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Modelo experimental de lesão raquimedular em ratos com dispositivo para acesso de agentes terapêuticos locais

Resumos

Um modelo experimental de lesão raquimedular com localização precisa e reproduzível é uma ferramenta extremamente importante para o estudo de novas terapias em lesões raquimedulares. OBJETIVOS: Desenvolver um modelo experimental de lesão raquimedular em ratos que produza lesão completa (paraplegia) com o posicionamento de um sistema que permita o acesso de agentes próximo ao local da lesão para testar agentes terapêuticos locais. MÉTODOS: Quinze ratos Wistar foram submetidos à transecção cirúrgica da medula espinhal, realizada com o uso de tesoura ao nível dos corpos vertebrais de T-13 a L-3 e, ao final do procedimento, à implantação de um cateter subcutâneo para o acesso de agentes terapêuticos locais ao local da lesão. RESULTADOS: Um modelo experimental de paraplegia foi consistentemente desenvolvido com a adição suplementar de um cateter para o acesso de agentes terapêuticos locais ao local da lesão. CONCLUSÃO: Um modelo animal de lesão raquimedular e um sistema para o acesso de agentes terapêuticos locais pode ser reproduzido para o estudo de diferentes modificadores da resposta regenerativa em um modelo de ratos com lesão raquimedular.

Medula espinhal; Paraplegia; Ratos


An experimental model of spinal cord injury at a precise and reproducible site is an extremely important tool for studying new therapies in spinal cord injuries. OBJECTIVES: To develop an experimental model of spinal cord injury in rats that is able to produce a complete injury (paraplegia) and placing a system enabling agents access close to injury site in order to test local therapeutic agents. METHODS: Fifteen Wistar rats were submitted to surgical transection of the spine, performed by using scissors at the level of T-13 to L-3 vertebral bodies, and, at the end of the procedure, to the insertion of a subdermal catheter intended to enable local therapeutic agents’ access to injury site. RESULTS: An experimental model of paraplegia was consistently developed by adding a supplementary catheter for local therapeutic agents’ access to injury site. CONCLUSION: An animal model of spinal cord injury and a system for local therapeutic agents’ access can be reproduced for the study of different modifiers of the regenerative response in a model of rats with spinal cord injury.

Spinal cord; Paraplegia; Rats


ARTIGO ORIGINAL

Modelo experimental de lesão raquimedular em ratos com dispositivo para acesso de agentes terapêuticos locais

Jefferson Braga-SilvaI; Daniel GehlenII; Javier A.RomanIV; Denise Cantarelli MachadoIII; Jaderson Costa da CostaVI; Manuel FaúndezIV; Victor Vieira OrsiV; Rafael BragaII

ILivre Docente em Cirurgia da Mão pela UNIFESP

IIAcadêmico em Medicina

IIIBióloga

IVMédico Ortopedista – Traumatologista

VMédico Cirurgião Plástico

VIMédico Neurologista

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Av. Ipiranga 6690 - Centro Clínico PUCRS, Sala 216 CEP 90610-000, Porto Alegre, Brasil

RESUMO

Um modelo experimental de lesão raquimedular com localização precisa e reproduzível é uma ferramenta extremamente importante para o estudo de novas terapias em lesões raquimedulares.

OBJETIVOS: Desenvolver um modelo experimental de lesão raquimedular em ratos que produza lesão completa (paraplegia) com o posicionamento de um sistema que permita o acesso de agentes próximo ao local da lesão para testar agentes terapêuticos locais.

MÉTODOS: Quinze ratos Wistar foram submetidos à transecção cirúrgica da medula espinhal, realizada com o uso de tesoura ao nível dos corpos vertebrais de T-13 a L-3 e, ao final do procedimento, à implantação de um cateter subcutâneo para o acesso de agentes terapêuticos locais ao local da lesão.

RESULTADOS: Um modelo experimental de paraplegia foi consistentemente desenvolvido com a adição suplementar de um cateter para o acesso de agentes terapêuticos locais ao local da lesão.

CONCLUSÃO: Um modelo animal de lesão raquimedular e um sistema para o acesso de agentes terapêuticos locais pode ser reproduzido para o estudo de diferentes modificadores da resposta regenerativa em um modelo de ratos com lesão raquimedular.

Descritores: Medula espinhal, Paraplegia, Ratos .

INTRODUÇÃO

Existem inúmeros estudos experimentais cujo principal objetivo é criar uma lesão nervosa em animais que permita aos pesquisadores testar novas técnicas e permitir novas descobertas capazes de modificar a história natural dessa condição.

Um modelo experimental de lesão raquimedular deve ter características padronizadas e reproduzíveis. No intuito de comparar os efeitos de diferentes agentes terapêuticos, é proposto um sistema de acesso próximo ao local da lesão, utilizando um cateter que permite um fácil acesso à mesma, para introduzir agentes locais capazes de modificar a resposta cicatricial após o trauma.

No presente estudo nós desenvolvemos um modelo que apresenta ambas características: reproducibilidade do nível e magnitude da lesão bem como a colocação adequada de um sistema que permita a introdução de agentes terapêuticos no local da lesão, posteriormente à cirurgia.

MATERIAIS E MÉTODOS

Preparo do animal

Um total de quinze ratos Wistar de ambos os sexos, pesando entre 250 e 300g, com idade de 2 meses, foram usados. Ração e água foram mantidos disponíveis durante o período perioperatório.

Duas horas antes da cirurgia, Ciprofloxacina intraperitoneal (FloxenTM 2mg/ml, Cellofarm, Carapina, Brazil) foi administrada no animal (10ml/kg de peso) como antibioticoprofilaxia.

Os animais foram sedados com 0,3 ml para cada 100 g de peso com uma solução contendo 20% de Clorpromazina (ClorpromazTM, 5 mg/ml ) e 80% de Ketamina (Ketamin-S(+),50 mg/ml), via injeção intramuscular. Os animais foram posicionados em pronação, com as patas anteriores e posteriores esticadas, e tricotomizados. Após desinfecção de rotina, um incisão longitudinal de aproximadamente 2,5 cm foi realizada. O plano do local da incisão é mostrado na Figura 1; consideramos como referência duas linhas horizontais desenhadas perpendicularmente ao eixo vertebral, uma passando ao nível dos membros anteriores e a outra ao nível dos membros posteriores. A seguir, o espaço entre essas duas linhas foi dividido em três porções de mesma extenção. Dessa maneira, foram obtidos três segmentos de mesma extensão: um superior, um médio e um inferior. A incisão foi realizada 1 cm abaixo do local de união entre o seguimento superior e médio. Com o uso dessa técnica, abordamos a medula do animal entre T-13 e L3, conforme mostrado por raio-X (Figura 2).



Procedimento Cirúrgico

Após incisão da pele, a dissecção por planos foi realizada sobre o processo espinhoso separando o músculo espinotrapézio do osso (Figura 3), e foi realizada a ressecção da lâmina vertebral expondo as meninges da medula espinhal distal. Após, a transecção transversal da medula espinhal foi realizada com tesoura de dissecção. Freqüentemente, este procedimento causou sangramento das meninges, sendo manejado com a compressão da zona afetada com gaze cirúrgica umidecida.


O implante subcutâneo de um cateter radiopaco 22G (JelcoTM Johnson&Johnson, Lenneke Marelaan, Bélgica) coberto com uma membrana intermitente sem a presença de látex (IN 400, B|Braun S.A, São Gonçalo, Brasil) foi realizado, conectando a medula exposta e a área subcutânea na região lombar, utilizando o tecido da musculatura paravertebral. A porção distal do cateter foi mantida entre o tecido muscular paravertebral e a porção proximal foi coberta com uma membrana intermitente sem látex e mantida abaixo da pele, remanescendo completamente coberta por pele. Finalmente, o fechamento por planos com pontos da camada muscular e da pele foi realizado (Figuras 3 e 4).


Todas etapas do procedimento cirúrgico foram realizadas de acordo com os procedimentos éticos para o uso de animais em manipulação laboratorial.

RESULTADOS

Todos os animais perderam a motricidade abaixo do nível da lesão, permanecendo paraplégicos. Então, após cirurgia e recuperação pós-anestésica, foi verificada a perda completa de mobilidade espontânea tanto nas patas posteriores e cauda bem como perda da resposta nervosa à dor, testada cuidadosamente por pinçamento. Após observação por longo tempo (mais de 3 meses), não foi observada recuperação de motricidade espontânea ou sensibilidade. Não houve perda motora ou de sensibilidade nas patas anteriores e cabeça, o que permitiu ao animal movimentar-se e alimentar-se. Não foi detectada disfunsão respiratória, digestiva ou urinária graves, embora não tenhamos testado especificamente.

DISCUSSÃO

Lesões raquimedulares representam uma das piores agressões que o corpo humano pode sofrer, resultando em incapacidade física, psicológica e emocional. Uma das principais causas de incapacidade física em seres humanos são as lesões raquimedulares, sendo responsáveis por aproximadamente 10.000 novos casos de paralisia aguda por ano nos EUA, das quais 1.000 são em crianças (1).

Inúmeros estudos vêm sendo desenvolvidos na tentativa de compreender os mecanismos envolvidos tanto em relação a lesão quanto ao reparo que sucede a lesão raquimedular. Na última década, novos conceitos biotecnológicos surgiram, como a bioengenharia, a qual trouxe novas perspectivas como o uso de agentes biológicos (ex: células tronco) para promover a cicatrização de diferentes tecidos. O potencial terapêutico dessas novas tecnologias já foi reconhecido, no entato, o seu verdadiro papel na prática médica ainda precisa ser estabelecido. Portanto, no intuito de estudar novas estratégias para o reparo nervoso, modelos experimentais adequados são extremamente desejados.

Ao longo dos estudos envolvendo lesão raquimedular e reparo, inúmeros testes em animais foram desenvolvidos. As primeiras tentativas para obter animais paraplégicos ou outros modelos de lesão raquimedular foram alcançados pela realização de impactos consecutivos no dorso do animal ou provocando a queda dos animais de determinada altura.

Allen, em 1911, foi o pioneiro em estudos experimentais buscando criar um animal modelo de lesão raquimedular padronizado. O seu método utilizava o lançameto de alguns pesos por um tubo colocado diretamente sobre a medula espinhal do animal, previamente exposta.

Em 1936, Amako e Freeman ainda utilizavam o modelo de contusão por dispositivos com queda de pesos em suas pesquisas. Eidelberg, em 1976, criou um modelo em ratos com lesão raquimedular causada por compressão epidural direta. Tarlov, em 1953, publicou um modelo no qual um cachorro teve a medula espinhal lesionada por um balão inflado dentro do canal espinhal. Novas técnicas foram desenvolvidadas e aprimoradas, por exemplo, a estabilização da medula e a distribuição precisa das forças envolvidas no impacto, o uso de mecanismos capazes de medir a força a qual a medula do animal é exposta (2), bem como a invenção de mecanismos de impacto pneumático, baseados nos preceitos descritos por Allen no início do século vinte (3-5).

É necessário enfatizar que todos modelos descritos na literatura são padronizados tanto em relação ao mecanismo quanto à intensidade da força do trauma, sendo iguais em todos os animais em um estudo; no entanto, eles não asseguram contusões da mesma magnitude em todos os indivíduos em um mesmo estudo.

Em um modelo de paraplegia em animais, busca-se reproduzir a lesão com lealdade e metodologia, de forma que possa ser usado em diferentes estudos que permitam a comparação entre diferentes análises e a correlação com as características apresentadas em seres humanos com dano nervoso semelhante.

Dentre os inúmeros modelos e as inúmeras formas de obtenção de um animal paraplégico, alguns são distinguidos pelas suas tentativas bem sucedidas de criar condições clínicas análogas àquelas observadas na paraplegia humana. No entanto, no presente estudo, não houve preocupação imediata com as similaridades com traumas reais. Este estudo teve o seguinte propósito: levar o animal, de forma sistematizada, à paraplegia, e desenvolver um dispositivo para o acesso de diferentes agentes terapêuticos locais.

CONCLUSÃO

Após realizados os testes e realizadas as correlações com outros modelos animais de lesão raquimedular, nós concluímos que a presente técnica permite saber quais estruturas do rato serão influenciadas pela transecção da medula.

A técnica da incisão em um local pré-estabelecido promove, com consistente segurança, paraplegia no animal. Após inúmeros testes, nós concluimos que a ausência de uma localização precisa poderia nos levar a resultados incertos, como paralisia das patas anteriores, tetraplegia, choque ou morte do animal. A antibioticoterapia utilizada durante o perído pré-operatório buscou prevenir uma possível translocação bacteriana proveniente do intestino, conforme proposto por Liu et al (6), o que poderia contribuir para o desenvolvimento de endotoxemia.

O fator mais relevante no presente estudo é a implantação do cateter, que oferece a possibilidade de introduzir no local da injúria qualquer preparação de uma forma rápida e segura, na quantidade desejada, como muitas vezes é necessário, sem a necessidade de submeter o animal a novas incisões ou cirurgias.

Trabalho recebido em 24/04/06 e aprovado em 10/05/07

Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia da Mão e Microcirurgia Reconstrutiva. Pontíficia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brazil

Instituto de Pesquisas Biomédicas. Pontíficia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brazil

  • 1. Carlson GD, Gorden C. Current developments in spinal cord injury research. Spine J 2002; 2(2):116-28.
  • 2. Yeo SJ, Hwang SN, Park SW, et al. Development of a rat model of graded contusive spinal cord injury using a pneumatic impact device J Korean Med Sci 2004: 19: 574-80.
  • 3. Basso DM, Beattie MS, Bresnahan JC. Graded histological and locomotor outcomes after spinal cord contusion using the NYU weight-drop device versus transection Exp Neurol 1996; 139(2):244-56.
  • 4. Brown KM, Wolfe BB, Wrathall JR. Rapid functional recovery after spinal cord injury in young rats J Neurotrauma 2005; 22(5):559-74.
  • 5. Kaufman S. Animal Models of Spinal Cord Injury, Perspective on Medical Research, 1990,Vol 2. Avalaible from: http://www.curedisease.com/Perspectives/vol_2_1990/Contents.html
  • 6. Liu J, An H, Jiang D, et al. Study of bacterial translocation from gut after paraplegia caused by spinal cord injury in rats. Spine. 2004; 15;29(2):164-9.
  • Endereço para correspondência:
    Av. Ipiranga 6690 - Centro Clínico PUCRS, Sala 216
    CEP 90610-000, Porto Alegre, Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Set 2007
    • Data do Fascículo
      2007

    Histórico

    • Recebido
      24 Abr 2006
    • Aceito
      10 Maio 2007
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