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Escola Paulista de Enfermagem – 80 Anos de uma história de triunfos

Escola Paulista de Enfermagem: 80 años de una historia de triunfos

Resumo

Este estudo tem por objetivo resgatar a importância histórica da Escola Paulista de Enfermagem para a formação, para a profissão de enfermagem e para a produção do conhecimento de enfermagem e saúde no período de 1939-2019. É um estudo histórico-social, de abordagem qualitativa por meio da observação/exploração documental de arquivos, publicações oficiais, textos bibliográficos e fotográficos e de imagens. As fontes documentais neste estudo foram: reportagens de jornais de grande circulação nacional; livros; artigos científicos e Teses e Dissertações de Mestrado. Como resultados resgatamos que a Escola de Enfermeiras do Hospital São Paulo foi fundada em 1939, sendo a primeira instituição de ensino superior da cidade de São Paulo. O perfil proposto para a nova escola baseou-se na competência, valores éticos, morais e espirituais. Por sua presença constante no cenário político nacional da Enfermagem brasileira, assim como na Associação Brasileira de Enfermagem, a Escola Paulista de Enfermagem é referência na área de enfermagem e saúde, contribuindo com a formação, qualificação e produção tecnológica e científica para o sistema de saúde brasileiro. Seu Programa de Pós-Graduação vem há quatro décadas contribuindo com a formação de mestres, doutores e pós-doutores, agregando valor à produção do conhecimento no campo das Ciências da Enfermagem e da Saúde no cenário nacional e internacional. Estes 80 anos da Escola Paulista de Enfermagem representam uma história de lutas e conquistas tendo contribuído expressivamente com o desenvolvimento do saber em enfermagem e saúde, na qualificação de discentes, docentes e pesquisadores, além da melhoria da profissão de enfermagem no país e internacionalmente.

História da enfermagem; Educação em enfermagem; Escolas de enfermagem

Resumen

Este estudio tiene el objetivo de rescatar la importancia histórica de la Escola Paulista de Enfermagem para la formación, para la profesión de enfermería y para la producción de conocimiento de enfermería y salud en el período de 1939 a 2019. Es un estudio histórico-social, con enfoque cualitativo mediante la observación/exploración documental de archivos, publicaciones oficiales, textos bibliográficos y fotográficos y de imágenes. Las fuentes documentales de este estudio fueron: reportajes de periódicos de gran circulación nacional, libros, artículos científicos y tesis de maestría. Como resultado rescatamos que la Escola de Enfermeiras del Hospital São Paulo fue fundada en 1939 y fue la primera institución de educación superior de la ciudad de São Paulo. El perfil propuesto para la nueva escuela se basó en las competencias y en los valores éticos, morales y espirituales. Debido a su presencia constante en el escenario político nacional de la enfermería brasileña, así como también en la Asociación Brasileña de Enfermería, la Escola Paulista de Enfermagem es referencia en el área de enfermería y salud y contribuye con la formación, cualificación y producción tecnológica y científica del sistema de salud brasileño. Su programa de posgrado lleva cuatro décadas contribuyendo con la formación de profesionales en maestrías, doctorados y posdoctorados, quienes agregan valor a la producción de conocimiento en el campo de las ciencias de la enfermería y de la salud en el escenario nacional e internacional. Estos 80 años de la Escola Paulista de Enfermagem representan una historia de luchas y conquistas, con una contribución significativa al desarrollo del saber en enfermería y salud, en la cualificación de estudiantes, docentes e investigadores, además de la mejora de la profesión de enfermería en el país e internacionalmente.

Historia de la enfermería; Educación en Enfermería; Facultades de enfermería

Abstract

The aim of this study is to explore the historical importance of the Paulista School of Nursing for education, nursing profession, and production of knowledge in nursing and health from 1939 and 2019. This is a social-historical research with a qualitative approach that observed/explored documents, official publications, and scientific studies, photos and images. The sources in this research were: reports of highest in circulation national journals, books, published scientific articles, dissertations and theses. As a result we found that School of Nursing of Hospital Sao Paulo was founded in 1939, and it was the first higher education institution of the city of São Paulo. The profile proposed for new school was based on competence, ethical, moral, and spiritual values. Because of the constant presence in the national political scenario of the Brazilian nursing, such as the Brazilian Nursing Association, and by the participation of faculty in activities to represent the school institutionally, the Paulista School of Nursing is considered a reference in nursing and health area due to its contribution in education and technological and scientific production to the Brazilian health system. The Paulista School of Nursing graduate program has been contributing for four decades to education of master’s degree students, PhD students, and post-doctoral researchers, in addition to improve the production of knowledge in the field of nursing and health sciences nationally and internationally. The 80th anniversary of Paulista School of Nursing represents a story of efforts and achievements and the school has contributed significantly to develop knowledge in nursing and health area, prepare undergraduate students, professors, and researchers, and improve the nursing professionals globally.

History of nursing; Education, nursing; Schools, nursing

Introdução

Este estudo se desdobra de uma problemática que já vem sendo trabalhada em estudos anteriores relativos à historicidade da profissão e do cuidado de enfermagem em seus vários campos de atuação. Ao longo dos últimos anos temos trabalhado em estudos relativos às instituições nas quais a enfermagem exerce um papel fundamental na qualificação de recursos humanos, no desenvolvimento do conhecimento científico, na construção de novas práticas de cuidado e na formação da identidade profissional.(11. Padilha MI, Nelson S. Networks of identity: the potential of biographical studies for teaching nursing identity. Nurs Hist Rev. 2011;19(1):183–93.

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5. Carlos DJ, Padilha MI, Medeiros R. História e memória do Hospital Universitário Onofre Lopes, Natal (RN): 1909-2000. Hist Enferm. 2013;4:38–57.
-66. Teodosio SS, Padilha MI. “Ser enfermeiro”: escolha profissional e a construção dos processos identitários (anos 1970). Rev Bras Enferm. 2016;69(3):428–34.)

Entendemos que a pesquisa histórica pode e deve ter um compromisso com a realidade social que vivemos no sentido de compreendê-la, fornecer subsídios para aprimorar as políticas de saúde e educação, melhorar o cuidado de enfermagem nos ambientes de prática profissional e propiciar oportunidades de revisão nos currículos dos cursos de graduação e pós-graduação em saúde e enfermagem.

Os estudos de natureza sócio-histórica compreendem o estudo dos grupos humanos no seu espaço temporal e discutem os variados aspectos do cotidiano das diferentes classes e grupos sociais. Os contextos utilizados para estes estudos podem ser um hospital, uma escola, uma instituição, uma cidade e um grupo de indivíduos que fizeram parte de um determinado momento histórico. Desenvolver a pesquisa histórica para construir a memória da enfermagem e analisar criticamente a história das enfermeiras e da enfermagem é um desafio a ser enfrentado crescentemente.(77. Padilha MI, Bellaguarda ML, Nelson S, Maia AR, Costa R. The use of sources in historical research. Texto Contexto Enferm. 2017;26(4):e2760017.) Neste sentido, seus resultados devem apresentar sustentação suficiente para defender as boas práticas de saúde e enfermagem. As boas práticas desenvolvidas a partir de investigações cientificas têm gerado nos últimos tempos novas descobertas e comprovações que permitem melhorar os cuidados aos usuários auxiliando no manejo clínico e na tomada de decisão.

O foco deste estudo é a historicidade da Escola Paulista de Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo (EPE/UNIFESP), que completou, em primeiro de março de 2019, oitenta anos de uma vasta e rica existência. Vários eventos e atividades foram realizados ao longo desse ano, com o objetivo de homenagear as pessoas que contribuíram para seu desenvolvimento, reencontrar seus egressos, refletir sobre o passado e pensar nas perspectivas futuras. O início das comemorações dos 80 anos da Escola Paulista de Enfermagem se deu na Sessão de abertura do Evento Acta Paulista de Enfermagem: 30 anos de contribuição para a ciência, realizado no dia 06 de Dezembro de 2018.

Este estudo tem por objetivo resgatar a importância histórica da Escola Paulista de Enfermagem para a formação, para a profissão de enfermagem e para a produção do conhecimento de enfermagem e saúde no periodo de 1939-2019.

Trata-se de um estudo histórico-social, de abordagem qualitativa por meio da observação/exploração documental de arquivos, publicações oficiais e estudos científicos.(88. Le Goff J. A história nova. 2a ed. São Paulo: Martins Fontes; 1993.)

Um dos objetivos da investigação histórica é lançar luzes sobre o passado, a fim de desvelar o presente e visibilizar questões futuras.(77. Padilha MI, Bellaguarda ML, Nelson S, Maia AR, Costa R. The use of sources in historical research. Texto Contexto Enferm. 2017;26(4):e2760017.) Deste modo, é importante que a escolha do tema a ser pesquisado esteja atenta às prioridades sociais do momento em que se vive.

A pesquisa documental vem sendo valorizada entre os pesquisadores, uma vez que ela permite a reconstrução da contextualização histórica já vivida, podendo ser considerada a principal fonte de pesquisa porque visa acesso a fontes pertinentes. Este fato é reforçado em estudos(66. Teodosio SS, Padilha MI. “Ser enfermeiro”: escolha profissional e a construção dos processos identitários (anos 1970). Rev Bras Enferm. 2016;69(3):428–34.) que reafirmam a importância do uso da pesquisa documental na área da enfermagem.(77. Padilha MI, Bellaguarda ML, Nelson S, Maia AR, Costa R. The use of sources in historical research. Texto Contexto Enferm. 2017;26(4):e2760017.)As fontes documentais neste estudo foram: reportagens de jornais de grande circulação nacional; livros;(99. Barbieri M, Rodrigues J. Memórias do cuidar: setenta anos da Escola Paulista de Enfermagem. São Paulo: Unifesp; 2011.) artigos científicos publicados ao longo do tempo que possibilitem atingir aos objetivos do estudo. Também utilizamos como fonte primárias Teses e Dissertações de Mestrado,(1010. Silva MR. A criação da escola de enfermeiras do hospital São Paulo e o desenho do seu primeiro currículo (1939-1942) [dissertação]. São Paulo: Universidade Federal de São Paulo; 2007.) dentre outras que fazem parte da história da escola.

A técnica utilizada para a análise dos dados foi a Análise de Conteúdo Temática(1111. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2011.) que se refere a um conjunto de técnicas de análise das comunicações que visa obter, por meio de uma descrição objetiva e sistemática o conteúdo das mensagens, indicadores que permitam a interpretação e a inferência de conhecimentos relativos a essas mensagens.

Celebrando 80 anos, muitas histórias para contar

Celebrar os 80 anos da Escola Paulista de Enfermagem, ou como é carinhosamente chamada pelas docentes apenas de “EPE”, representa a sua importância como um dos capítulos da história da Enfermagem brasileira, na formação, aprimoramento, produção de conhecimento e fortalece a identidade coletiva da profissão. O resgate das idas e vindas nesta construção histórica, dos embates, desafios, vidas de personalidades, eventos, instituições, lugares contribuem para a preservação, visibilidade profissional, identidade revelando como foram construídas para enfrentar o presente e o futuro.(1212. Cardili CV, Sanna MC. Events that preceded Paulista Nursing School Federalization. Esc Anna Nery. 2015;19(1):24–32.,1313. Cagnacci CV, Sanna MC. História das escolas de enfermagem como objeto de pesquisa. Rev Pesquisa: Cuidado é Fundamental 2010;2 (Supl l):808-12.)

Sua história se inicia antes da própria fundação em 01 de março de 1939, mais precisamente, a partir da criação da Escola Paulista de Medicina (EPM) em 1933 por iniciativa do médico Octavio de Carvalho, seu primeiro diretor, seguida da inauguração do Hospital São Paulo em maio de 1938 e necessidade de equipe de enfermagem para alí atuar com eficiência na área assistência, ensino e pesquisa. Não se diferencia portanto, das escolas já criadas anteriormente, como a Escola de Enfermeiras do Departamento Nacional de Saúde Pública (1922), atual Escola de Enfermagem Anna Nery da UFRJ (EEAN/UFRJ), por iniciativa do sanitarista Carlos Chagas e da Escola de Enfermagem Carlos Chagas (1934), em Belo Horizonte, por iniciativa de Lais Netto dos Reys. Outras sete escolas foram criadas até 1945, sendo cinco somente na década de 1930: duas em Goiás, uma em Minas Gerais, uma no Rio de Janeiro e uma em São Paulo.(1414. Baptista SS, Barreira IA. Condições de surgimento das escolas de enfermagem brasileiras (1890-1960). Rev Altern Enferm (Rio de Janeiro). 1977;1(2):4-16.,1515. Carvalho AC. Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. Resumo histórico: 1942-1980. São Paulo: Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo; 1980.)

Foi fundada então a Escola de Enfermeiras do Hospital São Paulo (EEHSP), no dia 01 de março de 1939, sendo a primeira instituição de ensino superior da cidade de São Paulo, com a finalidade de “garantir qualidade técnica à equipe de assistência e suprir a carência de enfermeiras no hospital, o que atenderia também as exigências da nova escola médica”.(1616. Silva MR, Gallian DM. A Escola de Enfermagem do Hospital São Paulo e seu primeiro currículo (1939-1942). Rev Bras Enferm. 2009;62(2):317-22.)Sua concretização foi resultado da aliança entre a Escola Paulista de Medicina (EPM) e a Congregação das Irmãs Franciscanas Missionárias de Maria e a Arquidiocese de São Paulo, representada por Dom José Gaspar de Affonseca e Silva, arcebispo de São Paulo, à época.

“A primeira diretora da EEHSP foi um membro dessa congregação religiosa: Madre Maria das Dores. Em 1944, ela deixou o cargo por motivos de saúde, assumindo a Madre Áurea Vieira da Cruz, diplomada pela EEHSP na primeira turma. É importante salientar que Madre Marie Domineuc foi presença forte durante as gestões das duas diretoras citadas e que as todas as decisões sobre a EEHSP passavam por ela.”(1212. Cardili CV, Sanna MC. Events that preceded Paulista Nursing School Federalization. Esc Anna Nery. 2015;19(1):24–32.)

O perfil proposto para a nova escola baseou-se na competência, valores éticos, morais e espirituais que deram o lema inscrito no emblema da Escola “NON VIVERE NISI AD SERVIEDUM” (não viver, senão para servir). O currículo seguia o modelo da Escola Oficial Padrão brasileira, a Escola de Enfermeiras Anna Nery (Decreto n. 20109/31) e como critério de qualidade somente as Enfermeiras formadas na EEHSP ocupariam cargos de chefias das unidades do Hospital São Paulo e como professores da Escola.(1717. Vianna LA. Enfermagem: da vida abnegada à auto-determinação profissional. Acta Paul Enf. 2000;13(Spe 1):17-26.,1818. Silva LM, Schirmer J. 80 Anos do Curso de Graduação em Enfermagem – a construção de um legado. Acta Paul Enferm. 2019;32(2):3–6.)

A EEHSP foi oficialmente reconhecida em 1942 com a formação da primeira turma de cinco Enfermeiras diplomadas em 17 de setembro. O Diário Oficial de 4ª feira, primeiro de abril de 1942, através do Decreto nº 9.101, trouxe a tão esperada notícia:

...Concede equiparação à Escola de Enfermeiras do “Hospital São Paulo”, com sede na Capital do Estado de São Paulo. O Presidente da República, usando da atribuição que lhe confere o art. 180 da Constituição: Resolve, nos termos do art. 5 do Decreto n. 20.109, de 15 de junho de 1931, conceder equiparação à Escola de Enfermeiras do Hospital São Paulo, com sede na Capital do Estado de São Paulo. Rio de Janeiro, 24 de março de 1942, 121º da Independência e 54º da República. Getúlio Vargas, Gustavo Capanema... (10:52)

Nos anos 1950, escolas de enfermagem são criadas em todo o país com vistas a profissionalização da carreira e o Conselho Federal de Educação, por meio de legislação própria, passa a exigir que todas as escolas de enfermagem ofereçam o curso em nível superior. A EEHSP se adequa a legislação em 1962. Destaca-se que não houve necessidade de alteração no currículo e na carga horária, pois seu conteúdo já estava em conformidade com a exigência do decreto do Conselho Federal de Educação.(1919. Barros AL. Paulista School of Nursing: a little bit of history. Acta Paul Enferm. 2009;22(Spe):861-3.) Em 10 de maio de 1968, pelo decreto n. 62.689/68 passou a ser denominada Escola Paulista de Enfermagem (EPE).

Em 1973, assumiu a direção Irmã Francisca Nogueira Soares, religiosa e docente do Departamento de Enfermagem Obstétrica, tendo permanecido por três anos. Foi sucedida, pela docente Esmeralda Augusto, a primeira diretora leiga da EPE, em cuja gestão ocorreu a federalização da Escola e o inicio da Pós- graduação strictu sensu.

A estrutura hierárquica era composta pela diretora da escola, chefes de departamentos e docentes que ministravam as disciplinas do curso. Com a federalização, em 1977, a EPE se transformou em um departamento da EPM com setores e disciplinas.

Tendo em vista a necessidade de garantir mais recursos junto ao Ministério da Educação, em 1994 é criada a Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), ocasião em que o Departamento de Enfermagem passa a ela vincular-se com quatro grandes disciplinas: Fundamentos de Enfermagem e Enfermagem Médica e Cirúrgica, Enfermagem Pediátrica, Enfermagem Obstétrica e Enfermagem de Saúde Pública e Administração Aplicada à Enfermagem. Esta organização permaneceu até março de 2010 quando por decisão estatutária e muita luta o então Departamento de Enfermagem torna-se Escola Paulista de Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo, retomando o nome existente entre 1968-1977. Este nome significa a manutenção de qualidade no ensino, assistência, pesquisa e extensão mantida ao longo dos anos e acima de tudo autonomia institucional.(99. Barbieri M, Rodrigues J. Memórias do cuidar: setenta anos da Escola Paulista de Enfermagem. São Paulo: Unifesp; 2011.)

Por sua presença constante no cenário político nacional da Enfermagem brasileira, assim como na Associação Brasileira de Enfermagem, por meio da participação dos docentes em atividades de representação institucional, a Escola Paulista de Enfermagem é referência na área de enfermagem e saúde, contribuindo com a formação, qualificação e produção tecnológica e científica para o sistema de saúde brasileiro. Trata-se de uma instituição modelo, também, por estar localizada num dos estados em que a Enfermagem é fortemente prestigiada no país e, onde a atividade econômica e política têm impacto nacional.(1212. Cardili CV, Sanna MC. Events that preceded Paulista Nursing School Federalization. Esc Anna Nery. 2015;19(1):24–32.,1919. Barros AL. Paulista School of Nursing: a little bit of history. Acta Paul Enferm. 2009;22(Spe):861-3.)

Um aspecto importante de ser relatado foi a conquista de um espaço físico próprio para a EPE, encabeçado pela Enfermeira Madre Áurea em 1972, como diretora da escola até 1973, esta foi incansável na busca por apoio, recursos e área física para a escola. O espaço que era anteriormente residência de estudantes e religiosas, passa a abrigar apenas as instalações da escola de enfermagem, a partir de 1974. Para além da conquista de um espaço físico, significava consolidação e exclusividade e congregação de estudantes e docentes.

“A compreensão da sociedade enquanto construção histórica remete a necessidade de preservação da memória, pois ela é o fio condutor que liga as gerações umas às outras, dando um caráter de antiguidade, ubiquidade e continuidade “.(2020. Santos, TC, Barreira IA, Gomes ML, Baptista SS, Peres MA, Almeida Filho AJ. A memória, o controle das lembranças e a pesquisa em história da enfermagem. Esc Anna Nery. 2011;15(3):616–25.)

A Pós-Graduação stricto sensu no Brasil surge com mais propriedade como desdobramento da Lei de Diretrizes e Bases no 4024/61 e foi instituida pela Reforma Universitária n. 5540/68, com o objetivo de qualificar docentes, estimular a pesquisa e a expansão do ensino superior país, constituindo-se um marco para a ciência e tecnologia no país. A profissão de Enfermagem segue este movimento com a criação do primeiro curso de mestrado em 1972, na EEAN/UFRJ e o primeiro curso de doutorado dez anos depois na Escola de Enfermagem da USP, Ribeirão Preto (EERP). Porém vale ressaltar que antes disso já havia sido realizada aquela que é considerada a primeira pesquisa de enfermagem no Brasil, comandada pela ABEN Nacional e intitulada “Levantamento de Recursos e Necessidades de Enfermagem”, realizada entre 1956 e 1958, financiada pela Fundação Rockefeller. Outro estudo que iluminou e influenciou a enfermagem brasileira foi a Tese de Cátedra da Professora Glete de Alcântara, defendida em 1963, na EERP, intitulada “A enfermagem moderna como categoria profissional: obstáculos à sua expansão na sociedade brasileira”.(1313. Cagnacci CV, Sanna MC. História das escolas de enfermagem como objeto de pesquisa. Rev Pesquisa: Cuidado é Fundamental 2010;2 (Supl l):808-12.)

A EPE/Unifesp alinhada aos movimentos de criação e desenvolvimento da educação em Enfermagem no Brasil, inicia em 1978 o Curso de Mestrado em Enfermagem Pediátrica, seguindo-se da Enfermagem Obstétrica em 1980 e Enfermagem na Saúde do Adulto em 1989. O Curso de Doutorado com a especificidade na área Materno Infantil tem início em 1986, oito anos depois.(2121. Scochi CG, Ferreira MA, Gelbcke FL. The year 2017 and the four-yearly evaluation of the Stricto Sensu Graduate Programs: investments and actions to continued progress. Rev Lat Am Enferm. 2017;25:e2995.)

No editorial elaborado na celebração dos 70 anos da EPE, é colocado que a grande modificação em termos do desenvolvimento da Pós-Graduação em Enfermagem da Unifesp ocorreu em 1996, quando unificou-se os três cursos de mestrado com áreas de concentração, transformou-se o Doutorado em Enfermagem Materna e Infantil em Doutorado em Enfermagem e passou a ter apenas um único Programa, que analisado por pesquisadores trouxe resultados positivos uma vez que possibilitou atender a demanda de enfermeiros das várias áreas da Enfermagem e adequando-se, também, aos critérios de desempenho estabelecidos pela área de Enfermagem da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), para os programas de Pós-graduação.(1919. Barros AL. Paulista School of Nursing: a little bit of history. Acta Paul Enferm. 2009;22(Spe):861-3.)Em 2002 nova mudança ocorreu, desta vez fundindo as áreas de concentração existentes em apenas uma, denominada Fundamentos e Práticas de Enfermagem no Processo Saúde Doença. Em 2005 a Unifesp determina que todos os Programas de Pós Graduação stricto sensu passem a contemplar a inserção de outros profissionais, e unifica a titulação de mestre e doutor em ciências.(1919. Barros AL. Paulista School of Nursing: a little bit of history. Acta Paul Enferm. 2009;22(Spe):861-3.)

Em 2008 nova reestruturação culmina na configuração atual com uma única área de concentração denominada “Enfermagem, Cuidado e Saúde” e quatro linhas de pesquisa nas quais as produções docentes e discentes são agregadas (Cuidado Clínico de Enfermagem e Saúde, Cuidado em Enfermagem e Saúde Coletiva, Gestão, Gerenciamento e educação em enfermagem e saúde, Fundamentos, Métodos, Processos e Tecnologias em Enfermagem e Saúde).

Atualmente o Programa de Pós-Graduação sensu stricto está avaliado com nota 5 pela quadrienal CAPES. Atende ao princípio de solidariedade avaliado pela CAPES. Seus pesquisadores mantem intercâmbios nacionais e internacionais e tem cadastrado no CNPq 22 grupos de estudos e pesquisa ligados, ou não, à pós-graduação em enfermagem.(2222. Pedreira ML, Peterlini MA. Programa de Pós-graduação em Enfermagem da EPE - Celebração de 30 anos do curso de doutorado. Acta Paul Enferm. 2016;29(6):6–7.)

No que se refere ao número de titulados, pode-se observar que houve um crescimento continuo e acentuado ao longo das quatro décadas, situação que reflete o comportamento da pós-graduação em Enfermagem do Brasil, titulando profissionais provenientes de todas as regiões do país e também do exterior. Estudo realizado com egressos do programa revelou que os maiores impactos referidos foram para os atributos “crescimento profissional” e “formação acadêmica”, seguido de “crescimento pessoal.(2323. Gutiérrez MG, Barros AL, Barbieri M. Seguimento de doutores egressos de um programa de pós-graduação em Enfermagem. Acta Paul Enferm. 2019;32(2):129–38.)

É inquestionável a necessidade da produção de ciência, tecnologia e inovação para o desenvolvimento do país e à melhoria da saúde da população, porém é imprescindível contar com instiuições adequadas de ensino e formação profissional. As pesquisas realizadas nos Programas de Pós-Graduação vem contribuindo para a criação e consolidação das linhas de pesquisa, no crescimento qualitativo e quantitativo das publicações em periódicos nacionais e internacionais qualificados, assim como, no preparo dos graduandos, mestres, doutores e pós-doutores e fortalecimento dos grupos de investigação.(2121. Scochi CG, Ferreira MA, Gelbcke FL. The year 2017 and the four-yearly evaluation of the Stricto Sensu Graduate Programs: investments and actions to continued progress. Rev Lat Am Enferm. 2017;25:e2995.)

Mais uma razão para celebrar e apontar o grande compromisso da Enfermagem na Unifesp com a produção e divulgação do conhecimento científico foi a criação da Revista Acta Paulista de Enfermagem, a qual é considerada como um dos melhores periódicos de enfermagem brasileiros e indexada nas principais bases de dados, funcionando editada de forma ininterrupta desde 1988. Conforme sua Editora Chefe, Dra. Janine Schirmer em seu editorial publicado em homenagem aos 30 anos da revista,(2424. Schirmer J. 30 anos de Acta Paulista de Enfermagem – Os desafios do cenário editorial e as práticas rumo à excelência. Acta Paul Enferm. 2018;31(1):iii–iv.)o objetivo inicial era que a Acta representasse um canal para divulgação da produção científica do programa de pós-graduação do Departamento de Enfermagem, e como missão favorecer a troca de experiências entre as Escolas de Enfermagem. Ao longo dos anos, a qualidade da Revista alçou patamares nacionais e internacionais de excelência expressiva para o desenvolvimento da profissão em consonância com os desafios das diferentes épocas, dignos da dedicação e compromisso de todo o grupo de docentes e profissionais envolvidos no seu gerenciamento e produção.(2525. Scochi CG, Munari DB, Pedreira ML, Padilha MI, Marziale MH. A importância da qualificação dos periódicos para o avanço da produção e visibilidade da pesquisa em enfermagem. Texto Contexto Enferm. 2012;21(2):251–3.)

Conclusão

O aporte propiciado por este estudo se justifica por entendermos que promove a constituição de um de um acervo de informações vinculado ao arquivo histórico já existente na Escola Paulista de Enfermagem como um centro de referência necessário aos docentes, pesquisadores e estudantes em enfermagem e saúde nacional e internacional, de modo a ampliar e divulgar o conhecimento produzido acerca da história das instituições. Desenvolver a pesquisa histórica para construir a memória da enfermagem e analisar criticamente a história das enfermeiras e da enfermagem é um desafio a ser enfrentado crescentemente. Neste sentido, pensamos que a celebração dos 80 anos da EPE torna pertinente a nossa contribuição no sentido de resgatar e valorizar a bela história construída ao longo de todos estes anos e norteada pela garra e fortaleza deste grupo profissional comprometido com a profissão na sua totalidade.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Out 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    22 Out 2019
  • Aceito
    17 Fev 2020
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