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Direitos da criança e adolescente hospitalizados à luz da gestão da clínica

Derechos de los niños y adolescentes hospitalizados a la luz de la gestión de la clínica

Resumo

Objetivo

Analisar o (des)cumprimento dos Direitos da Criança e Adolescente hospitalizados à luz da gestão da clínica.

Métodos

Pesquisa de métodos mistos, explanatória sequencial, realizada entre setembro e dezembro de 2019, em hospital universitário do Centro-Oeste do Brasil. Participaram 60 acompanhantes, oito profissionais e quatro estudantes da área da saúde, em setores de internação de crianças e adolescentes. Aplicou-se escala Likert com os vinte direitos na etapa quantitativa, e entrevista semiestruturada na qualitativa, com análise descritiva e de conteúdo, respectivamente. Os dados foram integrados por conexão e analisados à luz de princípios da gestão da clínica.

Resultados

Na etapa quantitativa, identificaram-se direitos com menores percentuais de cumprimento: permanecer ao lado da mãe ao nascer, receber aleitamento materno, apoio psicológico, recreação, acompanhamento do currículo escolar e morte digna. Nos resultados qualitativos identificou-se desconhecimento da resolução pelos participantes, considerando parcialmente cumpridos os direitos: não permanecer internado desnecessariamente, ter acompanhante, não ser separado da mãe ao nascer, receber aleitamento materno, não sentir dor, conhecimento da enfermidade, desfrutar de recreação e programas educacionais, receber informação, todos os recursos para cura, proteção contra maus tratos, preservação de imagem, não ser utilizado pela mídia e ter morte digna. Identificaram-se princípios da gestão da clínica limitados, exigindo estratégias de fomento no hospital.

Conclusão

Princípios da gestão da clínica mostraram-se fragilizados, especialmente os de orientação às necessidades de saúde e integralidade, transparência e responsabilização social..

Defesa da criança e do adolescente; Governança clínica; Hospitais universitários; Criança hospitalizada; Responsabilidade legal

Resumen

Objetivo

Analizar el (in)cumplimiento de los Derechos del Niño y del Adolescente hospitalizados a la luz de la gestión de la clínica.

Métodos

Investigación con métodos mixtos, explanatoria secuencial, realizada entre septiembre y diciembre de 2019, en un hospital universitario del medio oeste de Brasil. Participaron 60 acompañantes, ocho profesionales y cuatro estudiantes del área de la salud, en sectores de internación de niños y de adolescentes. Se aplicó una escala Likert con los veinte derechos en la etapa cuantitativa, y entrevista semiestructurada en la cualitativa, con análisis descriptivo y de contenido, respectivamente. Los datos se integraron por conexión y fueron analizados a la luz de principios de la gestión de la clínica.

Resultados

En la etapa cuantitativa, se identificaron derechos con menores porcentajes de cumplimiento: permanecer al lado de la madre al nascer, lactancia materna, apoyo psicológico, recreación, acompañamiento del currículum escolar y muerte digna. En los resultados cualitativos se identificó un desconocimiento de la resolución de parte de los participantes, considerando parcialmente cumplidos los derechos: no permanecer internado sin necesidad, tener un acompañante, no separarse de la madre en el nacimiento, lactancia materna, no sentir dolor, conocimiento de la enfermedad, disfrutar de la recreación y programas educativos, recibir información, todos los recorridos para la curación, protección contra malos tratos, preservación de la imagen, no ser utilizado por los medios y tener una muerte digna. Se identificaron principios de la gestión de la clínica limitados, exigiendo estrategias de fomento en el hospital.

Conclusión

Principios de la gestión de la clínica se mostraron fragilizados, especialmente los de orientación a las necesidades de salud e integralidad, transparencia y responsabilización social.

Defensa del niño; Gestión clínica; Hospitales universitários; Niño hospitalizado; Responsabilidad legal

Abstract

Objective

To analyze the (non)compliance with the rights of hospitalized children and adolescents in light of clinic management.

Methods

This is a mixed methods research, sequential explanatory, carried out between September and December 2019, in a university hospital in center-western Brazil. Sixty companions, eight professionals and four health care students participated in hospitalization sectors for children and adolescents. A Likert-type scale was applied with the twenty rights in the quantitative stage, and semi-structured interviews in the qualitative stage, with descriptive and content analysis, respectively. Data were integrated by connection and analyzed in light of clinic management principles.

Results

In the quantitative stage, rights were identified with the lowest percentages of compliance: staying by the mother’s side at birth, being breastfed, psychological support, recreation, monitoring the school curriculum and dignified death. In the qualitative results, it was identified that participants did not know about the resolution, considering that the rights were partially complied with: not being hospitalized unnecessarily, having a companion, not being separated from the mother at birth, being breastfed, not feeling pain, knowing the disease, enjoying recreation and educational programs, receiving information, all resources for healing, protection against abuse, preservation of image, not being used by the media and having a dignified death. Limited principles of clinic management were identified, requiring development strategies in the hospital.

Conclusion

Principles of clinic management were weakened, especially those related to health needs and comprehensiveness, transparency and social accountability.

Child advocacy; Clinical governance; Hospitals, university; Child, hospitalized; Liability, legal

Introdução

A infância e adolescência correspondem a períodos da vida que requerem cuidados peculiares, devido à vulnerabilidade em sofrer interferências do ambiente, que podem impactar no desenvolvimento futuro das emoções, intelecto, relações sociais, dentre outros.(11. Alves LP, Santos VS, Santos JF. Infância, vulnerabilidade e situação de risco em Paulo Afonso – Bahia. Rev Cient FASETE. 2016;1:68-82.) O reconhecimento dessas peculiaridades induziu a necessidade de criar e implementar medidas protetivas à crianças e adolescentes que no contexto brasileiro, constam na Constituição Federal de 1988, no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e na Resolução nº41/95 do Conselho Nacional da Criança e do Adolescente (CONANDA).(22. Martinez EA, Oliveira IC, Bastos AC, Santos PP, Souza TV, Moraes JR. Theoretical validity of the nursing attitudes scale regarding the rights of children under intensive care. Texto Contexto Enferm. 2017;26(4):e3320016.)

A Constituição de 1988 representou um marco, ao definir como responsabilidade do Estado e dos cidadãos garantir integralmente o cumprimento dos direitos da criança e adolescente.(33. Brasil. Senado Federal. Coordenação de Edições Técnicas. Constituição da República Federativa do Brasil: texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, com as alterações adotadas pelas Emendas Constitucionais de Revisão nºs 1 a 6/94, pelas Emendas Constitucionais n. 1/92 a 92/2016 e pelo Decreto Legislativo nº 186/2008. Brasília (DF): Senado Federal; 2016. 496 p.) Posteriormente, em 1990, houve a promulgação do ECA, que constitui regulamento fundamental por fornecer parâmetros de atendimento e assegurar que seu cumprimento seja resguardado.(44. Brasil. Senado Federal. Estatuto da criança e do adolescente. Brasília (DF): Senado Federal; 2017. 115 p.)

Em 1995, com objetivo de prover maior cumprimento do ECA no ambiente hospitalar e assegurar melhores circunstâncias assistenciais durante a hospitalização, o CONANDA aprovou a Resolução n°41, denominada Direitos da criança e adolescente hospitalizados.(55. Brasil. Resoluções do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA: 1993 a 2004. Brasília (DF): Secretaria Especial dos Direitos Humanos; 2004. 200 p.)Neste cenário, o enfermeiro mostra-se profissional importante na implementação da Resolução, exercendo a defesa dos direitos, principalmente por meio de orientações quanto a participação da criança em seus cuidados, e promoção do desenvolvimento da autonomia dos pais e responsáveis para tomar decisões quanto aos cuidados com seus filhos.(66. Neutzling BR, Barlem JG, Barlem EL, Hirsch CD, Pereira LA, Schallenberguer CD. Defending the rights of children in a hospital setting: nurses’ advocacy in health. Esc Anna Nery. 2017;21(1):e20170025.)

Os direitos da criança e do adolescente, em participar do processo de tomada de decisão durante sua internação, e de confidencialidade, têm sido discutidos internacionalmente,(77. Cilar L, Stricevic J, Halozan D. Children’s Rights in Hospital: a Literature Review. In: Kraljić S, Ünver Y. Compendium of Contemporary Legal Issues. Maribor: Univerzitetna založba Univerze; 2019.)sendo imprescindível fornecer informações aos pacientes e acompanhantes, para garantir cuidados de qualidade, holísticos e centrados na pessoa.(77. Cilar L, Stricevic J, Halozan D. Children’s Rights in Hospital: a Literature Review. In: Kraljić S, Ünver Y. Compendium of Contemporary Legal Issues. Maribor: Univerzitetna založba Univerze; 2019.)

Ante o exposto, compreende-se que a responsabilidade no cumprimento dos Direitos da Criança e Adolescente hospitalizados deve fazer parte do modelo organizacional adotado no hospital, pois este representa o modo de organizar e conduzir os processos institucionais. Essa compreensão é importante, pois reflete a missão e a responsabilidade pelas ações institucionais empreendidas, de forma que o produto final evidenciado está fundamentalmente associado ao modelo empregado.(88. Lugoboni LF, Santos BS, Machado EC, Gomes JL. Modelos de gestão: uma revisão da literatura brasileira. Cafi. 2020;3(1):83-102.)

A Gestão da Clínica trata-se de um modelo de gestão que articula elementos de atenção à saúde, gestão e educação, objetivando a qualificação dos processos e elevação dos padrões de desempenho clínicos, mediante cuidados qualificados e seguros.(99. Padilha RD, Gomes R, Lima VV, Soeiro E, Oliveira JM, Schiesari LM, et al. Principles of clinical management: connecting management, healthcare and education in health. Cienc Saude Colet. 2018;23(12):4249-57.) Valoriza saberes, experiências e participação dos atores sociais envolvidos, almeja o compartilhamento de poder e, reconhece a educação como potencial estratégico à promoção e desenvolvimento organizacional.(99. Padilha RD, Gomes R, Lima VV, Soeiro E, Oliveira JM, Schiesari LM, et al. Principles of clinical management: connecting management, healthcare and education in health. Cienc Saude Colet. 2018;23(12):4249-57.)

Nessa perspectiva, pressupõe-se que a orientação de profissionais por princípios que norteiam suas decisões clínicas, é imprescindível ao cumprimento dos direitos da criança e adolescente hospitalizados, e, consequentemente, para efetivar o modelo de gestão da clínica. Sob tal aspecto, é essencial que gestores, profissionais de saúde e usuários compartilhem conhecimentos e norteiem-se por objetivos comuns, pois o baixo reconhecimento e tensões produzidas pelo (des)cumprimento de tais direitos, pode interferir no cuidado integral, seguro e de qualidade.(99. Padilha RD, Gomes R, Lima VV, Soeiro E, Oliveira JM, Schiesari LM, et al. Principles of clinical management: connecting management, healthcare and education in health. Cienc Saude Colet. 2018;23(12):4249-57.)

Desse modo, este estudo advém das seguintes questões: Quais direitos previstos na Resolução nº41/95 são cumpridos na perspectiva de acompanhantes de crianças e adolescentes hospitalizados? Como esta se efetiva, na concepção de profissionais e acadêmicos que atendem crianças e adolescentes hospitalizados, à luz da gestão da clínica?

Conforme exposto, a Resolução n°41/95 do CONANDA,(55. Brasil. Resoluções do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA: 1993 a 2004. Brasília (DF): Secretaria Especial dos Direitos Humanos; 2004. 200 p.) em tese, pode garantir o cumprimento desses direitos. No entanto, em estudos anteriores verifica-se o descumprimento dos mesmos(1010. Cruz DS, Santos CC, Marques DK, Wanderley LW, Maia FS, Martins DL. Knowledge of health professionals about the rights of children and adolescents hospitalized. J Nurs UFPE On line. 2014;8(2)351-7.)e fragilidades para garantir sua implementação,(22. Martinez EA, Oliveira IC, Bastos AC, Santos PP, Souza TV, Moraes JR. Theoretical validity of the nursing attitudes scale regarding the rights of children under intensive care. Texto Contexto Enferm. 2017;26(4):e3320016.) que podem estar relacionados à falta de conhecimento dos profissionais e da sociedade,(1010. Cruz DS, Santos CC, Marques DK, Wanderley LW, Maia FS, Martins DL. Knowledge of health professionals about the rights of children and adolescents hospitalized. J Nurs UFPE On line. 2014;8(2)351-7.) dificultando a execução de princípios para gestão da clínica. Identifica-se aqui, importante lacuna de conhecimento, que justifica a realização deste estudo.

O cumprimento dos direitos estabelecidos possibilita minimizar consequências negativas da hospitalização, assegurar o desenvolvimento desses pacientes,(1111. Ribeiro RL, Fonseca ES, Borba RI, Ribeiro CA. Educação, saúde e cidadania: estratégias para a garantia de direitos de crianças e adolescentes hospitalizados. Rev Educ Públic. 2013;22(49)503-23.) e promover responsabilidade compartilhada na produção de saúde,(99. Padilha RD, Gomes R, Lima VV, Soeiro E, Oliveira JM, Schiesari LM, et al. Principles of clinical management: connecting management, healthcare and education in health. Cienc Saude Colet. 2018;23(12):4249-57.)o que pode ser auxiliado pela implementação de ações orientadas por princípios da gestão da clínica. Assim, o objetivo deste estudo consistiu em analisar o (des)cumprimento dos direitos da criança e adolescente hospitalizados, à luz da gestão da clínica.

Métodos

Pesquisa de métodos mistos, com abordagem explanatória sequencial, cujos dados quantitativos são coletados primeiro e os resultados obtidos orientam a coleta dos dados qualitativos.(1212. Santos JL, Erdmann AL, Meirelles BH, Lanzoni GM, Cunha VP, Ross R. Integrating quantitative and qualitative data in mixed methods research. Texto Contexto Enferm. 2017;26(3):e1590016.)Apesar dos estudiosos preconizarem maior atribuição de peso a pesquisa quantitativa, neste estudo realizou-se inversão de peso, visto que a abordagem qualitativa assumiu maior robustez e favoreceu a integração com os resultados quantitativos.(1313. Fetters MD, Curry LA, Creswell JW. Achieving integration in mixed methods designs – principles and practices. Health Serv Res. 2013;48(6):2134-56.) Apesar de infrequente, tal alternativa pode ser aplicada à medida que se pretende averiguar qualitativamente um fenômeno, embora ainda precise de resultados quantitativos preliminares para reconhecer e eleger acertadamente os participantes corretos.(1414. Creswell JW, Vicki L, Clark P. Pesquisa de métodos mistos. 2a ed. Porto Alegre: Penso; 2013. 288 p.)O estudo quantitativo (quan) foi de natureza transversal e a pesquisa qualitativa (QUAL) teve caráter descritivo exploratório (quan → QUAL).

Assumiu-se como perspectiva teórica orientadora a gestão da clínica, conforme Padilha e colaboradores,(99. Padilha RD, Gomes R, Lima VV, Soeiro E, Oliveira JM, Schiesari LM, et al. Principles of clinical management: connecting management, healthcare and education in health. Cienc Saude Colet. 2018;23(12):4249-57.)norteada pelos princípios: 1) Orientação às necessidades de saúde e à integralidade do cuidado; 2) Qualidade e segurança; 3) Articulação e valorização de saberes e práticas para enfrentamento de problemas; 4) Compartilhamento de poder e corresponsabilização entre atores na produção da atenção; 5) Educação de pessoas e da organização; 6) Orientação aos resultados que agreguem valor à saúde e à vida; e 7) Transparência e responsabilização com interesses coletivos.(99. Padilha RD, Gomes R, Lima VV, Soeiro E, Oliveira JM, Schiesari LM, et al. Principles of clinical management: connecting management, healthcare and education in health. Cienc Saude Colet. 2018;23(12):4249-57.)Além destes, associa-se a lente teórica dos direitos da criança e adolescentes hospitalizados.(55. Brasil. Resoluções do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA: 1993 a 2004. Brasília (DF): Secretaria Especial dos Direitos Humanos; 2004. 200 p.)

O estudo foi realizado em Hospital Universitário da região Centro-Oeste do Brasil, e a produção dos dados ocorreu entre setembro e dezembro de 2019, em setores que contam com a presença e permanência de crianças e/ou adolescentes, sendo - Clínica Pediátrica, Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN), Unidade de Cuidados Intermediários Convencional (UCINCo) e Unidade de Cuidados Intermediários Canguru (UCINCa).

Na etapa quan, participaram 60 acompanhantes habituais de crianças e adolescentes hospitalizados há mais de três dias, excluindo aqueles com dificuldades de comunicação ou transtornos que afetassem sua capacidade cognitiva e/ou psicológica. Esse quantitativo foi estabelecido por meio de amostra por conveniência, considerando a média da taxa de ocupação do semestre anterior nesses setores (96,32%), do total de leitos das unidades pediátricas e neonatais (29), sendo amostra final mínima da etapa quan o dobro desse resultado (56 acompanhantes).

Os participantes da etapa quan responderam a um formulário desenvolvido exclusivamente para a pesquisa que utilizou os 20 direitos da Resolução nº41/95, descritos no quadro 1. Alguns direitos tiveram pequenas alterações em sua descrição para permitir que o acompanhante respondesse sobre o (des)cumprimento com base em sua vivência no hospital. Para as respostas, os participantes assinalaram uma das alternativas de escala do tipo Likert, sendo essas: “concordo totalmente”, “concordo parcialmente”, “não concordo e nem discordo”, “discordo parcialmente”, “discordo totalmente” e “não se aplica”. Os direitos um, quatro, oito, nove e dez foram divididos para facilitar a avaliação do seu cumprimento pelos acompanhantes. Por ser utilizada a Resolução na íntegra, e o instrumento ter sido aplicado para identificar o cumprimento dos direitos, não foi necessário submeter a teste piloto, nem validação.

Quadro 1
Direitos das crianças e adolescentes hospitalizados previstos na Resolução CONANDA nº41/95

Para análise dos dados quant. foram atribuídos como cumpridos os direitos assinalados em “concordo parcialmente” ou “concordo totalmente”, e descumpridos os marcados em “discordo totalmente”, “discordo parcialmente”, e “não concordo e nem discordo”. Optou-se por considerar as respostas neutras, como pertencentes ao grupo dos não cumpridos, pela possibilidade de intimidação, visto que os pesquisadores foram responsáveis por assinalar as respostas no instrumento.

Para a análise descritiva dos dados, os cinco pontos da escala foram reinterpretados: ”discordo totalmente” (0%); “discordo parcialmente” (25%); “não concordo e nem discordo” (50%); “concordo parcialmente” (75%); e “concordo totalmente” (100%). Assim, foram considerados apenas percentuais válidos, excluindo respostas “não se aplica”.

Os dados da etapa quan foram analisados por meio do software STATA 14.0, apresentando análise descritiva com frequência, média, desvio padrão, mínimo e máximo. A partir dos resultados dessa etapa e face aos percentuais obtidos, optou-se por não destacar alguns direitos nas entrevistas, antes, apresentar a lista completa para que profissionais e estudantes explicassem sobre seu cumprimento, configurando a conexão dos dados.(1212. Santos JL, Erdmann AL, Meirelles BH, Lanzoni GM, Cunha VP, Ross R. Integrating quantitative and qualitative data in mixed methods research. Texto Contexto Enferm. 2017;26(3):e1590016.)

A etapa QUAL contou com 12 participantes, entre profissionais da saúde (três enfermeiros, um psicólogo, um assistente social, um médico, um auxiliar e um técnico de enfermagem), e acadêmicos na condição de estagiário ou interno (dois de enfermagem, um de psicologia e um de medicina). Ressalta-se que a população da etapa QUAL foi diferente da etapa quan, por entender-se que a inclusão dos profissionais ampliaria os resultados, uma vez que estes atuam diretamente na defesa e respeito aos direitos das crianças/adolescentes. Ademais, autores afirmam que os achados da coleta de dados de uma etapa/método podem auxiliar na definição dos participantes a serem pesquisados, ou das perguntas a serem realizadas na segunda etapa/método.(1212. Santos JL, Erdmann AL, Meirelles BH, Lanzoni GM, Cunha VP, Ross R. Integrating quantitative and qualitative data in mixed methods research. Texto Contexto Enferm. 2017;26(3):e1590016.)

A segunda etapa consistiu em entrevista semiestruturada, realizada no próprio hospital, em lugar reservado, com a presença do pesquisador e participante. Foi áudio gravada e, norteada pelos itens da Resolução, e questão disparadora: “Fale-me sobre seu conhecimento em relação a Resolução nº41/95 e estratégias utilizadas em sua prática clínica para garantir seu cumprimento”. As entrevistas duraram em média 21 minutos. A partir dos resultados da primeira etapa e face aos percentuais obtidos, optou-se por não destacar alguns direitos, mas antes, apresentar a lista completa para que os participantes explicassem sobre seu cumprimento, configurando-se a conexão dos dados.(1212. Santos JL, Erdmann AL, Meirelles BH, Lanzoni GM, Cunha VP, Ross R. Integrating quantitative and qualitative data in mixed methods research. Texto Contexto Enferm. 2017;26(3):e1590016.)Não foi necessário realizar teste piloto, uma vez que partiu-se do rol de direitos estabelecidos na Resolução.

Buscou-se adotar critérios amostrais que fornecessem dados em quantidade e qualidade suficientes para responder ao objetivo do estudo, assim definiu-se: participação de profissionais e estudantes atuantes nos setores integrantes do estudo; utilização de instrumento aberto, para captar convergências e divergências nos discursos; detalhamento da temática, para identificar aspectos relacionados ao cumprimento ou não dos direitos, associados à presença ou ausência de práticas importantes à gestão da clínica; e consideração de relatos únicos, igualmente explicativos do fenômeno.(1717. Malterud K, Siersma VD, Guassora AD. Sample size in qualitative interview studies: guided by information power. Qual Health Res. 2016;26(13):1753-60.,1818. Minayo MC. Sampling and saturation in qualitative research: consensuses and controversies. Rev Pesq Qual. 2017;5(7):1-12.) Nesta perspectiva, ganha relevância, mais que o volume de dados, a riqueza e as interconexões propiciadas na análise destes.(1919. Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança: orientações para implementação. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2018 [citado 2021 Jul 31]. Disponível em: https://central3.to.gov.br/arquivo/494643/
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)

O conteúdo das entrevistas foi submetido à análise temática, compreendendo as etapas: a) organização e familiarização com os dados, realizada por (re)leituras, considerando a objetividade e subjetividade implícita às falas, observando a relevância em relação ao objeto; b) identificação de códigos e construção de quadro de referência, obtendo o conjunto de significados, permitindo categorizá-los; c) reagrupamentos de ideias em categorias, associando-as aos princípios da gestão da clínica.(1515. Bastos MH, Oliveira UR, Souza TC, Santos RF, Lago MM. Discourse Analysis and Content Analysis: A survey of the irapplications in the applied sciences members of the Administration. Braz J Develop. 2019;5(11):26302-22.)A análise dos dados QUAL foi realizada à luz dos resultados quan, ou seja, buscou-se com as entrevistas maior compreensão dos achados da primeira etapa.

Uma vez que a natureza da pesquisa é essencial à escolha do método, bem como à mixagem e integração, coadunando com autores,(1212. Santos JL, Erdmann AL, Meirelles BH, Lanzoni GM, Cunha VP, Ross R. Integrating quantitative and qualitative data in mixed methods research. Texto Contexto Enferm. 2017;26(3):e1590016.) na conexão dos achados, dados qualitativos permitiram avaliar e corroborar resultados quantitativos orientados por princípios da gestão da clínica.(99. Padilha RD, Gomes R, Lima VV, Soeiro E, Oliveira JM, Schiesari LM, et al. Principles of clinical management: connecting management, healthcare and education in health. Cienc Saude Colet. 2018;23(12):4249-57.) Assim, dados quantitativos relacionados ao (des)cumprimento dos direitos, são ratificados por depoimentos ilustrativos, que em integração, caracterizam abordagem problematizadora acerca da efetivação destes direitos, e desvelam elementos de sistemas e serviços de saúde, que por vezes (in)viabilizam sua plena efetividade.

Os preceitos éticos e legais estabelecidos na Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde foram cumpridos. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa em Saúde sob CAAE: 09495919.9.0000.5541. Os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, e seus depoimentos foram codificados com a letra “E” e número atribuído conforme a ordem de realização da entrevista: E1, E2.... E12.

Resultados

(Des)conhecimento e (des)cumprimento dos direitos

Os direitos com menores percentuais de cumprimento, de acordo com a etapa quan foram: permanecer ao lado da mãe ao nascer, receber aleitamento materno, apoio psicológico, recreação, acompanhamento do currículo escolar e ter morte digna. Na tabela 1 descreve-se a avaliação do cumprimento dos direitos, de acordo com os participantes desta etapa.

Tabela 1
Avaliação do cumprimento dos direitos das crianças e adolescentes hospitalizados segundo os acompanhantes (n=60)

Destaca-se que na etapa QUAL, os profissionais e estudantes consideraram como cumpridos todos os direitos da Resolução, embora não em sua total efetividade, no caso do terceiro ao décimo direito, e do 13º, 14º, 16º, 17º e 20º. Apesar de participantes afirmarem desconhecer a Resolução nº41/95, e outros, conhecerem superficialmente, não sabiam quais itens englobava, porém, apontaram significados e atitudes que guiavam sua prática profissional, e que mesmo indiretamente, cooperavam para o cumprimento dos direitos referidos. Os resultados desta etapa permitiram explorar e compreender elementos levantados na etapa quan e auxiliaram na identificação de complementaridades e divergências relacionadas ao (des)cumprimento dos direitos, e de como estes potencializam ou fragilizam princípios da gestão da clínica. Respeitando o sequenciamento do estudo misto explanatório sequencial, no quadro 2 descrevem-se qualitativamente os principais direitos avaliados na etapa quan como potencializadores e fragilizadores dos princípios da gestão da clínica.

Quadro 2
Principais direitos avaliados como potencializadores e fragilizadores dos princípios da gestão da clínica na percepção dos profissionais e estudantes (n=72)

Discussão

O respeito à Resolução nº41/95 depende de esforços de várias esferas da sociedade, visto que o atendimento às necessidades da criança e adolescente requer oferta de cuidados qualificados e articulados em todos os níveis da Rede de Atenção à Saúde (RAS), o que denota a complexidade para atingir tal objetivo.(1919. Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança: orientações para implementação. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2018 [citado 2021 Jul 31]. Disponível em: https://central3.to.gov.br/arquivo/494643/
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) Apesar dos direitos três e 13 terem sido avaliados como cumpridos, os profissionais ressaltaram que dificuldades de acesso a especialistas, demora na realização de exames e hospitalização social, prolongam a permanência no hospital, e resultam em problemas na efetivação da RAS.

Nessa perspectiva, os resultados obtidos denotam o desfavorecimento da implementação da gestão da clínica, visto que o modelo prevê, dentre seus princípios, qualidade e segurança no cuidado, articulação entre os diversos pontos da RAS, profissionais, gestores e paciente, na produção da atenção à saúde.(99. Padilha RD, Gomes R, Lima VV, Soeiro E, Oliveira JM, Schiesari LM, et al. Principles of clinical management: connecting management, healthcare and education in health. Cienc Saude Colet. 2018;23(12):4249-57.)

Embora desafiadora, a atenção integral à saúde desses indivíduos é obrigação do Estado e sociedade,(1919. Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança: orientações para implementação. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2018 [citado 2021 Jul 31]. Disponível em: https://central3.to.gov.br/arquivo/494643/
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) e prenuncia a necessidade de unir esforços em prol do respeito aos direitos da criança e adolescente hospitalizados, para alcançar o princípio de que trata a orientação às necessidades dos indivíduos. Apesar deste cumprimento depender da resolutividade em outras instâncias da RAS, atitudes em jurisdições de menor espectro precisam ser tomadas. Ademais, valoriza-se o compartilhamento de poder e corresponsabilização entre os atores sociais implicados no processo assistencial a crianças e adolescentes – profissionais, acadêmicos, familiares, pacientes, gestores; a fim de garantir o atendimento integral a esta população, advogando pela efetivação dos seus direitos.(66. Neutzling BR, Barlem JG, Barlem EL, Hirsch CD, Pereira LA, Schallenberguer CD. Defending the rights of children in a hospital setting: nurses’ advocacy in health. Esc Anna Nery. 2017;21(1):e20170025.)

Nesse escopo, prestar assistência integral requer oferecer mais que procedimentos, exige considerar a singularidade e interferir no ambiente comunitário destes pacientes.(2020. Furtado MC, Mello DF, Pina JC, Vicente JB, Lima PR, Rezende VD. Nurses’ actions and articulations in child care in primary health care. Texto Contexto Enferm. 2018;27(1):e0930016.,2121. Jamalimoghadam N, Yektatalab S, Momennasab M, Ebadi A, Zare N. How do hospitalized adolescents feel safe? A qualitative study. J Nurs Res. 2019;27(2):e14.)Demanda ofertar meios fundamentais ao desenvolvimento da criança/adolescente, a exemplo da consumação de seus direitos,(1919. Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança: orientações para implementação. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2018 [citado 2021 Jul 31]. Disponível em: https://central3.to.gov.br/arquivo/494643/
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) favorecendo as dimensões biológica, psicossocial e cultural. Torna-se relevante e necessário a garantia dos direitos com base no compartilhamento de saberes entre os envolvidos, considerando sua importância e responsabilidade(2222. Tomaschewski-Barlem JG, Lunardi VL, Barlem EL, Silveira RS, Ramos AM, Piexak DR. Patient advocacy in nursing: barriers, facilitators and potential implications. Texto Contexto Enferm. 2017;26(3):e0100014.) no enfrentamento dos problemas de saúde.

Ressalta-se que o descumprimento de alguns direitos da Resolução n°41/95 na perspectiva dos acompanhantes, e o cumprimento parcial de um quantitativo ainda maior segundo os profissionais e acadêmicos, demonstra maior criticidade por parte destes últimos. Estudo que entrevistou profissionais de um hospital pediátrico público brasileiro indicou que 80% deles consideraram cumpridos os direitos da criança e do adolescente, e os que negaram o cumprimento, o fizeram devido ao déficit na comunicação aos acompanhantes, pouca fundamentação dos trabalhadores relacionada à política de humanização, ausência de brinquedoteca, entraves referentes a visitas e impedimento de acompanhantes na UTI.(1010. Cruz DS, Santos CC, Marques DK, Wanderley LW, Maia FS, Martins DL. Knowledge of health professionals about the rights of children and adolescents hospitalized. J Nurs UFPE On line. 2014;8(2)351-7.) Observa-se convergência entre os resultados deste estudo quanto à recreação insuficiente e dificuldades relativas à comunicação, na perspectiva dos participantes da etapa QUAL, demonstrando incorreções com a transparência e responsabilização de interesses coletivos, comprometendo a implementação deste princípio.

Autores também revelam falhas na comunicação entre equipe, pacientes e acompanhantes, que afetam diretamente o cuidado e influenciam na ocorrência de eventos adversos,(2323. Moraes AC, Lima CA. Brinquedoteca: a importância do brincar para a criança hospitalizada. Rev GeoPantanal. 2016;11(Esp):131-46.

24. Lucietto GC, Lima LT, Gleriano JS, Justi J, Silva RA, Borges AP. Brinquedoteca como ferramenta auxiliar no cuidado hospitalar: percepção de profissionais de enfermagem. Rev Saúde Desenvolvim. 2018;2(10):88-103.

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Investigação conduzida em hospitais do Sul do Brasil apresenta ações de enfermeiros em defesa dos direitos das crianças hospitalizadas, por meio de informações, orientações e cuidados de enfermagem.(66. Neutzling BR, Barlem JG, Barlem EL, Hirsch CD, Pereira LA, Schallenberguer CD. Defending the rights of children in a hospital setting: nurses’ advocacy in health. Esc Anna Nery. 2017;21(1):e20170025.) Garanti-los, significa contribuir para a manutenção da saúde comunitária, evidenciando a necessidade de romper com a percepção de que o brincar no hospital, merece desvalorização frente a outras necessidades de saúde.(2323. Moraes AC, Lima CA. Brinquedoteca: a importância do brincar para a criança hospitalizada. Rev GeoPantanal. 2016;11(Esp):131-46.)

A brinquedoteca configura espaço obrigatório e propício ao brincar, oportunizando a interação entre pacientes, acompanhantes e equipe, e estimulando o aprendizado.(2424. Lucietto GC, Lima LT, Gleriano JS, Justi J, Silva RA, Borges AP. Brinquedoteca como ferramenta auxiliar no cuidado hospitalar: percepção de profissionais de enfermagem. Rev Saúde Desenvolvim. 2018;2(10):88-103.) A continuidade do brincar é fundamental na hospitalização, pois possibilita o desenvolvimento e minimiza repercussões negativas do afastamento escolar e social, propiciado frequentemente nas denominadas classes hospitalares e atrelado às necessidades e estágio de aprendizagem de cada criança.(2525. Souza LM, Dias GK, Silva FL, Perpétuo CL. Hospital pedagogy: concept and importance in face of the rights of the hospitalized child. Rev Educação. 2018;18(1):81-92. Review.)Porém, o acompanhamento do currículo escolar e o acesso ao brincar necessitam de avanços para seu total atendimento,(1111. Ribeiro RL, Fonseca ES, Borba RI, Ribeiro CA. Educação, saúde e cidadania: estratégias para a garantia de direitos de crianças e adolescentes hospitalizados. Rev Educ Públic. 2013;22(49)503-23.) inclusive no cenário deste estudo, que mesmo dispondo da brinquedoteca e classe hospitalar, mostrou-se como direito parcialmente cumprido.

Em contrapartida, existem práticas e projetos institucionais que servem como estratégias para potencializar o cumprimento dos direitos presentes na Resolução. Em nível institucional, quando há falta de vagas no hospital, ou quando faltam condições para oferecer o suporte exigido pela condição clínica do paciente, é feita regulação para outros hospitais da cidade. Há casos ainda de Tratamentos Fora do Domicílio, por meio do qual são realizadas transferências para grandes centros do país, nos casos de intervenções cirúrgicas ou tratamentos especializados. Há projetos como Rede Cegonha, Ápice On e Parto Humanizado, que incitam o preparo e assistência mais humanizada à gestante e RN, com estímulo à Hora Ouro, que se refere ao contato pele-a-pele precoce entre mãe e filho e o projeto Ipê, voltado ao atendimento às crianças e adolescentes vítimas de violência sexual.

Já em nível Operacional, a UTIN e UCINCO contam com estratégias humanizadoras da equipe diante de óbitos, como a entrega aos pais de cartas com o carimbo do pé do RN, o coto e as pulseirinhas, evitam a dor e organizam os cuidados para permitir maior contato da família com a criança. Na pediatria há a Equipe Multidisciplinar de Atenção à Criança (EMAC), que se reúne semanalmente discutindo os casos, com a participação dos pais, há também vários projetos que envolvem a brinquedoteca, como: passeios terapêuticos, visita de voluntários, e celebração de datas comemorativas.

Intervenções em cenários que fragilizam o cumprimento dos direitos tornam-se ainda mais imprescindíveis em hospitais que tem como modelo organizacional a gestão da clínica, condição que valoriza processos educativos, por visar à transformação das práticas de atenção à saúde, gestão e educação mediante produção de atenção integral, segura e de qualidade, orientada pelas necessidades das pessoas e melhores padrões de efetividade.(99. Padilha RD, Gomes R, Lima VV, Soeiro E, Oliveira JM, Schiesari LM, et al. Principles of clinical management: connecting management, healthcare and education in health. Cienc Saude Colet. 2018;23(12):4249-57.) Nesse sentido, devem ser planejados métodos sistematizados de resolução de problemas, considerando que intervenções pontuais não resultam em melhoria de qualidade.(2727. Burmester H. Gestão da qualidade em saúde [Editorial]. Rev Adm Saúde. 2018;18(70):1-4.) Assim, para além de respeitar direitos fundamentais, potencializa-se a responsabilidade compartilhada entre os atores envolvidos no cuidado.(99. Padilha RD, Gomes R, Lima VV, Soeiro E, Oliveira JM, Schiesari LM, et al. Principles of clinical management: connecting management, healthcare and education in health. Cienc Saude Colet. 2018;23(12):4249-57.)

Promover a difusão de conhecimentos relacionados aos direitos da criança e adolescentes no âmbito hospitalar é fundamental para mobilizar e possibilitar a atuação da sociedade em prol do cumprimento dos mesmos.(2828. Kunz SA da S, Kunz e Silva E. Direitos humanos da criança e do adolescente: processos democráticos e a disseminação de conhecimentos. Rev Temas Educação. 2018;26(1):57-9.) Pesquisa mostrou que os direitos dos pacientes pediátricos são pouco conhecidos pelos profissionais, salientando a ausência de ações de capacitações referentes à temática.(1010. Cruz DS, Santos CC, Marques DK, Wanderley LW, Maia FS, Martins DL. Knowledge of health professionals about the rights of children and adolescents hospitalized. J Nurs UFPE On line. 2014;8(2)351-7.) Tal cenário denota a necessidade de investimentos institucionais em prol da implementação da gestão da clínica, uma vez que em seus princípios a educação é dispositivo estratégico na transformação de realidades.

Ampliar a compreensão em relação aos direitos da criança e adolescentes possibilita a ruptura de conceitos previamente estabelecidos, e permite a percepção da necessidade de fazer cumpri-los.(2828. Kunz SA da S, Kunz e Silva E. Direitos humanos da criança e do adolescente: processos democráticos e a disseminação de conhecimentos. Rev Temas Educação. 2018;26(1):57-9.) Essa discussão é indispensável, especialmente se considerado que a gestão da clínica tem dentre seus princípios, a lógica de organização que se transforma,(99. Padilha RD, Gomes R, Lima VV, Soeiro E, Oliveira JM, Schiesari LM, et al. Principles of clinical management: connecting management, healthcare and education in health. Cienc Saude Colet. 2018;23(12):4249-57.) ou seja, desafios relacionados ao não cumprimento dos direitos de crianças e adolescentes devem ser disparadores da aprendizagem entre os atores, ambientes e níveis de cuidado.

Constata-se que: orientação à necessidade integral de crianças e adolescentes, melhoria contínua da qualidade do cuidado, reconhecimento dos diversos saberes e práticas, partilha de poder e responsabilidade entre os atores do processo, valorização da educação, direcionamento aos resultados que contribuem para a saúde e corresponsabilização com as demandas coletivas, são princípios utilizados na área da saúde, que situam a gestão da clínica em suas abordagens, e explicitam a soma de esforços para garantir a integralidade do cuidado e bem-estar coletivo.(99. Padilha RD, Gomes R, Lima VV, Soeiro E, Oliveira JM, Schiesari LM, et al. Principles of clinical management: connecting management, healthcare and education in health. Cienc Saude Colet. 2018;23(12):4249-57.) Assim, a responsabilidade profissional e institucional em defesa da criança e do adolescente tende a se consolidar como iniciativa de gestão da clínica imprescindível nos cenários dos hospitais universitários.

Como limitação da pesquisa, destaca-se o instrumento aplicado para a verificação de cumprimento dos direitos da etapa quan, que mesmo utilizando como referência a Resolução CONANDA 41/95, alguns direitos tiveram pequenas alterações em sua descrição para permitir que o acompanhante respondente tivesse maior compreensão dos itens. Cabe enfatizar que pesquisas futuras sobre o tema são necessárias, frente a escassez de produções científicas relacionadas aos Direitos da Criança e do Adolescente hospitalizados no país, possibilitando discussões mais abrangentes.

Conclusão

O estudo permitiu verificar que no hospital investigado há o cumprimento de grande parte dos direitos previstos na Resolução n°41/95, porém, evidenciou o cumprimento parcial de direitos importantes como, permanecer ao lado da mãe ao nascer, receber aleitamento materno, apoio psicológico, recreação, acompanhamento do currículo escolar e ter uma morte digna junto a seus familiares. Constatou-se que fatores que fragilizam o cumprimento dos direitos relacionam-se a falhas na operacionalização das ações de saúde nas RAS e condução dos processos de trabalho, e os que potencializam estão atrelados à postura profissional humanizada, políticas governamentais e projetos existentes. Com isso, para promover o cumprimento dos direitos, é necessário considerar intervenções educativas e alinhamento do processo do trabalho aos princípios da gestão da clínica. Ressalta-se o potencial do estudo ao propiciar a análise do (des)cumprimento destes direitos, o que pode ser propulsor à articulação de estratégias em prol de sua efetivação, como promoção da discussão dos direitos das crianças e adolescentes hospitalizadas com pais/familiares, pacientes e profissionais; obtenção de apoio e infraestrutura que colabore com o cumprimento dos direitos; realização de discussão em grupo para facilitar à integralidade do cuidado e efetivação da comunicação, incluindo os pais nas discussões de caso. Pode ainda potencializar decisões mais seguras, qualificadas e objetivando o cuidado integral e à melhoria dos resultados de saúde, vetores essenciais à implementação da gestão da clínica. Porém, estratégias como essas necessitam do engajamento tanto dos gestores e profissionais de saúde, quanto da população envolvida. Os resultados do estudo apontaram ainda para a importância do cumprimento destes direitos nas ações assistenciais, visando atender às necessidades de saúde de crianças e adolescentes hospitalizados, compatível com sua realidade. Além desses benefícios, a abordagem com métodos mistos, envolvendo diferentes populações, coaduna com premissas do referencial de gestão da clínica, as quais valorizam a construção de perspectiva que congregue a opinião de diferentes atores imbricados no cuidado em saúde, visando a construção de objetivos comuns, responsabilização e compartilhamento de conhecimento. Ademais, os resultados permitem projetar meios e instrumentos factíveis à realidade, a partir de um cenário de (des)cumprimento de direitos essenciais à saúde, e assim, propor intervenções como as acima citadas, com base em tais constatações, extrapolando uma única dimensão do cuidado à saúde da criança e adolescente, algo ainda desafiador na atenção hospitalar.

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Editado por

Editor Associado (Avaliação pelos pares): Ariane Ferreira Machado Avelar (https://orcid.org/0000-0001-7479-8121) Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, SP, Brasil

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    25 Set 2020
  • Aceito
    24 Ago 2021
Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo R. Napoleão de Barros, 754, 04024-002 São Paulo - SP/Brasil, Tel./Fax: (55 11) 5576 4430 - São Paulo - SP - Brazil
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