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Assistência de enfermagem a paciente com colostomia: aplicação da teoria de Orem

Resumos

OBJETIVO: Aplicar a Teoria do Autocuidado de Orem na assistência a paciente portadora de estomia. MÉTODOS: Estudo clínico realizado com paciente portadora de estomia intestinal, secundária à doença de Chagas. A coleta de dados foi obtida mediante cuidado domiciliar, usando formulário com questões referentes aos pressupostos de Orem. Para análise do discurso os dados foram apresentados de acordo com os fatores determinantes no desenvolvimento do autocuidado. RESULTADOS: Alguns requisitos de autocuidado estavam alterados, como "Equilíbrio entre solidão e interação social" e "Autocuidado no desvio de saúde". O cuidado domiciliar baseado no sistema apoio-educação permitiu a promoção da saúde e a percepção da importância da paciente no cuidado. CONCLUSÃO: A Teoria do Autocuidado possibilitou o cuidado e a comunicação terapêutica adequando-se à situação da paciente.

Autocuidado; Colostomia; Educação do paciente


OBJECTIVE: To apply the "Orem's Self-care Theory" in ostomy patient care. METHODS: This is a clinical study with an intestinal ostomy patient, whose illness is a consequence of the "Chagas disease". Data collection was performed during the home visits, using a form with questions referred to the Orem's presuppositions. The data were analyzed and presented according to the determining factors in self-care development. RESULTS: Some self-care requirements were modified, such as: "Balance between loneliness and social interaction" and "Self-care in health disorders". The home care delivered based on the supporteducation system allowed for the promotion of health and the patient's perception regarding the importance of self-care. CONCLUSION: The self-care theory allowed for appropriate care and therapeutic communication adjusted to the patient's situation.

Self-care; Colostomy; Patient education


OBJETIVO: Aplicar la teoría del autocuidado de Orem en la asistencia a paciente portadora de ostomía. MÉTODOS: Se trata de un estudio clínico realizado con una paciente portadora de ostomía intestinal, secundaria a la enfermedad de Chagas. Los datos fueron recolectados a través del cuidado domiciliario y del uso de un formulario con preguntas referentes a las premisas de Orem. El análisis del discurso fue presentado de acuerdo con los factores determinantes en el desarrollo del autocuidado. RESULTADOS: algunos requisitos del autocuidado estaban alterados tales como: "Equilibrio entre la soledad y la interacción social" y "Autocuidado en el desvío de la salud". El cuidado domiciliario basado en el sistema del apoyo-educación permitió la promoción de la salud y la percepción de la importancia de la paciente en el cuidado. CONCLUSIÓN: La teoría del Autocuidado posibilitó el cuidado y la comunicación terapéutica adecuándose a la situación de la paciente.

Autocuidado; Colostomía; Educación del paciente


ARTIGO ORIGINAL

Assistência de enfermagem a paciente com colostomia: aplicação da teoria de Orem*

Asistencia de enfermería a paciente colostomizada: aplicación de la teoría de Orem

Francisca Aline Arrais SampaioI; Priscila de Souza AquinoII; Thelma Leite de AraújoIII; Marli Teresinha Gimenez GalvãoIII

IMestre em Enfermagem pela Universidade Federal do Ceará – UFC. Pós-graduada em Estomaterapia pela Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza (CE), Brasil

IIMestre em Enfermagem pela Universidade Federal do Ceará – UFC. - Fortaleza (CE), Brasil

IIIDoutoras, Professoras do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Ceará – UFC - Fortaleza (CE), Brasil

Autor Correspondente

RESUMO

OBJETIVO: Aplicar a Teoria do Autocuidado de Orem na assistência a paciente portadora de estomia.

MÉTODOS: Estudo clínico realizado com paciente portadora de estomia intestinal, secundária à doença de Chagas. A coleta de dados foi obtida mediante cuidado domiciliar, usando formulário com questões referentes aos pressupostos de Orem. Para análise do discurso os dados foram apresentados de acordo com os fatores determinantes no desenvolvimento do autocuidado.

RESULTADOS: Alguns requisitos de autocuidado estavam alterados, como "Equilíbrio entre solidão e interação social" e "Autocuidado no desvio de saúde". O cuidado domiciliar baseado no sistema apoio-educação permitiu a promoção da saúde e a percepção da importância da paciente no cuidado.

CONCLUSÃO: A Teoria do Autocuidado possibilitou o cuidado e a comunicação terapêutica adequando-se à situação da paciente.

Descritores: Autocuidado/métodos; Colostomia/enfermagem; Educação do paciente

RESUMEN

OBJETIVO: Aplicar la teoría del autocuidado de Orem en la asistencia a paciente portadora de ostomía.

MÉTODOS: Se trata de un estudio clínico realizado con una paciente portadora de ostomía intestinal, secundaria a la enfermedad de Chagas. Los datos fueron recolectados a través del cuidado domiciliario y del uso de un formulario con preguntas referentes a las premisas de Orem. El análisis del discurso fue presentado de acuerdo con los factores determinantes en el desarrollo del autocuidado.

RESULTADOS: algunos requisitos del autocuidado estaban alterados tales como: "Equilibrio entre la soledad y la interacción social" y "Autocuidado en el desvío de la salud". El cuidado domiciliario basado en el sistema del apoyo-educación permitió la promoción de la salud y la percepción de la importancia de la paciente en el cuidado.

CONCLUSIÓN: La teoría del Autocuidado posibilitó el cuidado y la comunicación terapéutica adecuándose a la situación de la paciente.

Descriptores: Autocuidado/métodos; Colostomía/enfermería; Educación del paciente

INTRODUÇÃO

Estomia é uma comunicação artificial entre os órgãos ou vísceras até o meio externo para drenagens, eliminações ou nutrição. A criação de uma estomia intestinal é considerada um procedimento simples na cirurgia. As estomias digestivas são realizadas em alças intestinais, priorizando as de adequada mobilidade e comprimento para a exteriorização na parede abdominal(1-2).

De acordo com a origem da doença, as estomias intestinais podem ser temporárias ou definitivas. As temporárias objetivam a proteção de uma anastomose e podem ser revertidas após algum tempo. As definitivas, indicadas geralmente em casos de câncer, são realizadas na impossibilidade de restabelecimento do trânsito intestinal. Pacientes com estomias requerem apoio contínuo, pois seus problemas são duradouros e cíclicos(3).

Os dados epidemiológicos referentes à estomia são escassos, devido às dificuldades de sistematização de dados e informações de saúde. Além disso, são conseqüências de doenças ou traumas e não são causas ou diagnósticos. Porém, projetando-se estimativas da International Ostomy Association para o censo do Brasil de 2000, teríamos o equivalente a 170 mil estomizados(4).

Em um conceito mais amplo de saúde-doença, no qual as relações não são apenas cognitivas ou sociais, mas também afetivas, a literatura especializada em estomaterapia tem mostrado alterações de imagem corporal como determinantes da qualidade de vida do estomizado durante seu processo reabilitatório(5).

A visão holística de saúde enfoca a necessidade de atenção do paciente estomizado voltada não só para sua nova situação de saúde, mas também para os aspectos subjetivos relacionados à representação social do novo estoma em seu corpo. Como mostra a literatura, as alterações da imagem corporal são determinantes na qualidade de vida do estomizado nas diversas fases da reabilitação(6).

Segundo a Declaração Internacional dos Direitos dos Estomizados, o paciente tem direito de receber cuidados de enfermagem especializados no período pré e pós-operatório, tanto no hospital como em suas próprias comunidades(7).

Diversos fatores influenciam o autocuidado do paciente, bem como a adesão e motivação para o tratamento e as intervenções propostas. Conhecê-los é fundamental para a compreensão dos desafios do processo de cuidar em estomaterapia(6).

Uma forma eficaz de promover o cuidado de enfermagem é mediante a aplicação da Teoria do Autocuidado, respeitando seus aspectos essenciais, pois, desse modo, a assistência tornar-se-á direcionada para as necessidades do paciente, além de abordar os aspectos holísticos do cuidar. De forma simplificada, o autocuidado pode ser considerado como a capacidade do indivíduo de realizar todas as atividades indispensáveis para viver e sobreviver. Entre estas estão necessidades físicas, psicológicas e espirituais(8).

Ao estudar as teorias de Enfermagem durante a Disciplina Aspectos Críticos do Processo de Cuidar em Enfermagem, fomos instigadas a aplicar o conhecimento teórico aprendido na prática assistencial. Buscamos então a Teoria de Orem, por conter elementos julgados essenciais para a assistência de enfermagem ao paciente colostomizado, e a estratégia de atendimento domiciliário, por representar um ambiente de segurança para o paciente.

Diante do exposto, objetivamos aplicar a Teoria do Autocuidado de Orem na assistência a paciente portadora de estomia.

REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO

A Teoria do Autocuidado é um dos três construtos ou teorias que formam o arcabouço da Teoria de Enfermagem do Déficit de Autocuidado proposta por Orem. O seu pressuposto é que todos os seres humanos têm potencial para desenvolver suas habilidades intelectuais e práticas, além da motivação essencial para o autocuidado(9).

Orem acredita que os indivíduos podem se desenvolver, pois o autocuidado é aprendido, não instintivo. Ademais, segundo a autora reforça, o funcionamento humano inclui aspectos físicos, psicológicos, interpessoais e sociais(10).

No autocuidado ocorre uma parceria entre paciente e profissional na qual os problemas são identificados e determinam as ações e o tipo de intervenção apropriada. Contudo, a participação do paciente no plano de cuidados é importante para o desenvolvimento do próprio plano, sobretudo por incentivar uma diminuição na dependência do paciente(11).

A Teoria do Autocuidado tem como componente principal os requisitos de autocuidado, que podem ser universais, de desenvolvimento e referentes ao desvio de saúde. Como mostra a literatura, os requisitos universais influenciam diretamente a estrutura do ser humano, suas funções e fases de vida, sendo inter-relacionados, e constituem termos comuns para designar as atividades de vida diária. São eles: suprimento adequado de ar, água e alimentos; cuidados referentes à eliminação; equilíbrio entre atividade e repouso; solidão e interação social; perigos da vida; funcionamento humano; bem-estar e desenvolvimento potenciais; e desejo de normalidade. Os de desenvolvimento representam os estágios do ciclo vital, incluindo os fatores e as circunstâncias que influenciam a plena realização do cuidado e condições e situações adversas que afetem o desenvolvimento humano; os de desvios de saúde incluem alterações advindas de problemas de saúde que podem gerar dificuldades na manutenção adequada do cuidado(8,12).

Quanto aos estágios e regras da prática de enfermagem propostos por Orem(12), são três: contato inicial com o paciente que requer o cuidado; continuidade do contato para desenvolver as ações de enfermagem; estágio de preparação do paciente para desenvolver ações de cuidado independentes da supervisão de enfermagem.

Para implementar o cuidado ao paciente, Orem(12) propõe três momentos:

No primeiro destes, contato inicial com o paciente, há o encontro do enfermeiro com o indivíduo que precisa desenvolver o cuidado. Ele deve ser estabelecido, legitimado e adequado às evidências que requerem a enfermagem. São identificados na interação com o paciente, os requisitos, sistemas e novas demandas de autocuidado, os diagnósticos e as prescrições de enfermagem.

No segundo passo, o enfermeiro cria um sistema que contempla exigências terapêuticas e formas de auxílio ao paciente. A continuação do cuidado é mantida com a ajuda dos membros da família ou responsáveis pelo cuidado para a atuação nos momentos atuais e futuros. Avalia-se, então, o potencial do paciente para o desenvolvimento do autocuidado. É o momento de reconhecer, organizar e documentar o valor efetivo da enfermagem.

O terceiro período do estágio é a preparação do paciente, da família ou do responsável pelo autocuidado para se tornar independente da atuação do enfermeiro. Este atua como guia da prescrição de enfermagem. Neste momento, são acordadas com o paciente as demandas requeridas por ele e os fatores passíveis de interferir nesse novo ajuste. A seguir, as ações estabelecidas de acordo com a demanda de cuidado são documentadas.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo de caso clínico aplicado a uma portadora de estomia, viabilizado por visita domiciliária, facilitando o cuidado de enfermagem. Este tipo de estudo permite uma investigação detalhada de uma situação real que envolve o profissional(13).

O sujeito do estudo foi escolhido de forma aleatória a partir do cadastro de uma instituição de referência no atendimento especializado a colostomizados em Fortaleza, Ceará. Como critério de inclusão, estabelecemos: ser capaz de manter comunicação efetiva, ter capacidade de autocuidar-se e apresentar maturação satisfatória do estoma, ou seja, com tempo de pós-operatório superior há três meses.

As etapas de levantamento de dados, cuidados planejados, implementados e cuidados alcançados foram embasadas nos pressupostos da Teoria de Orem. O formulário utilizado para a etapa de levantamento de dados, apresentava as seguintes seções: dados de identificação, dados clínicos e demográficos, fatores condicionantes básicos, requisitos de autocuidado universal, requisitos de autocuidado de desenvolvimento e requisitos de autocuidado de desvios de saúde. Os itens relacionados ao exame físico, ainda presentes no instrumento, foram direcionados ao padrão respiratório, padrão nutricional, as eliminações e avaliação da pele.

O item fatores condicionantes básicos teve como objetivo identificar os fatores intervenientes na capacidade do indivíduo em engajar-se no autocuidado, sejam individuais ou ambientais. Quanto ao item requisitos do autocuidado universal, foi dividido nos seguintes subitens, conforme Orem apresenta: manutenção de um aporte suficiente de ar, alimento, água, cuidados referentes ao padrão de eliminação, equilíbrio entre atividade e repouso, equilíbrio entre solidão e interação social, prevenção dos perigos para a vida e ao funcionamento do corpo, e promoção do funcionamento e desenvolvimento de ser humano. Já os itens referentes aos requisitos de autocuidado de desenvolvimento tiveram a finalidade de conhecer quais ações são dirigidas pelo indivíduo para promover o autocuidado. Os requisitos de autocuidado de desvios de saúde explorou as condições relacionadas a terapêutica, conhecimento quanto aos cuidados específicos da estomia, controle das complicações e acesso aos serviços de saúde.

Realizamos três visitas domiciliárias no mês de janeiro de 2007, cada uma com intervalo de uma semana e duração média de uma hora. Os encontros foram agendados por telefone, nos momentos de disponibilidade da paciente. Na primeira visita, solicitamos o consentimento para a realização do estudo e utilizamos o instrumento para coleta de dados. Nos demais encontros, recorremos às informações previamente registradas, com ênfase nos cuidados necessários e avaliando a capacidade de autocuidado da paciente.

Durante as visitas, alguns passos foram adotados, tais como:

1ª visita: avaliamos a situação de saúde da paciente mediante preenchimento do formulário de levantamento de dados.

Após a visita, estabelecemos os diagnósticos de enfermagem, segundo a Taxonomia II do North American of Nursing Diagnosis Association(14). Para o raciocínio diagnóstico, foram utilizados os passos preconizados por López(15). A seguir, elaboramos as possíveis intervenções de cuidado, condizentes com o primeiro passo do processo de enfermagem de Orem. Essa fase determina a necessidade ou não de cuidados de enfermagem. Para cada diagnóstico foram estabelecidas metas que serviram de guia para avaliação das intervenções oferecidas.

2ª visita: Discutimos com a paciente as prioridades de intervenções sobre sua saúde e adequamos um plano de cuidados, por ela aprovado, apto a atendê-la nas necessidades percebidas. As metas foram compatíveis com o diagnóstico detectado e tinham por finalidade capacitar a paciente a tornar-se um agente de autocuidado.

3ª visita: Avaliamos a eficácia das intervenções implementadas, comparando como se apresentavam os diagnósticos de enfermagem detectados e identificando a necessidade de novas ações de cuidado. Constituiu o terceiro passo da teoria de Orem. Preparamos a paciente para a fase de independência, na qual ela pode desempenhar as atividades de autocuidado.

Os dados dos discursos da paciente foram analisados de acordo com os fatores determinantes no desenvolvimento do autocuidado, com o que se propõe a teoria. O formulário permitia respostas abertas, o que facilitou a identificação dos diagnósticos de enfermagem.

O estudo obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Ceará. Em cumprimento à Resolução n.º 196/96 do Conselho Nacional de Saúde(16), foram considerados os preceitos éticos da beneficência, da não maleficência, bem como o direito ao anonimato da participante e sua autonomia quanto a participar da pesquisa sem qualquer prejuízo.

RESULTADOS

A paciente de 21 anos, é portadora de estomia intestinal temporária secundária à doença de Chagas, há doze meses. Não concluiu o ensino fundamental, mora parte do tempo com os pais e outra parte com a família do seu companheiro. Ambos os domicílios possuem condições sanitárias satisfatórias e a renda familiar é em torno de dois salários mínimos. Aos 14 anos passou a apresentar plenitude abdominal associada à constipação, caracterizada por ausência de evacuações em torno de seis a sete dias. Fazia uso de laxativos sem prescrição médica, o que desencadeava diarréia profusa, e acarretava absenteísmo escolar. Diante da situação, abandonou os estudos. Aos 18 anos, este sinal apresentou-se em fase severa da doença, com diminuição acentuada do peristaltismo, o qual indicou a colostomia. Atualmente, por se considerar sem condições físicas, não trabalha. Seu companheiro encontra-se no presídio e ela o visita semanalmente. Os pais mostram preocupação quanto ao seu estado de saúde. De modo geral, sua mãe é quem a acompanha nas consultas médicas. Como alteração física, apresenta baixa acuidade auditiva no ouvido esquerdo e baixo peso em relação à estatura. Não possui complicações com o funcionamento do estoma e realiza medidas eficientes de autocuidado com a estomia. Faz acompanhamento mensal com especialista e comparece a consultas em um serviço ambulatorial da associação especializada no atendimento para estomizados, onde recebe bolsas de colostomia.

Durante a primeira interação, demonstrou grande timidez. As perguntas foram respondidas monossilabicamente. Reconhece ter dificuldades para fazer amizades e manter relacionamentos sociais. Afirmou sentir-se diferente em relação aos outros por ser estomizada. Manifestou baixa auto-estima e relatou esconder das pessoas que porta uma colostomia. Também queixou-se de solidão por causa da ausência do companheiro e da falta de amigos. Quanto ao relacionamento com a família e com a mãe do seu parceiro, apesar de ser significativo para ela, nunca foi permeado por diálogo. O mesmo acontecia com a sua própria família, sempre ausente durante todo o processo de cuidado. Além disso, a paciente verbalizou dúvidas quanto ao exame enema opaco, ao qual ela se submeteria.

Na segunda visita, conforme o planejamento, foram explicados a etiologia da doença de Chagas, seus principais aspectos, e esclarecimentos sobre como ocorreria o exame. Durante esta visita, a paciente manifestou grande interesse ao longo de toda a explanação. Fez várias perguntas e mostrou alívio ao saber que após a cirurgia suas complicações poderiam ser diminuídas. Também se sentiu satisfeita em saber que não transmitiria a doença de Chagas para outras pessoas. Neste momento, percebemos motivação na interação com o cuidador e verbalização sobre a contribuição positiva da visita.

Na terceira visita, objetivamos orientar/ensinar sobre possíveis técnicas cirúrgicas de reconstrução intestinal, seus riscos, pós-operatório, entre outros aspectos. A paciente referiu que o exame realizado indicou possibilidades de retirada da estomia com reconstrução intestinal, inclusive as datas dos exames pré-operatórios já estavam marcadas. Mostrou interação bem diferente da observada na primeira visita e tomou iniciativa em todo o diálogo, enfatizando que seu maior desejo era retirar a estomia. Relatou estar retomando as relações sociais com amigas de infância. Apoiamos o comportamento da paciente e enfatizamos a necessidade de relacionar-se com os amigos e outras pessoas significativas para ela. Em uma linguagem compreensível, explicamos a ela como seria sua possível cirurgia. Ela, mais uma vez, interagiu com interesse, convidou uma das pesquisadoras que é especialista em estomaterapia para acompanhar a cirurgia, e agradeceu toda contribuição das visitas.

No Quadro 1 estão apresentados os diagnósticos de enfermagem identificados com os dados obtidos na primeira visita, inseridos nos respectivos requisitos de autocuidado, as metas estabelecidas, o tipo de sistema utilizado e as intervenções propostas. O sistema norteador das ações foi o de apoio-educação, que favoreceu a aplicação dos cuidados. As intervenções consistiram primordialmente de medidas voltadas à melhoria da auto-imagem, relacionamentos e aquisição de conhecimentos.


No primeiro requisito alterado, os principais aspectos que caracterizaram alteração foram: queixa de solidão, ausência de pessoas significativas, comunicação prejudicada e dificuldades de verbalização. Já no segundo requisito as alterações foram: baixa auto-estima e sentimento de diferença em relação aos outros. O terceiro requisito alterado foi justificado nas mesmas respostas encontradas no primeiro requisito. E, por fim, o quarto requisito alterado apresentou como desvio a falta de conhecimento sobre a condição que precedeu a estomia, bem como possibilidades de reconstrução intestinal. Destaca-se que o último diagnóstico apresentado, relativo ao desenvolvimento do autocuidado, representa uma situação de bem-estar, uma vez que consideramos a paciente capaz de cumprir adequadamente as condutas terapêuticas relacionadas à sua situação de saúde-doença.

DISCUSSÃO

Os pressupostos que perpassaram a análise e interpretação dos dados coletados estavam relacionados à condição intelectual, a questões de isolamento, a falta de suporte familiar e social e à motivação do aprendizado que interferem na adoção das medidas de cuidado. A demanda terapêutica de autocuidado propõe descrição dos fatores da paciente e do ambiente (aspectos da vida da paciente, saúde ou bem-estar), reconhecendo os instrumentos efetivos e técnicas específicas, escolhidas pela paciente, que possam ser utilizados na mudança dos fatores de desenvolvimento(12). Conforme exposto, a interação da paciente com redes sociais de apoio e o cuidador poderiam representar um obstáculo para as ações de autocuidado.

Os aspectos que envolvem a realização de uma estomia podem ser de ordem física ou social. Os problemas físicos relacionam-se à mudança na forma de eliminação das fezes, o que implica o uso obrigatório de um dispositivo aderido ao abdome. Em âmbito social, podem aparecer desconforto e insegurança ao lidar com os equipamentos utilizados, levando ao isolamento do convívio familiar e social(3).

O fato de a paciente ter abandonado os estudos após o início dos sintomas, além de diminuir as relações com os grupos, denota um início de isolamento, que pode acarretar conseqüências em âmbito psico-social. A ausência de atividade laborativa pode levar pacientes estomizados à ociosidade e ao isolamento social. Essas condições prejudicam sua qualidade de vida(17).

Segundo a literatura, indivíduos estomizados enfrentam perdas reais e simbólicas que acarretam sentimentos negativos em suas relações. Particularmente, a mutilação e o desprestígio diante da sociedade dificultam o enfrentamento desta situação, podendo apresentar mudanças no estilo e qualidade de vida(18).

Cuidar desses pacientes pode representar um desafio para os profissionais de saúde, pois exige preparação dos pacientes para o convívio com a estomia. Os cuidados físicos do estoma não constituem o foco da academia e não se prepara os profissionais para lidar com alterações no modo de vida por eles apresentados(17).

Escolhemos como foco das intervenções, em consenso com a paciente, na segunda visita, o diagnóstico Conhecimento deficiente, pois com o entendimento de todo o processo saúde-doença, alguns medos ou incertezas comprometedoras de uma interação mais saudável com seus familiares, amigos e, sobretudo, com ela mesma, poderiam ser superados.

Consoante proposto por estudiosos, as exigências de autocuidado devem ser resolvidas a partir do desenvolvimento das habilidades do paciente5. Porém, para que este adquira potencial para decidir sobre sua condição de saúde, é necessário que a enfermeira contribua com vistas a este aprendizado.

Segundo autores, os sistemas de apoio-educação são baseados nas necessidades do paciente. Referem-se a orientações fornecidas acerca de determinada temática e ocorrem pela promoção do autocuidado terapêutico por parte do enfermeiro, possibilitando ao indivíduo executar ou aprender a executar essa medida(19).

Recomenda-se a participação da família como facilitadora do sistema apoio-educação, visto que reforça as intervenções implementadas pelo cuidador. Porém, é necessário avaliar a dinâmica familiar e as relações de significado entre seus membros, para medir o impacto dessa influência. A evidência teórica, prática e investigacional do significado da família, tanto para o bem-estar e a saúde dos seus membros, como para a influência sobre a doença, obriga as enfermeiras a considerar o cuidado centrado na família como parte integrante da assistência de enfermagem(20).

A partir, então, das intervenções de enfermagem baseadas no sistema de apoio-educação, contribuímos para o desenvolvimento da capacidade de autocuidado da paciente. Isto foi facilitado possivelmente porque o cuidado priorizou uma nova visão do indivíduo sobre a situação de saúde.

Alguns fatores não permitiram a execução de um cuidado mais efetivo com resultados mais consistentes. Dentre eles, destacamos o tempo de prestação das ações de enfermagem, limitado a um mês, pois a experiência de cuidado foi realizada durante uma disciplina de pós-graduação. Além disso, nossa experiência de cuidado retrata a realidade de apenas um sujeito, o que limita generalizações acerca dos achados. A resposta ao cuidado depende da adaptação ao estoma, interesse e capacidade do indivíduo em seu cuidado e preparo do cuidador nas ações ofertadas.

CONCLUSÃO

A teoria de Orem ressalta a importância do engajamento do paciente no autocuidado. Para isto, é fundamental entender os hábitos de reflexão e desenvolvimento do paciente, suas percepções e atitudes em relação aos outros, sentimentos e emoções demonstrados nas mais diversas situações.

O processo de enfermagem proporciona a adaptação de intervenções às necessidades individuais dos pacientes. Seu uso associado a uma teoria pode culminar numa assistência mais efetiva, com condições de participação do paciente no planejamento do cuidado.

No estudo ora apresentado, as transformações da interação da paciente bem como as modificações em seu comportamento puderam ser justificadas pela possibilidade da reconstrução intestinal que, aliás, era sua grande aspiração. Contudo, a própria paciente mostrou retroalimentação positiva durante todo o cuidado prestado.

A nosso ver, a teoria do Autocuidado revelou-se como base para o cuidar que propiciou a comunicação terapêutica entre a enfermeira e a paciente no seu domicílio, adequando-se à sua problemática. Estudos como estes poderão estimular enfermeiros a trabalhar com as teorias de Enfermagem.

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  • Corresponding Author:
    Francisca Aline Arrais Sampaio
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Abr 2008
    • Data do Fascículo
      Mar 2008

    Histórico

    • Aceito
      21 Nov 2007
    • Recebido
      20 Ago 2007
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