Open-access Análise de redes sociais na atenção primária em saúde: revisão integrativa

Análisis de redes sociales en la atención primaria de salud: revisión integrativa

Resumo

Objetivo:  Redes sociais são entendidas como as relações que conectam pessoas, grupos ou instituições, e exercem influência no acesso aos serviços de saúde. A análise de redes sociais é um método quantitativo, usado em estudos sobre relações sociais de diversas áreas, incluindo a saúde, sendo de incorporação recente pela Saúde Coletiva e Enfermagem. O objetivo foi o de conhecer como vem sendo aplicada a metodologia de análise de redes sociais em estudos que têm como cenário a Atenção Primária à Saúde.

Métodos:  A metodologia foi a de revisão interativa de literatura, e cumpridas as suas etapas de definição de critério de busca, seleção de artigos e análise segundo as categorias definidas de distribuição temporal e geográfica, tipos de redes e atores selecionados e principais resultados. As categorias temáticas após a análise foram: A análise de redes sociais como estratégia de análise da rede de profissionais, e a análise de redes sociais como estratégia de análise da rede social de usuários.

Resultados:  Os resultados indicam que as publicações tendem a se concentrar nos últimos cinco anos, e a metodologia é mais utilizada em países de língua inglesa. Todos os estudos usaram outras abordagens metodológicas juntamente com a análise de redes sociais. Nas redes de profissionais, destacam-se as relações interinstitucionais e interpessoais, reafirmando a atenção primária à saúde como ordenadora da rede de cuidados. Com usuários, a análise de redes sociais destacou a relevância das redes primárias e das organizações de apoio.

Conclusão:  Conclui-se que a análise de redes sociais possui potencialidade para evidenciar estruturas e fluxos relacionais na Atenção Primária à Saúde, com interesse para estudos em saúde coletiva e enfermagem.

Descritores Redes sociais; Atenção primária à saúde; Metodologia

Resumen

Objetivo:  Se entiende por redes sociales a las relaciones que conectan personas, grupos o instituciones, y ejercen influencia en el acceso a servicios de salud. El análisis de redes sociales es un método cuantitativo, utilizado en estudios sobre relaciones sociales de diversas áreas, incluyendo la salud, habiéndose incorporado recientemente a la Salud Colectiva y a la Enfermería. Se objetivó conocer cómo se aplica la metodología de análisis de redes sociales en estudios cuyo ámbito es la Atención Primaria de Salud.

Métodos:  Se realizó revisión interactiva de literatura, y se cumplieron sus dos etapas de definición de criterios de búsqueda, selección de artículos y análisis según las características definidas de distribución temporal y geográfica, tipos de redes y actores seleccionados y principales resultados. Las categorías temáticas luego del análisis fueron: El análisis de redes sociales como estrategia de análisis de la red de profesionales, y El análisis de redes sociales como estrategia de la red social de usuarios.

Resultados:  Indican que las publicaciones tienden a concentrarse en los últimos cinco años, y que la metodología es más utilizada en países de habla inglesa. Todos los estudios aplicaron otros abordajes metodológicos conjuntamente con el análisis de redes sociales. En redes de profesionales se destacaron las relaciones interinstitucionales e interpersonales, reafirmando la atención primaria de salud como ordenadora de la red de cuidados. Con usuarios, el análisis de redes sociales destacó la relevancia de las redes primarias y las organizaciones de apoyo.

Conclusión:  El análisis de redes sociales tiene potencial para evidenciar estructuras y flujos relacionales en Atención Primaria de Salud, siendo de interés para estudios en salud colectiva y de enfermería.

Descriptores Red social; Atención Primaria de salud; Metodología

Abstract

Objective:  Social networks are considered as the relationships that connect people, groups or institutions and influence the access to health services. Social Network Analysis is a quantitative method, used in social relationship studies in different areas, including health. It has recently been incorporated in Collective Health and Nursing. The objective was to know how the social network analysis method has been applied in studies undertaken in Primary Health Care.

Methods:  The integrative literature review method was used, including the following phases: definition of search criterion, selection of articles and analysis according to the defined temporal and geographical distribution categories, selected types of networks and actors and main outcomes. The thematic categories after the analysis were: Social Network Analysis as an analysis strategy of the professional network, and Social Network Analysis as an analysis strategy of users' social network.

Results:  The results indicate that the publications tend to concentrate in the past five years and that the method is more used in English-speaking countries. All studies used other methodological approaches together with Social Network Analysis. In the professional networks, the interinstitutional and interpersonal relationships stand out, reaffirming the ordering role of primary health care in the care network. With users, the social network analysis highlighted the relevance of the primary networks and support organizations.

Conclusion:  In conclusion, the social network analysis can evidence relational structures and flows in Primary Health Care, which are of interest for collective health and nursing studies.

Keywords Social networking; Primary health care; Methodology

Introdução

Redes sociais são entendidas como as relações que conectam e ligam diferentes pessoas, grupos ou instituições, que possuem maior ou menor coesão, interatividade, sustentabilidade, duração, entre outros atributos. Os indivíduos pertencentes a este sistema são reconhecidos, nas ciências sociais, por sujeitos ou atores sociais. A articulação de sujeitos por meio das mídias sociais digitais como Facebook ou Twitter tem sido também amplamente denominada pelo termo redes sociais, e não constitui o objeto do presente estudo.(1)

As redes exercem certa influência no acesso aos serviços de saúde. No tocante às redes sociais de apoio, sobretudo as primárias (referidas ao círculo de relações mais próximas), exercem influência na utilização e escolha de serviços, profissionais ou práticas, e podem atuar de forma a motivar ou não o indivíduo a procurar os serviços de saúde e a vocalizar suas demandas, além de conferir apoio material e emocional, e informações sobre o funcionamento dos serviços.(2)

É preciso estabelecer uma distinção entre os estudos de base qualitativa que se baseiam no conceito de redes sociais (a exemplo das pesquisas sobre as redes de apoio social) nos quais a utilização do termo pode ser metafórica, e a Análise de Redes Sociais (ARS) como método estruturado, objeto do presente estudo.(3)

A ARS é um método quantitativo que visa, prioritariamente, cartografar e estudar relações e posições de atores nas redes, entendendo-as como estruturas de relações. Admite-se que a ARS de base estrutural estabelece níveis de análise tanto acerca das relações entre atores individuais como quanto às suas posições e interações na rede como um todo, permitindo comparar com outras redes similares Estudos com base na ARS ganharam impulso nos anos 70, embora tenham se iniciado muitas décadas antes.(4)

Uma classificação importante na ARS refere-se ao ponto de partida para o mapeamento da rede. Pode-se partir de um indivíduo (redes ego ou egocêntricas), entrevistando, em processo de bola-deneve, os demais atores ou nós com os quais o ator inicial interage, sucessivamente, sendo o tamanho da rede decidido em função dos objetivos e recursos do estudo. Podem incluir todos os elos circunscritos a determinada instituição, local ou território (redes totais ou integrais), ou podem ainda mapear as interações entre sujeitos individuais juntamente com instituições/setores, neste caso denominadas de redes de dois modos.(4)

O desenvolvimento da ARS foi mediado pelo interesse em conhecer as relações entre atores por meio da inferência estatística entre variáveis, com base em uma modelagem matemática para análises que podem ser mais ou menos detalhadas, além da visualização gráfica das redes, o que tem sido um elemento importante por permitir uma rápida e objetiva visualização das estruturas de relações. Softwares computacionais tem sido utilizados como apoio importante na ARS, sendo os mais utilizados o UCINET ©, Pajek ©, GEPHI ©, Egonet ©.(5)

Tais softwares possuem extensões de representação gráfica que possibilitam a obtenção da imagem da rede em formato de sociograma, bem como modelagens estatísticas. Esta modelagem não é, necessariamente, o núcleo central de análise. O UCINET ©, assim como outros softwares, oferece recursos para métodos descritivos e visuais que permitem a constatação da coesão e densidade de uma rede, e gera análises de centralidade e intermediação de cada ator, dentre outras categorizações descritivas. A base matemática do método, no entanto, não exclui a possibilidade de articular sua utilização às abordagens de caráter qualitativo, a exemplo de estudos desenvolvidos na área da Ciência da Informação e, mais recentemente, na enfermagem.(1,69)

Na área da saúde podem ser encontrados estudos com base no conceito de redes sociais e também estudos com base na ARS, a partir de referenciais diversos – antropologia médica e social, sociologia, estudos organizacionais, entre outros. Nas áreas da Saúde Coletiva e da Enfermagem brasileiras é de incorporação recente.(13)

Considerando a necessidade de ampliar o conhecimento acerca dos métodos de pesquisa que permitam analisar práticas sociais numa ótica que considere a complexidade dos fenômenos saúdedoença-cuidado, a ARS se constitui em uma metodologia com potencial para colaborar na explicitação das relações, trocas, reciprocidades, interesses e importância dos atores sociais nos cenários institucionais e não-institucionais que integram o campo da atenção à saúde, incluindo a Atenção Primária à Saúde (APS), sendo de interesse também para a área da enfermagem devido ao importante papel mediador do enfermeiro neste nível de atenção.(18)

O objetivo desta revisão foi o de conhecer como vem sendo aplicada a metodologia de Análise de Redes Sociais em estudos inseridos ou referidos a atores que interagem na Atenção Primária à Saúde, sejam eles usuários, profissionais de saúde ou setores/serviços.

Métodos

Este é um estudo de revisão integrativa da literatura, a partir da qual torna-se possível realizar a síntese sobre o conhecimento relacionado a um determinado assunto, com a unificação dos resultados obtidos em outros estudos ou pesquisas diversas.

Considerando-se as seis etapas ou passos para a sua construção, na primeira, elaborou-se a pergunta norteadora da pesquisa, sobre como tem sido o uso da ARS em estudos baseados na APS.(10,11)

A segunda etapa consistiu na estruturação da busca na literatura, mediante levantamento das publicações científicas no Portal da Biblioteca Virtual de Saúde (BVS), compreendendo artigos científicos disponíveis nas seguintes bases de dados: Literatura Latino Americana e do Caribe em Ciências de Saúde (LILACS), Sistema Online de Busca e Análise de Literatura Médica (MEDLINE), Base de dados bibliográfica especializada na área de Enfermagem (BDENF) e, Scientific Eletronic Library Online (SciELO).

Para realização da busca dos artigos, foram utilizados os termos-chave “social network analysis” e “primary health care”. Como critérios de inclusão considerou-se: texto de artigo original, oriundo de pesquisa de campo utilizando a ARS; texto completo disponível nas bases de dados, nos idiomas português, inglês e espanhol e terem sido publicados entre 2005 a 2016. A seleção das publicações foi realizada inicialmente pela leitura dos títulos, seguindo-se da leitura dos resumos e, posteriormente, dos textos na íntegra.

Foram encontradas inicialmente 20 produções científicas, sendo que apenas 15 (quinze) delas contemplaram os critérios de inclusão, conforme pode ser observado no fluxograma da busca apresentado na figura 1.

Figura 1
Fluxograma de seleção do estudo de revisão integrativa

Foram excluídas 3 publicações por não abordarem questões pertinentes ao objeto de pesquisa, sobretudo por não possuírem aplicabilidade no cenário da APS, restringindo suas discussões a perspectivas teóricas e não de base empírica.

Na terceira etapa foi utilizado um instrumento de coleta de para o registro das informações relevantes acerca dos estudos selecionados, o que possibilitou o levantamento dos seguintes categorias para a análise: título dos artigos e nome dos autores, ano, país e idioma de publicação, objetivo(s), tipo de rede analisada e atores envolvidos, e principais resultados.

Na etapa seguinte procedeu-se à análise dos dados coletados com base na identificação, convergências e divergências quanto às seguintes características dos estudos o que possibilitou a identificação de duas categorias temáticas intituladas “A ARS como estratégia de análise da rede de profissionais da APS”e “A ARS como estratégia de análise da rede social de usuários”, a fim de possibilitar a efetivação da discussão dos resultados, a partir da interpretação e comparação com o referencial teórico.(10)

Resultados e Discussão

O quadro 1 traz a síntese dos principais elementos dos artigos selecionados para o desenvolvimento deste estudo e, com base nele, apresenta-se inicialmente, breve caracterização descritiva do conjunto de publicações selecionadas.

Quadro 1
Síntese da coleta de dados

Sobre o período de publicação, os anos de 2013 e 2015 se destacaram por terem concentrado a metade da amostra estudada. Quanto aos países de publicação, a maioria é de língua inglesa: Estados Unidos da América e Canadá (n=10), seguindo-se a Austrália (n=2), Paquistão e Brasil (com 1 artigo cada). Um volume maior de estudos realizados na América do Norte já era esperado, vez que os softwares de ARS têm sido desenvolvidos e amplamente utilizados nos Estados Unidos da América.(5)

A ARS no Brasil é uma metodologia pouco usada no setor saúde, o que se expressa na única publicação no país. Em uma busca simples em bases de dados acadêmicas, verifica-se que áreas como administração, sociologia e economia tem publicado estudos com uso da ARS no Brasil. As publicações sobre o uso da ARS no Brasil parecem concentrar-se em alguns autores do campo da Ciência da Informação.(6,7) Este campo tem assumido papel importante na difusão e uso da metodologia de ARS, assim como por aproximar a ARS dos outros campos do conhecimento, dentre eles o campo da saúde.

Todos os artigos usaram a ARS como método, combinado ou não a outras abordagens, em sua maioria qualitativas, e 86% indicaram o UCINET© como programa de escolha para a análise de dados.

Na ARS, podem ser considerados atores (ou nós) tanto pessoas como instituições.(4,5) Neste sentido, observou-se que a grande maioria das publicações utilizaram a ARS como metodologia de interpretação das relações sociais existentes entre profissionais de saúde atuantes na APS, com destaque para médicos e enfermeiros. Dos quatro artigos que exploraram relações em rede envolvendo usuários ou comunidades, apenas dois mapearam as redes a partir destes, por meio de entrevistas individuais e ARS do tipo egocêntrica. Outros dois analisaram redes integrais.

Destaca-se a amplitude de objetivos na utilização da ARS na APS, para evidenciar interações e a influência das relações tanto de usuários entre si como destes com as equipes, e dentro das equipes, como apoio aos processos de assistência e gestão, gerando, desta forma, duas grandes categorias, de acordo com os sujeitos analisados nas redes – profissionais ou usuários.

A ARS como estratégia de análise da rede de profissionais da APS

A métrica de redes, dentre os artigos analisados foi utilizada para cálculo de variáveis de densidade e centralização no contexto da interação entre a equipe multiprofissional da atenção primária;(25) para descrever a rede de discussões que envolvia a saúde das mulheres na atenção primária e examinar os fatores que determinam a posição dos médicos na referida rede;(12) e para análise de uma mesma rede de profissionais, mediada por gestores, em períodos diferentes, concluindo que, apesar das mudanças na estrutura e composição, o papel de centralidade dos atores da gestão foi mantido, o que conferiu, para os autores, uma certa independência da gestão em relação à rede de atenção;(13)

A modelagem em rede das interações entre profissionais foi aplicada como forma de qualificar o gerenciamento de equipes de cuidado a pessoas idosas no sul da Austrália.(1426) A rede foi analisada como um dispositivo de gestão, que auxilia a evidenciar tensões, conflitos e nós críticos.

As relações instituídas nos processos de trabalho da APS destacam o papel do enfermeiro como ator central na organização dos serviços de saúde, na articulação da rede social e quanto à sua influência na tomada de decisão, ainda que este não seja necessariamente o líder institucional da equipe de saúde.(15) Ademais, observa-se a pertinência do papel do enfermeiro em dois momentos específicos, a citar: a gestão e a atuação em equipes de saúde.(17,18)

Um dos estudos diz respeito ao papel do enfermeiro dentro das equipes de saúde na APS em uma província canadense, a partir de uma perspectiva de rede, destacando seu papel mediador entre atores e conhecimentos.(22) A utilização do termo “knowledge boundary spanner”, para a qual não há tradução literal na língua portuguesa, conota a ideia de ator ou dispositivo capaz de ampliar ou mediar, de forma expansiva, o conhecimento e as relações dentro das instituições e destas para fora, com capacidade de cruzar ou romper limites.(15,27,28) Sugere uma aproximação ao conceito de “elo fraco”, específico dos estudos de ARS, para identificar o ator na rede que ocupa posição mais externa no que tange à possibilidade de expansão e comunicação com outros sujeitos e redes. Pode-se, considerar, que o adjetivo “fraco” não expressa o efetivo papel deste elo nas redes, já que estes são justamente os que permitem a ampliação e renovação de uma rede. Estudos recentes com base na ARS desenvolvidos no Brasil tem apresentado resultados similares quanto ao papel do enfermeiro e do agente comunitário de saúde (ACS), sendo que o enfermeiro tem surgido como mediador importante para a coesão da rede, e o ACS, para sua expansão.(1,8,9)

Observou-se também particularidades relacionadas às redes sociais compostas por médicos da APS. No que tange a construção de redes para a troca de informações e conhecimentos de caráter profissional, percebeu-se que os profissionais médicos tendem a buscar pares do mesmo sexo para a construção de suas redes. Além disso, identificou-se a proximidade social e geográfica dos sujeitos como determinante no processo de escolha terapêutica e tomadas de decisões.(12,16,23)

As relações entre os membros da equipe exercem influência na resolubilidade das práticas de saúde.(12) Observou-se que quanto maior a densidade das relações entre os membros das equipes de APS, menor é o quantitativo de dias de internação dos usuários atendidos por estas equipes.(25)

Estes achados apontam para a importância das relações interprofissionais, entre uma mesma categoria e com outras, assim como para a relevância da APS como ordenadora e porta de entrada da rede de cuidados, já que a forma como as redes se configuram e como os atores exercem suas atividades nestas redes podem afetar outros níveis de atenção.

A ARS como estratégia de análise da rede social de usuários

As redes sociais de usuários nos artigos analisados destacam a participação de profissionais da APS, familiares e organizações não vinculadas à saúde.(18)

Um dos artigos utiliza a ARS para mapear as redes de indivíduos portadores de asma, a partir das quais foram mapeadas outras redes, que incluíam profissionais de saúde de diversas categorias envolvidos no tratamento, familiares e amigos, assim como outras fontes de recursos, tais como materiais educativos e acesso à internet. O estudo foi desenvolvido em Sydney, na Austrália. Apesar do trabalho na APS prever a oferta do cuidado multiprofissional e multidisciplinar, observou-se que os usuários tendem a estabelecer ligações mais densas com familiares e amigos, que muitas vezes não possuem conhecimentos em saúde.(18)

Outro estudo desenvolvido na Austrália, mas em um território da região Sul, buscou utilizar a ARS como um dispositivo de gestão, capaz de induzir à reflexão as organizações envolvidas no cuidado a idosos, a respeito do seu papel e dos demais atores institucionais na rede de atenção a este grupo.(19) O artigo faz uma crítica sobre o fato de que existem grupos de atores atuando de forma integrada, em rede, mas a totalidade de instituições não possui uma interação suficiente. Por outro lado, a reflexão provocada pela devolução e discussão dos dados ampliou a compreensão dos atores a respeito da atuação em rede.

Em estudo desenvolvido no Canadá, o interesse foi o de estudar as redes de organizações governamentais e não governamentais de apoio a comunidades de imigrantes, partindo do pressuposto de que a capacidade de gerar percepções de confiança é uma competência cultural, que afeta qualidade das relações entre as organizações e com as famílias de imigrantes.(20) Uma lista contendo 31 organizações envolvidas com imigrantes foi fornecida a cada uma destas organizações, pedindo que respondessem acerca das relações estabelecidas com cada uma, além de avaliar a sua competência cultural frente às necessidades dos imigrantes. Este estudo buscou avaliar a rede organizacional, mapeando a rede total e entrevistando informantes-chave de cada uma. As conclusões indicam que a maior ou menor competência cultural de uma organização é capaz de afetar as relações em rede, aumentando ou dificultando o acesso das famílias de imigrantes no atendimento de suas necessidades.(21)

O único artigo brasileiro identificado se refere a um estudo com lideranças comunitárias de região ribeirinha do sul da região Amazônica. O nível da Atenção Primária é considerado como um panode-fundo da análise, já que o estudo é centrado em uma perspectiva que visa cartografar as interações e trocas de informações nessas comunidades. A análise propõe categorizações que consideram o aporte teórico sociológico de Michel Grossetti acerca das relações em rede e autonomia dos sujeitos, e discute o papel das lideranças e sua centralidade nas redes de grupos com características sociodemográficas específicas, como as comunidades ribeirinhas.(24) As implicações para a APS, trazido a partir da proposta da Atenção Básica brasileira, são discutidas em torno da teoria da determinação social da saúde, e da historicidade dos processos sociais, que vem acarretando em mudanças nas estruturas e formas de relação em comunidades tradicionais.

Conclusão

O conjunto de publicações tem origem em estudos diversos, que convergem para a análise acerca das formas relacionais entre atores, instituições e/ou organizações, com vistas ao acesso e à qualidade da atenção na APS. Os estudos que se basearam em métodos mistos trouxeram aportes interessantes a respeito de como se dão as relações e interações, colaborando para ampliar o conhecimento a respeito das determinações históricas, culturais, políticas e organizacionais sobre a configuração e dinâmica das redes. Para a área da Saúde Coletiva, considerandose o entendimento de que o conceito de saúde não se restringe à ausência de adoecimento, os estudos com base na ARS se apresentam como uma possibilidade metodológica com potencialidade para evidenciar estruturas relacionais interpessoais e institucionais, e suas influencias nos processos saúde-doença-cuidado. Deve-se ter em conta que os estudos com base na ARS possuem um limite importante, que tanto se refere ao tamanho da rede estudada, já que nem sempre se pode incluir todas as interações em jogo, assim como o do recorte temporal, por sua característica de transversalidade. Defende-se, ainda, ser necessário um suporte teórico e conceitual capaz de conferir maior densidade à análise das estruturas e interações em rede, não sendo o método explicativo por si só. Para a enfermagem, como categoria profissional cuja atuação é de relevância no contexto da APS, a ARS pode se constituir em uma metodologia de estudo a respeito dos processos de trabalho em equipe e sobre o cuidado aos usuários, numa a perspectiva relacional. Nesse sentido, pode se constituir em elemento capaz de contribuir para a efetivação da vocação interdisciplinar e mediadora da profissão, em favor da ampliação da equidade e do acesso universal às ações de saúde.

Agradecimentos

Ao Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia – CNPq, apoio financeiro por meio de recursos de pesquisa oriundos do Edital Universal 2013, Bolsa de Produtividade em Pesquisa Nível 2 para Helena Maria Scherlowski Leal David, Bolsa de Iniciação Científica para Valentina Souza, e bolsa de Apoio Técnico para Rebecca Dias. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, pelo apoio à participação da doutoranda Joana Angélica com recursos do DINTER entre a Universidade do Estado do Rio de Janeiro e a Universidade Estadual da Bahia, campus Jequié.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2018

Histórico

  • Recebido
    12 Jan 2018
  • Aceito
    05 Fev 2018
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