Acessibilidade / Reportar erro

Fatores associados à síndrome cardiorrenal em pacientes com insuficiência cardíaca descompensada

Factores asociados al síndrome cardiorrenal en pacientes con insuficiencia cardíaca descompensada

Resumo

Objetivo:

Identificar a prevalência da síndrome cardiorrenal (SCR) em pacientes com insuficiência cardíaca (IC) crônica descompensada e sua associação com os dados sociodemográficos, clínicos, achados admissionais, mortalidade e tempo de hospitalização.

Método:

Estudo transversal, com abordagem quantitativa. A amostra foi constituída por 379 prontuários de pacientes adultos com o diagnóstico médico de IC crônica descompensada, admitidos em hospital público no estado de São Paulo, ao longo de 2015. A coleta de dados ocorreu em 2016. A disfunção renal foi considerada em pacientes com diagnóstico prévio de doença renal crônica (DRC) pela taxa de filtração glomerular (TFG) < 89 mL/min/1.73 m2. Testes com valor de p menor ou igual a 0,05 foram estatisticamente significativos.

Resultados:

A prevalência da SCR foi de 54,1%, sendo 24,8% do tipo 1 e 29,3% do tipo 2. Os principais fatores associados à SCR foram: maior média de idade, mulheres, IC de etiologia isquêmica, menor fração de ejeção, portadores de diabetes mellitus, doença arterial coronariana, uso de estimuladores cardíacos artificiais, hipotireoidismo e doença de Chagas, bem como o perfil hemodinâmico de descompensação da IC nos tipos C e L. Destacam-se, ainda, inapetência, sonolência, estertores na ausculta respiratória, alteração na perfusão tissular, redução do débito urinário, com aumento dos níveis séricos de potássio, ureia e creatinina na avaliação clínica inicial. Os pacientes com disfunção renal apresentaram maior mortalidade, sem diferença significativa quanto ao tempo de hospitalização.

Conclusão:

Houve alta prevalência da SCR em pacientes com IC crônica descompensada, associada à maior mortalidade e diversos indicadores clínicos.

Descritores
Lesão renal aguda; Cuidados de enfermagem; Insuficiência cardíaca; Insuficiência renal crônica; Síndrome cardiorrenal

Resumen

Objetivo:

Identificar la prevalencia del síndrome cardiorrenal (SCR) en pacientes con insuficiencia cardíaca (IC) crónica descompensada y su relación con los datos sociodemográficos, clínicos y descubiertos en la admisión, la mortalidad y el tiempo de hospitalización.

Métodos:

Estudio transversal, con enfoque cuantitativo. La muestra estuvo compuesta por 379 historias clínicas de pacientes adultos con diagnóstico médico de IC crónica descompensada, ingresados en hospital público en el estado de São Paulo, durante 2015. La recolección de datos se realizó en 2016. La disfunción renal fue considerada en pacientes con diagnóstico previo de enfermedad renal crónica (ERC) por el índice de filtración glomerular (IFG) < 89 mL/min/1.73 m2. Pruebas con un valor de p menor o igual a 0,05 fueron estadísticamente significativos.

Resultados:

La prevalencia del SCR fue del 54,1 %, del cual el 24,8 % fue de tipo 1 y el 29,3 % de tipo 2. Los principales factores asociados al SCR fueron: mayor promedio de edad, mujeres, IC de etiología isquémica, menor fracción de eyección, portadores de diabetes mellitus, enfermedad arterial coronaria, uso de estimuladores cardíacos artificiales, hipotiroidismo y enfermedad de Chagas, así como también el perfil hemodinámico de descompensación de la IC en el tipo C y L. Además, se destacan la inapetencia, somnolencia, estertores en la auscultación pulmonar, alteración en la perfusión tisular, reducción del flujo urinario, con aumento del nivel en sangre de potasio, urea y creatinina en la evaluación clínica inicial. Los pacientes con disfunción renal presentaron mayor mortalidad, sin diferencia significativa con relación al tiempo de hospitalización.

Conclusión:

Se observó una alta prevalencia del SCR en pacientes con IC crónica descompensada, relacionada con una mayor mortalidad y diversos indicadores clínicos.

Descriptores
Lesión renal aguda; Cuidados de enfermería; Insuficiencia cardíaca; Insuficiencia renal crónica; Síndrome cardiorrenal

Abstract

Objective:

to identify cardiorenal syndrome (CRS) prevalence in patients with decompensated chronic heart failure (HF) and its association with sociodemographic and clinical data, admission findings, mortality and length of hospital stay.

Methods:

a cross-sectional study with a quantitative approach. The sample consisted of 379 medical records of adult patients with a medical diagnosis of decompensated chronic HF admitted to a public hospital in the state of São Paulo, throughout 2015. Data collection occurred in 2016. Kidney failure was considered in patients with a previous diagnosis of chronic kidney disease (CKD) by glomerular filtration rate (GFR) <89 mL/min/1.73 m2. Tests with a p value less than or equal to 0.05 were statistically significant.

Results:

CRS prevalence was 54.1%, with 24.8% being type 1 and 29.3% being type 2. The main factors associated with CRS were: higher mean age; women; HF of ischemic etiology; lower ejection fraction; people with diabetes mellitus; coronary artery disease; artificial cardiac stimulator use; hypothyroidism and Chagas disease; hemodynamic profile of HF decompensation in types C and L. Also noteworthy are inappetence, drowsiness, rales on respiratory auscultation, alteration in tissue perfusion, decreased urine output, with increased serum levels of potassium, urea and creatinine in the initial clinical assessment. Patients with kidney failure had higher mortality, with no significant difference in length of hospital stay.

Conclusion:

There was a high prevalence of CRS in patients with decompensated chronic HF, associated with higher mortality and several clinical indicators.

Keywords
Acute kidney injury; Nursing care; Heart failure; Renal insufficiency, chronic; Cardio-renal syndrome

Introdução

A insuficiência cardíaca (IC) é uma síndrome clínica complexa e de evolução progressiva, atingindo níveis epidêmicos de incidência. É considerada uma das prioridades entre as enfermidades crônicas e um dos maiores problemas de saúde pública, que necessita de atenção dos setores de saúde no mundo todo.(11. Stafylas P, Farmakis D, Kourlaba G, Giamouzis G, Tsarouhas K, Maniadakis N, et al. The heart failure pandemic: the clinical and economic burden in Greece. Int J Cardiol. 2017;227(227):923–9.,22. Ponikowski P, Voors AA, Anker SD, Bueno H, Cleland JG, Coats AJ, et al.; Authors/Task Force Members; Document Reviewers. 2016 ESC Guidelines for the diagnosis and treatment of acute and chronic heart failure: the Task Force for the diagnosis and treatment of acute and chronic heart failure of the European Society of Cardiology (ESC). Developed with the special contribution of the Heart Failure Association (HFA) of the ESC. Eur J Heart Fail. 2016;18(8):891–975.)

Considera-se que a IC ocasiona importante limitação física, além das graves consequências psicoemocionais e psicossociais, repercutindo na redução da qualidade de vida dos indivíduos com a doença, bem como implicações em aposentadorias precoces, altos custos governamentais, além de grandes impactos sociais, econômicos e humanos.(33. Hammond CA, Blades NJ, Chaudhry SI, Dodson JA, Longstreth WT Jr, Heckbert SR, et al. Long-term cognitive decline after newly diagnosed heart failure. Longitudinal analysis in the CHS (Cardiovascular Health Study). Circ Heart Fail. 2018;11(3):e004476.,44. Manemann SM, Chamberlain AM, Roger VL, Griffin JM, Boyd CM, Cudjoe TK, et al. Perceived social isolation and outcomes in patients with heart failure. J Am Heart Assoc. 2018;7(11):e008069.)

A lesão renal aguda (LRA) é uma condição clínica presente em 30-40% dos indivíduos com IC, principalmente naqueles com manifestações clínicas mais graves ou relacionadas com a coexistência de outras comorbidades crônicas; e, quando presentes, associam-se a pior prognóstico, e seus portadores apresentam maiores taxas de mortalidade, re-hospitalizações e custos.(55. Damman K, Valente MA, Voors AA, O’Connor CM, van Veldhuisen DJ, Hillege HL. Renal impairment, worsening renal function, and outcome in patients with heart failure: an updated meta-analysis. Eur Heart J. 2014;35(7):455–69.77. Costanzo MR. The cardiorenal syndrome in heart failure. Heart Fail Clin. 2020;16(1):81–97.)

Segundo as diretrizes do Kidney Disease Improving Global Outcomes (KDIGO),(88. Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO) Acute Kidney Injury Work Group. KDIGO Clinical Practice Guideline for Acute Kidney Injury. Kidney Int Suppl. 2012; 2:1–138.) a LRA é definida pelo aumento da creatinina sérica ≥ 0,3 mg/dL dentro de 48 horas; aumento da creatinina sérica ≥ 1,5 vezes ao valor basal conhecido ou que se presume ter ocorrido dentro dos últimos sete dias e/ou débito urinário < 0,5 mL/kg/h durante seis horas.

A doença renal crônica (DRC) é definida como anormalidade da estrutura ou da função renal, presente por mais de três meses, com implicações para a saúde.(99. Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO) CKD Work Group. KDIGO 2012 Clinical Practice Guideline for the Evaluation and Management of Chronic Kidney Disease. Kidney Int Suppl. 2013;3:1–150.) É classificada em estágio 1, quando a taxa de filtração glomerular (TFG) é maior que 90 ml/min/1,73m2; em estágio 2, com TFG de 60 a 89 ml/min/1,73m2; em estágio 3a, com TFG 45 a 59 ml/min/1,73m2; em estágio 3b, com TFG de 30 a 44 ml/min/1,73m2; em estágio 4, com TFG de 15 a 29; e em estágio 5, com TFG menor que 15 ml/min/1,73m2.(99. Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO) CKD Work Group. KDIGO 2012 Clinical Practice Guideline for the Evaluation and Management of Chronic Kidney Disease. Kidney Int Suppl. 2013;3:1–150.)

A ativação neuro-humoral e inflamatória presente na IC contribui para a perda progressiva da função renal, ou seja, a hipoperfusão renal em decorrência do baixo débito cardíaco ou hipotensão é o principal fator para o desenvolvimento da disfunção renal nos pacientes com IC crônica. A diminuição do débito cardíaco, juntamente com o redirecionamento do fluxo sanguíneo, principalmente para o cérebro e coração, agrava a perfusão renal, desencadeando uma série de alterações que favorecem o desenvolvimento de respostas compensatórias sistêmicas e intrarrenais de forma a reter fluidos e restaurar o débito cardíaco. Entretanto, com a progressão da disfunção cardíaca, essas respostas tornam-se deletérias, já que não serão mais suficientes para restaurar o débito cardíaco, dessa forma, desencadeando a piora progressiva da função renal.(66. Ronco C, Bellasi A, Di Lullo L. Implication of acute kidney injury in heart failure. Heart Fail Clin. 2019;15(4):463–76.,77. Costanzo MR. The cardiorenal syndrome in heart failure. Heart Fail Clin. 2020;16(1):81–97.)

Quando este fenômeno ocorre na população de pacientes com IC, recebe a denominação de síndrome cardiorrenal (SCR), pois há uma forte interação fisiopatológica entre os órgãos coração e o rim.(1010. Kumar U, Wettersten N, Garimella PS. Cardiorenal Syndrome: pathophysiology. Cardiol Clin. 2019;37(3):251–65.,1111. Rangaswami J, Bhalla V, Blair JE, Chang TI, Costa S, Lentine KL, et al.; American Heart Association Council on the Kidney in Cardiovascular Disease and Council on Clinical Cardiology. Cardiorenal syndrome: classification, pathophysiology, diagnosis, and treatment strategies: a scientific statement from the American Heart Association. Circulation. 2019;139(16):e840–78.) A SCR pode ser classificada em cinco tipos: tipo 1. Síndrome cardiorrenal aguda; tipo 2. Síndrome cardiorrenal crônica; tipo 3. Síndrome renocardíaca aguda; tipo 4. Síndrome renocardíaca crônica; e tipo 5. Síndrome cardiorrenal secundária.(1010. Kumar U, Wettersten N, Garimella PS. Cardiorenal Syndrome: pathophysiology. Cardiol Clin. 2019;37(3):251–65.,1111. Rangaswami J, Bhalla V, Blair JE, Chang TI, Costa S, Lentine KL, et al.; American Heart Association Council on the Kidney in Cardiovascular Disease and Council on Clinical Cardiology. Cardiorenal syndrome: classification, pathophysiology, diagnosis, and treatment strategies: a scientific statement from the American Heart Association. Circulation. 2019;139(16):e840–78.)

Estudos(1212. Agrawal A, Naranjo M, Kanjanahattakij N, Rangaswami J, Gupta S. Cardiorenal syndrome in heart failure with preserved ejection fraction-an under-recognized clinical entity. Heart Fail Rev. 2019;24(4):421–37.1414. Al-Jarallah M, Rajan R, Al-Zakwani I, Dashti R, Bulbanat B, Sulaiman K, et al. Incidence and impact of cardiorenal anaemia syndrome on all-cause mortality in acute heart failure patients stratified by left ventricular ejection fraction in the Middle East. ESC Heart Fail. 2019;6(1):103–10.) evidenciaram que a TFG < 60 mL/min/1.73 e a elevação do nível sérico de creatinina na admissão e durante a hospitalização podem ser preditoras de maior tempo de hospitalização, re-hopitalizações e mortalidade. Portanto, a creatinina sérica, a ureia e a TFG estimada são marcadores de função renal, com valores prognósticos fortes e independentes.

Considerando a gravidade do prognóstico dos pacientes de IC que evoluem com a SCR, é fundamental que os enfermeiros compreendam esse fenômeno e saibam reconhecer as manifestações clínicas e fatores predisponentes nesse grupo de pacientes, a fim de propor intervenções de enfermagem específicas,(1515. Bulechek GM, Butcher H, Dochterman JM, Wagner CM. Classificação das intervenções de enfermagem (NIC); [Tradução Denise Costa Rodrigues]. 6a ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2016.) assertivas e qualificadas, com o intuito de prevenir e monitorar essa ocorrência na prática clínica.

Diante desses pressupostos, este estudo teve como objetivos identificar a prevalência da SCR em pacientes com IC crônica descompensada e sua associação com os dados sociodemográficos, clínicos, achados admissionais, mortalidade e tempo de hospitalização.

Métodos

Trata-se de um estudo transversal, com análise documental e baseado nas diretrizes do STROBE.(1616. Malta M, Cardoso LO, Bastos FI, Magnanini MM, Silva CM. Iniciativa STROBE: subsídios para a comunicação de estudos observacionais. Rev Saude Publica. 2010;44(3):559–65.,1717. von Elm E, Altman DG, Egger M, Pocock SJ, Gøtzsche PC, Vandenbroucke JP; STROBE Initiative. Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE) statement: guidelines for reporting observational studies. BMJ. 2007;335(7624):806–8.) O presente estudo foi encaminhado e aprovado, com número de Parecer 1681988 pelos Comitês de Ética em Pesquisa (CEP) das instituições envolvidas.

Foram incluídos prontuários de pacientes adultos, com o diagnóstico médico de IC crônica descompensada, admitidos na unidade de emergência de um hospital público de grande porte na cidade de São Paulo, no período de janeiro a dezembro de 2015. Não foram incluídos, no estudo, prontuários de pacientes com IC crônica descompensada, já previamente em terapia de substituição renal e os prontuários que não contemplavam todas as variáveis pertinentes à pesquisa.

Os dados foram coletados no período de agosto a dezembro de 2016 por meio de análise documental pela pesquisadora principal, sendo utilizado um instrumento elaborado pelos autores que continha todas as variáveis pertinentes ao estudo.

Foi considerada, como variável dependente, a presença da disfunção renal na admissão hospitalar. O critério considerado para a presença da disfunção renal foi o diagnóstico prévio de DRC e TFG < 89 mL/min/1,73m2. Para os pacientes que não apresentavam disfunção renal prévia na internação, o critério utilizado foi o aumento da creatinina em 0,3 mg/dl nas últimas 48 horas ou o aumento em 1,5 vezes nos últimos sete dias, conforme diretriz para LRA.(88. Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO) Acute Kidney Injury Work Group. KDIGO Clinical Practice Guideline for Acute Kidney Injury. Kidney Int Suppl. 2012; 2:1–138.)

As variáveis sociodemográficas analisadas foram: sexo, idade e cor, além das características clínicas relacionadas à etiologia da IC e à fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE). Os fatores clínicos admissionais analisados foram o perfil hemodinâmico da IC (perfil A representa pacientes com perfusão adequada e sem congestão; perfil B representa perfusão adequada, porém congesta; perfil C representa perfusão inadequada e congestão; e perfil L representa perfusão inadequada e sem congestão), queixas dos pacientes na unidade de emergência, dados da propedêutica, parâmetros de sinais vitais e perfil laboratorial. Todos os dados encontravam-se registrados em prontuários dos pacientes.

O tamanho mínimo da amostra foi calculado com base nos resultados de um estudo de metanálise.(55. Damman K, Valente MA, Voors AA, O’Connor CM, van Veldhuisen DJ, Hillege HL. Renal impairment, worsening renal function, and outcome in patients with heart failure: an updated meta-analysis. Eur Heart J. 2014;35(7):455–69.) Supondo que a prevalência gira em torno de 40% de disfunção renal em pessoas com IC, os cálculos foram estimados pela estatística de teste Z (distribuição normal), para comparação entre duas proporções, considerando uma margem de erro de 10%, poder do teste de 80% e nível de significância do teste de 5% ( p <0,05 ) .

Os dados foram apresentados usando a estatística descritiva por meio do cálculo da frequência absoluta e relativa para as variáveis qualitativas, e média e desvio padrão (DP) para as variáveis quantitativas. Os testes estatísticos para comparação dos pacientes com a presença e ausência da disfunção renal foi realizada por meio do programa SPSS, versão 22.0. Para análise da associação, foram utilizados o Teste Qui-Quadrado de Pearson e o Teste Exato de Fisher ou Teste da Razão de Verossimilhança entre as medidas qualitativas. O Teste t de Student foi usado para amostras independentes e o Teste U-Mann-Whitney (quando as variáveis não apresentavam distribuição homogênea) para as medidas quantitativas, sendo considerados estatisticamente significativos, quando o valor de p foi menor ou igual a 0,05.

Resultados

Foram analisados 379 prontuários de pacientes com IC crônica descompensada, sendo que 111 pacientes (29,3%) eram portadores de DRC e 268 pacientes não tinham disfunção renal prévia a internação. Do total de pacientes analisados sem DRC, 94 pacientes (24,08%) apresentaram piora da função renal, de acordo com os critérios estabelecidos (aumento de 0,3 mg/dl de creatinina sérica).

Na análise da amostra, 205 pacientes (54,1%) apresentavam SCR; 111 (29,3%) apresentaram SCR tipo 2; e 94 (24,80%) apresentaram SCR do tipo 1, perfazendo dois grupos comparativos, ou seja, 205 pacientes com disfunção renal (LRA e DRC) e 174 pacientes (45,9%) sem disfunção renal.

A maioria dos pacientes incluídos eram homens, com média de idade de 65,8 anos, branco, com IC de etiologia isquêmica seguido da etiologia idiopática e valvar, com FEVE média de 40%.

Na comparação entre os dois grupos, houve predomínio de mulheres com maior média de idade, IC de etiologia isquêmica e menor FEVE no grupo de pacientes com disfunção renal. Destacou-se a etiologia valvar nos pacientes sem disfunção renal, como demonstra a tabela 1 .

Tabela 1
Caracterização sociodemográfica e clínica associados com a disfunção renal em pacientes com IC descompensada (n = 379)

As principais comorbidades apresentadas pelos pacientes foram: hipertensão arterial sistêmica (73,0%), fibrilação atrial (42,5%), diabetes mellitus (38,8%), dislipidemia (38,3%), doença arterial coronariana (34,3%), e tabagismo (37,5%) como hábito de vida. Na análise comparativa entre os grupos, observou-se que os pacientes com disfunção renal apresentavam maior prevalência de diabetes mellitus (62,6% versus 37,4%, p <0,01), doença arterial coronariana (63,1% versus 36,9%, p= 0,01), uso de estimuladores cardíacos artificiais (74,4% versus 25,6%, p =0,01), hipotireoidismo (65,9% versus 34,1%, p =0,01) e doença de Chagas (73,0% versus 27,0%, p =0,01).

No que tange ao perfil hemodinâmico da IC na admissão, foi identificado que a maioria dos pacientes incluídos no estudo apresentavam perfil B de descompensação (n 253, 6%), seguido do perfil C (n 114, 3%) e perfil L (n 12, 3%). Na comparação entre os grupos, foi identificada maior prevalência no grupo com disfunção renal de pacientes, com perfil C (71,9% versus 28,1%, p <0,01) e perfil L (75% versus 25%, p <0,01), e nos pacientes sem disfunção renal, perfil B (45,1% versus 54,9%, p <0,01).

As queixas admissionais mais prevalentes nos pacientes foram: dispnéia (91,6%), dispnéia progressiva (49,9%), ortopnéia (49,1%), dispnéia paroxística noturna (42%), edema (39,3%) e redução do débito urinário (19,5%). Na análise comparativa, foi identificado que os pacientes com disfunção renal apresentavam maior prevalência de inapetência (71,1% versus 28,9%, p =0,01) e redução do débito urinário (74,3% versus 25,7%, p <0,01). Enquanto isso, nos pacientes sem disfunção renal, as queixas mais prevalentes foram: dispnéia progressiva (47,6%% versus 52,4%, p =0,01), dispnéia paroxística noturna (47,2% versus 52,8%, p =0,02), edema (47% versus 53%, p =0,01), ortopnéia (51,1% versus 48,9%, p =0,04) e palpitação (25% versus 75%, p =0,04).

Os achados mais prevalentes na propedêutica admissional foram: estado de consciência normal, presença de estertores na ausculta respiratória, ausência de anormalidades na ausculta cardíaca, presença de estase jugular e edema de membros inferiores. Os achados com associação significativa nos pacientes com disfunção renal foram: orientação no tempo e espaço, sonolência, estertores na ausculta respiratória e alteração na perfusão tissular. Na análise dos parâmetros vitais, observa-se menor nível pressórico e menor frequência cardíaca no grupo de pacientes com disfunção renal, conforme ilustrado na tabela 2 .

Tabela 2
Associação entre os achados da propedêutica admissional e dos parâmetros vitais com a presença da disfunção renal (n = 379)

Na análise dos exames laboratoriais, observa-se que os pacientes do grupo com disfunção renal apresentaram menor nível de plaquetas, maior concentração sérica de potássio, ureia e creatinina, conforme tabela 3 .

Tabela 3
Associação entre dados laboratoriais e a presença da disfunção renal (n = 379)

No que diz respeito à mortalidade, 108 pacientes (28%) evoluíram a óbito durante a hospitalização, com maior prevalência e maior chance de desenvolvimento deste desfecho nos pacientes com disfunção renal (73,1% versus 26,9%, p <0,01, Odds Ratio 3,13). No que tange ao tempo de hospitalização, não houve diferença estatisticamente significativa ( p =0,49) entre os pacientes com disfunção renal (média 18,2 dias; DP 27,13) e os pacientes sem disfunção renal (média 16,3 dias; DP 26,07).

Discussão

Como achados do nosso estudo, obtivemos uma prevalência de 54,1% dos pacientes com SCR. Desses 54,1%, 29,3% se apresentava na forma crônica da doença, e 24,8% se apresentava na forma aguda. Comparativamente a um estudo de metanálise,(55. Damman K, Valente MA, Voors AA, O’Connor CM, van Veldhuisen DJ, Hillege HL. Renal impairment, worsening renal function, and outcome in patients with heart failure: an updated meta-analysis. Eur Heart J. 2014;35(7):455–69.) foi mostrado que nas populações de pacientes com IC, a prevalência da DRC foi em torno de 49%, já a LRA foi observada em torno de 23% a 35% dos pacientes.

Foi identificado, neste estudo, que a presença da SCR estava associada com maior média de idade e em mulheres, sendo esses dados condizentes com outros estudos,(66. Ronco C, Bellasi A, Di Lullo L. Implication of acute kidney injury in heart failure. Heart Fail Clin. 2019;15(4):463–76.,1818. Rigonatto MC, Magro MC. Risco para lesão renal aguda na atenção primária à saúde. Rev Bras Enferm. 2018;71(1):20–5.,1919. Cowger JA, Radjef R. Advanced heart failure therapies and cardiorenal syndrome. Adv Chronic Kidney Dis. 2018;25(5):443–53.) mostrando, primeiramente, que a incidência da SCR aumenta com a idade, justificada pela perda progressiva da TFG com o envelhecimento e associada também com maior prevalência de comorbidades, sendo uma delas a IC.(2020. Benichel CR, Meneguin S. Fatores de risco para lesão renal aguda em pacientes clínicos intensivos. Acta Paul Enferm. 2020;33:e-APE20190064.)

Em dois estudos clínicos multicêntricos(1414. Al-Jarallah M, Rajan R, Al-Zakwani I, Dashti R, Bulbanat B, Sulaiman K, et al. Incidence and impact of cardiorenal anaemia syndrome on all-cause mortality in acute heart failure patients stratified by left ventricular ejection fraction in the Middle East. ESC Heart Fail. 2019;6(1):103–10.,2121. Dos Reis D, Fraticelli L, Bassand A, Manzo-Silberman S, Peschanski N, Charpentier S, et al. Impact of renal dysfunction on the management and outcome of acute heart failure: results from the French prospective, multicentre, DeFSSICA survey. BMJ Open. 2019;9(1):e022776.) que avaliaram a SCR em pacientes com IC, foi destacada a presença do sexo masculino na amostra, entretanto essa diferença foi estatisticamente significativa apenas no estudo de Al-Jarallah(1414. Al-Jarallah M, Rajan R, Al-Zakwani I, Dashti R, Bulbanat B, Sulaiman K, et al. Incidence and impact of cardiorenal anaemia syndrome on all-cause mortality in acute heart failure patients stratified by left ventricular ejection fraction in the Middle East. ESC Heart Fail. 2019;6(1):103–10.) e seus colaboradores, em que o sexo masculino na amostra era majoritário, com prevalência no grupo sem a SCR. No estudo de Lala et al.(1313. Lala RI, Lungeanu D, Puschita M, Pop-Moldovan A, Darabantiu D. Acute kidney injury: a clinical issue in hospitalized patients with heart failure with mid-range ejection fraction. Polish Arch Int Med. 2018;128(12):746-54.) houve maior prevalência do sexo feminino, principalmente no grupo com IC de FEVE intermediária que apresentou LRA durante a hospitalização, focando a importância dessa característica clínica na população feminina e que corrobora os achados deste estudo.

Algumas características clínicas apresentaram associação nos pacientes com SCR, tais como IC de etiologia isquêmica, menor fração de ejeção, portadores de diabetes mellitus, doença arterial coronariana, uso de estimuladores cardíacos artificiais, hipotireoidismo e doença de Chagas.

A presença de comorbidades, tais como DRC, hipertensão arterial, diabetes mellitus, doença arterial coronária, doenças pulmonares crônica, dislipidemia e doenças vasculares, constituem fatores de risco para o desenvolvimento da SCR em pacientes com IC.(1313. Lala RI, Lungeanu D, Puschita M, Pop-Moldovan A, Darabantiu D. Acute kidney injury: a clinical issue in hospitalized patients with heart failure with mid-range ejection fraction. Polish Arch Int Med. 2018;128(12):746-54.,1414. Al-Jarallah M, Rajan R, Al-Zakwani I, Dashti R, Bulbanat B, Sulaiman K, et al. Incidence and impact of cardiorenal anaemia syndrome on all-cause mortality in acute heart failure patients stratified by left ventricular ejection fraction in the Middle East. ESC Heart Fail. 2019;6(1):103–10.,2020. Benichel CR, Meneguin S. Fatores de risco para lesão renal aguda em pacientes clínicos intensivos. Acta Paul Enferm. 2020;33:e-APE20190064.2424. Uduman J. Epidemiology of cardiorenal syndrome. Adv Chronic Kidney Dis. 2018 Sep;25(5):391–9.)

Em um estudo francês,(2121. Dos Reis D, Fraticelli L, Bassand A, Manzo-Silberman S, Peschanski N, Charpentier S, et al. Impact of renal dysfunction on the management and outcome of acute heart failure: results from the French prospective, multicentre, DeFSSICA survey. BMJ Open. 2019;9(1):e022776.) revelou-se que os pacientes portadores de IC com disfunção renal moderada ou grave (TFG <60 mL/min/1,73m2) possuíam, com mais frequência, implantes de marcapasso e cardioversor desfibrilador implantável (CDI), do que o grupo sem a disfunção renal (4,78% vs 0%), corroborando os achados do nosso estudo.

A principal etiologia da IC encontrada no estudo para o grupo com a SCR foi a de etiologia isquêmica. De acordo com as diretrizes brasileiras e americana de IC,(2222. Rohde LE, Montera MW, Bocchi EA, Clausell NO, Albuquerque DC, Rassi S, et al.; Comitê Coordenador da Diretriz de Insuficiência Cardíaca. Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca Crônica e Aguda. Arq Bras Cardiol. 2018;111(3):436–539.,2323. Yancy CW, Jessup M, Bozkurt B, Butler J, Casey DE Jr, Colvin MM, et al. 2017 ACC/AHA/HFSA focused update of the 2013 ACCF/AHA guideline for the management of heart failure: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association task force on clinical practice guidelines and the heart failure Society of America. Circulation. 2017;136(6):e137–61.) a etiologia isquêmica da IC, secundária à doença arterial coronária, constitui uma das principais causas de IC com fração de ejeção reduzida. Ainda, o aumento progressivo da aterosclerose coronariana aumenta a disfunção miocárdica e, consequentemente, a SCR.

Quanto ao perfil hemodinâmico de apresentação clínica dos pacientes com IC, foi identificada maior associação dos perfis L e C com SCR. Nossos achados corroboraram outros estudos, que também demonstraram que os pacientes com SCR apresentaram maior severidade de sintomas clínicos e pior classe funcional (III e IV) da New York Heart Association .(1313. Lala RI, Lungeanu D, Puschita M, Pop-Moldovan A, Darabantiu D. Acute kidney injury: a clinical issue in hospitalized patients with heart failure with mid-range ejection fraction. Polish Arch Int Med. 2018;128(12):746-54.,2121. Dos Reis D, Fraticelli L, Bassand A, Manzo-Silberman S, Peschanski N, Charpentier S, et al. Impact of renal dysfunction on the management and outcome of acute heart failure: results from the French prospective, multicentre, DeFSSICA survey. BMJ Open. 2019;9(1):e022776.)

Os sinais e sintomas, como inapetência, sonolência, redução do débito urinário e a condição de má perfusão tecidual, que apresentaram associação significativa nos pacientes com SCR, estão relacionados à maior severidade e mortalidade da descompensação da IC secundária à redução do débito cardíaco.(1313. Lala RI, Lungeanu D, Puschita M, Pop-Moldovan A, Darabantiu D. Acute kidney injury: a clinical issue in hospitalized patients with heart failure with mid-range ejection fraction. Polish Arch Int Med. 2018;128(12):746-54.,2121. Dos Reis D, Fraticelli L, Bassand A, Manzo-Silberman S, Peschanski N, Charpentier S, et al. Impact of renal dysfunction on the management and outcome of acute heart failure: results from the French prospective, multicentre, DeFSSICA survey. BMJ Open. 2019;9(1):e022776.)

A presença de estertores na ausculta respiratória é sinônimo de congestão. Estudo(2525. Rubio-Gracia J, Demissei BG, Ter Maaten JM, Cleland JG, O’Connor CM, Metra M, et al. Prevalence, predictors and clinical outcome of residual congestion in acute decompensated heart failure. Int J Cardiol. 2018;258:185–91.) evidenciou que a congestão é o principal motivo de internação e re-hospitalização por IC descompensada, repercutindo em maiores taxas de SCR e óbito. Outro trabalho(2121. Dos Reis D, Fraticelli L, Bassand A, Manzo-Silberman S, Peschanski N, Charpentier S, et al. Impact of renal dysfunction on the management and outcome of acute heart failure: results from the French prospective, multicentre, DeFSSICA survey. BMJ Open. 2019;9(1):e022776.) observou que o aumento no nível do hormônio peptídeo natriurético (BNP), equivalente a uma condição maior de congestão nos pacientes com IC, estava relacionado diretamente à piora da função renal.

Quanto aos parâmetros clínicos, os pacientes com SCR apresentaram menor nível pressórico e menor frequência cardíaca, sendo que esses achados também foram encontrados em outros estudos.(1414. Al-Jarallah M, Rajan R, Al-Zakwani I, Dashti R, Bulbanat B, Sulaiman K, et al. Incidence and impact of cardiorenal anaemia syndrome on all-cause mortality in acute heart failure patients stratified by left ventricular ejection fraction in the Middle East. ESC Heart Fail. 2019;6(1):103–10.,2121. Dos Reis D, Fraticelli L, Bassand A, Manzo-Silberman S, Peschanski N, Charpentier S, et al. Impact of renal dysfunction on the management and outcome of acute heart failure: results from the French prospective, multicentre, DeFSSICA survey. BMJ Open. 2019;9(1):e022776.) A justificativa para esses dados estão relacionados à maior gravidade da função cardíaca, que ocasiona valores pressóricos mais baixos e, consequentemente, maior necessidade da otimização das drogas betabloqueadoras, na tentativa de postergar os mecanismos compensatórios deletérios da IC, porém é possível identificar achados antagônicos ao nosso, com maiores valores de pressão sistólica.(2626. Brisco MA, Zile MR, Hanberg JS, Wilson FP, Parikh CR, Coca SG, et al. Relevance of changes in serum creatinine during a heart failure trial of decongestive strategies: insights from the DOSE trial. J Card Fail. 2016 ;22(10):753–60.)

Alguns estudos(1313. Lala RI, Lungeanu D, Puschita M, Pop-Moldovan A, Darabantiu D. Acute kidney injury: a clinical issue in hospitalized patients with heart failure with mid-range ejection fraction. Polish Arch Int Med. 2018;128(12):746-54.,1414. Al-Jarallah M, Rajan R, Al-Zakwani I, Dashti R, Bulbanat B, Sulaiman K, et al. Incidence and impact of cardiorenal anaemia syndrome on all-cause mortality in acute heart failure patients stratified by left ventricular ejection fraction in the Middle East. ESC Heart Fail. 2019;6(1):103–10.,2121. Dos Reis D, Fraticelli L, Bassand A, Manzo-Silberman S, Peschanski N, Charpentier S, et al. Impact of renal dysfunction on the management and outcome of acute heart failure: results from the French prospective, multicentre, DeFSSICA survey. BMJ Open. 2019;9(1):e022776.) mostraram que os valores de creatinina e ureia séricas eram maiores nos grupos de pacientes com IC, associados à disfunção renal e à anemia. Segundo Uduman,(2424. Uduman J. Epidemiology of cardiorenal syndrome. Adv Chronic Kidney Dis. 2018 Sep;25(5):391–9.) até pequenos aumentos na creatinina podem ser associado a piores resultados, considerando a alta prevalência da SCR no contexto de doenças cardíacas agudas e crônicas.

No que diz respeito ao nível sérico de potássio, foram identificados valores maiores em pacientes com SCR, denotando a importância de uma avaliação criteriosa na admissão desses pacientes, pois a hipercalemia é uma condição clínica grave, podendo ocasionar arritmias cardíacas graves e fatais, além de associar-se às doenças cardiovasculares, hospitalização, progressão da doença renal e maior risco de mortalidade.(2727. Di Lullo L, Ronco C, Granata A, Paoletti E, Barbera V, Cozzolino M, et al. Chronic hyperkalemia in cardiorenal patients: risk factors, diagnosis, and new treatment options. Cardiorenal Med. 2019;9(1):8–21.) Portanto, esses pacientes devem permanecer sob vigilância multiprofissional até sua estabilização clínica.(22. Ponikowski P, Voors AA, Anker SD, Bueno H, Cleland JG, Coats AJ, et al.; Authors/Task Force Members; Document Reviewers. 2016 ESC Guidelines for the diagnosis and treatment of acute and chronic heart failure: the Task Force for the diagnosis and treatment of acute and chronic heart failure of the European Society of Cardiology (ESC). Developed with the special contribution of the Heart Failure Association (HFA) of the ESC. Eur J Heart Fail. 2016;18(8):891–975.,2121. Dos Reis D, Fraticelli L, Bassand A, Manzo-Silberman S, Peschanski N, Charpentier S, et al. Impact of renal dysfunction on the management and outcome of acute heart failure: results from the French prospective, multicentre, DeFSSICA survey. BMJ Open. 2019;9(1):e022776.2323. Yancy CW, Jessup M, Bozkurt B, Butler J, Casey DE Jr, Colvin MM, et al. 2017 ACC/AHA/HFSA focused update of the 2013 ACCF/AHA guideline for the management of heart failure: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association task force on clinical practice guidelines and the heart failure Society of America. Circulation. 2017;136(6):e137–61.)

Observou-se, ainda, que, no grupo com a disfunção renal, os pacientes eram mais plaquetopênicos. Não foram encontrados muitos estudos comparando os valores de plaquetas nos grupos de pacientes em questão. Porém, entende-se que a plaquetopenia pode ser um sinal clínico de gravidade ou desfecho desfavorável nesses pacientes com SCR.

Quanto ao tempo de hospitalização e à análise da mortalidade, foi constatada maior mortalidade nos pacientes com disfunção renal, no entanto, em relação ao tempo de hospitalização, não houve diferença entre os grupos. Esse mesmo resultado é sustentado por outros estudos,(1313. Lala RI, Lungeanu D, Puschita M, Pop-Moldovan A, Darabantiu D. Acute kidney injury: a clinical issue in hospitalized patients with heart failure with mid-range ejection fraction. Polish Arch Int Med. 2018;128(12):746-54.,1414. Al-Jarallah M, Rajan R, Al-Zakwani I, Dashti R, Bulbanat B, Sulaiman K, et al. Incidence and impact of cardiorenal anaemia syndrome on all-cause mortality in acute heart failure patients stratified by left ventricular ejection fraction in the Middle East. ESC Heart Fail. 2019;6(1):103–10.,1919. Cowger JA, Radjef R. Advanced heart failure therapies and cardiorenal syndrome. Adv Chronic Kidney Dis. 2018;25(5):443–53.,2828. Levy WC, Dardas TF. Comparison of cardiopulmonary-based risk models with a clinical heart failure risk model. Eur J Heart Fail. 2018;20(4):711–4.3030. Wessler BS, Ruthazer R, Udelson JE, Gheorghiade M, Zannad F, Maggioni A, et al. Regional validation and recalibration of clinical predictive models for patients with acute heart failure. J Am Heart Assoc. 2017;6(11):e006121.) que também evidenciaram aumento expressivo da taxa de mortalidade quando os pacientes apresentavam piora da função renal associada à IC (com FEVE preservada ou reduzida). Em outro estudo,(2121. Dos Reis D, Fraticelli L, Bassand A, Manzo-Silberman S, Peschanski N, Charpentier S, et al. Impact of renal dysfunction on the management and outcome of acute heart failure: results from the French prospective, multicentre, DeFSSICA survey. BMJ Open. 2019;9(1):e022776.) não foi evidenciada diferença entre os grupos quanto à mortalidade, porém o tempo de hospitalização foi maior nos pacientes com a disfunção renal. O estudo do McCallum et al.(3131. McCallum W, Tighiouart H, Kiernan MS, Huggins GS, Sarnak MJ. Relation of kidney function decline and nt-probnp with risk of mortality and readmission in acute decompensated heart failure. Am J Med. 2020;133(1):115–122.e2.) mostrou que o declínio da TFG não foi significativamente associado à morte e reinternação.

Diante do reconhecimento desses fatores associados à SCR, o enfermeiro, juntamente com a equipe multiprofissional, deve implementar intervenções de enfermagem focadas para a compensação clínica desses pacientes, principalmente relacionadas ao controle hidroeletrolítico, acidobásico, da função renal, da terapia por hemodiálise e do baixo débito cardíaco, por meio de ações independentes ou dependentes de outros profissionais.(1515. Bulechek GM, Butcher H, Dochterman JM, Wagner CM. Classificação das intervenções de enfermagem (NIC); [Tradução Denise Costa Rodrigues]. 6a ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2016.)

Além das intervenções de enfermagem focadas na compensação clínica desses pacientes, é necessário intensificar as ações educativas, com o intuito de retardar a progressão da doença, melhorar o autocuidado, aumentar o nível de adesão medicamentosa e não medicamentosa para reduzir as taxas de hospitalização pela descompensação da IC,(3232. Boyde M, Peters R, New N, Hwang R, Ha T, Korczyk D. Self-care educational intervention to reduce hospitalisations in heart failure: A randomised controlled trial. Eur J Cardiovasc Nurs. 2018;17(2):178–85.) principalmente nos pacientes com maior risco de agravamento dos sinais clínicos e de desenvolvimento da SCR.

Acredita-se que as principais limitações deste estudo é o fato de ter sido conduzido em uma única instituição hospitalar por meio da avaliação de dados em prontuários e de forma retrospectiva, o que impossibilita a garantia da fidedignidade de alguns dados registrados.

Conclusão

Houve alta prevalência da SCR em pacientes com IC crônica descompensada, refletindo nos desfechos de maior mortalidade. Os fatores associados à SCR foram: maior média de idade, sexo feminino, etiologia da IC isquêmica e chagásica, menor fração de ejeção, comorbidades, perfis hemodinâmicos da IC tipo C e L, presença de inapetência, sonolência, estertores na ausculta respiratória, má perfusão tecidual e redução do débito urinário, com aumento dos níveis séricos de potássio, ureia e creatinina. Os resultados do nosso estudo podem servir de base para a construção de protocolos assistenciais de avaliação clínica realizados pelos enfermeiros, com o intuito de priorizar o atendimento inicial de pacientes nos serviços de emergência.

Agradecimentos

Os autores agradecem à Instituição coparticipante da pesquisa onde ocorreu a coleta de dados.

Referências

  • 1
    Stafylas P, Farmakis D, Kourlaba G, Giamouzis G, Tsarouhas K, Maniadakis N, et al. The heart failure pandemic: the clinical and economic burden in Greece. Int J Cardiol. 2017;227(227):923–9.
  • 2
    Ponikowski P, Voors AA, Anker SD, Bueno H, Cleland JG, Coats AJ, et al.; Authors/Task Force Members; Document Reviewers. 2016 ESC Guidelines for the diagnosis and treatment of acute and chronic heart failure: the Task Force for the diagnosis and treatment of acute and chronic heart failure of the European Society of Cardiology (ESC). Developed with the special contribution of the Heart Failure Association (HFA) of the ESC. Eur J Heart Fail. 2016;18(8):891–975.
  • 3
    Hammond CA, Blades NJ, Chaudhry SI, Dodson JA, Longstreth WT Jr, Heckbert SR, et al. Long-term cognitive decline after newly diagnosed heart failure. Longitudinal analysis in the CHS (Cardiovascular Health Study). Circ Heart Fail. 2018;11(3):e004476.
  • 4
    Manemann SM, Chamberlain AM, Roger VL, Griffin JM, Boyd CM, Cudjoe TK, et al. Perceived social isolation and outcomes in patients with heart failure. J Am Heart Assoc. 2018;7(11):e008069.
  • 5
    Damman K, Valente MA, Voors AA, O’Connor CM, van Veldhuisen DJ, Hillege HL. Renal impairment, worsening renal function, and outcome in patients with heart failure: an updated meta-analysis. Eur Heart J. 2014;35(7):455–69.
  • 6
    Ronco C, Bellasi A, Di Lullo L. Implication of acute kidney injury in heart failure. Heart Fail Clin. 2019;15(4):463–76.
  • 7
    Costanzo MR. The cardiorenal syndrome in heart failure. Heart Fail Clin. 2020;16(1):81–97.
  • 8
    Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO) Acute Kidney Injury Work Group. KDIGO Clinical Practice Guideline for Acute Kidney Injury. Kidney Int Suppl. 2012; 2:1–138.
  • 9
    Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO) CKD Work Group. KDIGO 2012 Clinical Practice Guideline for the Evaluation and Management of Chronic Kidney Disease. Kidney Int Suppl. 2013;3:1–150.
  • 10
    Kumar U, Wettersten N, Garimella PS. Cardiorenal Syndrome: pathophysiology. Cardiol Clin. 2019;37(3):251–65.
  • 11
    Rangaswami J, Bhalla V, Blair JE, Chang TI, Costa S, Lentine KL, et al.; American Heart Association Council on the Kidney in Cardiovascular Disease and Council on Clinical Cardiology. Cardiorenal syndrome: classification, pathophysiology, diagnosis, and treatment strategies: a scientific statement from the American Heart Association. Circulation. 2019;139(16):e840–78.
  • 12
    Agrawal A, Naranjo M, Kanjanahattakij N, Rangaswami J, Gupta S. Cardiorenal syndrome in heart failure with preserved ejection fraction-an under-recognized clinical entity. Heart Fail Rev. 2019;24(4):421–37.
  • 13
    Lala RI, Lungeanu D, Puschita M, Pop-Moldovan A, Darabantiu D. Acute kidney injury: a clinical issue in hospitalized patients with heart failure with mid-range ejection fraction. Polish Arch Int Med. 2018;128(12):746-54.
  • 14
    Al-Jarallah M, Rajan R, Al-Zakwani I, Dashti R, Bulbanat B, Sulaiman K, et al. Incidence and impact of cardiorenal anaemia syndrome on all-cause mortality in acute heart failure patients stratified by left ventricular ejection fraction in the Middle East. ESC Heart Fail. 2019;6(1):103–10.
  • 15
    Bulechek GM, Butcher H, Dochterman JM, Wagner CM. Classificação das intervenções de enfermagem (NIC); [Tradução Denise Costa Rodrigues]. 6a ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2016.
  • 16
    Malta M, Cardoso LO, Bastos FI, Magnanini MM, Silva CM. Iniciativa STROBE: subsídios para a comunicação de estudos observacionais. Rev Saude Publica. 2010;44(3):559–65.
  • 17
    von Elm E, Altman DG, Egger M, Pocock SJ, Gøtzsche PC, Vandenbroucke JP; STROBE Initiative. Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE) statement: guidelines for reporting observational studies. BMJ. 2007;335(7624):806–8.
  • 18
    Rigonatto MC, Magro MC. Risco para lesão renal aguda na atenção primária à saúde. Rev Bras Enferm. 2018;71(1):20–5.
  • 19
    Cowger JA, Radjef R. Advanced heart failure therapies and cardiorenal syndrome. Adv Chronic Kidney Dis. 2018;25(5):443–53.
  • 20
    Benichel CR, Meneguin S. Fatores de risco para lesão renal aguda em pacientes clínicos intensivos. Acta Paul Enferm. 2020;33:e-APE20190064.
  • 21
    Dos Reis D, Fraticelli L, Bassand A, Manzo-Silberman S, Peschanski N, Charpentier S, et al. Impact of renal dysfunction on the management and outcome of acute heart failure: results from the French prospective, multicentre, DeFSSICA survey. BMJ Open. 2019;9(1):e022776.
  • 22
    Rohde LE, Montera MW, Bocchi EA, Clausell NO, Albuquerque DC, Rassi S, et al.; Comitê Coordenador da Diretriz de Insuficiência Cardíaca. Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca Crônica e Aguda. Arq Bras Cardiol. 2018;111(3):436–539.
  • 23
    Yancy CW, Jessup M, Bozkurt B, Butler J, Casey DE Jr, Colvin MM, et al. 2017 ACC/AHA/HFSA focused update of the 2013 ACCF/AHA guideline for the management of heart failure: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association task force on clinical practice guidelines and the heart failure Society of America. Circulation. 2017;136(6):e137–61.
  • 24
    Uduman J. Epidemiology of cardiorenal syndrome. Adv Chronic Kidney Dis. 2018 Sep;25(5):391–9.
  • 25
    Rubio-Gracia J, Demissei BG, Ter Maaten JM, Cleland JG, O’Connor CM, Metra M, et al. Prevalence, predictors and clinical outcome of residual congestion in acute decompensated heart failure. Int J Cardiol. 2018;258:185–91.
  • 26
    Brisco MA, Zile MR, Hanberg JS, Wilson FP, Parikh CR, Coca SG, et al. Relevance of changes in serum creatinine during a heart failure trial of decongestive strategies: insights from the DOSE trial. J Card Fail. 2016 ;22(10):753–60.
  • 27
    Di Lullo L, Ronco C, Granata A, Paoletti E, Barbera V, Cozzolino M, et al. Chronic hyperkalemia in cardiorenal patients: risk factors, diagnosis, and new treatment options. Cardiorenal Med. 2019;9(1):8–21.
  • 28
    Levy WC, Dardas TF. Comparison of cardiopulmonary-based risk models with a clinical heart failure risk model. Eur J Heart Fail. 2018;20(4):711–4.
  • 29
    Thorvaldsen T, Claggett BL, Shah A, Cheng S, Agarwal SK, Wruck LM, et al. Predicting risk in patients hospitalized for acute decompensated heart failure and preserved ejection fraction: the atherosclerosis risk in communities study heart failure community surveillance. Circ Heart Fail. 2017;10(12):e003992.
  • 30
    Wessler BS, Ruthazer R, Udelson JE, Gheorghiade M, Zannad F, Maggioni A, et al. Regional validation and recalibration of clinical predictive models for patients with acute heart failure. J Am Heart Assoc. 2017;6(11):e006121.
  • 31
    McCallum W, Tighiouart H, Kiernan MS, Huggins GS, Sarnak MJ. Relation of kidney function decline and nt-probnp with risk of mortality and readmission in acute decompensated heart failure. Am J Med. 2020;133(1):115–122.e2.
  • 32
    Boyde M, Peters R, New N, Hwang R, Ha T, Korczyk D. Self-care educational intervention to reduce hospitalisations in heart failure: A randomised controlled trial. Eur J Cardiovasc Nurs. 2018;17(2):178–85.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    04 Dez 2019
  • Aceito
    08 Set 2020
Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo R. Napoleão de Barros, 754, 04024-002 São Paulo - SP/Brasil, Tel./Fax: (55 11) 5576 4430 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: actapaulista@unifesp.br