Open-access Educação permanente: percepção da enfermagem à luz do pensamento da complexidade

Educación permanente: percepción de la enfermería de acuerdo con el pensamiento complejo

Resumo

Objetivo  Compreender como a equipe de enfermagem percebe e vivencia a Educação Permanente em Saúde em um ambiente hospitalar, à luz do pensamento da complexidade.

Métodos  Estudo qualitativo ancorado no pensamento da complexidade como referencial teórico e na Teoria Fundamentada nos Dados como referencial metodológico. Participaram do estudo Enfermeiros e Técnicos de Enfermagem de um hospital de ensino da região central do Rio Grande do Sul, organizados em três grupos amostrais. Os dados foram coletados entre agosto/2018 e setembro/2019, por meio de entrevistas individuais.

Resultados  Identificou-se um movimento prospectivo de busca pessoal e coletiva, além de um intenso processo de (re)construção de saberes e práticas profissionais. Nessa dinâmica, tanto as abordagens de intervenção quanto as condições do ambiente interno e externo foram de fundamental importância para a compreensão e a (re)significação da aprendizagem como processo educativo interminável.

Conclusão  A compreensão de Educação Permanente em Saúde para a equipe de enfermagem vai muito além de uma política ou cronograma de atividades periódicas. Sugere-se, para tanto, que cada serviço/instituição considere a singularidade e a multidimensionalidade de seus atores, a fim de torná-los protagonistas no processo de (re)significação da aprendizagem continua e permanente.

Educação continuada em enfermagem; Teoria fundamentada; Equipe de assistência ao paciente; Cuidados de enfermagem

Resumen

Objetivo  Comprender de qué forma el equipo de enfermería percibe y vive la educación permanente en salud en un ambiente hospitalario, de acuerdo con el pensamiento complejo.

Métodos  Estudio cualitativo, basado en el pensamiento complejo como marco referencial teórico y en la Teoría Fundamentada en los Datos como marco referencial metodológico. Participaron del estudio enfermeros y técnicos de enfermería de un hospital universitario de la región central de Rio Grande do Sul, organizados en tres grupos de muestra. Los datos fueron recopilados entre agosto/2018 y septiembre/2019, por medio de encuestas individuales.

Resultados  Se identificó un movimiento prospectivo de búsqueda personal y colectiva, además de un intenso proceso de (re)construcción de saberes y prácticas profesionales. En esta dinámica, tanto los enfoques de intervención como las condiciones del ambiente interno y externo fueron de fundamental importancia para la comprensión y la (re)significación del aprendizaje como proceso educativo interminable.

Conclusión  La comprensión de educación permanente en salud para el equipo de enfermería va mucho más allá de una política o un cronograma de actividades periódicas. Para eso, se sugiere que cada servicio/institución considere la singularidad y la multidimensionalidad de sus actores para hacerlos protagonistas en el proceso de (re)significación del aprendizaje continuo y permanente.

Educación continua en enfermería; Teoría fundamentada; Grupo de atención al paciente; Atención de enfermería

Abstract

Objective  To understand how the nursing team perceives and experiences Permanent Education in Health in a hospital environment, in the light of complex thought.

Methods  Qualitative study based on complex thought as theoretical framework and in Grounded Theory as methodological framework. Nurses and Nursing Technicians from a teaching hospital in the central region of Rio Grande do Sul participated in the study and were organized into three sample groups. Data were collected from August/2018 to September/2019, through individual interviews.

Results  A prospective movement of personal and collective search and an intense process of (re)construction of knowledge and professional practices were identified. In this dynamic, both the intervention approaches and the internal and external environmental conditions were of fundamental importance for understanding and (re)signifying learning as an endless educational process.

Conclusion  Permanent Education in Health for the nursing team goes far beyond a policy or schedule of periodic activities. Therefore, each service/institution should consider the uniqueness and multidimensionality of its actors to make them protagonists in the process of (re)signification of continuous and permanent learning.

Education nursing continuing; Grounded theory; Patient care team; Nursing care

Introdução

A Educação Permanente em Saúde se constitui, em âmbito de Brasil, uma política que tem por finalidade nortear a formação e a qualificação dos profissionais, com vistas à superação de práticas profissionais pontuais e reprodutoras. Diferentemente da educação continuada em saúde, a Educação Permanente foi legitimada como dispositivo de interlocução qualificada e compartilhada com os diferentes atores da saúde, a partir de abordagens interativas e sistêmicas.(1-3)

Enquanto estratégia de gestão, a Educação Permanente em Saúde visa aproximar saberes e práticas cotidianas, por meio do diálogo, da reflexão e do trabalho colaborativo, em prol da melhoria da qualidade da gestão e da atenção em saúde. Como proposta ético-político-pedagógica, a Educação Permanente tem por finalidade (re)significar os processos formativos, as práticas de educação em saúde, bem como incentivar a organização sistêmica dos serviços de saúde.(4-6)

Em contextos internacionais, a Educação Permanente é traduzida por aprendizagem ao longo da vida,(7) para descrever que o processo formativo é interminável e que não é possível assegurar a qualidade dos serviços e processos a não ser pela educação. A aprendizagem ao longo da vida confere e atribui, nessa dinâmica processual, responsabilidade ao profissional face ao processo autoeducativo. Espera-se, sob esse enfoque, que o profissional esteja apto ao aprendizado interminável, no qual o aprender e o ensinar integram o exercício evolutivo de formação e de trabalho.(8,9)

O pensamento da complexidade se constitui, nessa perspectiva teórico-prática, em referencial prospectivo e indutor de processos de aprendizagem ao longo da vida. Para Edgar Morin, um dos primeiros pensadores a argumentar em favor de uma reforma do pensamento e da educação, é preciso transcender a lógica da educação como instrução e ensino pontual e linear. Para este autor, a educação se amplia com vistas à apreensão das noções de multiplicidade e diversidade, assim como a incerteza e as contradições como parte da vida e da condição humana.(10,11)

Entendida como aprendizado interminável, isto é, enquanto aprendizado ao longo da vida, a Educação Permanente em Saúde só pode ser compreendida e sustentada à luz do pensamento da complexidade. Complexus refere-se, nesse contexto, ao que foi tecido junto pela inseparabilidade de elementos distintos que formam a unidade complexa da educação.(10,11) Sob esse enfoque, os saberes e as experiências profissionais em saúde devem ser, continuamente, construídas e (re)significadas com base no diálogo e no respeito à autonomia de cada colaborador, enquanto protagonista do processo autoeducativo.

Assim, na tentativa de conceber a educação como processo ao longo da vida, que se concebe na dinâmica integrativa entre teoria e prática e na apreensão de cada ator/profissional como protagonista no percurso de (re)significação da aprendizagem continua e permanente, o presente estudo tem por objetivo compreender como a equipe de enfermagem percebe e vivencia a Educação Permanente em Saúde em um ambiente hospitalar, à luz do pensamento da complexidade.

Métodos

Trata-se de pesquisa qualitativa que utilizou o pensamento da complexidade como referencial teórico e a Teoria Fundamentada nos Dados(12) como referencial metodológico. O estudo integra o projeto de extensão Universitária “Incubadora de Aprendizagem”, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob o CAAE 11520312.3.0000.5306. O processo de pesquisa foi conduzido com base nos critérios do Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ).(13)

Participaram do estudo Enfermeiros e Técnicos de Enfermagem de um hospital de ensino da região central do Rio Grande do Sul, os quais foram organizados em três grupos amostrais. A coleta de dados ocorreu entre agosto/2018 e setembro/2019, por meio de entrevistas individuais, conduzidas por dois pesquisadores experientes que integram o projeto de extensão universitária “Incubadora de Aprendizagem”. As entrevistas, com duração média de 40 minutos, foram registradas em gravação de áudio digital de voz e, posteriormente, transcritas para a análise simultânea e comparativa de dados.

Os critérios de inclusão para os grupos amostrais foram: Enfermeiros e Técnicos de Enfermagem que, a priori, haviam participado de atividades de Educação Permanente em Saúde, mediadas pela Incubadora de Aprendizagem. Excluiu-se dos grupos amostrais os profissionais com menos de um ano de atuação na instituição, os que não haviam participado ativamente do projeto de extensão e os afastados do trabalho por algum motivo justificado.

O Projeto de Extensão Universitária “Incubadora de Aprendizagem” foi institucionalizado neste mesmo hospital de ensino, no ano de 2012, com o objetivo de fomentar o acolhimento dos novos colaboradores e promover a Educação Permanente em Saúde, como processo educativo interminável. A Incubadora de Aprendizagem se configura, neste espaço concreto, como tecnologia de ensino e aprendizagem, capaz de potencializar talentos, promover o pensamento crítico-reflexivo e intuir ações proativas no cotidiano dos profissionais de enfermagem.(14)

O primeiro grupo amostral foi composto por Enfermeiros que haviam participado da dinamização das atividades mensais na Incubadora de Aprendizagem. Os participantes foram convidados, nominalmente, por E-mail e, no primeiro encontro, foi esclarecida a proposta de pesquisa e solicitada a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A entrevista do primeiro grupo amostral foi guiada pela questão norteadora: “Como você percebe e vivencia a Educação Permanente em Saúde em sua prática cotidiana?” A partir dessa questão, novos questionamentos e hipóteses emergiram e direcionaram a investigação para um segundo grupo amostral.

O processo de coleta, análise e categorização dos dados foi conduzido de acordo com o método proposto.(15)A partir das primeiras entrevistas, permeadas por um processo indutivo, dedutivo e comparativo dos dados, foi construída a hipótese de que a aprendizagem significativa e permanente está associada às abordagens de intervenção, bem como à dinâmica de sensibilização dos profissionais. Assim, a análise dos dados do primeiro grupo amostral sugeriu um novo questionamento, desta vez direcionado aos Técnicos de Enfermagem. A questão que norteou a entrevista deste grupo foi: o que você considera mais significativo no processo de Educação Permanente em Saúde? A análise comparativa dos dados deste grupo conduziu à hipótese: Os Técnicos de Enfermagem valorizam o processo de Educação Permanente em Saúde na medida em que as abordagens de intervenção transcendem os conteúdos e que possibilitam vivências compartilhadas. Para validar esta hipótese foi dirigido um terceiro grupo amostral com Enfermeiros que se encontravam em funções estratégicas nesta mesma instituição, com base no questionamento: Como você percebe e avalia a participação dos profissionais de enfermagem no processo de Educação Permanente em Saúde?

A amostragem teórica guiou a coleta de dados e a saturação teórica determinou o número de participantes em cada grupo. No total foram entrevistados, individualmente, 18 profissionais da equipe de enfermagem. As entrevistas foram conduzidas no local de trabalho e conforme disponibilidade dos participantes. Os grupos amostrais estão apresentados no quadro 1.

Quadro 1
Apresentação dos integrantes dos grupos amostrais integrantes do estudo

A análise comparativa dos dados foi realizada com base na codificação aberta, na codificação axial e na integralização dos dados conforme proposto pelo método. Na codificação aberta, os dados foram analisados de modo a identificar os incidentes, gerar os códigos e promover agrupamentos para o delineamento dos conceitos. Na codificação axial, os dados foram reagrupados para a delimitação abrangente do fenômeno e as categorias foram associadas às subcategorias, de forma sistemática e comparativa, por meio do modelo paradigmático composto pelos componentes Condição, Ação/interação e Consequência.(15) Na última fase, as categorias e subcategorias foram comparadas, analisadas e refinadas com vistas à sua integralização e caracterização do fenômeno.

Foram elaborados, no decorrer do processo de construção da teoria, memorandos e diagramas com base nos registros e compreensões dos pesquisadores.(15) O software NVIVO® foi utilizado para auxiliar na organização e na codificação dos dados.

Os participantes foram identificados com a letra “E” Enfermeiro; “TE” Técnico de Enfermagem e “EL” Enfermeiro Líder, seguida do número correspondente à ordem das entrevistas, como por exemplo E1, E2... E7; TE1, TE2... TE8; EL1... EL3.

Resultados

A análise dos dados possibilitou a integralização de três categorias que confluíram na delimitação do fenômeno: Vivência de um processo complexo e permanente de construção e reconstrução. Norteado pelo modelo paradigmático, as categorias foram denominadas com base nos três componentes paradigmáticos: O repensar das abordagens de intervenção; (Re)descobrindo-se na dinâmica circular e interativa do todo; Significado teórico-prático renovador para a qualificação do Processo de Enfermagem, conforme demostrado na figura 1.

Figura 1
Fenômeno: Vivência de um processo complexo e permanente de construção e reconstrução

A categoria “O repensar das abordagens de intervenção” (condição paradigmática) é sustentada por duas subcategorias que integralizaram um processo dinâmico e singular de perceber-se e inserir-se na educação permanente. Na primeira subcategoria “Reflexão sobre o processo de trabalho”, os participantes demostraram que as abordagens de intervenção, mediadas pela Incubadora de Aprendizagem, contribuíram para a autorreflexão e a autoavaliação do processo de trabalho. Referiram que, na maioria das vezes, o trabalho é rotineiro e mecânico e que, normalmente, refletem pouco sobre as atitudes e as posturas profissionais:

As atividades realizadas na Incubadora de Aprendizagem me levaram a pensar e refletir sobre o meu fazer e a minha prática. No dia a dia tudo é muito automático e se não refletimos sobre o fazer, o risco de errar é muito grande. (TE1)

A contribuição das professoras e estagiários de Enfermagem contribuiu com novas dinâmicas. Percebo que os técnicos de enfermagem aceitam muito bem os métodos trabalhados porque trouxeram coisas diferentes. Eles são criativos e conseguem chamar a atenção dos técnicos, talvez por serem de fora e falarem em outra linguagem. (E2)

A segunda subcategoria “Redefinição do tempo e espaço” revelou que a participação dos profissionais, nas atividades relacionadas à educação permanente, se dá em momentos/tempos diferentes. Para os profissionais que ainda não haviam participado do processo, as atividades regulares se constituíram, não raramente, em “perda de tempo”, pela incompreensão da dinâmica singular e processual da proposta de Educação Permanente em Saúde, conforme expresso por um dos participantes:

Temos muitos desafios pela frente. Precisamos desmistificar a ideia da ‘perda de tempo’ e que o profissional com título está pronto. Para alguns técnicos as atividades da educação permanente se reduzem à perda de tempo e acabam por não se envolver, talvez pelo fato de não perceberam o seu significado. (E5)

A categoria “(Re)descobrindo-se na dinâmica circular e interativa do todo”, (Ação/interação) é constituída por duas subcategorias que denotaram um movimento prospectivo e colaborativo de engajamento dinâmica e interativo dos profissionais. A subcategoria “Conexões entre o saber teórico e prático” denotou esforço pessoal e coletivo na busca de novos saberes, além de preocupação em como traduzir este saber na prática diária, isto é, como percurso retroalimentador e (re)ordenador do processo de trabalho.

A Enfermagem está se engajando cada vez mais. Sinto que existe maior interconexão entre os saberes da teoria e da prática. A educação permanente despertou a interação, a união, a curiosidade e a vontade de sempre aprender mais e de saber conectar todo este conhecimento na prática. (TE4)

Percebo, crescentemente, uma maior consciência da equipe de enfermagem. Todos se envolvem e discutem mais as questões teóricas e conseguem inseri-los em sua prática. (EL2)

A subcategoria “Percepção da importância do uno no múltiplo” revelou a inquietação e o compromisso dos profissionais na busca pela qualificação do cuidado de enfermagem. Os participantes denotaram que o engajamento de cada profissional, como parte, é essencial para a dinamização do processo de Enfermagem e concluíram, nessa direção, que somente o trabalho em equipe é capaz de produzir resultados satisfatórios e de amplo alcance.

O cuidado de Enfermagem é complexo e todos precisam se envolver e comprometer, cuidar de si para poder cuidar bem do outro. Cada um precisa assumir esta causa e conscientizar-se do trabalho de equipe, como um todo. Que precisa funcionar na integralidade para resultar em qualidade. (TE 6)

A categoria “Significado teórico-prático renovador para a qualificação do processo de enfermagem”, se configura como consequência paradigmática. A mesma é complementada por duas subcategorias que sinalizaram que o cuidado de enfermagem resolutivo e dinâmico resulta do envolvimento pessoal e coletiva diário. Denotou-se na subcategoria “O despertar para o novo”, que o acender para o novo e o diferente implica em movimento gerador e (re)significador por parte de cada profissional. Trata-se, portanto, de uma ação que deve ser mobilizada em âmbito individual e coletivo, a partir da ideia do aprendizado ao longo da vida.

Hoje percebo que o processo de educação permanente, quando inserido no trabalho, desperta para novas e melhores maneiras de lidar com as diversas situações. Faz pensar sobre como fazer diferente e de como qualificar o nosso cuidado todos os dias. (TE8)

Vejo que existe um esforço por parte dos profissionais. Eles estão entendendo que este processo deve ser assumido em âmbito pessoal e que não bastam as atividades que são oferecidas na Incubadora de Aprendizagem. Esta deve ser uma busca consciente por parte de cada profissional. (E7)

A subcategoria “Reconhecimento da formação ao longo da vida” revelou que os profissionais ampliaram a sua percepção em relação ao processo de Educação Permanente em Saúde e já não o reduzem em etapas formativas, conteúdos ou em módulos de aprendizagem. Denotou-se, nessa direção, que o cuidado de Enfermagem, por abranger cada pessoa como única e singular, requer uma dinâmica renovada e (re)criadora diária, conforme expresso:

Cada dia nos deparamos com coisas novas, com novos protocolos. Os pacientes não são os mesmos e o cuidado precisa ser sempre novo. O aprendizado deve ser contínuo, permanente. Sempre se tem algo a aprender e a ensinar. A gente é capaz de contribuir com novas sugestões e evoluir sempre. (TE11)

A aprendizagem é sempre significativa e o ensinar deve provocar desequilíbrio congnitivo no aprendiz, para que no reequilíbrio se reestruture cognitivamente. Na Incubadora de Aprendizagem todos aprendem. Não existe uma teoria definitiva. (EL3)

Identificou-se, em todo o percurso, um movimento prospectivo de busca pessoal e coletiva, além de um intenso processo de (re)construção de saberes e práticas profissionais. Nessa dinâmica, tanto as abordagens de intervenção quanto as condições do ambiente interno e externo foram de fundamental importância para a compreensão e a (re)significação da aprendizagem como processo educativo interminável.

Discussão

Os achados deste estudo revelaram que a Educação Permanente em Saúde, ao ser mediada pela Incubadora de Aprendizagem e/ou outra ferramenta interativa, é capaz de sinergizar talentos e mobilizar movimentos renovadores em âmbito pessoal e coletivo. Denotaram, ainda, que as abordagens de intervenção devem possibilitar a autorreflexão e a autoavaliação, de modo que cada ator/profissional se perceba protagonista no percurso de (re)significação da aprendizagem ao longo da vida.

As instituições hospitalares se constituem, por si só, em sistemas complexos, nos quais se movem uma infinidade de profissionais, usuários, processos, tecnologias, insumos e fluxos. Logo, somente referenciais, igualmente, complexos(11) são capazes de possibilitar discussões que ampliem olhares, ensejem novas conexões e fomentem o (re)pensar da prática profissional, enquanto aprendizagem ao longo da vida.

Os programas educativos se ocuparam, ao longo do tempo, em formar profissionais para atenderem as demandas da sociedade e, muito raramente, em formar seres humanos autônomos e protagonistas de sua história.(12) Significa dizer, em outras palavras, que o processo formativo tradicional contribuiu pouco na formação de cidadãos capazes de lidar com a dinâmica evolutiva do próprio percurso da vida.

O conhecimento significativo, na perspectiva do pensamento complexo, comporta interações e associações sistêmicas. Este pensar é pertinente na medida em que o situamos em seu contexto e no conjunto globalizado de suas conexões relacionais e organizacionais. Fala-se, portanto, de um conhecimento complexo, não no sentido de complicado, mas do que é tecido em conjunto com diferentes atores e demostrado neste estudo, pela interlocução com os professores e estagiários de Enfermagem, os quais conceberam a aprendizagem na interação com os profissionais dos serviços. Trata-se, à vista disso, de um pensamento que capta os fenômenos multidimensionais e indissociáveis do todo para significar a aprendizado ao longo da vida.(12,13)

Cada ser humano, enquanto unidade complexa,(16) é um devir e um vir a ser ao longo da vida. A sua autonomia se afirma e fortalece na relação criativa, interativa e dinâmica com os seus pares e no todo, conforme demostrado nos achados deste estudo. Como, no entanto, traduzir, analogamente, esta percepção para a realidade do trabalho, do mundo da vida, em que todas as partes se movem, continuamente, em direção ao todo e o todo em direção às partes? Que habilidades e competências o profissional de Enfermagem necessita desenvolver para além das escolas formativas, para que este pensar se traduza na prática cotidiana? Como (re)significar a Educação Permanente em Saúde enquanto percurso formativo ao longo da vida?

Estas e outras questões são compreensíveis tão somente à luz de um pensamento complexo, tendo em vista que a própria vida é um processo complexo e permanente de construção e reconstrução. É preciso reconhecer que o pensamento racional, marcado pela simplificação, a disjunção e a abstração do sujeito e do objeto, criou no imaginário das pessoas a ideia de finitude, de progresso e de certezas absolutas. Instituiu-se, sob esse enfoque, um processo formativo focado na memorização, na ritualidade linear e na percepção equivocada de transmissão e reprodução do conhecimento. Omitiram-se, paradoxalmente, percursos formativos característicos da humanidade, tais como a emoção e as suas subjetividades.(16-18)

É preciso, portanto, despertar para a necessidade de aprender a aprender e a (re)construir o próprio conhecimento à luz de novas conexões significativas, capazes de provocar o equilíbrio formativo linear e terminável. Embora se reconheça que o desenvolvimento profissional contínuo é a base para a aprendizagem ao longo da vida dos profissionais de enfermagem, estudo demonstra que pouco se sabe sobre como estes profissionais percebem e vivenciam este processo na prática cotidiana.(19)

É fundamental, conforme demostrado pelos integrantes deste estudo, que haja o envolvimento participativo e autônomo de cada integrante da equipe. Os participantes reconhecem, paralelamente, a importância dos estímulos internos e externos, o que aqui pode ser ilustrado na política de Educação Permanente em Saúde, dentre outras iniciativas governamentais. Corroborando com essa premissa, estudo denota que as atitudes e as motivações dos profissionais de enfermagem dependem de um ambiente estimulador e agregador, capaz de interferir na cultura organizacional.(20)

A compreensão de aprendizagem ao longo da vida demanda, destarte, uma mudança paradigmática na processo de ensino e aprendizagem.(21) Nessa lógica, os fatores que devem orientar a ação educativa são a reflexibilidade e a (auto)responsabilidade no percurso formativo em âmbito individual e coletivo. Em outras palavras, é pertinente que a Educação Permanente em Saúde seja cada vez mais dinâmica, evolutiva e interminável, o que neste estudo foi possibilitado pela Incubadora de Aprendizagem.

Todo o conhecimento, na perspectiva do pensamento complexo, precisa ser pertinente e ter significado para os envolvidos. Sob esse enfoque, o ensino e a aprendizagem adquirem sentido na medida em que as informações se inserem no contexto, isto é, na dinâmica viva do trabalho diário.(12) Portanto, promover a Educação Permanente em Saúde, com base neste pensar e aprender interminável, requer abordagens e metodologias renovadas, além de tecnologias interativas capazes de (re)construir o conhecimento ao invés de reproduzir informações estéreis e desalinhadas da prática.

As limitações deste estudo estão associadas ao número limitado de participantes, a não inclusão de profissionais com menos de um ano de atuação na instituição e, sobretudo, pela inclusão de apenas uma categoria profissional. Sugere-se, que novos estudos levem em conta, também, a inclusão de profissionais das outras áreas do conhecimento.

Conclusão

A compreensão de Educação Permanente em Saúde para a equipe de enfermagem vai muito além de uma política ou cronograma de atividades periódicas. Sugere-se, para tanto, que cada serviço/instituição considere a singularidade e a multidimensionalidade de seus atores, a fim de torná-los protagonistas do processo de (re)significação da aprendizagem continua e permanente. A noção de aprendizagem significativa e permanente em Enfermagem está relacionada, em suma, ao sentido que cada profissional atribui ao seu ser e fazer cotidiano. Sob esse impulso, o ser humano é um ser em permanente (re)construção e a aprendizagem um processo dinâmico e interminável que se dá ao longo da vida.

Agradecimentos

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) - Acordo CAPES/COFEN; Edital Nº 28/2019. Processo: 23038.018180/2019-72.

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Editado por

  • Editor Associado (Avaliação pelos pares): Alexandre Pazetto Balsanelli (https://orcid.org/0000-0003-3757-1061) Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, SP, Brasil

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    19 Jul 2021
  • Aceito
    7 Dez 2021
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