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Repercussões maternas do diagnóstico pré-natal de anomalia fetal

Resumo

Objetivo:

Comparar modos de enfrentamento mediante diagnóstico pré-natal de anomalia fetal viável e inviável.

Métodos:

Estudo transversal de análise quantitativa em 120 gestantes realizado em centro de referência de medicina fetal, de janeiro a dezembro de 2014. Os dados foram obtidos por meio de entrevista semiestruturada contendo características sociodemográficas; antecedentes pessoais e obstétricos; e aplicação do inventário de estratégias de enfrentamento de coping. Teste qui quadrado, teste exato de Fisher ou razão de verossimilhança foram utilizados para comparar variáveis categóricas entre malformação viável e inviável. O teste t de Student foi usado para variáveis contínuas e quando necessária, foi aplicada a Análise de Variância.

Resultados:

Houve diferença significativa da estratégia autocontrole entre as gestantes com diagnóstico de inviabilidade fetal e as com fetos viáveis.

Conclusão:

As gestantes com diagnóstico de anomalia fetal inviável apresentaram maior tendência à estratégia de autocontrole que as com feto viável.

Descritores
Anormalidades congênitas; Gestantes/psicologia; Adaptação psicológica; Diagnóstico pré-natal

Abstract

Objective:

To compare coping strategies for congenital abnormalities pre-natal diagnosis of viable and nonviable fetuses.

Methods:

Quantitative cross-sectional study of 120 pregnant women, conducted in a center of excellence of fetal medicine, from January to December, 2014. Data were obtained through the following: semi-structured interviews which included socio-demographic information, personal and obstetrics history, and use of the coping strategies inventory. The tests used to compare categorical variations between viable and non-viable malformations were the chi-squared test, and Fisher's exact test or likelihood ratios. Student's t-test was used for continuous variables, and when necessary, it the Analysis of Variance was used.

Results:

There were significant differences in the self-control strategy between pregnant women diagnosed with a non-viable fetus compared to those diagnosed with a viable fetus.

Conclusion:

Pregnant women diagnosed with a non-viable fetal anomaly presented a greater tendency to use the self-control strategy than those diagnosed with a viable fetus.

Keywords
Congenital abnormalities; Pregnant women/psychology; Adaptation; psychological; Prenatal diagnosis

Introdução

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), anomalias ou defeito congênito fetal são anormalidades funcionais ou estruturais, identificadas desde a vida uterina e/ou ao nascer. Cerca de 10% das anomalias é atribuída a fatores ambientais; 25% a fatores genéticos; e 65% têm causas desconhecidas, constituindo a segunda causa de morte em neonato.(1)1. Organização Pan-Americana da Saúde. Organização Mundial da Saúde. OPAS/OMS insta países das Américas a reforçar vigilância de microcefalia e outras anomalias congênitas [Internet]. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde; 2016[citado 2016 Jun 23]. Disponível em: http://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5012:opasoms-insta-paises-das-americas-a-reforcar-a-vigilancia-dos-defeitosde-nascimento-incluindo-microcefalia&Itemid=816
http://www.paho.org/bra/index.php?option...

Atualmente, com o avanço tecnológico, é possível detectar essas anomalias fetais e, em muitos casos, utilizar terapêutica intrauterina, visando alcançar um melhor prognóstico fetal. No entanto, podem ocorrer situações em que o diagnóstico fetal estabelece a inviabilidade do feto.(2)2. Sala DC, Abrahão AR. Complicações obstétricas em gestações com feto portador de anomalia incompatível com a sobrevida neonatal. Acta Paul Enferm. 2010; 23(5):614-8.

O feto inviável é aquele incapaz de sobreviver por si só fora do útero materno, podendo essa situação decorrer de formação incompleta (imaturidade) ou deficiente (malformação), cuja etiologia é bem diversificada e decorrente de fatores genéticos, ambientais ou da associação de ambos.(3)3. Moore KL, Persaud TV. The developing human: clinically oriented embriyology. 9 ed. Philadhelphia, PA: Elsevier Heatlh Sciences; 2013.

A notícia de malformação fetal gera um grande impacto emocional na vida da gestante e de sua família. O anúncio tem repercussões diferentes, podendo causar um processo destrutivo na mulher grávida, gerando um estresse físico e emocional.(44. Santos MM, Böing E, Oliveira ZA, Crepaldi MA. Diagnóstico pré-natal de malformação incompatível com a vida: implicações psicológicas e possibilidades de intervenção. Rev Psicol Saúde. 2014; 6(1):64-73.,5)5. Rezende J, Montenegro CA. Obstetrícia fundamental. 12a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2013.

Os modos de enfrentamento estão estreitamente ligados ao estresse e são utilizados pelo indivíduo para se adaptar às demandas adversas, exigindo esforços que permitam reagir em determinadas situações, sejam essas crônicas ou agudas.(6)6. Lazarus RS, Folkman S. Stress, appraisal and coping. New York: Springer; 1984.

A literatura concorda sobre o papel do estresse na manutenção da vida. Essa concepção deriva das afirmações sobre a busca do equilíbrio interno do organismo e a homeostase, como um mecanismo de adaptação. Porém o excesso de estimulação é nocivo e perigoso, quando se torna maior do que a capacidade do organismo de assimilá-lo e adaptá-lo, na busca do equilíbrio.(77. Arantes MA, Vieira MJ. Estresse: clínica psicanalítica. 3a ed. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2006.

8. Greenberg JS. Administração do estresse. Barueri: Brasileira; 2002.

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-10)10. Zimpel RR. Aprendendo a lidar com o estresse. São Leopoldo: Sinodal; 2005.

A morte do produto conceptual é sempre um evento marcante na vida dos casais, com profundas repercussões, desencadeando um turbilhão de fortes emoções e reações em todas as pessoas envolvidas, desde amigos e familiares mais próximos dos casais.(11)11. Sousa L, Pereira MG. Interrupção da gravidez por malformação congênita: a perspectiva da mulher. Psic., Saúde & Doenças. 2010; 11(2);229-42.

É indispensável, para a gestante que recebe um diagnóstico de anomalia congênita, ter um acompanhamento multiprofissional, além de passar pelo Aconselhamento Genético, momento em que é atendida por um profissional treinado, quando ocorre a troca de informações relativas a ocorrências, ou risco de ocorrências, de uma determinada doença ou condição genética familiar. É evidente que um profissional bem preparado pode ajudá-los na escolha de estratégias para reduzir o impacto negativo após o diagnóstico de anomalia fetal grave.(1212. Silva MH, Rodrigues MF, Amaral WN. Aspectos médicos e psicológicos de grávidas portadoras de feto anencefálico. Femina. 2011; 39(10):493-8.,13)13. Consonni EB, Petean EB. Perda e luto: vivências de mulheres que interromperam a gestação por malformação fetal letal. Rev Ciênc Saúde Colet. 2013; 18(9):2663-70.

Mediante tal problemática, surge o questionamento: Os profissionais envolvidos na assistência a esse público estão, de fato, preparados para o acolhimento dessa mulher, do casal e de sua família?

Estudos mostram que os profissionais de saúde se veem despreparados e, muitas vezes, não sabem como abordar a gestante e sua família, diante de um diagnóstico de malformação fetal.(12)12. Silva MH, Rodrigues MF, Amaral WN. Aspectos médicos e psicológicos de grávidas portadoras de feto anencefálico. Femina. 2011; 39(10):493-8.

Nesse contexto, este estudo visa contribuir para a capacitação dos profissionais de saúde que prestam assistência à gestantes com diagnóstico de malformação fetal a partir do real dimensionamento do impacto deste diagnóstico na vida da gestante e seus familiares. Essa compreensão é fundamental e justifica-se por buscar compreender se há diferença significativa quanto ao desfecho do diagnóstico (feto viável e inviável), de forma que o profissional possa buscar mecanismos que possam embasar sua proposta assistencial capazes de instrumentalizá-lo para uma melhor assistência pré-natal a essa população tão específica.

Objetivou-se comparar modos de enfrentamento mediante diagnóstico pré-natal de anomalia fetal viável e inviável.

Métodos

Estudo analítico transversal, de natureza quantitativa, desenvolvido em um ambulatório de Medicina Fetal, de janeiro a dezembro de 2014, localizado em São Paulo (SP), com gestantes que receberam o diagnóstico de malformação fetal.

O campo de pesquisa foi um dos centros de referência de São Paulo para o desenvolvimento de gestações de fetos diagnosticados com anomalias congênitas. O serviço contava com uma equipe multiprofissional composta por médicos obstetras, ultrassonografistas, enfermeiros e psicólogos, mantendo constante contato com geneticistas, neonatologistas, cirurgiões pediátricos, neurocirurgiões, cardiologistas e outros profissionais, envolvidos conforme a especificidade de cada anomalia fetal.

Os critérios de inclusão da população do estudo foram todas as gestantes que receberam o diagnóstico de malformação fetal, dentro do período referido, desde que aceitaram participar do estudo e com condições cognitivas de responder ao instrumento da pesquisa, independentemente do grau de instrução e faixa etária. Foram excluídas todas as gestantes que referiram algum tipo de transtorno de personalidade, diagnóstico psiquiátrico grave ou moderado; as que possuíram algum tipo tipo de limitação cognitiva em responder ao instrumento de pesquisa e as que recusaram participar do estudo.

No período do estudo, 166 (100%) receberam o diagnóstico de malformação na gestação atual, onde 39 (24%) foram excluídas por não se enquadrarem no critério de inclusão; assim, a amostra foi constituída por 127 gestantes, que corresponderam a 76% do total da população que recebeu o diagnóstico de malformação fetal no período referido, sendo que do total da amostra, 7 (4%), desistiram de participar do estudo, onde foi possível concluir a entrevista em 120 pacientes, que corresponde a 72 % da população.

A coleta de dados foi realizada pela pesquisadora em duas etapas, por meio de entrevista semiestruturada, com duração de 30 a 40 minutos, em sessão individual para cada sujeito, nas dependências reservadas do ambulatório, de modo a oferecer conforto e privacidade para as participantes da pesquisa. A primeira etapa ocorreu logo após à admissão da gestante no serviço, com a entrega do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) em duas vias, quando foram esclarecidos os objetivos do estudo e os aspectos éticos que envolviam a pesquisa, garantindo anonimato, além de assegurar o desejo ou não de participação no estudo. Após essa primeira abordagem, seguiu-se à aplicação do questionário, para obtenção dos dados socioeconômicos e demográficos.

Neste instrumento, foram consideradas as seguintes variáveis: idade, cor, estado civil, convivência com o parceiro, escolaridade, religião, ocupação, renda familiar e número de moradores na casa em que vivia. Foram também incluídos antecedentes pessoais e obstétricos. A segunda etapa deste estudo foi realizada após atendimento psicoprofilático, no qual as gestantes responderam ao inventário de estratégias de enfrentamento de Folkman e Lauzarus(14)14. Folkman S, Lazarus RS. If it changes it must be a process: a study of emotion and coping during the stages of a college examination. J Pers Soc Psychol. 1985; 48(1):150-70. validado por Savóia no Brasil.(15)15. Savóia MG, Santana PR, Mejías NP. Adaptação do inventário de estratégias de coping de Folkman e Lazarus para o português. Psicologia USP. 1996; 7(1/2):183-201.

O inventário de coping foi traduzido e validado para o português do Brasil, demonstrando a existência de correspondência entre a versão original em inglês e a tradução, e permitindo ser aplicado no presente estudo. O instrumento é composto por 66 itens, que incluem pensamentos e ações utilizadas para lidar com demandas internas ou externas de cada situação estressante. (15)15. Savóia MG, Santana PR, Mejías NP. Adaptação do inventário de estratégias de coping de Folkman e Lazarus para o português. Psicologia USP. 1996; 7(1/2):183-201.

Cada item do instrumento é composto por quatro opções de respostas: zero para não fiz uso da estratégia; 1 para usei um pouco; 2 para usei bastante; e 3 para usei em grande quantidade.

Para a análise dos dados obtidos, foram respeitados os oito fatores classificatórios inicialmente propostos por Folkman e Lazarus,(14)14. Folkman S, Lazarus RS. If it changes it must be a process: a study of emotion and coping during the stages of a college examination. J Pers Soc Psychol. 1985; 48(1):150-70. a partir da reorganização dos itens, proposta por Savóia et al.,(15)15. Savóia MG, Santana PR, Mejías NP. Adaptação do inventário de estratégias de coping de Folkman e Lazarus para o português. Psicologia USP. 1996; 7(1/2):183-201. a saber: Fator 1 - Confronto, descreve esforços para alterar a situação estressante; Fator 2 - Afastamento, descreve esforços da pessoa para se afastar da situação estressante; Fator 3 - Autocontrole, descreve esforços da pessoa para controlar seus próprios sentimentos; Fator 4 - Suporte Social, descreve esforços da pessoa na busca de informações e apoio emocional; Fator 5 - Aceitação de Responsabilidades, descreve o conhecimento da contribuição da pessoa no problema e na tentativa de fazer algo correto; Fator 6 - Fuga-Esquiva, descreve desejos, pensamentos e esforços comportamentais para fugir ou anular o problema; Fator 7 - Resolução de Problemas, descreve esforços para alterar a situação com avaliação analítica para resolver o problema; e Fator 8 - Reavaliação Positiva, descreve esforços para criar um significado positivo, enfocando o crescimento pessoal; com ênfase na crença e na religião. Para analisar os dados obtidos com esse inventário, realizou-se a soma dos escores atribuídos a cada item de um mesmo fator, e a soma foi dividida pelo número total de itens que compõe os fatores.

Antes de preencher ao inventário de coping, as gestantes foram orientadas a pensarem na ocasião em que receberam a notícia de anomalia fetal do filho que estavam esperando, pensando, a seguir, nas estratégias que utilizaram para enfrentar tal situação.

Os dados foram armazenados e organizados em uma planilha eletrônica, no programa Excel (Office 2010) e, posteriormente, analisados eletronicamente com auxílio do programa IBM Statistical Package for Social Science (SPSS), versão 19.

Para as variáveis contínuas, calcularam-se média, desvio padrão, mediana, mínimo e máximo. Para as variáveis categóricas, calcularam-se frequência e porcentual. Para comparar as variáveis categóricas entre viável e inviável, utilizaram-se o teste qui quadrado e, quando necessário, o teste exato de Fisher, ou razão de verossimilhança. Para comparar as variáveis contínuas entre viável e inviável, utilizaram-se o teste t e, quando necessária, aplicou-se a Análise de Variância (ANOVA). Foi utilizado nível de significância de 5% (valor de p<0,05).

Resultados

Conforme a tabela 1, a maioria (61; 50,8%) das gestantes considerou-se de cor branca, e 70 (58,3%) delas relataram o estado civil como solteira, mas 100 (83,3%) viviam com o parceiro. A maioria das pesquisadas (71; 59,2%) possuía Ensino Médio completo e 49 (40,8%) referiram como ocupação do lar.

Tabela 1
Características sociodemográficas das gestantes atendidas no Ambulatório de Medicina Fetal

A média da idade das participantes foi de 28,94, anos, a mediana foi 28; o valor mínimo foi 14 e o valor máximo 45, com desvio padrão de 7,02. A média do tempo de convivência com o parceiro foi de 5,8 anos. A renda média familiar foi de R$2.499,00. O número de moradores por família foi de 3,25.

As progenitoras que receberam o diagnóstico de malformação fetal foram classificadas, de acordo com a gravidade da malformação, em gestação viável ou inviável. Os dados mostraram que, dentre as 120 (100%) gestantes entrevistadas, 41 (34,2 %) foram consideradas inviáveis e 79 (65,8%), viáveis.

A maioria das mulheres (64; 53,3%) recebeu o diagnóstico de malformação fetal no segundo trimestre de gestação.

Não se observou diferença significativa entre os dois grupos quanto às variáveis descritas (Tabela 2).

Tabela 2
Distribuição dos valores de coping comparando o diagnóstico de malformação fetal viável e inviável

Encontrou-se diferença significativa entre os grupos no item autocontrole (Figura 1). Pacientes com diagnóstico de inviabilidade fetal apresentaram maior escore de autocontrole do que aquelas com diagnóstico de viabilidade fetal, com índice de confiança de 95% (IC95%).

Figura 1
Demonstrativo do Fator 3 - Autocontrole, comparando o diagnóstico de malformação fetal (MFF) viável e Inviável IC95% - Intervalo de Confiança de 95%

Discussão

Quanto às características sociodemográficas da população deste estudo, houve predomínio da cor branca, a maior parte possuía e/ou convivia com o parceiro íntimo e tinha como ocupação atual do lar.

Tais dados se assemelham às características da população brasileira, na qual predomina a população de raça branca. O estado civil solteiro supera o de casado em todas as regiões do país, mas a maioria da população vive em união consensual.(16)16. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo Demográfico 2010. Características da população e dos domicílios. Resultados do Universo. Rio de Janeiro: IBGE; 2011.

A população pesquisada referiu possuir escolaridade de nível Médio completo em 59,2% dos casos, dado que contrasta com o nível de escolaridade da população brasileira que, apesar de ter avançado nas últimas décadas, segundo dados recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), quase metade da população brasileira com 25 anos ou mais ainda não completou o Ensino Fundamental.(16)16. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo Demográfico 2010. Características da população e dos domicílios. Resultados do Universo. Rio de Janeiro: IBGE; 2011.

Outro dado que chamou atenção foi a renda da população deste estudo, o qual identificou uma média de R$2.449,00 por família, considerando a renda média da população brasileira de R$1.052,00. A população estudada encontravase acima da média brasileira, segundo dados do IBGE, fato que se contrapõe a alguns estudos que identificam a baixa renda como fator predisponente de anomalia congênita.

A atenção pré-natal desenvolve uma atuação preventiva complementar ao cuidado pré-concepcional, uma vez que acompanha todo o processo gestacional, favorecendo uma evolução fisiológica para essa fase. Também a Medicina Fetal exerce um papel de fundamental importância na obstetrícia moderna, permitindo o diagnóstico cada vez mais precoce de anomalias congênitas. Portanto, o sucesso desse atendimento, depende de um profissional competente, além de humano e acolhedor.(1717. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção a Saúde. Departamento de Atenção Básica. Atenção ao pré-natal de baixo risco. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2012.,18)18. Barros VC, Santos JF, Lima LA, Fonseca DL, Lovisi GM. [Depression and a social support of pregnant women in fetuses with malformations attending at a maternal and child hospital public reference in Rio de Janeiro]. Cad Saúde Colet. 2013; 21(4):391-402. Portuguese.

Estudos mostram que o diagnóstico precoce de anomalia fetal favorece a implementação de opções terapêuticas adequadas ao desenvolvimento fetal, além de colaborar para a diminuição da taxa de morbimortalidade infantil no primeiro ano de vida, bem como da materna.(19)19. Giuliane R, Tripani A, Pellizzoni S, Clarici A, Lonciari I, D'Ottavio G, et al. Pregnancy and postpartum following a prenatal diagnosis of fetal thoracoabdominal malformation: the parental perspective. J Pediatr Surg. 2014; 49(2):353-8.

Atualmente, observa-se que, apesar do avanço dos recursos tecnológicos na medicina moderna, há ainda grande dificuldade de acesso da população aos serviços de Medicina Fetal, nem sempre sendo possível encontrar profissionais especializados para o atendimento nos casos mais complexos, como das anomalias fetais. Essa dificuldade fatalmente resulta na demora no encaminhamento desses casos aos serviços especializados, impactando negativamente em seus resultados.(20)20. Oviedo LA, Marín AE, Sampayo LH, Viana LC, Truissi ML. [Beliefs and a practices of caring for pregnant women with diagnosis of fetal malformation]. Invest Educ Enferm. 2013; 31(2):234-42. Spanish.

Ao analisar a utilização das estratégias de coping pelas gestantes, observa-se que o impacto do diagnóstico gerou um grande movimento adaptativo para o enfrentamento da situação em ambos os grupos, verificado pelos altos índices do uso das estratégias.

Quando comparados os valores de coping entre as gestantes que receberam o diagnóstico de feto viável e inviável, observa-se uma diferença significativa no Fato 3 - Autocontrole. Pacientes com diagnóstico de fetos inviáveis apresentaram maior escore de autocontrole quando comparadas àquelas com diagnóstico de viabilidade fetal.

Na literatura, encontramos alguns conceitos sobre o autocontrole. A priori, ele descreve o esforço da pessoa para controlar seus próprios sentimentos. O enfrentamento focado na emoção está ligado a estratégias que inibem sentimentos negativos, impedindo ações que favoreçam a resolução de seus próprios problemas, podendo estes serem de ordem cognitiva ou comportamental.(66. Lazarus RS, Folkman S. Stress, appraisal and coping. New York: Springer; 1984.,1414. Folkman S, Lazarus RS. If it changes it must be a process: a study of emotion and coping during the stages of a college examination. J Pers Soc Psychol. 1985; 48(1):150-70.,21)21. Batista JR, Tourinho EZ. Interpretação analítico comportamental do autocontrole emocional. Interação Psicol. 2012; 16(2):249-59.

Em nosso estudo, as mulheres cujos fetos foram diagnosticados como inviáveis apresentaram aparentemente um melhor controle de seus sentimentos, quando comparadas às outras gestantes. Tal autocontrole pode estar relacionado ao desfecho de sua gestação, que, de certo modo, tem um prazo para terminar, mas, na verdade, essa gestante pode estar guardando para si os sentimentos, sufocando-os, em decorrência de uma racionalização do problema que muitas vezes se relaciona à pressões sociais, e tal comportamento pode impactar de forma avassaladora em seu futuro, levando-a a um sério risco de depressão puerperal.

Já as outras gestantes, com fetos viáveis tem que enfrentar um futuro incerto, cercado de preocupações e medos; neste grupo, portanto, ficam mais evidentes suas fragilidades, favorecendo o diagnóstico de suas necessidades. Observa-se uma ambivalência de sentimentos: “sentimento de poder” misturado à frustação por gerar um filho malformado. O desejo de cuidar do filho, muitas vezes, é incompatível com as exigências que essa mulher faz ao vivenciar o problema.(22)22. Bortoletti FF, Moron AF, Filho JB, Nakamura MU, Santana RM, Mattar R. Psicologia na prática obstétrica. Abordagem interdisciplinar. Barueri: Manole; 2010.

Os profissionais envolvidos na assistência a essas mulheres devem ter atenção especial a esses aspectos, principalmente nas gestantes de fetos inviáveis, que, aparentemente, demonstram um melhor controle emocional. Esse comportamento pode repercutir negativamente por longos anos e, se não for visto e reparado, acarreta vários comprometimentos de ordem física, emocional e social, compreender esse fato é fundamental para que a equipe multiprofissional possa identificar e assistir essa mulher de forma personalizada.(23)23. Tourinho EZ. Private stimuli, covert responses and private events: Conceptual remarks. Behavior Anal. 2006; 29(1):13-31.

Há diferentes razões para que estímulos e respostas dificultem a observação pública, não por haver uma barreira física entre observador e observado, mas por aspectos formais e relacionais da própria resposta.(23)23. Tourinho EZ. Private stimuli, covert responses and private events: Conceptual remarks. Behavior Anal. 2006; 29(1):13-31.

Um grupo de mulheres submetidas à interrupção da gravidez por malformação congênita letal, cujos resultados apontaram, na maioria dos casos, que a notícia do diagnóstico foi recebida com choque e surpresa, considerou a tomada da decisão de interromper a gravidez como a mais difícil da vida do casal.(24)24. Santos SR, Dias IM, Salimena AM, Bara VM. A vivência dos pais de uma criança com malformações congênitas. Rev Min Enferm. 2011; 15(4):491-7.

É evidente que, ao receber o diagnóstico de malformação fetal, as gestantes vivenciam períodos de dúvidas e muitos questionamentos, além de sentimentos de angústia, dor e decepção, mas cabe ao profissional acolher e esclarecer todas as dúvidas, além de fornecer apoio psicológico e, se possível, encaminhá-la à assistência psicoprofilática. Dessa forma, a malformação fetal não deve ser tratada pelos profissionais da saúde com atenção somente voltada a seus aspectos físicos e funcionais; mas com especial ênfase aos aspectos psicológicos decorrentes ao impacto da notícia. Dessa forma, é preciso que sejam disponibilizados tratamentos psicoterápicos, capazes de reduzir o intenso sofrimento presente neste contexto.(2525. Machado ME. Casais que recebem um diagnóstico de malformação fetal no pré-natal: Uma reflexão sobre a atuação do psicólogo hospitalar. Rev SBPH. 2012; 15(2):132-5.,26)26. Sabatés AL, Borba RI. [Information received by parents during children's hospitalization]. Rev Lat Am Enfermagem. 2005; 13(6):968-73. Portuguese.

A falta de conhecimento e de recursos para lidar com a perda perinatal torna inadequadas as atitudes dos profissionais envolvidos no âmbito assistencial, gerando sensação de desamparo, ansiedade e frustração, resultando, assim, no comprometimento da competência profissional. Dessa forma, faz-se necessária a promoção de programas de treinamento para adquirir conhecimentos, aptidões e habilidades, desenvolvendo uma diretriz de prática clínica para o cuidado centrado na gestante e família.(2727. Gomes AG, Piccinini CA. Malformação no bebê e maternidade: aspectos teóricos e clínicos. Psicol Clín. 2010; 22(1):15-38.,28)28. Pastor Montero SM, Romero Sánchez JM, Hueso Montoro C, Lillo Crespo M, Vacas Jaén AG, Rodríguez Tirado MB. Experiences with perinatal loss from the health professionals perspective. Rev Lat Am Enfermagem. 2011; 19(6):1405-12.

Conclusão

O impacto gerado nas gestantes decorrente do diagnóstico de anomalia fetal foi grande. No entanto, quando comparados os diagnósticos de viabilidade e inviabilidade fetal, verificou-se diferença significativa quanto ao Fator 3 - Autocontrole, que foi mais evidente no segundo grupo, ou seja, houve diferença significativa nas gestantes com diagnóstico de malformação inviável. Neste grupo, houve maior escore de autocontrole do que nas gestantes de diagnóstico de malformação viável.

Agradecimentos

À Casa de Saúde Prof. Dr. Domingos Deláscio, Ambulatório de Medicina Fetal, por permitir o desenvolvimento do estudo e a coleta de dados.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    04 Jul 2016
  • Aceito
    20 Out 2016
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