Competências do enfermeiro de saúde pública em região fronteira: revisão de escopo

Competencias de enfermeros de salud pública en regiones fronterizas: revisión de alcance

Resumo

Objetivo

Identificar as evidências científicas sobre as competências específicas para a prática profissional do enfermeiro de saúde pública em região de fronteira.

Métodos

Scoping Review , conforme Instituto Joanna Briggs, por meio da questão norteadora: “Qual a produção de conhecimento sobre as competências necessárias para prática profissional de enfermeiros de saúde pública em região de fronteira?” Foram realizadas buscas em cinco bases de dados, com inclusão de estudos originais em inglês, espanhol, português e francês, publicados ou disponibilizados até junho de 2020, utilizando os descritores: enfermeiro, competência e áreas de fronteira.

Resultados

Dos 941 estudos encontrados, 58 foram selecionados para leitura na íntegra, resultando em uma amostra final de oito estudos de países distintos, sendo: Brasil, México, Suécia, Tailândia, Taiwan e Estados Unidos da América. A partir da análise de cada estudo, emergiram cinco competências específicas do enfermeiro de saúde pública que atua em regiões de fronteira, sendo Competência para: 1) Abordagem cultural 2) Competência para o cuidado integral e coletivo de enfermagem em região de fronteira; 3) Política para assistência em comunidades fronteiriças; 4) Linguística-comunicativa; 5) Atendimento transnacional.

Conclusão

Apesar de ambientes fronteiriços diversificados, os estudos selecionados apontaram competências de natureza cultural e social. O papel do enfermeiro em região de fronteira muda na medida em que a sociedade moderna se configura e se reorienta em direção a novas possibilidades identitárias. Tais mudanças refletem a necessidade de efetivar o cuidado em saúde que promova a proximidade das diferenças culturais.

Enfermeiras e enfermeiros; Competência profissional; Saúde pública; Saúde na fronteira; Áreas de fronteira

Resumen

Objetivo

Identificar las evidencias científicas sobre las competencias específicas para la práctica profesional de los enfermeros de salud pública en regiones de frontera.

Métodos

Scoping Review , de acuerdo con el Instituto Joanna Briggs, mediante la siguiente pregunta orientadora: “¿Cuál es la producción de conocimientos sobre las competencias necesarias para la práctica profesional de los enfermeros de salud pública en regiones de frontera?”. Se realizaron búsquedas en cinco bases de datos, que incluyeron estudios originales en inglés, español, portugués y francés, publicados o colocados a disposición hasta junio de 2020 y que utilizaron los descriptores: enfermero, competencia y áreas de frontera.

Resultados

De los 941 estudios encontrados, se seleccionaron 58 para lectura completa, que dio como resultado una muestra final de ocho estudios de diferentes países, a saber: Brasil, México, Suecia, Tailandia y Estados Unidos de América. A partir del análisis de cada estudio, surgieron cinco competencias específicas de los enfermeros de salud pública que actúan en regiones de frontera: 1) Enfoque cultural, 2) Competencia para el cuidado integral y colectivo de enfermería en regiones de frontera, 3) Política para la atención en comunidades fronterizas, 4) Lingüística comunicativa y 5) Atención transnacional.

Conclusión

A pesar de haber diversos ambientes fronterizos, los estudios seleccionados indicaron competencias de naturaleza cultural y social. El papel de los enfermeros en regiones de frontera cambia en la medida en que la sociedad moderna se configura y se reorienta hacia nuevas posibilidades identitarias. Estos cambios reflejan la necesidad de materializar los cuidados de la salud que promuevan la proximidad de las diferencias culturales.

Enfermeras y enfermeiros; Competencia profissional; Salud pública; Salud fronteriza; Áreas fronterizas

Abstract

Objective

To identify the scientific evidence on the specific competencies for the professional practice of public health nurses in a frontier region.

Methods

Scoping Review , according to Joanna Briggs Institute, through the guiding question: “What is the knowledge production about the competencies necessary for the professional practice of public health nurses in a frontier region?” Searches were conducted in five databases, with original English, Spanish, Portuguese, and French studies published or made available by June 2020, using the descriptors: nurse, competence, and border areas.

Results

Among the 941 studies found, 58 were selected for full-text reading, resulting in a final sample of eight studies from different countries: Brazil, Mexico, Sweden, Thailand, Taiwan, and the United States of America. From the analysis of each study, five specific competencies of the public health nurse who works in frontier regions emerged, being Competence for: 1) Cultural approach; 2) Competence for integral and collective nursing care in a frontier region; 3) Policy for assistance in frontier communities; 4) Linguistic-communicative; 5) Transnational care.

Conclusion

The selected studies pointed out cultural and social competencies despite diversified frontier environments. The nurse’s role in a frontier region changes as modern society configures itself and reorients itself toward new identity possibilities. Such changes reflect the need for effective health care that promotes proximity to cultural differences.

Nurses; Professional competence; Public health; Border health; Border areas

Introdução

Etimologicamente, o termo fronteira remete à frente de algo, frontaria ou face; originaria do latim frontis, pode representar o começo de tudo onde exatamente parece terminar. ( ¹ ) Ao pensar no atual mundo globalizado e nas mudanças no cenário geopolítico, as interações entre as fronteiras se tornaram prioritárias no fortalecimento econômico de inúmeros países, inclusive do Brasil. ( ² )

Em regiões de fronteira é necessário reconhecer que o setor da saúde influencia significativamente no campo das relações internacionais. ( ³ ) Entretanto, inúmeras cidades fronteiriças ainda possuem obstáculos legais para a concretude da atenção à saúde. Destaca-se que o Brasil é o único país da América do Sul que possuí um sistema público de saúde, universal e equânime. Logo, esta dissemelhança gera maior mobilidade das populações que buscam os serviços de saúde do país vizinho, o que compromete o planejamento dos trabalhos prestados. ( ⁴ )

A realidade é que, em regiões de fronteira, populações flutuantes migram de um país para o outro em busca de melhores condições de atendimento de saúde, sendo que na maioria das vezes, ocorre a procura pela infraestrutura do sistema de saúde brasileiro, que resulta em déficit nos orçamentos municipais em virtude dos atendimentos de estrangeiros não serem contabilizados nos gastos públicos. ( ² , ³ )

Dado que a enfermagem representa a maior força de trabalho no Sistema Único de Saúde (SUS), o cotidiano desses profissionais em cidades de fronteira é distinto de qualquer outra região. ( ⁵ ) Na medida em que o exercício profissional do enfermeiro é fundamental para os cuidados da população fronteiriça, seja na gestão e/ou assistência, atua incorporado com a regulamentação e efetividade dos princípios e diretrizes do SUS, como também, com o fortalecimento dos vínculos entre população e profissionais de saúde. ( ⁶ , ⁷ )

O enfermeiro ocupa papel de destaque em toda sistematização do cuidado, considerando que as suas funções gerenciais provém do processo histórico da profissão, pensadores da saúde se ocuparam em legitimar os acréscimos de competências gerenciais, como estratégia de tornar o profissional ainda mais produtivo, diante das novas exigências do campo de trabalho. ( ⁸ )

O enfermeiro que atua em regiões de fronteira convive com as especificidades destas populações, pode-se citar inicialmente a pluralidade linguística e cultural que exigem do profissional maiores habilidades para efetividade da assistência, como também, a dificuldade em desempenhar o cuidado integralizado, uma vez que, não há garantias de retorno do usuário estrangeiro. ( ⁹ ) Autores descrevem que a barreira cultural atrelada a descontinuidade da assistência de enfermagem das regiões de fronteira, compromete a essência da profissão, que é reconhecida como a ciência do cuidar. ( ¹⁰ )

Fato que corrobora com estudo realizado em um centro de nutrição infantil de Foz do Iguaçu no Paraná, cidade tríplice fronteira com o Paraguai e Argentina, em que a interrupção do cuidado integralizado de saúde e enfermagem gera riscos a grupos vulneráveis, como é o caso dos recém-nascidos pré-termos, em que a rede municipal de saúde não conta com protocolos de referência e contrarreferência para retorno e acompanhamento da criança que reside no país vizinho. ( ⁹ )

Desta forma, o enfermeiro inserido neste contexto e enquanto provedor do cuidado de enfermagem, não possui suporte técnico e legal para garantia da assistência de qualidade, em razão da legislação vigente não orientar competências específicas para o trabalho. ( ¹¹ ) Reconhece-se assim, que a definição de tais competências poderia subsidiar caminhos para o atendimento integral de toda população fronteiriça. ( ¹⁰ , ¹¹ ) Considerando que o termo competência trata das aptidões do trabalhador para a realização do serviço, a partir dos conhecimentos adquiridos em sua formação e por meio das vivências profissionais e pessoais. ( ¹² )

Perante as singularidades do trabalho do enfermeiro que atua em regiões de fronteira e a necessidade de descrever competências específicas para sua prática profissional, tem-se o seguinte objetivo: Identificar as evidências científicas sobre as competências do enfermeiro de saúde pública em região de fronteira.

Métodos

Trata-se de um estudo de revisão no formato de Scoping Review utilizando o referencial teórico-metodológico The Joanna Brigs Institute (JBI) for Scoping Reviews, ( ¹³ ) organizado nas seguintes etapas:

1. Identificação do questionamento de pesquisa, sendo: “Qual a produção de conhecimento sobre as competências necessárias para prática profissional de enfermeiros de saúde pública em região de fronteira?

2. Identificação de estudos relevantes, na qual, realizou-se busca inicial nas bases de dados eletrônicas Latino-Americano e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Scientific Electronic Library (SCIELO), National Library of Medicine (PubMed), Web Of Science e SCOPUS. Foram estabelecidos os descritores a partir das plataformas Ciências da Saúde (DeCS) e termos no Medical Subject Headings (MeSH), bem como palavras-chave para a busca efetiva. De acordo com as recomendações do JBI para S coping Review , empregou-se a estratégia Population, Concept e Context (PCC). Assim, foram considerados: (P) Enfermeiros, (C) Competência, (C) Áreas de fronteira. As referências listadas nos estudos encontrados também foram analisadas, visando identificar documentos adicionais para inserção nesta revisão. Foram utilizados os operadores controlados boolenos: AND, OR e NOT ( ¹² , ¹³ ) para compor as chaves de busca.

3. Seleção dos estudos, onde, foram analisadas as palavras contidas nos títulos, resumos e descritores, assim como, os estudos selecionados que respondiam à questão norteadora desta revisão foram lidos na íntegra. Como critérios de inclusão considerou-se estudos de abordagem qualitativa, quantitativa e qualiquantitativa; estudos primários; revisões sistemáticas, metanálises e/ou metassínteses; livros; e guidelines, publicados ou disponibilizados até junho de 2020, que abordassem o tema ‘competência do enfermeiro de saúde pública para prática profissional em região de fronteira’.

4. O mapeamento de dados ocorreu por meio de um instrumento adaptado elaborado pelos autores para extração de informações, conforme orientações da JBI, o qual contemplou: Ano de publicação, Origem, Objetivo, População, Metodologia, Tipo de intervenção, comparador e detalhes dos mesmos, Duração da intervenção, Resultados e detalhes destes, principais conclusões que se relacionam com a questão da revisão do escopo e Autores dos estudos. ( ¹³ )

5. E finalmente a compilação, resumo e relato dos resultados, com base nos achados, foram identificadas cinco competências para prática profissional do enfermeiro em região de fronteira. O processo de leitura e seleção dos estudos foi realizado por dois revisores independentes, na qual, os estudos em conflito foram revistos e debatidos entre os avaliadores a fim de obter consenso quanto a indicação para a inclusão ou exclusão.

Resultados

Foram mapeados 941 estudos e documentos com potencial para pesquisa. Desses, excluiu-se 214 por duplicidade, resultando em 727 publicações para análise de títulos e resumos. Em seguida, 669 estudos foram excluídos por não responderem à pergunta de revisão, sendo que os 58 restantes foram elegidos para leitura na íntegra. Ao passo da sequência metodológica, 52 estudos foram excluídos devido a ausência de informações sobre as competências do enfermeiro para o trabalho em regiões de fronteira, e dois estudos foram identificados via busca manual. A amostra final totalizou em oito estudos analisados e incluídos nessa revisão, conforme mostra a figura 1 .

Figura 1
Fluxograma do processo de seleção dos estudos, adaptado do PRISMA

Nessa revisão, seguiu-se rigorosamente o checklist de Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA). ( ¹⁴ ) Trata-se de uma ferramenta específica para revisões e assertiva para descrição pontual em cada etapa do estudo. Nesse sentido, o processo de busca e seleção dos estudos está apresentado pelo fluxograma adaptado de PRISMA.

Dos oito estudos selecionados, sete foram publicados em inglês e um em português, entre os anos de 2006 e 2020. A metodologia de maior prevalência foi a qualitativa, ( ¹⁸ - ²¹ ) seguida de pesquisa de revisão, ( ¹⁶ , ¹⁷ ) com estudos que investigaram os princípios sociais do papel do enfermeiro no âmbito da competência cultural em regiões fronteiriças. Os estudos qualiquantitativos ( ¹⁵ , ²² ) adotaram questionário semiestruturado para explorar as experiências profissionais. Também são descritos os objetivos e resultados principais dos estudos. No quadro 1 , são apresentados os estudos identificados na revisão.

Quadro 1
Síntese dos estudos identificados na revisão, conforme autores, ano de publicação, país de origem, título, objetivos e resultados

Autores/ País	Título	Objetivo (s)	Resultados
Bigbee, 2009, EUA	Enfermeiros de saúde pública em consultórios de uma enfermaria rural / fronteiriça ( 15 )	Descrever e comparar os níveis de competência e padrões de prática dos enfermeiros de saúde pública que trabalham em regiões rurais e fronteiriças do estado de Idaho, com enfermeiros que atuam na capital.	Os níveis de competência dos enfermeiros de regiões rurais e fronteiriças foram significativos nas áreas de competência cultural, comunicação, saúde coletiva, liderança, sendo os mais baixos nas áreas de gestão e políticas públicas de saúde.
Brasil, 2006, Brasil	Os enfermeiros no Mercosul: Recursos humanos, regulação e Formação Profissional Comparada ( 16 )	Estudo da dinâmica dos enfermeiros nos países-membros do Mercosul (Brasil, Paraguai, Uruguai e Argentina), tendo em vista os recursos humanos e os processos de regulação e formação profissional.	Os enfermeiros de cada país do Mercosul, apresentam competências semelhantes, sendo: visão humanista do cuidado através da dimensão coletiva, gestão em saúde , com destaque a necessidade de fortalecer a competência política do enfermeiro.
Dupin. et al, 2020, Suécia	Educação em enfermagem em saúde pública vista através das lentes da superdiversidade: um recurso para a saúde global ( 17 )	Avaliação dos currículos acadêmicos de enfermagem à luz do conceito de superdiversidade.	É necessária a restruturação dos cursos de enfermagem, para adequação das especificidades da competência cultural e inserção do tema pelos docentes para tal formação.
Kalengay et al, 2015, Suécia	É um dilema: perspectivas de profissionais de enfermagem sobre exames de saúde de migrantes recém-chegados ( 18 )	Investigar as experiências de enfermeiros na triagem de migrantes recém-chegados que tenha subsidiado competências para a prática clínica.	Limitações para a abordagem cultural nos serviços de triagem. Mesmo com as estratégias de educação permanente, os enfermeiros descreveram um descompasso entre as políticas de saúde suecas com a realidade da prática profissional, fato que limita a assistência humanizada ao imigrante.
Lin et al, 2015, Taiwan	Competência cultural e fatores relacionados entre enfermeiros taiwaneses ( 19 )	Estudo da competência cultural de Enfermeiras taiwanesas para o atendimento de estrangeiros.	Os enfermeiros relataram barreiras de comunicação no atendimento a pessoas de diferentes culturas. Embora o nível de competência cultural entre os participantes fosse de baixo a moderado, eles expressaram atitudes positivas e respeito pelas origens culturais do paciente e interesse em aprender sobre cuidados culturais.
Rosemberg et al, 2020, EUA	Transnacionalismo: Uma estrutura para o avanço da pesquisa em Enfermagem com imigrantes contemporâneos ( 20 )	Discutir a competência transnacional de enfermagem como estratégia para a assistência do imigrante contemporâneo.	A competência transnacional é um importante caminho para a pesquisa em enfermagem poder contextualizar com maior profundidade todas as características do paciente imigrante.
Songwathana & Siriphan, 2015, Tailândia	Competência cultural de enfermeiras tailandesas no cuidado de clientes que vivem em um ambiente multicultural ( 21 )	Avaliar o nível de competência cultural das enfermeiras tailandesas no cuidado de clientes que vivem em um ambiente multicultural.	Os resultados apontam a importância da competência cultural para os enfermeiros tailandeses como estratégia para reduzir o estresse e os conflitos dos enfermeiros ao trabalhar em ambientes multiculturais da região da fronteira Tailândia-Malásia.
Martínez Villa , Rangel Flores 2018, México	Experiências que influenciam na assistência obstétrica de enfermeiras mexicanas ( 22 )	Conhecer quais e como são as experiências profissionais que influenciam nos processos de enfermagem obstétrico em regiões fronteiriças do norte do México.	A limitação surge diante da dificuldade de compreensão de outros idiomas, e não possuírem meios institucionais para efetividade da assistência, ou seja, a diversidade linguística e étnica é muito ampla para ser enfrentada com poucos recursos.

Discussão

A partir da análise dos estudos mapeados nesta scoping review , emergiram cinco competências, consideradas pelos autores específicas para prática profissional do enfermeiro de saúde pública em região de fronteira. Para estruturar didaticamente a sessão de discussão, a mesma será explanada por categorias.

Competência para abordagem cultural

A competência cultural do enfermeiro é apontada em quatro dos oito estudos norteados na revisão, sendo que os autores reconhecem as características individuais e coletivas dos povos fronteiriços, na medida em que condicionam o trabalho de enfermagem. ( ¹⁷ - ²⁰ ) Uma das pesquisas suecas ( ¹⁸ ) apontou que a primeira discrepância entre paciente estrangeiro e o enfermeiro surgiu diante da falta de compreensão do processo de saúde e doença pelo profissional, uma vez que modelos de saúde são distintos e há inexperiência do profissional em realizar um atendimento com escuta ativa e sensibilidade a cada contexto de vida, seja de um estrangeiro ou não.

Outros autores ( ¹⁹ ) descrevem que a competência cultural do enfermeiro parte de princípios teóricos fundamentais que devem ser tratados desde a formação, com destaque aos ramos de antropologia e teologia, que podem colaborar com o entendimento de toda conjunção intercultural do paciente. Com isso, o enfermeiro passa ser capaz de transcender a assistência de enfermagem para além das questões nacionais e étnicas, sendo assim executada a partir de uma sistematização holística e mais humanizada. ( ²² )

O estudo ( ¹⁷ ) desenvolvido em Genebra, retrata que diante do aumento dos atendimentos nos serviços de saúde nas regiões de fronteiras suecas e em virtude do grau de responsabilidade do enfermeiro neste contexto, a competência cultural já deveria estar compondo as grades curriculares dos cursos de enfermagem, pois somente assim, pode-se desenvolver estratégias viáveis para o desempenho da assistência.

Fato que corrobora com estudo realizado com estagiários de enfermagem atuantes em comunidades indígenas da faixa de fronteira do Brasil com a Venezuela, sendo que os pesquisadores reconhecem que o choque cultural com a população é inevitável mas pode ser minimizado, por meio de treinamentos específicos e reestruturação urgente do perfil de competências desenvolvidas na formação do futuro enfermeiro. ( ²² )

Tais limitações para efetividade da competência cultural, também foram descritas no estudo tailandês desta revisão, que avaliou o preparo das enfermeiras que trabalham em áreas fronteiriças, ( ²⁰ ) os grupos atendidos eram em sua maioria de budistas tailandeses, muçulmanos malaios, e tailandeses nativos de ascendência chinesa que migraram de outras regiões do país (comumente do nordeste da Tailândia, onde existem tribos e pessoas que vivem em montanhas na fronteira com Mianmar). Nesse cenário, sem o devido preparo para desempenhar o cuidado cultural e apoio legislativo, as enfermeiras por vezes realizavam uma assistência cultural sem amparo legal.

Os estudos ( ¹⁷ - ²⁰ ) manifestaram consenso de que a competência cultural do enfermeiro necessita ser priorizada em todo contexto de trabalho em regiões de fronteira, com reconhecimento às crenças culturais e os saberes do outro, com enfoque na eliminação de barreiras de acesso dos grupos minoritários. Sendo assim, é fundamental que o enfermeiro compreenda que o seu trabalho é reorientado na medida em que os grupos populacionais mudam e se direcionam às novas possibilidades identitárias, as quais refletem a necessidade de efetivar espaços comuns de conectividade.

Competência política para assistência em comunidades fronteiriças

O estudo brasileiro identificado na revisão, ( ¹⁶ ) aborda uma análise comparativa das legislações profissionais de enfermagem de cada país que compõem o tratado do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), sendo este, um acordo econômico do Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. No conseguinte, foi possível notar que perante inúmeras divergências entre as leis do exercício profissional de enfermagem de cada país, a competência política do enfermeiro surge como prioritária para efetividade do cuidado crítico-reflexivo, com enfoque as populações transitórias que circulam facilmente entre os respectivos países.

As comunidades de fronteira estão à frente no atendimento de grupos de origem internacional, fato que revela inúmeras discordâncias governamentais, sociais e econômicas entre os países. Um estudo brasileiro demonstrou, ao investigar as experiências de imigrantes bengaleses no atendimento na Atenção Primaria de Saúde, que indivíduos que migram de um país para o outro, encontram-se à mercê de irregularidades na prestação de direitos civis, de modo que o enfermeiro necessita de atribuições sócio-políticas para prestação de serviços a este público. ( ²³ )

Pesquisadores ao construir um guia de atributos da competência política do enfermeiro, concluíram que os profissionais possuem percepção limitada e fragmentada do assunto, fato que resulta em uma posição acrítica e neutra da categoria, sendo assim, por vezes expectadora de diversas transformações sociais da saúde. Considerando assim, que a competência política carece de maiores discussões para exemplificação de sua prática, sendo que o enfermeiro para ser ativo no campo político, não precisa necessariamente estar aliado a algum partido ou organização. ( ²⁴ )

Compreendendo que toda atitude e julgamento moral são ações políticas, desse modo, o enfermeiro executa diariamente tal competência sem que diretamente a reconheça. Além disso, o complexo cenário de saúde nas regiões de fronteira, exigem do profissional postura sócio-política-crítica-reflexiva, diante dos paradigmas sociais ainda existentes. ( ¹⁶ , ²⁴ )

Competência linguística-comunicativa

O estudo ( ²² ) realizado com enfermeiras obstétricas em comunidades da fronteira do norte do México, relata que o trabalho de enfermagem é mais significativo quando fortalecida a competência em comunicação e determinados domínios linguísticos. Dado que muitas gestantes não falam o idioma nativo, todo o processo de cuidar precisa alinhar-se ao perfil da paciente, logo, a assistência de enfermagem passou a alcançar maior amplitude e efetividade.

Pesquisadores descrevem que as barreiras linguísticas são fatores predisponentes no comprometimento da assistência de qualidade. Tendo em vista que não seja provável que os enfermeiros conheçam inúmeros idiomas, o entendimento do significado de determinados sinais de comunicação não verbais que estão presentes em várias culturas e pode subsidiar maior alcance da assistência, para tanto, faz-se necessário conhecer minimamente estes sinais. ( ²⁵ )

Competência para atendimento transnacional

A competência transnacional do enfermeiro é apontada no estudo ( ¹⁹ ) em que se contextualiza características contemporâneas das populações migratórias. Os autores partem do princípio de que a internacionalidade se refere à relação inter-nações e a transnacionalidade não se limita a fronteiras, sendo isso, resultado direto dos sistemas informatizados que favorecem a comunicação do estrangeiro e o desaparecimento da distância geográfica. Assim, são construídas várias e novas formas de espaços sociais, nos quais o estrangeiro transnacional não irá romper as suas relações com o seu país de origem ( ²¹ , ²⁶ , ²⁷ )

Pesquisa realizada com estrangeiros mexicanos residentes em regiões de fronteira estadunidense, demonstraram um quantitativo de atividades transnacionais, a partir do contato diário promovido pelas redes sociais. Fato que colabora com a preservação dos hábitos e práticas culturais do país de origem. ( ²⁷ ) Logo, esses laços e relações sociais têm implicações para a saúde destas populações, sendo que a competência transnacional do enfermeiro é designada para orientar maior compreensão da diversidade cultural destas pessoas.

Competência para o cuidado integral e coletivo de enfermagem em região de fronteira

A competência do enfermeiro para o cuidado integralizado, envolve as áreas de gerenciamento dos serviços de saúde, epidemiologia, ciências sociais e outras afins, o que indica a necessidade de uma junção de conhecimentos específicos, tornando assim um saber complexo de se desempenhar pelo profissional. ( ²⁸ , ²⁹ )

O estudo realizado com enfermeiras que atuam em ambulatórios de regiões rurais e fronteiriças do estado de Idaho nos EUA, ( ¹⁵ ) considera a necessidade de práticas preventivas e coletivas para que o trabalho de enfermagem seja realizado com autonomia e interdisciplinaridade. Entretanto, denota-se no estudo difícil consenso em torno do termo saúde coletiva, e acredita-se que seja em virtude do país ainda priorizar o modelo biomédico de assistência e pouco preventivista.

Estudos afirmam que a assistência coletiva do enfermeiro fronteiriço necessitará de um vínculo ainda mais próximo com a comunidade, em virtude dos problemas regionais específicos, além da responsabilidade ética e social com cada paciente. ( ³⁰ ) Na medida em que a enfermagem como precursora de um cuidado integral, humanizado e familiar, considera o enfermeiro o agente preparado para a troca constante de saberes com escuta-ativa e prática de educação em saúde, o que pode subsidiar o cuidado individual e coletivo em todo ciclo vital de uma comunidade fronteiriça. ( ²⁹ )

Considera-se assim, que a competência do enfermeiro para saúde coletiva precisa partir do trabalho integrado com a equipe multidisciplinar, moldado em um paradigma de atenção à saúde que precisa ser inter-relacionado com a situação de cada membro da comunidade, sendo estas as bases da atenção primária de saúde. Salienta-se que o enfermeiro precisa ter conhecimento sobre todo o processo de saúde e doença com avaliação analítica da situação e características da fronteira, desenvolvendo ações visando toda a conjuntura da população fixa e transitória, configurando assim, um modelo de saúde global, como estratégia de ampliar a assistência para além dos limites geográficos. ( ³⁰ )

Conclusão

O rol de competências identificadas nessa revisão atende ao questionamento da pesquisa, como também sugere que o enfermeiro de saúde pública que atua em região de fronteira, por vezes, se vê obrigado a executar práticas assistenciais não referenciadas, como forma de priorizar o cuidado humano, holístico, integral e transcultural. Ressalta-se que os estudos mapeados provêm de diferentes países, na medida que os contextos de saúde não são únicos. A competência de maior destaque foi de âmbito cultural, apontada como essencial para os serviços de enfermagem em região de fronteira. Espera-se que os resultados desta revisão possam contribuir com a reestruturação das grades curriculares dos cursos de enfermagem com a inclusão deste conteúdo. Por consequência, faz-se necessária a produção de novas evidências sobre os problemas identificados na gestão e assistência da saúde em cidades fronteiriças, ao passo que o campo científico ainda é escasso nas perspectivas do tema estudado.

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Editado por

Editor Associado (Avaliação pelos pares): Ana Lúcia de Moraes Horta (https://orcid.org/0000-0001-5643-3321) Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, SP, Brasil

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  08 Maio 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  5 Mar 2021
• Aceito
  11 Out 2022