Acessibilidade / Reportar erro

Além da segurança do paciente, a segurança dos profissionais

Pode parecer um paradoxo pensar que aqueles que trabalham pela vida podem promover um dano ou a morte a um próximo. Falamos dos profissionais que exercem suas atividades na área da saúde e têm como valores o cuidado ao ser humano de forma integral e individual, com qualidade e segurança. A eles cabe promover a assistência livre de danos, respeitando os princípios bioéticos da autonomia, beneficência, não maleficência e justiça, cuidando daqueles que se encontram em diferentes momentos de vulnerabilidade.11. Coli RC, Anjos MF, Pereira LL. Postura dos enfermeiros de uma unidade de terapia intensiva frente ao erro: uma abordagem à luz dos referenciais bioéticos. Rev Lat Am Enfermagem. 2010;18(3):324–30. São aqueles formados para exercer suas atividades com prudência e responsabilidade, advogando em nome do paciente e seus familiares, auxiliando-os a participar das decisões que envolvem sua saúde e educando aqueles que desconhecem os rumos de sua doença ou impacto do tratamento.

Todavia, esses mesmos profissionais que trabalham para o aprimoramento da ciência e da arte no cuidado trazendo melhorias na saúde e no bem estar, são capazes de cometer erros durante a prestação da assistência, os quais podem trazer consequências danosas aos pacientes, embora sua intenção seja sempre agir corretamente.22. Bohomol E. Nurses as second victims: A Brazilian perspective. Nurs Health Sci. 2019 Jul 1. doi: 10.1111/nhs.12630
https://doi.org/10.1111/nhs.12630...

As consequências desses eventos adversos não são poucas. Em primeiro lugar elas recaem sobre os pacientes, precisamente aqueles que deveriam se beneficiar do cuidado com qualidade e que sofrem diversos danos. Esses, quando não fatais, sujeita-os a um maior número de intervenções, o que gera elevação nos custos da assistência, instala sentimentos de desconfiança e leva à deterioração das relações com os profissionais.33. Pazinatto MM. A relação médico-paciente na perspectiva da Recomendação CFM 1/2016. Rev Bioet. 2019;27(2):234–43.

São consequências também, as preocupações com os processos legais, cada vez mais frequentes e que culminam em altas indenizações como medida compensatória às vitimas ou seus parentes. Esses processos envolvem diretamente as instituições, e mais comumente o profissional médico, que passam a praticar a medicina defensiva induzida pela ameaça de processos, expondo o paciente a mais procedimentos e novos riscos. Frente a isto, estima-se que 30% de todos os exames de laboratório são desnecessários e outros 30% são subutilizados sem contar as solicitações excessivas de exames radiológicos aos quais os pacientes são submetidos. Com o objetivo de reduzir o desperdício no sistema de saúde e promover a segurança do paciente, a American Board of Internal Foundation, lançou em 2011 a campanha Choosing Wisely (Escolha com discernimento), e no Brasil desde 2015, no sentido de se avaliar o que é necessário ou não para proporcionar um cuidado mais seguro e eficaz, engajando as sociedades médicas nessa discussão.44. Laguardia J, Martins MS, Castro IRS, Barcellos GB. Qualidade do cuidado em saúde e a iniciativa “Choosing Wisely”. 2016;10(1). http://dx.doi.org/10.29397/reciis.v10i1.1097
http://dx.doi.org/10.29397/reciis.v10i1....

No entanto, como alerta do Dr. Mira no editorial que antecede a este, as consequências nos profissionais diretamente envolvidos com os eventos adversos, geram enorme sofrimento, que vão desde sentir-se o pior profissional do mundo; não conseguir viver com a culpa de ferir alguém; vontade de chorar; vontade de morrer; dores; insónia; fraqueza, pequenez, solidão; vontade de desistir da profissão e a própria desistência.22. Bohomol E. Nurses as second victims: A Brazilian perspective. Nurs Health Sci. 2019 Jul 1. doi: 10.1111/nhs.12630
https://doi.org/10.1111/nhs.12630...
Esses profissionais, geralmente, são tratados como os únicos culpados e pouco ou nada é feito em relação a eles. São as “segundas vítimas” e, infelizmente, no Brasil desconhecem-se programas de apoio como os citados, pouco se estuda ou se valoriza essa situação dentro da área da segurança do paciente, expondo, uma cultura punitiva na gestão das instituições. A prevalência dos profissionais na condição de “segunda vítima” é alarmante, e a depender dos estudos, é estimada em torno de 50% a 70%, trazendo urgência para essa discussão.55. Mira JJ, Carrillo I, Lorenzo S, Ferrús L, Silvestre C, Pérez-Pérez P, et al.; Research Group on Second and Third Victims. The aftermath of adverse events in Spanish primary care and hospital health professionals. BMC Health Serv Res. 2015;15(1):151.

Ao se analisar os estudos sobre os eventos adversos que atingem o paciente, as principais causas mencionadas são a falta de condições estruturais no ambiente de trabalho, materiais e equipamentos inadequados, dimensionamento insuficiente de pessoal, sobrecarga de trabalho, cansaço e estresse do profissional, erro de planejamento, falhas de processo, problemas na comunicação, todas elas preveníveis e evitáveis e que colocam em risco os profissionais fragilizando a assistência que precisa ser dada.66. De Freitas GF, Hoga LA, Fernandes MF, González JS, Ruiz MC, Bonini BB. Brazilian registered nurses’ perceptions and attitudes towards adverse events in nursing care: a phenomenological study. J Nurs Manag. 2011;19(3):331–8.

Portanto, faz-se necessário que as organizações se comprometam com a segurança, aprendam com os erros e analisem seus processos de trabalho, cuidando desta forma do paciente e seus familiares em primeiro lugar e, também dos profissionais que nelas atuam.

Referências

  • 1
    Coli RC, Anjos MF, Pereira LL. Postura dos enfermeiros de uma unidade de terapia intensiva frente ao erro: uma abordagem à luz dos referenciais bioéticos. Rev Lat Am Enfermagem. 2010;18(3):324–30.
  • 2
    Bohomol E. Nurses as second victims: A Brazilian perspective. Nurs Health Sci. 2019 Jul 1. doi: 10.1111/nhs.12630
    » https://doi.org/10.1111/nhs.12630
  • 3
    Pazinatto MM. A relação médico-paciente na perspectiva da Recomendação CFM 1/2016. Rev Bioet. 2019;27(2):234–43.
  • 4
    Laguardia J, Martins MS, Castro IRS, Barcellos GB. Qualidade do cuidado em saúde e a iniciativa “Choosing Wisely”. 2016;10(1). http://dx.doi.org/10.29397/reciis.v10i1.1097
    » http://dx.doi.org/10.29397/reciis.v10i1.1097
  • 5
    Mira JJ, Carrillo I, Lorenzo S, Ferrús L, Silvestre C, Pérez-Pérez P, et al.; Research Group on Second and Third Victims. The aftermath of adverse events in Spanish primary care and hospital health professionals. BMC Health Serv Res. 2015;15(1):151.
  • 6
    De Freitas GF, Hoga LA, Fernandes MF, González JS, Ruiz MC, Bonini BB. Brazilian registered nurses’ perceptions and attitudes towards adverse events in nursing care: a phenomenological study. J Nurs Manag. 2011;19(3):331–8.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Out 2019
  • Data do Fascículo
    Sep-Oct 2019
Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo R. Napoleão de Barros, 754, 04024-002 São Paulo - SP/Brasil, Tel./Fax: (55 11) 5576 4430 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: actapaulista@unifesp.br