Sutherland DH, Olshen RA, Cooper L, Woo SL. The development of mature gait. J Bone Join Surg Am.1980;62:336-53.
  • 4. Beck RJ, Andriacchi TP, Kuo KN, Fermier RW, Galante JO. Changes in the gait patterns of growing children. J Bone Joint Surg Am. 1981;1452-6.
  • 5. Ounpuu S, Gage JR, Davis RB. Three-dimensional lower extremity joint kinetics in normal pediatric gait. J Pediatr Orthop. 1991;11:341-9.
  • 6. Cupp T, Oeffinger D, Tylkowski C, Augsburger S. Age-related kinetic changes in normal pediatrics. J Pediatr Orthop. 1999;19:475-8.
  • 7. Ganley KJ, Powers CM. Gait kinematics and kinetics of 7-year-old children: a comparison to adults using age-specific anthropometric data. Gait Posture. 2005;21:141-5.
  • 8. Kyriazis V. Temporal gait analysis of children aged 9-10 years. J Orthop Traumatol. 2002;3:31-4.
  • 9. Katoh M, Mochizuki T, Moriyama A. Changes of sagittal-plane ankle motion and ground reaction force (fore-aft shear) in normal children aged four to 10 years. Dev Med Child Neurol. 1993;35:417-23.
  • 10. Stansfield BW, Hillman SJ, Hazlewood ME, Lawson AA, Mann AM, Loudon IR, et al. Sagital joint kinematics, moments, and powers are predominantly characterized by speed of progression, not age in normal children. J Pediatr Orthop. 2001;21:403-11.
  • 11. Kadaba MP, Ramakrishnan HK, Wootten ME. Measurement of lower extremity kinematics during level walking. J Orthop Res. 1990;8:383-92.
  • 12. Davis RB, Ounpuu S, Tyburski D, Gage JR. A gait analysis data collection and reduction technique. Human Mov Sci.1991;10:57587.
  • Endereço para correspondência:
    Rua Dr. Bacelar, 317 apt 84,
    Vila Clementino – São Paulo-Brasil. CEP: 04026-001
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Abr 2010
    • Data do Fascículo
      2010

    Histórico

    • Recebido
      04 Out 2008
    • Aceito
      09 Jun 2009
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