Open-access Associação entre aleitamento materno e excesso de peso em pré-escolares

Relación entre la lactancia materna y el exceso de peso en niños preescolares

Resumo

Objetivo  Analisar associação entre aleitamento materno e excesso de peso em pré-escolares.

Métodos  Estudo transversal com 448 pré-escolares de 10 Centros Municipais de Educação Infantil do município de Teresina-PI. Realizou-se reunião com os pais, momento em que foi aplicado o questionário estruturado com questões relativas aos dados sociodemográficos e alimentação pregressa das crianças. Posteriormente, foram obtidas as medidas antropométricas das crianças (peso e altura). Foi considerado excesso de peso (sobrepeso + obesidade) quando o resultado do escore-z foi maior que ou igual a +2, e os menores que +2 foram classificados como sem excesso de peso. A análise da associação entre o aleitamento materno exclusivo até seis meses, aleitamento exclusivo até quatro meses e o aleitamento materno com o estado nutricional da criança foi feita utilizando-se o teste qui-quadrado de Pearson (c2), enquanto a razão de prevalência (RP) foi estimada para quantificar as associações entre o aleitamento materno e o estado nutricional controlado pelas variáveis sociodemográficas. Todas as estimativas e os intervalos de confiança de 95% foram calculados utilizando o modelo de regressão de Poisson com variância robusta.

Resultados  A prevalência do excesso de peso e a proporção das crianças que receberam o aleitamento materno exclusivo até os 6 meses de idade foi de 11,16% e 41,9%, respectivamente. O excesso de peso foi 2,5 vezes mais elevado entre as crianças não amamentadas (IC 95%: 1,09; 5,83); e, após o controle das variáveis sociodemográficas, verificou-se que as crianças maiores de 48 meses tiveram risco elevado para o excesso de peso (RP: 1,69; IC 95%: 1,01; 2,85) em relação aos menores de 48 meses de idade (p = 0,04).

Conclusão  O presente estudo demonstrou que as crianças que receberam aleitamento materno foram protegidas contra o excesso de peso.

Obesidade pediátrica; Pré-escolar; Aleitamento materno

Resumen

Objetivo  Analizar la elación entre la lactancia materna y el exceso de peso en niños preescolares.

Métodos  Estudio transversal con 448 niños preescolares de 10 Centros Municipales de Educación Infantil del municipio de Teresina, estado de Piauí. Se realizó una reunión con los padres, momento en que se aplicó el cuestionario estructurado con preguntas relativas a datos sociodemográficos y alimentación anterior de los niños. Posteriormente, se obtuvieron las medidas antropométricas de los niños (peso y estatura). Se consideró exceso de peso (sobrepeso + obesidad) cuando el resultado de la puntuación z fue mayor o igual a +2; y los menores a +2 se clasificaron como sin exceso de peso. El análisis de la relación entre lactancia materna exclusiva hasta los seis meses, lactancia exclusiva hasta los cuatro meses y lactancia materna con el estado nutricional del niño se realizó mediante la prueba c2 de Pearson . Para cuantificar las relaciones entre la lactancia materna y el estado nutricional controlado por las variables sociodemográficas se calculó la a razón de prevalencia (RP). Todas las estimaciones y los intervalos de confianza de 95% se calcularon utilizando el modelo de regresión de Poisson con varianza robusta.

Resultados  La prevalencia del exceso de peso y la proporción de los niños que recibieron lactancia materna exclusiva hasta los 6 meses de edad fue de 11,16% y 41,9%, respectivamente. El exceso de peso fue 2,5 veces más elevado en niños no amamantados (IC 95%: 1,09; 5,83). Luego del control de las variables sociodemográficas, se verificó que los niños mayores de 48 meses tuvieron un riesgo elevado de exceso de peso (RP: 1,69; IC 95%: 1,01; 2,85) con relación a los menores de 48 meses de edad (p = 0,04).

Conclusión  El presente estudio demostró que los niños que recibieron lactancia materna fueron protegidos contra el exceso de peso.

Obesidad pediátrica; Preescolar; Lactancia materna

Abstract

Objective  To analyze association between breastfeeding and overweight in preschoolers.

Methods  A cross-sectional study with 448 preschoolers from 10 Municipal Centers of Early Childhood Education in the city of Teresina, state of Piauí. A meeting was held with the parents, at which time the structured questionnaire with questions related to sociodemographic data and past feeding of the children was applied. Subsequently, the anthropometric measurements of the children (weight and height). Overweight (overweight + obesity) was considered when the z-score result was greater than or equal to +2. Children younger than +2 were classified as not overweight. The association between exclusive breastfeeding up to six months, exclusive breastfeeding up to four months and breastfeeding with the child’s nutritional status was analyzed using Pearson’s chi-square test (c2), while the prevalence ratio (PR) was estimated to quantify the associations between breastfeeding and nutritional status controlled by sociodemographic variables. All estimates and 95% confidence intervals were calculated using the robust variance Poisson regression model.

Results  The prevalence of overweight and the proportion of children who received exclusive breastfeeding until 6 months of age were 11.16% and 41.9%, respectively. Overweight was 2.5 times higher among non-breastfed children (95% CI: 1.09; 5.83). After controlling for sociodemographic variables, it was found that children older than 48 months were at high risk for overweight (PR: 1.69; 95% CI: 1.01; 2.85) compared to children younger than 48 months. months old (p = 0.04).

Conclusion  The present study demonstrated that breastfed newborns were protected against overweight.

Pediatric obesity; Child, preschool; Breast feeding

Introdução

A obesidade é caracterizada pelo acúmulo de gordura corporal em excesso, com prejuízo à saúde em todas as idades — sobretudo nos primeiros anos de vida —, e tem incidência e prevalência crescentes.( 1 , 2 )Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que, no mundo, cerca de 42 milhões de crianças menores de 5 anos apresentaram sobrepeso em 2013.( 3 ) No Brasil e no Estado do Piauí,( 4 ) os estudos recentes apontam prevalências de 15,8% e 14,2%, respectivamente.

A pré-escola corresponde ao período de 2 a 6 anos de idade, sendo esse um período crítico na vida da criança, em que se torna necessário e importante a sedimentação de hábitos alimentares saudáveis, uma vez que essa é uma fase de transição: a criança sai de uma fase de total dependência (lactentes) para entrar em uma fase de maior independência (escolar e adolescência). A construção de um hábito alimentar saudável é capaz de proporcionar crescimento e desenvolvimento adequados, evitar déficits nutricionais e ainda prevenir os agravos à saúde como hipertensão arterial sistêmica, diabetes tipo 2, doença cardiovascular, osteoporose e obesidade.( 5 ) Assim, esses hábitos devem ser constituídos ainda no primeiros anos, como é o caso do aleitamento materno continuado até os 2 anos ou mais de idade.( 6 )

A OMS( 7 ) recomenda manter o AME até os 6 meses de vida e complementado até os 2 anos ou mais de idade, contudo a II Pesquisa de Prevalência de Aleitamento Materno realizada nas Capitais Brasileiras e no Distrito Federal (PPAM -2008) verificou que a prevalência do AME foi de 41% e 43,7% no Brasil e em Teresina, respectivamente.( 8 )Entre as principais causas da baixa adesão ao AME são a menor escolaridade materna, o retorno precoce ao trabalho, a falta de apoio durante o ciclo gravídico-puerperal e as questões subjetivas como sentimentos de derrota e frustração.( 9 - 11 )

Desse modo, é necessário corrigir tais distorções e assegurar condições para que as crianças recebam o aleitamento materno conforme preconizado pela OMS, encontrando um ponto de entrada para acesso às mães e crianças.( 12 ) Nesse sentido, o ambiente da pré-escola mostra-se atrativo e ideal para investigar a ocorrência de distúrbios nutricionais como o excesso de peso nas crianças, bem como para propor estratégias de intervenção visando a melhoria dessas condições.

Assim, tendo em vista o fato de a idade pré-escolar ser um momento crucial para prevenção de distúrbios alimentares, associado à possibilidade de intervenção no ambiente escolar e à inexistência de estudos abrangentes realizados em Teresina para levantamento dessa problemática, objetivamos investigar a associação entre aleitamento materno e excesso de peso nos pré-escolares e testar a hipótese de que o aleitamento materno, como primeiro alimento saudável, é capaz de oferecer proteção contra o excesso de peso nos pré-escolares.

Métodos

Trata-se de um estudo transversal, tendo como público crianças na idade de 3 a 6 anos incompletos, matriculadas nos Centros Municipais de Educação Infantil (CMEI) da zona urbana do município de Teresina, capital do Piauí. De acordo com a Secretaria Municipal de Educação (SEMEC), em 2015, havia 83.003 alunos matriculados na rede municipal de ensino, sendo que 12.806 dessas crianças eram pré-escolares e estavam distribuídas em 143 CMEIs.( 13 )

O cálculo amostral foi feito utilizando fórmula de Levin,( 14 ) com perda amostral de 20%, erro amostral de 5% para o grau de confiança de 95%. O poder do teste utilizado para cálculo da amostra foi 80,43%. A amostra final foi constituída de 448 crianças. Os dados foram coletados no período de setembro a outubro de 2016. Não houve perdas nem recusas à participação no estudo.

A seleção das crianças foi feita por meio de amostra probabilística proporcional ao número de alunos matriculados na pré-escola de cada uma das quatro zonas da cidade (Zona Norte, Zona Leste, Zona Sul e Zona Sudeste), e o sorteio foi de forma simples. Assim, cada zona da cidade teve pelo menos duas escolas sorteadas de forma a alcançar a quantidade de alunos matriculados para a aplicação dos questionários. Entretanto, quando a quantidade de alunos proporcional à zona não foi suficiente, uma nova escola foi sorteada até que o número amostral mínimo de participantes fosse atingido.

Desse modo, a pesquisa foi realizada em 10 escolas situadas na zona urbana do município. Foram considerados critérios de inclusão na pesquisa: ter idade entre 36 e 59 meses e estar matriculado e frequentando regularmente as escolas; não ter diagnóstico de doenças que pudesse interferir nos resultados do estudo, como síndrome de Prader Willie, Down, hipotireoidismo e o uso crônico de corticoides.

Como estratégia para coletar os dados da pesquisa, realizou-se uma reunião prévia com os pais ou responsáveis em cada escola a fim de esclarecer os objetivos do estudo. Dessa forma, aqueles que concordaram em participar da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e responderam ao questionário da pesquisa. Na oportunidade, foram dadas orientações sobre os cuidados de saúde e nutrição das crianças, bem como realizada uma avaliação pediátrica dos alunos pelo pesquisador responsável. A avaliação antropométrica das crianças foi realizada no final da reunião.

O instrumento utilizado para a coleta de dados consistiu em um questionário estruturado com questões relativas aos dados sociodemográficos das mães ou responsáveis e alimentação pregressa das crianças, questões, estas, relacionadas à prática de aleitamento materno. O referido instrumento foi adaptado do questionário validado na pesquisa realizada por Caldeira.( 15 )

As variáveis antropométricas utilizadas no estudo foram o peso e a altura, coletadas por uma equipe previamente treinada, composta por uma supervisora nutricionista e dois acadêmicos do curso de nutrição. As crianças foram pesadas com roupas leves e descalças, conforme as instruções do manual do SISVAN (Ministério da Saúde) para a coleta de dados antropométricos.( 11 ) Utilizou-se balança digital com capacidade de 180 kg, da marca Avanutri; e estadiômetro portátil, com graduação 0,1 cm e escala de 20 cm a 200 cm, também da marca Avanutri, equipamentos para avaliação, fabricados na cidade de Três Rios, Rio de Janeiro,Brasil.

Neste estudo, utilizou-se como parâmetro para avaliação do estado nutricional o IMC/Idade, conforme definição da OMS,( 16 ) recomendados pelo Ministério da Saúde,( 17 ) por ser um índice muito utilizado para identificar o excesso de peso entre crianças.( 15 , 18 ) A classificação foi feita segundo o escore-z: resultado maior ou igual +2 foi considerado “com excesso de peso (sobrepeso + obesidade)”, e os resultados menores que +2 foram classificados na categoria “sem excesso de peso”. Dessa forma, foi considerada a variável de desfecho o diagnóstico nutricional da criança, com duas categorias: sem excesso de peso e com excesso de peso. A classificação do estado nutricional foi feita pelo nutricionista supervisor de campo conforme as tabelas contidas no manual do Sisvan( 17 ) do Ministério da Saúde (2011) e revisada pelos pesquisadores responsáveis pelo estudo.

As variáveis sociodemográficas foram utilizadas para descrever a amostra e controlar o efeito do aleitamento sobre o excesso de peso das crianças. Foram consideradas as variáveis da mãe: idade da mãe (≤ 36 e > 36 anos), trabalho materno (sim e não), renda familiar mensal (≤ 1 salário mínimo e > 1 salário mínimo). Quanto às variáveis da criança, utilizou-se: sexo (masculino e feminino), peso ao nascer (< 2.500 g e ≥ 2.500 g), idade da criança (≤ 4 anos e > 4 anos). No que tange ao tipo de aleitamento, foram utilizadas as variáveis categorizadas relacionadas ao aleitamento materno exclusivo (AME) a menores de 4 meses (sim e não), aleitamento materno exclusivo a menores de 6 meses (sim e não) e aleitamento materno (AM) (sim e não).

As definições de aleitamento materno adotadas neste estudo seguiram as recomendações contidas no documento intitulado Indicators for assessing infant and young child feeding practices , da OMS,( 19 ) que considera como aleitamento materno exclusivo quando a criança recebe leite materno (incluindo leite materno ordenhado), permitindo ela receba soro oral, vitaminas e medicamentos, sem a inclusão de qualquer outro líquido ou alimento; e considera-se aleitamento materno quando a criança recebe leite materno (incluindo leite materno ordenhado), podendo receber também qualquer outro líquido ou alimento, incluindo outros leites e fórmulas infantis.

Os dados foram tabulados na planilha do software Microsoft Office Excel e analisados utilizando o pacote estatístico Stata®, versão 12. A análise da associação entre o aleitamento materno exclusivo até 6 meses, aleitamento exclusivo até 4 meses e o aleitamento materno com o estado nutricional (sem excesso de peso e com excesso de peso) atual da criança foi feita utilizando-se o teste qui-quadrado de Pearson (c2) ou teste exato de Fisher (utilizado quando a frequência for inferior a 5), quando apropriado. A razão de prevalência (RP) foi calculada para quantificar as associações entre as práticas de aleitamento materno e o estado nutricional. Todas as estimativas e intervalos de confiança de 95% (IC 95%) foram calculados utilizando modelo de regressão de Poisson com variância robusta.( 20 ) As RPs e seus ICs 95% foram ajustados num modelo que considerou o estado nutricional como variável dependente e o AME e AM como variáveis independentes, sendo controladas pelas variáveis sociodemográficas. As variáveis com valor de p < 0,10 foram colocadas todas em um modelo final. Foram aceitos como estatisticamente significativos os testes com valor de p < 0,05.

O projeto de pesquisa foi autorizado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Centro Universitário Uninovafapi por meio do parecer nº 1.673.624/2016, de 11 de agosto de 2016, conforme recomenda a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) do Ministério da Saúde (MS). Os pais ou responsáveis assinaram o TCLE.

Resultados

Participaram do estudo 448 crianças, sendo 230 (51,3%) do sexo masculino. No que se refere ao peso ao nascer, 37 (8,3%) foram de baixo peso (< 2.500 g), e a maioria (61,2%) tinham menos de 4 anos. Quanto as características maternas, 391 (87,3%) possuíam idade inferior a 36 anos, 302 (67,4%) não trabalhavam e 395 (79,2%) tinham renda familiar inferior a um salário mínimo ( Tabela 1 ). O percentual de crianças amamentadas foi de 95,7% (429). Destas, 194 (43,3%) receberam aleitamento materno exclusivo até os 4 meses e 188 (41,9%) até os 6 meses de vida.

Tabela 1
Distribuição da amostra, segundo variáveis sociodemográficas da criança e maternas de pré-escolares

A figura 1 apresenta os resultados da avaliação nutricional dos pré-escolares, mostrando que a prevalência de excesso de peso entre eles foi de 11,2% (escore-z > +2), sendo 6,9% de sobrepeso e 3,8% de obesidade.

Figura 1
Estado nutricional, segundo o IMC/Idade, em pré-escolares

A tabela 2 mostra a relação entre a prática do aleitamento materno e a prevalência de excesso de peso, demonstrando que apenas 10,5% das crianças que mamaram apresentaram excesso de peso; enquanto 26,3% dos pré-escolares que não receberam leite materno desenvolveram excesso de peso. Dessa forma, a criança que não foi amamentada teve 2,5 vezes mais chances de ter excesso de peso quando comparada com quem recebeu o aleitamento (IC 95%: 1,09; 5,83). O aleitamento materno exclusivo até os 6 meses e o aleitamento materno até os 4 meses não mostrou associação estatisticamente significativa com o excesso de peso ( Tabela 2 ).

Tabela 2
Associação entre variáveis de aleitamento materno e excesso de peso em pré-escolares

A Regressão de Poisson, mesmo após a introdução das varáveis no modelo, demonstrou associação entre aleitamento materno e excesso de peso com elevada chance de desenvolver excesso de peso entre as crianças não amamentadas (RP: 2,5; IC 95%: 1,08; 5,56) e, além disso, verificou-se maior chance do de excesso de peso nas crianças maiores de 4 anos de idade (RP: 1,7; IC 95%: 1,01; 2,85) quando comparado com os menores de 4 anos (p = 0,04) ( Tabela 3 ).

Tabela 3
Modelo final dos fatores associados ao excesso de peso em pré-escolares

Discussão

O presente estudo identificou a prevalência de excesso de peso em pré-escolares de Teresina, Piauí, Brasil, em 2016, e a sua associação com o aleitamento materno. O resultado encontrado neste estudo foi um pouco superior aos dados registrados no SISVAN para a cidade de Teresina no mesmo período, em que a prevalência de excesso de peso foi de 10,9 % na faixa etária de 2 a 5 anos, segundo o IMC/Idade.( 2 ) Ressalta-se que a cobertura do SISVAN no referido município é em torno de 53% e que o referido programa é alimentado, principalmente, com os dados dos beneficiários dos programas sociais de transferência de renda.

Pesquisa( 21 ) que avaliou pré-escolares de 2 a 4 anos de idade durante os anos de 2009, 2010 e 2011, em creches do município de Taubaté-SP, encontrou uma prevalência de excesso de peso de 9,3%, valor bem próximo ao encontrado no presente estudo. Por outro lado, outros levantamentos, realizados em diversas cidades do Brasil, apresentam resultados diferentes. Citam-se pesquisas realizadas na Bahia,( 22 ) em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul,( 23 ) cujas prevalências de excesso de peso foram de 5,7%, 7,5% e 14,4%, respectivamente. Tal fato mostra diferenças na magnitude do excesso de peso entre os estados brasileiros( 21 - 23 ) e reforça a necessidade de pesquisas contínuas dessa natureza. Apesar dessas discrepâncias nas prevalências entre as cidades brasileiras, é possível afirmar que houve aumento de crianças com excesso de peso no Brasil, conforme foi demonstrado em estudo,( 24 ) a partir da análise de três inquéritos populacionais realizados no País, no período de 1989 a 2006, em que foi evidenciado um aumento de 160% no excesso de peso nesse período.

No cenário internacional, um estudo censitário e de evolução temporal, que analisou dados de 144 países, estimou haver 43 milhões de crianças com sobrepeso ou obesidade em 2010, dos quais 35 milhões estavam nos países em desenvolvimento e ainda demonstrou aumento na prevalência de 4,2% em 1990 para 6,7% em 2010.( 25 )Diante desse contexto, é provável que tais discrepâncias das prevalências do excesso peso nos diferentes cenários seja devido ao processo da transição nutricional em curso no Brasil, sendo determinado, principalmente, pelos fatores socioeconômicos distintos nos estados.( 26 )

No tocante ao aleitamento materno, constatou-se elevada proporção de mães que amamentaram seus filhos, e isso corrobora tanto com o resultado encontrado na II Pesquisa de Prevalência de Aleitamento Materno nas Capitais Brasileiras e Distrito Federal( 8 ) para a cidade de Teresina quanto em relação a pesquisa( 15 ) realizada em Minas Gerais, com proporções de 95,2% e 82,49% de mães que amamentaram seus filhos por algum período, respectivamente.

No que se refere ao aleitamento materno exclusivo, observou-se baixa prevalência nos menores de 6 meses de idade em relação ao preconizado pela OMS.( 7 ) Os resultados encontrados assemelham-se também com o encontrado na II Pesquisa de Prevalência de Aleitamento Materno nas Capitais Brasileiras e Distrito Federal7 para a cidade de Teresina, em que a prevalência do AME foi apenas de 43,7%. Ademais, outros estudos — como o realizado por Caldeira et al.,( 15 ) com pré-escolares em escolas de um município do Estado de Minas Gerais; e o estudo( 16 ) realizado com pré-escolares do município de Taubaté-SP — constataram prevalências bem menores que 32,1% e 25%, respectivamente, em relação ao presente estudo. Dessa forma, percebe-se que os indicadores de aleitamento materno exclusivo ainda permanecem abaixo das recomendações oficiais em diferentes cidades brasileiras, refletindo uma tendência no país.

Na literatura internacional, pesquisa( 27 ) realizada com escolares em um Centro de Saúde em Lisboa, Portugal, mostrou prevalência de aleitamento materno exclusivo de 28,8%, resultado inferior em relação ao encontrado nesse estudo. Em nível local, estudo( 28 ) que avaliou os fatores associados ao aleitamento materno exclusivo em Hospitais Amigos da Criança (HAC), na cidade de Teresina-PI, encontrou prevalência de 60,49%. Esse resultado, provavelmente, deve-se ao fato de que as crianças tinham acompanhamento multiprofissional em ambulatório especializado nesses hospitais. Entretanto, vale ressaltar que muitas mães realizaram o desmame precoce de seus filhos antes mesmo do preconizado pela OMS.( 7 )

A regressão de Poisson, mesmo após o controle das variáveis sociodemográficas, demonstrou associação significativa entre aleitamento materno e excesso de peso, mostrando que o ato de não amamentar aumenta a chance desse agravo nas crianças estudadas. Tal achado também foi verificado em outras pesquisas em diferentes contextos e utilizando o mesmo delineamento, como em Minas Gerais( 15 ) e em Lisboa (Portugal).( 27 ) Entretanto, pesquisas realizadas na Região Semi-Árida do Estado de Alagoas( 29 ) e em Pelotas-RS( 30 ) não evidenciaram tal associação; entretanto, em outro estudo realizado nos Estados Unidos,( 31 ) pré-escolares que haviam sido amamentados apresentavam risco reduzido de serem obesos, porém não foi observada essa proteção contra o sobrepeso.

Assim, diante desse cenário, é complexo fazer comparação com esses resultados tão discrepantes. Provavelmente, isso se deve às diferentes metodologias aplicadas nesses estudos, tais como: cálculo e seleção da amostra, forma de coleta de dados e instrumentos utilizados, entre outros. Vala a pena ressaltar o viés de memória das mães por se tratarem de dados coletados de forma retrospectiva, como é o caso da prática do aleitamento materno.( 18 )

Contudo, apesar dessas diferenças, em uma revisão sistemática( 32 ) foi demonstrado o papel que a amamentação desempenha na redução da prevalência de obesidade mais tardiamente, os quais incluem mecanismos comportamentais e hormonais e diferenças na ingestão de macronutrientes, dentre os achados vale destacar: uma alta concentração de insulina plasmática em crianças alimentadas com fórmula em comparação as crianças amamentadas levando ao desenvolvimento precoce de adipócitos; a ingestão de proteínas e a quantidade de metabolização energética são menores em crianças amamentadas do que em crianças alimentadas com fórmula; associação significativa entre a ingestão precoce de proteínas no início da vida e o aumento risco de obesidade posterior. Ainda foi reportado que a disponibilidade de proteína durante o desenvolvimento fetal, e pós-natal precoce, mostrou ter um efeito a longo prazo na programação metabólica do metabolismo da glicose e na composição corporal futura. Essas vias sozinhas ou combinadas fornecem explicações plausíveis para um efeito protetor do aleitamento materno contra a obesidade.( 33 )

Ainda, nesse estudo, após o controle das variáveis sociodemográficas, demonstrou-se que as crianças maiores de 4 anos apresentaram mais chance de ter excesso de peso em relação aos menores de 4 anos, embora essa questão não tenha sido objeto dessa pesquisa. Tal achado sugere que as crianças com idade inferior a 4 anos são menos vulneráveis ao excesso de peso devido a sua maior dependência para com os pais ou responsáveis, ao maior controle sobre a alimentação servida e também à proteção oferecida pelo aleitamento materno.( 3 , 15 , 27 ) Corroborando ainda esse estudo, pesquisa( 18 ) realizada no município de São Paulo com crianças de 2 a 6 anos mostrou que crianças com idade superior a 4 anos teve risco elevado para o excesso de peso. Para esses autores, isso se deve, provavelmente, à maior autonomia na escolha dos alimentos que desejam ingerir, dando preferência aos alimentos com maior valor calórico; além disso, tem-se a facilidade de acesso à mídia e o maior tempo de exposição a televisão e jogos eletrônicos, o que, consequentemente, aumenta o sedentarismo.

Ademais, mostram-se viáveis as intervenções em centros de educação infantil para abordar a promoção da alimentação saudável e aleitamento materno até os dois primeiros anos de vida. Nesse sentido, cabe mencionar a importância das Escolas Promotoras de Saúde, iniciativa encabeçada pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS)( 33 ) como uma estratégia direcionada, integral e integradora visando o fornecimento de serviços de saúde em ambiente escolar que transcendam a atenção médica tradicional e se fundamentem em ações de promoção da saúde. Também cabe mencionar a capacidade de integração com estratégias ministeriais, como o Programa Saúde na Escola, para aproximar cada vez mais os pais, os escolares e a escola e assim ter melhores resultados em saúde.( 34 )

O presente estudo trouxe como contribuição a elaboração de um diagnóstico sobre o estado nutricional das crianças na fase pré-escolar e os fatores associados com a ocorrência do excesso de peso. Trata-se do primeiro estudo realizado na cidade de Teresina com essa temática e que poderá contribuir na elaboração de estratégias para a redução desse agravo na infância.

Contudo, apresentou limitações, entre as quais se destaca o fato de a coleta das informações acerca da duração do aleitamento materno ter sido feita retrospectivamente, baseada nas recordações da mãe sobre acontecimentos ocorridos entre três e cinco anos antes, o que pode propiciar um viés de memória. Acresça-se a isso o fato de que o estudo foi realizado apenas em escolas públicas, não permitindo, portanto, maiores generalizações sobre a prevalência do excesso de peso em outras crianças na mesma faixa etária.

Conclusão

O aleitamento materno mostrou-se como fator de proteção contra o excesso de peso entre os pré-escolares. Desse modo, é imprescindível adotar medidas de incentivo à promoção do aleitamento materno e à alimentação saudável, além de oferecer atenção integral à criança com excesso de peso, com vistas a reduzir esse agravo e as suas consequências nessa população vulnerável.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    05 Fev 2019
  • Aceito
    16 Out 2019
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