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Contando histórias familiares: estratégias de aprendizagem no cuidado com família

Resumos

OBJETIVO: Identificar como os estudantes de enfermagem vivenciam o contar de suas histórias familiares, como estratégia de aprendizagem no cuidado com a família. MÉTODOS: Estudo qualitativo, descritivo realizado com 18 estudantes do 2º ano do Curso de graduação em Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo que participaram de quatro encontros, utilizados como recurso complementar na formação do cuidado com a família. Utilizou-se a análise de conteúdo proposta por Bardin. RESULTADOS: Emergiram três categorias: mudanças na percepção e ampliação do conceito de família e ressignificação de vínculos; identificação de semelhanças, crenças, valores e rituais nas histórias familiares; valorização da escuta ativa, como uma estratégia do cuidado com família. CONCLUSÃO: O estudo contribuiu para a criação de novas estratégias de formação em enfermagem no cuidado com família à medida que as alunas puderam rever conceitos e ampliar contextos com base nas histórias contadas pelas participantes.

Educação em enfermagem; Saúde da família; Autobiografia


OBJECTIVE: To identify how nursing students experience telling their family stories as a learning strategy in family care. METHODS: This was a qualitative and descriptive study, conducted with 18 students (second year, Nursing undergraduate course, Federal University of São Paulo) who participated in four meetings. These were used as an additional resource in formation of family care. Content analysis as proposed by Bardin was used. RESULTS: Three categories emerged: changes in perception and expansion of the concept of family, and redefinition of ties; identification of similarities, beliefs, values, and rituals in family stories; enhancement of active listening as a strategy for family care. CONCLUSION: This study contributed to create new strategies for nursing education in family care so far as students could revise concepts and extend contexts based on stories told by participants.

Education, nursing; Family health; Autobiography


OBJETIVO: Identificar cómo los estudiantes de enfermería vivencian el relato de sus historias familiares, como estrategia de aprendizaje en el cuidado a la familia. MÉTODOS: Estudio cualitativo, descriptivo realizado con 18 estudiantes del 2º año del Pregrado en Enfermería de la Universidad Federal de Sao Paulo que participaron de cuatro encuentros, utilizados como recurso complementario en la formación del cuidado a la familia. Se utilizó el análisis de contenido propuesto por Bardin. RESULTADOS: Emergieron tres categorías: cambios en la percepción y ampliación del concepto de familia y resignificación de vínculos; identificación de semejanzas, creencias, valores y rituales en las historias familiares; valorización de la escucha activa, como una estrategia del cuidado a la familia. CONCLUSIÓN: El estudio contribuyó para la creación de nuevas estrategias de formación en enfermería en el cuidado a la familia en la medida que las alumnas pudieran revisar conceptos y ampliar contextos con base en las historias contadas por las participantes.

Educación em enfermería; Salud de la família; Autobiografía


ARTIGOS ORIGINAIS

Contando histórias familiares: estratégias de aprendizagem no cuidado com família

IDoutora em Enfermagem. Professora Adjunto-Graduação e Pós-graduação Disciplina de Saúde Coletiva na Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP – São Paulo (SP), Brasil

IIPós-graduanda (Mestrado). Programa de Pós-graduação da Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP – São Paulo (SP), Brasil

IIIPós-graduanda (Mestrado). Programa de Pós-graduação da Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP – São Paulo (SP), Brasil

IVPós-graduanda (Doutorado). Programa de Pós-graduação da Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP – São Paulo (SP), Brasil

Endereço para correspondência

RESUMO

OBJETIVO: Identificar como os estudantes de enfermagem vivenciam o contar de suas histórias familiares, como estratégia de aprendizagem no cuidado com a família.

MÉTODOS: Estudo qualitativo, descritivo realizado com 18 estudantes do 2º ano do Curso de graduação em Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo que participaram de quatro encontros, utilizados como recurso complementar na formação do cuidado com a família. Utilizou-se a análise de conteúdo proposta por Bardin.

RESULTADOS: Emergiram três categorias: mudanças na percepção e ampliação do conceito de família e ressignificação de vínculos; identificação de semelhanças, crenças, valores e rituais nas histórias familiares; valorização da escuta ativa, como uma estratégia do cuidado com família.

CONCLUSÃO:O estudo contribuiu para a criação de novas estratégias de formação em enfermagem no cuidado com família à medida que as alunas puderam rever conceitos e ampliar contextos com base nas histórias contadas pelas participantes.

Descritores: Educação em enfermagem; Saúde da família; Autobiografia

INTRODUÇÃO

Durante muito tempo, a tradição oral foi o principal modo de compartilhar conhecimento, visto que a escrita foi e é ate hoje inacessível para muitas populações. Nesta tradição, encontramos as histórias que podem ser definidas como testemunho transmitido verbalmente de uma geração para outra, perpetuando crenças e valores(1).

Muitas vezes, quando pensamos em histórias, fazemos associação aos contos, lendas e fábulas e, por sua vez, neste estudo, nosso foco serão as histórias de famílias. A utilização de histórias familiares fundamenta-se no fato de que contar histórias é uma forma de organizar o pensamento humano, pois apresentam ideias e contam a respeito das percepções e relações, portanto, é uma forma de expressão essencial ao ser humano(1).

A família é entendida como sendo uma estrutura em permanente transformação, logo as histórias são contadas, recontadas e transformadas. A transformação vai se dando ao longo do ciclo vital, e os próprios fatos da vida que exigem uma elaboração constante, como a separação de pais, crescimento dos filhos e saída de casa, doenças, envelhecimento, psicose, morte, entre outros, vão compondo seu enredo.

Para o entendimento das histórias familiares contadas, este estudo teve como fundamentação teórica o pensamento sistêmico. O século XX foi marcado por notáveis estudiosos que forneceram perspectivas multidisciplinares e caminhos diferenciados para a produção do conhecimento em diferentes áreas, incluindo a saúde. Nesse período, o pensamento sistêmico apresentou-se, como uma nova visão do mundo na ciência e na sociedade, permitindo uma concepção sistêmica da vida e uma visão holística de saúde(2) Sendo assim, a família é entendida como um sistema aberto que interage com outros sistemas que compõem a sociedade, entre eles, o sistema da saúde.

Atualmente no Brasil, as políticas públicas buscam promover uma nova concepção de saúde, e programas e estratégias foram desenvolvidos visando a ampliar este conceito. A família passou a ser objeto de atenção, compreendida com base no ambiente onde vive como uma unidade de atendimento. Logo, a compreensão do conceito de cuidado da família passa a ser algo pertinente e relevante, que deve considerar questões relacionadas à abrangência territorial, à diversidade, às situações de vida e às influências culturais(3).

Assim, neste estudo, a definição de saúde da família pode ser descrita como uma dinâmica que mantém ou transforma o estado relativo de bem-estar, incluindo aspectos biológicos, psicológicos, espirituais e socioculturais, todos esses elementos dos sistemas familiares(4,5).

Diante dessa realidade, surge a necessidade de capacitar profissionais que compreendam a família e suas relações, intervindo por meio de práticas que estimulem a mudança de paradigma alicerçadas no pensamento sistêmico e em contexto caracterizado por novas necessidades de saúde, para que entendam a família como unidade de cuidado, e como foco central para a prática e a pesquisa em enfermagem(4,5).

Nesta perspectiva, estudos mostram as mudanças ocorridas nos últimos anos a respeito da diferença entre a família, como um suporte da assistência ao paciente e a família, como unidade de cuidado (3-6).

Tais mudanças levam à necessidade de ampliação da visão muldisciplinar, relacionada à educação em saúde, promovendo um repensar nas práticas do cuidado da enfermagem com família. Desta forma, há um investimento no cuidado integral à saúde dos indivíduos e das famílias, ampliando a restrita ideia de saúde como ausência de doença ou promoção e proteção da saúde(7).

A prática de ensino e pesquisa na díade enfermagem e família vem sendo desenvolvida nos últimos anos e pode-se identificar estratégias de aprendizado que colocam o graduando de enfermagem em contato com o tema cuidado com família(6-8). Dentre as estratégias, estão alguns instrumentos que são utilizados na prática da enfermagem na atuação de cuidado com famílias, como o genograma e o ecomapa. Mas, há a necessidade de utilização de outras práticas que facilitem o contato do graduando com a família que será cuidada.

Desta forma, o uso de narrativas tem sido pesquisado como recurso para produção de conhecimento em enfermagem(9), por sua vez, pouco se tem explorado da história pessoal de quem se propõe a estudar a família.

O presente estudo teve a pretensão de ampliar as estratégias de ação do graduando de enfermagem no "pensar" e no "fazer" o cuidado com a família, utilizando as histórias familiares dos estudantes como estratégia de aprendizado, com base na perspectiva e referencial dos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem.

OBJETIVO

Identificar como os estudantes de enfermagem vivenciam o contar de suas histórias familiares, como estratégia de aprendizagem no cuidado com família.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo descritivo, de caráter qualitativo que teve seu projeto de pesquisa aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Institucional (Protocolo nº 1966/10).

Participaram desta proposta 18 estudantes de graduação em enfermagem, do gênero feminino da Escola Paulista de Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo. Os critérios de inclusão dos participantes foram: estar matriculado no segundo ano de enfermagem, cursando a disciplina eletiva "Avaliação e intervenção de enfermagem à família nos diferentes momentos do ciclo vital".

A coleta de dados foi realizada no Centro de Assistência e Estudos de Enfermagem no período entre outubro e novembro de 2010. Foram realizados quatro encontros, compostos de atividades de sensibilização, momentos de organização oral e escrita das narrativas, espaços de compartilhamento das histórias familiares e atividades de reflexão em grupo. As atividades buscaram resgatar sentimentos, significados, crenças e valores familiares baseados nas histórias por elas contadas.

Cada encontro teve uma estrutura geral comum, que organizava as atividades em quatro sequências: Sensibilização – atividades de contação e construção de histórias; Narrativas e escritas de histórias familiares – atividades que estimulavam a expressão oral e a expressão escrita; Compartilhamento – momento de compartilhar sentimentos sobre as histórias narradas e ouvidas; Reflexão coletiva- momento de dar significado às histórias.

No primeiro encontro, as participantes foram sensibilizadas sobre o tema "histórias de família", assistindo a um trecho de um filme, no qual o protagonista historiava as fases de sua vida. Na sequência, foram estimuladas a contar para outra participante do grupo, uma história de sua vida que incluísse sua família. A seguir, foi realizada a entrevista grupal que teve como questões norteadoras: Como foi a experiência de contar uma história de sua família? Qual a importância disso para você?

No segundo encontro, cada participante escreveu uma história familiar, considerando o contexto e as personagens. Após, as participantes foram divididas em dois subgrupos, para que pudessem ouvir, narrar, dialogar e trocar experiências. Essa etapa propunha a escuta do outro e a reflexão sobre como cada história familiar ecoou em sua história de vida, observando ressonâncias, e o que existe de comum e diferente nas histórias familiares narradas. Ao final, o grupo foi convidado a refletir sobre as seguintes indagações: Como foi organizar a história? Como foi ouvir as histórias contadas pelas outras participantes?

No terceiro encontro foi realizada a gravação em mídia das histórias familiares. A gravação previa a escolha individual de um fundo musical para cada história escrita no segundo encontro. No final das gravações em mídia as participantes foram convidadas a refletir com base nas seguintes questões norteadoras: Pensando nas histórias que você ouviu, qual sua percepção sobre família? Qual a repercussão dessa experiência para você como graduanda de enfermagem?

No quarto encontro, foi realizada a construção de uma história coletiva, tendo como foco o que foi vivenciado/aprendido nas etapas anteriores. A pergunta norteadora foi: Como foi a experiência vivida no grupo, em relação aos aspectos pessoais e como futura enfermeira no cuidado com a família?

Os dados foram analisados com base na transcrição fidedigna de cada encontro, utilizando a análise de conteúdo proposta por Bardin(10). A análise de conteúdo do estudo está baseada na análise temática ou categorial, que consiste em identificar os núcleos de sentido que compõem as narrativas. O tema ou categoria é a base analítica para estudar significados e crenças(11).

O material analisado foi agrupado em categorias, baseadas nos temas que emergiram durante o processo de coleta de dados. Desta forma o material analisado incluiu: as histórias dos participantes construídas e editadas em mídia; o registro (gravação) dos momentos de reflexão grupal, realizados após cada oficina; entrevista coletiva com perguntas norteadoras, após cada oficina; e, história coletiva elaborada pelas participantes.

Resguardando a identidade das participantes, as narrativas foram identificadas com a letra "P" e um número a seguir correspondente a cada sujeito do estudo.

RESULTADOS

A análise dos dados possibilitou a identificação de três categorias: mudanças na percepção e ampliação do conceito de família e ressignificação de vínculos; identificação de semelhanças, crenças, valores e rituais nas histórias familiares; valorização da escuta ativa, como uma estratégia do cuidado com família.

Mudanças na percepção e ampliação do conceito de família e ressignificação de vínculos

Nessa categoria, as narrativas e o resgate das emoções vividas promoveram a organização da concepção de família e seus contextos familiares. As graduandas explicitaram o contato com sentimentos vividos em família, valorizaram e reconheceram lembranças, compreendendo sua importância, bem como o sentimento de pertencimento nos diferentes formatos de família, como constam nas narrativas de P14, P3 e P10:

"Minha família é bem tradicional, mas aprendi e estou elaborando (ainda mais contando as histórias) que as mudanças são possíveis e não há problema em deixar alguns costumes, se fizer sentido para as pessoas. Respeito e amor não deixam de existir se as pessoas possuem desejos e/ou opiniões diferentes." (P14).

"Na história, eu falei sobre uma viagem que eu fiz com meu namorado e a família dele. Pra mim, a família não é só pai e mãe, mas quem tá junto, quem ajuda , dá suporte. Eu considero a família do meu namorado, minha família também." (P3).

"Aprendi que minha família, apesar de não ser totalmente unida, me faz feliz, pois tenho ao meu lado pessoas que amo, admiro e respeito." (P10).

As participantes apresentaram ainda percepções sobre a importância de ressignificar seus vínculos com a família de origem ou com algum membro familiar em específico, como apresentado por P4, P16 e P12.

"Com essa história pude perceber a importância e a preocupação que tenho com meu irmão... essa história me mostra o quanto a minha família é unida e como nos amamos." (P4).

"O significado dessa história para mim, é perceber o quanto é bom, importante e confortável sabermos que existem pessoas que gostam de nós e que estão presentes para nos proteger nas mais diversas situações. Meu pai é alguém muito importante, em quem me inspiro muitas vezes e com quem me surpreendo a cada história contada." (P16).

"Esses dias minha mãe começou a contar uma história, eu soube respeitar, entender o contexto da família, conhecer as atitudes da família". Saber respeitar e não ficar tão triste, ela fez isso por causa disso. Eu consigo compreender melhor meus pais, depois deles falarem, eu falo – tem mais alguma coisa? Senão, eu não ouço e aí fica uma discussão. (P12)

Identificação de semelhanças, crenças, valores e rituais nas histórias familiares

Esta categoria está relacionada com a capacidade de refletir sobre as próprias histórias com base na escuta da história do outro. Foi possível verificar a identificação de semelhanças, crenças, valores e rituais familiares nas histórias apresentadas por P17 P01 e P11:

"Achei muito interessante essa troca. A história que eu contei e a que elas contaram, foi muito interessante ver as semelhanças. Ver que é importante para o outro. O que tem em comum? Tem complicações familiares, viagens, dificuldades e probleminhas" (P17).

"Cada história teve um pouco da minha história". Eu achei interessante porque só a história não te dá tanto suporte como os sentimentos que vêm junto da história, superação, tristeza, mais pelo sentimento do que pela história. (P1)

"No nosso grupo, nas histórias... alguém falou de algum problema que teve, alguma coisa que aconteceu e depois veio a união familiar e o afeto. Em todas as histórias, tinha união e afeto , existe a ajuda , o natal, a união de uma família. Todas as famílias passam dificuldades , mas todas são unidas." (P11)

Valorização da escuta ativa como uma estratégia do cuidado com a família

Nesta categoria, as participantes identificaram a escuta ativa como disparador para o cuidado e facilitador para a aproximação com a família, reconhecendo sua importância como estratégia de cuidado, pois referiram acreditar que pode ser um meio de favorecer a comunicação e a criação de vínculos, como descrito nos relatos de P5, P2 e P4:

"Como futura enfermeira, escutarei ao longo da profissão muitas histórias (...) na prática com a família, vou pensar que cada um que participou da história irá contá-la de maneira diferente, pois, para cada pessoa uma mesma história tem significado diferente" (P5).

Em questão de ouvir também, eu acho que foi uma coisa que todo mundo aprendeu, uma coisa que foi bem focada aqui foi a importância do ouvir, e de não interpretar o que o outro está querendo falar, deixar ele falar e ouvir de fato, não querer dar sua opinião e querer interpretar da sua maneira." (P2).

"Ouvindo as histórias, a principal coisa que aprendi foi ouvir realmente, prestar atenção no outro, entender, respeitar. (...) aprendi que cada um tem um ponto de vista sobre a história." (P4).

DISCUSSÃO

Entre as várias competências do profissional de enfermagem, o cuidado com a família vem se revelando nas últimas décadas, como mais uma estratégia de promoção e proteção da saúde.

A família sempre foi considerada a célula matriz das civilizações, pois desempenha papel decisivo na educação formal e informal e no desenvolvimento do ser humano. É por meio dela que são transmitidos valores, mitos e crenças que formam marcas entre as gerações que, por sua vez, as refletem na sociedade.

Nos estudos sobre a enfermagem da família, a tendência atual é cuidar da família como um sistema, como uma unidade de cuidado. Sendo assim, a formação do enfermeiro precisa de estratégias de ensino que visem, além dos conhecimentos técnicos, à autonomia e à prática reflexiva sobre o cuidado com famílias, o que justifica um aprofundamento de conteúdo nas disciplinas sobre família nos meios acadêmicos (1,2)

Neste estudo, emergiram temas relevantes na díade formação em enfermagem e cuidado com famílias. Os resultados evidenciaram a importância de se integrar a história pessoal e a história profissional, acreditando que o contato com diferentes entendimentos e experiências individuais e familiares podem contribuir para a atuação profissional do enfermeiro com a família, como unidade de cuidado.

Nesta pesquisa, as graduandas de enfermagem foram convidadas a entrar em contato com seus referenciais de família por meio da narrativa de suas histórias e constataram que família é um conceito singular, ou seja, cada família constrói sua própria história ou seu próprio mito, crenças e valores, entendidos como uma formulação discursiva em que se expressam o significado e a explicação da realidade vivida, com base nos elementos subjetivamente acessíveis aos indivíduos, de acordo com a cultura em que vivem. Os mitos familiares, expressos nas histórias contadas, cumprem a função de imprimir a marca da família, herança a ser perpetuada(12).

A reconstrução das histórias, bem como a análise dos padrões relacionais de repetição possibilitou ampliar a visão do problema podendo trazer à consciência ferramentas que ajudaram a elaboração de conflitos e a ressignificação de seus conteúdos.

Ao facilitar que as estudantes realizem essa autorreflexão sobre suas famílias, percebeu-se que o conceito de família está relacionado à dinâmica, ao contexto, às relações e aos vínculos familiares. E é, com base nesse contexto ativo e evolutivo que as transformações ocorrem, o que nos leva a concordar que a conceituação básica compreende que a família está em evolução, transformando-se continuamente e organizando-se muito mais por laços de afeição do que por consanguinidade ou hierarquias tradicionais(13).

Ao pensar o grupo familiar como sistema, subentende-se que este se relaciona com outros sistemas mais amplos da comunidade, da sociedade e da cultura. Compreender essa cultura familiar é importante para qualquer profissional que deseja promover intervenções com ela, e isso envolve entender o que compõe uma família e como ela funciona.

As pessoas são especialistas em suas próprias vidas, possuindo competências, crenças, valores e recursos que ajudam a reduzir a influência dos problemas em suas vidas. Mas, para que isso aconteça, é necessário que elas entrem em contato e valorizem essas competências, valorizando não aquilo que precisam desenvolver, mas aquilo que de fato possuem.

O trabalho de "pensar" a família com base nas narrativas mostrou-se como algo novo para os graduandos. Pensa-se e atua-se com os membros que compõem essa família, mas não na família como um todo, que sofre com as transformações e crises de cada membro(14).

Logo, "pensar" família, é compreender o status constante de mudança que essa sofre. Destaca-se ainda que o ciclo de desenvolvimento é composto por crises e resoluções, em uma dança entre equilíbrio e desiquilíbrio, como etapa do processo de resolutividade da situação vivida.

É importante destacar que ao iniciar na prática do cuidado com a família, o graduando não estará sozinho, carregará consigo sua herança composta por crenças e valores familiares, que poderão ajudá-lo em seu plano de ação, desde que essas vivências pessoais sejam compreendidas como úteis no cotidiano da enfermagem.

Verificou-se que, conforme os participantes contavam suas histórias e ouviam a história do outro, identificavam em seus conteúdos momentos de fortalecimento, de crise, de resiliência, de estratégias de enfrentamento e de uma série de sentimentos que permeiam essas competências.

Ao narrar um acontecimento, a pessoa reorganiza sua experiência, de modo que tenha ordem coerente e significativa, dando um sentido ao evento. "É uma expressão simbólica que explica e instrui como entender o que está acontecendo"(15). As histórias que ouvimos e contamos, situam-nos no mundo onde vivemos, dão-lhe sentido, valor e transformam-no, à medida que nos transformamos. As histórias do presente e do passado são uma forma de diminuir as distâncias entre lugares e pessoas, dando um sentido coletivo ao que fazemos e somos(1).

Nesse contexto de aprendizagem, o estudo evidencia que a narrativa das histórias foi um instrumento importante na prática do cuidar. Vários autores reconhecem a importância de ouvir as histórias como meio para a compreensão do outro e seu contexto, como processo de construção, conservação e difusão do conhecimento em enfermagem. Nessa perspectiva, podemos afirmar que o enfoque sistêmico está sendo empregado à medida que facilita a compreensão do cuidador como parte do sistema, permitindo que o processo de cuidar seja reconstruído com os envolvidos(1).

Na prática do cuidado de enfermagem, o enfermeiro busca contribuir para o alívio do sofrimento, condição humana e inevitável para indivíduos e famílias; para a procura do equilíbrio e a busca do bem-estar, sendo assim, escutar com atenção, o que as pessoas e as famílias têm e querem contar, mostra-se, como uma boa estratégia para obter informações, a fim de planejar o cuidado(15).

Cabe ainda destacar que as participantes puderam identificar a diferença entre ouvir e escutar. Na escuta, pode-se perceber as emoções e sentimentos que estão contidos na fala das pessoas e que tornam o discurso singular. Pautada na compreensão da narrativa do outro é possível identificar os pedidos de ajuda e a ampliação do conhecimento e entendimento sob a perspectiva do outro.

Acredita-se que foi possível sensibilizar as participantes para a importância da escuta ativa como uma forma de cuidado, pois, dar a palavra ao vivido por meio da narrativa é seguramente uma fonte inexplorada de conhecimento fundamentado nas pequenas histórias do cotidiano, laboriosamente tecidas pelo tempo e refletida. São ricos materiais com os quais são construídos os sentidos e os saberes em enfermagem, que contribuem para o desenvolvimento do enfermeiro(15).

Diante da necessidade de ampliar as formas como o enfermeiro se relaciona com a família, acredita-se que seja importante o estabelecimento de uma "escuta ativa". Atualmente, não são raros os comentários no cotidiano da área de saúde, onde os profissionais relatam ter dificuldade de criar vínculo afetivo(7). Nesses casos, o preparo do profissional e a criação de estratégias para ampliar a capacidade de estabelecer um vínculo de confiança pode ser um instrumento que favoreça a fluência nos relacionamentos, dentro de um espaço de respeito, escuta e colaboração.

CONCLUSÃO

Corroborando estudos realizados na área, os resultados deste estudo estimulam um olhar mais atento para a escuta de si e do outro, a busca de estratégias de ensino que ampliem o vínculo e a compreensão e respeito à diversidade, dentro de uma proposta de atenção integral à saúde centrada no cuidado com as famílias.

Assim, as atividades com histórias familiares configuraram-se como um recurso importante para reflexão individual e coletiva, aspecto fundamental para a aquisição de novas percepções e aprendizagens sobre o cuidado com a família com estudantes de enfermagem.

Desta forma, o ensino da abordagem familiar deve considerar o contexto, as relações e o processo desenvolvido entre os participantes da situação envolvida. Espera-se que novos estudos sejam realizados para ampliar o entendimento dessa prática e favorecer a inclusão da família e seu contexto no cuidado de enfermagem.

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  • *
    Ana Lúcia de Moraes HortaI; Mônica Zagallo CamargoII; Maria Goreti da Silva CruzIII;Celina DaspettIV
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Mar 2013
    • Data do Fascículo
      2012

    Histórico

    • Recebido
      14 Abr 2012
    • Aceito
      13 Ago 2012
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