Open-access Lições de amor em Aquiles Tácio: Introdução, tradução e notas de Leucipe e Clitofonte i.7-15.

LESSONS OF LOVE IN ACHILLES TATIUS: COMMENTARY, TRANSLATION AND NOTES BY LEUCIPPE AND CLITOPHON I.7-15.

Resumo:

Apresentamos a tradução de uma passagem específica do romance Leucipe e Clitofonte, de Aquiles Tácio: a cena em que o personagem principal vai ao encontro de seu primo Clínias e recebe dele valiosos ensinamentos sobre sedução. Tal passagem nos chama a atenção por dialogar com a elegia erótica romana, especialmente com a Ars Amatoria de Ovídio e, pela sua estrutura concisa e unitária que ressoa como um pequeno conto dentro do romance. Buscamos, então, recriar em nossa tradução elementos estéticos e literários que ressoem estes aspectos, especialmente o dinamismo da narrativa, sem perder as nuances líricas - ou elegíacas - do texto.

Palavras-chave:
Romance antigo; Aquiles Tácio; tradução; elegia erótica.

Abstract:

We presente the trnaslation of a specific passage from the novel Leucippe and Clitophon, by Achilles Tatius: the scene in which the main character goes to meet his cousin Clinias and receives from him valuable teachings on seduction. This passage draws our attention because it dialogues with Roman erotic elegy, especially Ovid's Ars Amatoria, and because of its concise, unitary structure, which resonates like a short story within the novel. We have sought to recreate in our translation aesthetic and literary elements that resonate with these elements, especially the dynamism of the narrative, without losing the lyrical - or elegiac - nuances of the text.

Keywords:
Ancient novel; Achilles Tatius; translation; erotic elegy

Introdução

Apresentamos neste artigo a tradução de uma passagem específica do romance de Aquiles Tácio, Leucipe e Clitofonte, a cena em que o herói do romance, Clitofonte, se encontra com seu primo Clínias e dele recebe lições eróticas (1.7-15); tal momento nos interessa, primeiramente, pelo seu caráter irônico-paródico em relação às convenções do romance idealista grego e também pela passagem apresentar um alto grau de estilização, ao incorporar ao discurso romanesco elementos presentes na elegia erótica romana; além disso, esta cena constrói-se com tal unidade de ação que nos parece um bloco independente, ainda que pareça estrategicamente posta no início como uma espécie de espelho que apresenta uma chave de leitura para o todo da narrativa, pois, tal qual a ékphrasis com que o romance se abre,1 o encontro de Clitofonte com seu primo Clínias repercute elementos essenciais para a sua compreensão.

A possível leitura do romance Leucipe e Clitofonte de Aquiles Tácio como paródia do romance amoroso e idealista grego já tem sido aventada por diversos críticos. Durham, em seu artigo Parody in Achilles Tatius (1938), sugeriu esta interpretação, todavia, criando uma relação de paródia imediata e específica do romance com As Etiópicas de Heliodoro, obra que era, na época da publicação do artigo, datada como anterior à de Aquiles Tácio. Hoje, sabe-se que o texto de Aquiles Tácio é do final do século II d.C., enquanto o de Heliodoro, do século IV d.C.; assim, os argumentos de Durham mostram-se infundados.2 No entanto, se são infundados quanto à ideia de que a obra efetuaria uma paródia específica da narrativa de Heliodoro, parece-nos bastante acertada a leitura do estudioso ao perceber o tom irônico nela contido à medida que o romancista brinca com as expectativas dos leitores de romance grego. Assim, apesar de os elementos estruturais essenciais do romance de amor grego estarem presentes na narrativa, Aquiles Tácio joga com as convenções do gênero (Sano, 2022, p.3), apresentando novas possibilidades estruturais e produzindo um elemento irônico a partir da expectativa do leitor acostumado a tais convenções.

Segundo Alain Billaut (1998), é fundamental para esta apresentação irônica das convenções do gênero o fato de o narrador do romance ser homodiegético, ou em primeira pessoa. Diferentemente dos romances de Cáriton e de Xenofonte de Éfeso - exemplares mais antigos do gênero na Antiguidade que possuímos integralmente -, os quais apresentam um narrador em terceira pessoa heterodiegético, o narrador das aventuras de Leucipe e Clitofonte é o próprio Clitofonte, que conta a sua história de amor em uma perspectiva ulterior ao narrado. Assim, há um distanciamento temporal entre o Clitofonte-narrador, que já viveu todas as aventuras que narra, e o Clitofonte-personagem, jovem que desconhece os rumos que sua vida tomará. Tal posicionamento do narrador, diante de sua própria história, configura a focalização da narrativa à medida que ele, narrador, sabe mais do que o leitor, mas, sobretudo, sabe mais do que o próprio personagem principal. Desse modo, o leitor pode reconhecer os elementos do amor idealizado, enquanto também percebe uma espécie de distanciamento irônico entre narrador e personagem; tal técnica, que não é incomum no romance moderno - e podemos citar o romance Dom Casmurro de Machado de Assis como um dos exemplos lapidares de como esta relação pode ser esteticamente produtiva - surge como uma novidade no romance antigo grego.3

Como observa Whitmarsh (2003, p.191), narrativas em primeira pessoa4 não são irônicas por natureza, porém podem tornar-se irônicas quando se abre uma lacuna entre a focalização do narrador e a do leitor. Assim, para uma narrativa ser lida como irônica, o leitor deve reconhecer, em alguma medida, um grau de cumplicidade com alguma instância do texto com a qual compartilha a sua perspectiva. Para Billaut (1998), por exemplo, este tom confessional e o distanciamento gerado pela focalização apresentam o amor em Aquiles Tácio de forma menos heroica e trágica do que nos outros romances gregos, tornando-se mais banal, ordinário e comum. Por outro lado, o escritor, reconhecendo as convenções do gênero, esboça sua narrativa imaginando que seu leitor ideal também as reconheça e, mais do que isso, espera encontrá-las na narrativa e, ao estabelecer-se uma quebra dessa expectativa, gera-se um estranhamento, que, como diz Whitmarsh (2003, p.192), pode criar a ironia, ainda que este reconhecimento dependa do próprio leitor. Chew (2000), por outro lado, sugere que, no romance de Aquiles Tácio, mais do que uma paródia das convenções do romance, o que se parodia é a moral presente neste gênero, especialmente no que tange ao conceito de sophrosyne, a moderação diante dos desejos, pois, ao contrário das altas virtudes dos personagens característicos do romance grego, há uma maior licenciosidade dos heróis, que buscam, antes de tudo, sua satisfação sexual. É apenas a partir dos sonhos com os deuses, que os instruem a serem castos (4.1), que os jovens passam a buscar conter seus desejos sexuais (Chew, 2000, p.63).

Parece-nos que os livros I e II do romance conciliam tranquilamente essas interpretações, uma vez que, para efetuar a paródia da sophrosyne, o romancista brinca com as convenções do gênero, parodiando o tema ou tópica do amor à primeira vista. A narrativa começa com a chegada de um primeiro narrador, anônimo, à cidade de Sídon, onde se depara com um quadro que representa a cena do rapto de Europa por Zeus. Depois de realizar uma ékphrasis do quadro, esse primeiro narrador comenta em voz alta o poder de Eros, o que leva um homem - Clitofonte - que também estava ali presente a se manifestar como alguém que conhece as dores e ultrajes provindos de Amor; instigado pelo primeiro narrador, ele então assume a voz da narrativa e começa a contar a sua própria história. Diz que nasceu em Tiro e que seu pai planejava casá-lo com sua meia-irmã Calígone, mas que, pela força da Tyche, seu tio Sóstrato, que vivia em Bizâncio, envia para Tiro sua esposa, Panteia, e sua filha, Leucipe, pois corriam perigo com a eclosão da guerra contra Trácia. O jovem se apaixona pela prima à primeira vista e vai até seu primo Clínias pedir conselhos amorosos. Clínias lhe atende e, nesta mesma cena, conta-se um pouco da própria história de Clínias, apaixonado pelo jovem Cáricles, a quem dera um belo cavalo de presente. Cáricles aparece desesperado para narrar que seu pai também planejava casá-lo, e Clínias faz diversas observações negativas a respeito das mulheres e do casamento, evocando versos de Hesíodo e Simônides. Depois de conversarem, a cena termina com a morte de Cáricles, justamente em seu primeiro e último passeio com o belo cavalo.

Nos romances idealistas gregos, o amor surge entre os protagonistas como um efeito da vontade de Eros, geralmente à primeira vista como nos romances de Cáriton, Quéreas e Calírroe, de Xenofonte de Éfeso, As Efesíacas, e no de Heliodoro, As Etiópicas.5 Para Konstan (1994), isto implica uma novidade do romance antigo em relação aos outros gêneros da literatura antiga, pois cria uma percepção de simetria amorosa entre o casal. Em Aquiles Tácio, todavia, o que vemos é que, se o amor atinge instantaneamente Clitofonte, o mesmo não ocorre com Leucipe. Segundo Jolowicz (2021), tal mudança de atitude indica então uma relação assimétrica do casal, pois implica que, enquanto Clitofonte está apaixonado por Leucipe, ele precisa conquistar ou seduzir o amor de sua prima, e a própria ideia de sedução pressupõe que há um obstáculo que precisa ser superado. Konstan (1994) argumenta que, apesar dessa inicial instabilidade, o enredo como um todo mantém o caráter simétrico do amor característico do romance idealista grego, pois, depois que Leucipe é conquistada (2.9) e se apaixona por Clitofonte, a devoção de Leucipe, como a de outras heroínas, é inabalável.

Podemos conjecturar que tal diferença no andamento da narrativa se deve, primeiramente, à escolha pelo tipo de narrador, uma vez que, se nos outros romances o narrador heterodiegético tem uma focalização onisciente e ampla, conhecendo os pensamentos e sentimentos de ambos os personagens, no caso de Aquiles Tácio, com a focalização interna ao personagem, Clitofonte desconhece os sentimentos momentâneos de Leucipe e, neste sentido, fica incerto se ela compartilha com ele a paixão.6 Porém, aliada a uma necessidade narrativa gerada a partir da escolha do narrador, parece-nos que há uma perspectiva paródica tanto das convenções do gênero (uma vez que, como ressaltado, o habitual era os dois protagonistas se apaixonarem à primeira vista), quanto da sophrosyne, por meio do contraste implícito que a presença de algumas tópicas da elegia erótica latina podem sugerir. Clitofonte, inexperiente na arte de amar, vai até seu primo, Clínias, mais experiente, pedir conselhos amorosos e este se converte em um erotodidaskalos ou, para usar a tópica da elegia romana, em um praeceptor amoris.7

Para Jones (2012, p.161), Aquiles Tácio estava familiarizado com a elegia latina, de modo que sua narrativa apresenta diversos ecos do gênero, criando uma versão em prosa da elegia latina, e, em um estudo recente, Jolowicz (2021) analisa a relação da poesia latina com o romance antigo, nas obras de Cáriton, Longo e, é claro, Aquiles Tácio.8 Jolowicz dedica três capítulos de sua obra a essa análise, relacionando, em cada um, elementos de diversos gêneros poéticos e autores latinos que ecoam no romance de Leucipe e Clitofonte.9 Os elementos erotodidáticos do romance levaram alguns estudiosos a traçarem analogias entre a obra de Aquiles e Ovídio (Álvares, 2006, p.10; Goldhill, 1995, p.111), mesma opinião defendida por Brethes (2017), para quem esta relação é evidente especialmente nos dois primeiros livros. Ainda que Ovídio tenha especial relevo nesta discussão, Jolowicz aponta ecos da obra de Propércio e, em menor escala, de Tibulo no romance de Aquiles Tácio e, em sua opinião, o propósito principal é justamente parodiar a convenção do amor recíproco. Em vez do amor mutuamente experimentado à primeira vista e coroado por um casamento narrativamente precoce,10 os livros 1-2 oferecem ao leitor o relato unilateral de Clitofonte sobre suas tentativas dissimuladas e performáticas de seduzir Leucipe, cujo principal objetivo não é o casamento, mas a satisfação do seu desejo sexual.

No entrecho em questão, o personagem Clínias assume o protagonismo e, junto ao seu papel de praeceptor amoris, também nos permite conhecer a sua própria história de amor por Cáricles, cujo final trágico parece ressoar a temática dos perigos e das dores do amor, tema introduzido tanto pelo quadro da cena do rapto de Europa quanto pelo infeliz narrador Clitofonte. A respeito do seu papel enquanto preceptor amoroso, vale mencionar que Clínias fornece uma série de estratégias para facilitar a sedução das mulheres, colocando em ênfase o papel da performance e do jogo de dissimulações com o objetivo de manipular sentimentos do ser amado, estratégias que, segundo Jolowicz (2021, p.130-131), estão em sintonia com os preceitos ovidianos na Arte de amar.11 Nessa linha, também são importantes a constância da presença e a prevalência da visão para o efeito amoroso, elementos que, se é verdade que aludem a passagens do livro II da Arte de Amar de Ovídio (Jolowicz, 2021, p.133), também ressoam o discurso amoroso presente como uma tópica na literatura grega clássica, como na Ciropedia (5.1.2-18), de Xenofonte, em que Ciro, ao discutir com Araspas a respeito do amor, observa que o sentimento amoroso atinge por meio da visão e pela constância de estar próximo do objeto a ser contemplado e, por isso, ele evita manter contato com a bela Panteia enquanto tem assuntos políticos e militares para resolver. A possibilidade de constância para Clitofonte, algo que para os elegíacos latinos pareceria um desejo inalcançável, se resolve na economia narrativa pelo fato da jovem Leucipe estar vivendo na mesma casa que ele, o que faz Clínias considerá-lo afortunado uma vez que toda a situação favorece a sedução da jovem.

É interessante que Clínias oferece conselhos amorosos heterossexuais, enquanto ele mesmo vive uma relação amorosa homossexual, e seu discurso demonstra uma visão misógina e depreciativa das mulheres - parecendo ressoar, nesse sentido, a poesia de Hesíodo e Semônides de Amorgos; tal atitude pode tanto indicar uma relação intertextual com o pretor homossexual de Tibulo (Jolowicz, 2021, p.131), mas também, parece-nos, pode sugerir o caráter sexual e licencioso dessas estratégias ensinadas. Se tomamos a sophrosyne como elemento central do romance grego e o casamento como a celebração da virtude dos jovens heróis, uma relação homossexual no mundo antigo não objetivava o casamento, mas o prazer sexual e, em algumas épocas, a prática pedagógica - não o casamento efetivo, e é justamente neste sentido que estão direcionadas as lições amorosas de Clínias. A sequência da própria narrativa indica isso: Clitofonte, em um primeiro momento, seguindo as estratégias ensinadas por seu primo, quase consegue consumar sua relação com Leucipe, porém, quando estavam prestes a consumar sua relação, são interrompidos pela chegada abrupta da mãe da jovem. Isso os leva a fugir e, a partir desse momento e sob a influência de sonhos divinos, é que o tema do casamento e da virgindade surge para o casal, e Leucipe passará a lutar pela sua castidade.

Por fim, a tradução, apresentada a seguir, foi baseada na edição de Vilborg (1955), complementada pelos comentários de O’Sullivan (1978) para o Livro 1 do romance de Aquiles Tácio. Buscou-se, em nossa tradução, que o texto de chegada refletisse os elementos expressivos do original, mas que também soasse como um romance acessível ao leitor moderno. Isso implica, por exemplo, a segmentação da passagem e no uso de pontuação e travessão, adequando-a à forma mais tradicional com que os romances modernos são editados.

Por outro lado, do ponto de vista linguístico, nossas escolhas se apoiam em uma estética que respeita a linguagem do texto de partida. Buscamos, se não uma fidelidade filológica, daquele tipo que se investe de uma prerrogativa helenizante do texto em português, ao menos não deformar sistematicamente o que se traduz com as práticas apontadas por Berman (2007), como a racionalização, clarificação, alongamento e enobrecimento. Nesse sentido, procuramos seguir a ordem sintática das frases do original, respeitando a complexidade das subordinações, até o limite da inteligibilidade em português, sem reorganizá-las para que soem mais claras, mantendo os longos e intricados períodos característicos do texto grego. Evitamos, assim, para usar a expressão de Paes (1990, p. 93), "[...] a natural tentação de torná-los mais compreensíveis ao leitor por meio de seu desdobramento em orações de menor extensão e ordem gramatical mais lógica".

O mesmo procedimento foi adotado na tentativa de verter determinados termos gregos para o vernáculo, sem comprometer seu tecido lexical. Por exemplo, na passagem em questão, Aquiles Tácio emprega ora kore, ora parthenos para se referir tanto a Leucipe quanto às jovens em geral. Embora, segundo os dicionários, ambas as palavras indiquem meninas adolescentes não casadas, a fim de manter a dupla ocorrência lexical, preferimos traduzir kore por "jovem" e parthenos por "virgem". É interessante notar que Clínias, em seu discurso licencioso, utiliza sempre o termo parthenos, enquanto Clitofonte varia no uso dos dois vocábulos. Tais procedimentos visam preservar a identificação cultural e linguística do texto helênico.

Por fim, uma última observação sobre a tradução diz respeito à questão dos pronomes pessoais. Os personagens do romance utilizam os pronomes de segunda pessoa, para os quais optamos pelo uso do pronome "você(s)" e sua conjugação na terceira pessoa, comum no português contemporâneo do Brasil. Consideramos que o uso da segunda pessoa conferiria um tom solene ao texto, o que comprometeria seu dinamismo e coloquialidade, além de sugerir, para o leitor, uma hiperliteralidade que, em nossa opinião, poderia afastá-lo da dicção romanesca, um dos principais enfoques desta tradução. Em momentos que julgamos exigir maior solenidade no discurso, como nos trenos de Clínias e do pai de Cáricles, outros recursos foram empregados para preservar o tom lírico e plangente dos discursos. As notas explicativas buscam tanto esclarecer algumas escolhas feitas na tradução apresentada quanto fornecer referências às citações literárias e mitológicas presentes na passagem.

Tradução

[7] [1] Tinha eu um primo, Clínias, jovem e órfão, dois anos mais velho do que eu e iniciado nos mistérios de Eros; estava apaixonado por um jovenzinho,12 e a tal ponto chegava a sua paixão por ele que, depois de ter comprado um cavalo, quando o jovenzinho o viu e o elogiou, imediatamente o presenteou com o cavalo. [2] Eu zombava dele por sua negligência, pois passava o tempo todo com amores e era escravo do prazer amoroso.13 Porém, ele, rindo e sacudindo a cabeça, me dizia: “Também você algum dia será escravo.”

[3] Rapidamente fui até ele; depois de saudá-lo com alegria e me sentar ao seu lado, disse: “Recebi, por zombar de você, um castigo, Clínias. Também eu me tornei um escravo.”

Tendo batido as mãos, se pôs a rir e, tendo me levantado, beijou-me o rosto, que revelava a insônia amorosa. E disse:

“Está apaixonado, está verdadeiramente apaixonado. Os seus olhos o confirmam.”

No exato momento em que dizia isso, Cáricles (esse era o nome do jovenzinho) entra, muito perturbado, dizendo:

“Estou perdido, Clínias.”

[4] Clínias, depois de também começar a gemer com ele, como se a sua alma se prendesse à do outro, com a voz tremendo, disse:

“Você vai me matar se continuar calado. O que está te incomodando? Com quem é preciso combater?”

E Cáricles respondeu: “Meu pai está me arranjando um casamento e um casamento com uma jovem feia, para que eu conviva com uma dupla desgraça. Pois, penoso é uma mulher, ainda que formosa; mas se tem o infortúnio de ser feia, o mal é duplo. [7] Mas meu pai está empenhado na boda com vistas à riqueza. Sou o desafortunado que entregam em troca do dinheiro dela, para ser vendido em casamento.”

[8] [1] Assim que Clínias ouviu isso, ficou pálido. Incitou o jovenzinho a se livrar do casamento, enquanto insultava a raça das mulheres:14 “Um casamento é o presente que seu pai lhe dá? Que injustiça você cometeu para ser acorrentado? [2] Não ouviu o que Zeus disse?

Para esses em lugar do fogo eu darei um mal e
Todos se alegrarão no ânimo, mimando muito este mal. 15

Esse é o prazer que provém das mulheres e é semelhante à natureza das Sirenes,16 pois também elas matam com seu canto agradável. [3] Você pode compreender a grandeza do mal pelos próprios preparativos do casamento: o zumbido das flautas, o rumor das portas, o cortejo de tochas.17 E vendo o tumulto, alguém dirá: “Desafortunado quem vai se casar; para uma guerra, me parece, o enviam.” [4] E se você fosse ignorante18 ao que concerne às Musas, desconheceria os atos das mulheres.19 Porém, agora mesmo você poderia contar a outros com quantos temas as mulheres têm saturado os cenários: o colar de Erifile,20 a mesa de Filomela,21 a calúnia de Estenebeia,22 o furto de Aérope,23 o crime de Procne. [5] Agamêmnon deseja a bela Criseida e causa a praga aos helenos; Aquiles deseja a bela Briseida e fornece uma aflição para si mesmo;24 e se Candaules tem uma bela esposa, a mulher assassina Candaules.25 [6] O fogo das bodas de Helena inflamou o outro fogo contra Tróia; e o casamento da virtuosa Penélope, quantos pretendentes destruiu? Fedra matou Hipólito por amor,26 e Clitemnestra a Agamêmnon, por não o amar. [7] Ó mulheres, em tudo ousadas! Se amam, assassinam; se não amam, assassinam. Precisava ser assassinado o belo Agamêmnon, cuja beleza era celestial

ao grande
Fulminador semelhante, no olhar e feitio do rosto. 27

E a mulher degolou essa cabeça, por Zeus! [8] E isso é o que alguém pode dizer das mulheres formosas, em que a adversidade é mediana, pois a beleza contém certo conforto para as desgraças e é uma boa sorte em um momento de adversidade; mas se ela não é formosa, como você diz, então o infortúnio é duplo. E como alguém poderia suportar isso, ainda mais você que é um jovenzinho tão bonito? [9] Não, pelos deuses, Cáricles, não se torne ainda um escravo, nem arruíne a flor da juventude antes do tempo; pois, para os demais, isso também é um infortúnio do casamento: consome o apogeu da vida. Não, Cáricles, eu suplico a você, não desapareça para mim; não permita que um amorfo lavrador ceife uma formosa rosa.”

[10] E Cáricles disse: “Isso ficará aos cuidados dos deuses e de mim, pois, até a data fixada para o casamento, há ainda alguns dias, e muita coisa poderia acontecer mesmo em uma noite. Teremos tempo para buscar uma solução. [11] Por hora, vou cavalgar, pois desde que fui agraciado com esse belo cavalo, ainda não pude desfrutar de seu presente. Além disso, o exercício físico aliviará as aflições de minha alma.”

Ele então partiu para seu último passeio, destinado a ser a sua primeira e última cavalgada. [9] [1] Na sequência, eu comecei a narrar a Clínias como nasceu meu drama, como fui afetado, como a vi, a chegada, o jantar, a beleza da jovem. Quando estava terminando, percebi a falta de conveniência de minhas palavras, enquanto falava “Clínias, não consigo suportar minha aflição, pois Eros se lançou sobre mim com todo seu poder, e até no sonho persegue meus olhos: por todos os lados, eu fantasio a imagem de Leucipe. [2] A nenhum outro aconteceu semelhante infortúnio, pois o mal habita a casa comigo.28

E Clínias contestou:

“Você está falando besteiras, pois você nem precisa se dirigir às portas alheias nem fazer uso de cúmplices.29 A fortuna lhe entregou a amada em pessoa e, trazendo-a, a alojou dentro de sua casa. [3] A outro apaixonado, inclusive, um único olhar para sua virgem vigiada é suficiente, e o apaixonado considera o maior bem se tem a sorte de vê-la, e se obtém uma única palavra, são os mais afortunados dos apaixonados. Você, por outro lado, sempre a vê, ouve, compartilha com ela a ceia e com ela toma parte no banquete. [4] E reclama dessa boa sorte! Não sabe como é poder ver aquela que se ama, contém um prazer maior do que o ato,30 pois os olhos, refletindo-se mutuamente, modelam, como um espelho, as imagens dos corpos, e a emanação da beleza, fluindo dos olhos até a alma, alcança uma certa união à distância.31 [5] E é uma pequena parte da união dos corpos, pois é uma nova espécie de vínculo dos corpos. Eu prevejo que você terá o ato, pois a convivência contínua com a amada é o melhor recurso para a persuasão. O olho é aliado do amor e o hábito da companhia é o meio mais eficaz para alcançar a graça. [6] De fato, se se consegue domesticar as feras selvagens32 com a habitualidade, muito mais a mulher será amolecida com ela.33 E o fato de o apaixonado ser da mesma idade é um atrativo da virgem,34 pois o instinto natural do frescor da juventude e o reconhecimento de ser amada criam frequentemente uma resposta amorosa, já que toda jovem deseja ser bela, desfruta ser amada e louva ser amada35 com testemunhas, e se alguém não a ama, de modo algum acredita que é bela.36 [7] Por isso, dou a você apenas um conselho: que a faça crer que é amada e, rapidamente, ela o imitará.”

“E como poderia se realizar essa profecia? Ensina-me como agir, pois você é iniciado há mais tempo do que eu e já está mais habituado aos mistérios do deus. O que digo? O que faço? Como poderei alcançar minha amada? Pois desconheço os caminhos.”

[10] [1] E Clínias respondeu: “Não busque aprender sobre isso com outra pessoa, pois o deus é um sofista autodidata,37 e, assim como às criaturas recém-nascidas ninguém ensina a se alimentar, mas, por si mesmas, aprendem e sabem que a sua mesa está nos seios, assim também um jovenzinho grávido de amor pela primeira vez não precisa de lições para o parto. [2] E quando a dor do parto começa e chega a data fixada pelo destino, sem hesitar, mesmo sendo a primeira gestação, vai encontrar o modo de parir, com o próprio deus como parteiro. Porém, quanto ao que é comum e não necessita de uma circunstância favorável, escuta e aprende. Não fale com a virgem sobre os temas de Afrodite, mas busque um modo de realizar o ato em silêncio,38 [3] pois crianças e virgens são igualmente tomadas de pudor e, ainda que estejam dispostas a receber a graça de Afrodite, não desejam ouvir sobre aquilo que experimentam, porque consideram que a vergonha se situa nas palavras. [4] As mulheres, com efeito, se encantam com as palavras, e uma virgem recebe as escaramuças da sedução dos apaixonados e retribui subitamente com gestos de assentimento. Porém, se você se aproximar pedindo o ato, assustará os ouvidos dela com sua voz, ela enrubescerá, odiará as suas palavras e vai crer que está sendo ultrajada. E mesmo que deseje retribuir o favor, terá vergonha, pois, nesse caso, considera estar sofrendo o próprio ato, assim que escuta o que pretende pelo prazer de suas palavras. [5] Mas se conduzir a sedução de outro modo, depois de tê-la tornado dócil, se aproxime já com prazer, mantenha silêncio em tudo mais, como nos mistérios, e, se aproximando suavemente, beija-a, pois o beijo do amado é um convite silencioso para a amada que deseja se entregar, e, para aquela que recusa, uma súplica. [6] E mesmo que haja um consentimento para o ato, com frequência, indo voluntariamente, ela gosta que pareça ter sido constrangida à força, para que, pela aparência da coação, afaste de si a voluntária desonra. Portanto, não hesite, ainda que veja nela resistência,39 mas observe de que modo ela resiste: pois também nisso é necessário sabedoria. [7] Se ela se mantém firme, abstenha da força, pois ela ainda não foi persuadida; mas se deseja um caminho menos áspero, conduza a encenação e não destrua sua peça teatral.”

[11] [1] Eu então disse: “Ampla provisão você me fornece e suplico para obter sucesso, Clínias. No entanto, temo do mesmo modo que o sucesso venha a ser para mim o começo de males maiores e eu seja triturado por um amor maior. E se o perigo crescer para mim, o que fazer? [2] Não poderei me casar, já que estou comprometido com outra virgem. Meu pai me pressiona na direção desse casamento, com justa exigência, pois não me casa com uma jovem estranha ou feia, nem me vende em troca de dinheiro, tal qual Cáricles, mas me concede a sua própria filha, que é linda, ó deuses!, ao menos era antes de eu ver Leucipe. Mas agora estou cego para a beleza dela, e só tenho olhos para Leucipe. [3] Estou no meio de dois opostos: antagonizam Eros e meu pai. Esse está estabelecido com um poder digno de deferência, enquanto aquele se lança me atiçando o fogo. Como resolvo a sentença? Combatem o dever e a natureza. Desejo sentenciar a seu favor, pai, mas tenho um adversário mais duro de enfrentar: ele tortura o juiz, advoga com dardos, sentencia com fogo. E se eu não o obedeço, pai, sou consumido pelo seu fogo.”

[12] [1] Nós, então, filosofávamos a respeito do deus; de repente, um rapaz, servo de Cáricles, vem correndo com uma mensagem de desgraça em seu semblante,40 de modo que Clínias imediatamente se pôs a gritar ao vê-lo: “Uma desgraça aconteceu a Cáricles”. Ao mesmo tempo que dizia isso, o servo gritou junto: “Cáricles está morto.” [2] Diante da notícia, a voz abandonou Clínias e ele ficou imóvel, como se, com as palavras, tivesse sido fulminado por um raio. O escravo então passou a narrar: “Havia montado o seu cavalo, Clínias, que, inicialmente, conduzia suavemente e, depois de dar duas ou três corridas, deteve a cavalgada e, montado no cavalo suado, se pôs a cavalgar soltando as rédeas. [3] Enxugado o suor do lombo, um ruído se produz atrás dele, e o cavalo, agitado, salta e se lança em linha reta, desenfreado, mordendo a rédea, curvando o pescoço e eriçando a crina, arrebatado pelo medo, voava cruzando os ares. As patas dianteiras saltavam, enquanto as traseiras, pressionadas para ultrapassá-las, aceleravam a corrida perseguindo o cavalo. [4] O cavalo, encurvado pela disputa das patas, para cima e para baixo segundo o esforço de cada uma delas, movia-se ondulando o dorso como um navio no inverno. O desafortunado Cáricles, oscilando pelas ondas do cavalo, saltava do assento, ora afundando até a cauda, ora mergulhando a cabeça até a nuca. A agitação do movimento impetuoso o pressionava. [5] Não mais podendo dominar as rédeas, entregue completamente ao vento da corrida, estava às mãos da sorte. O cavalo, com ímpeto da cavalgada, desvia-se do caminho, salta para um bosque e despedaça o infeliz Cáricles diretamente contra uma árvore. Ele, como arremessado por uma máquina,41 é lançado do assento, seu rosto fica horrível pelos galhos da árvore e foi em toda parte rasgado com tantas feridas quantas eram as pontas dos galhos. [6] Porém, as rédeas, tendo o amarrado, não permitia a seu corpo se livrar, mas o arrastavam, puxando para o caminho da morte. O cavalo, ainda mais assustado com a queda e impedido pelo corpo na correria, pisoteava o infeliz, dando coices no obstáculo de sua fuga, de modo que, se alguém o visse, não poderia reconhecê-lo.42

[13] [1] Ao ouvir isso, Clínias manteve-se um tempo em silêncio por causa da perturbação. E no meio de sua prosternação pela imensa desgraça, começou a gritar e saiu correndo em direção ao corpo; eu o acompanhava, consolando-o como podia. [2] Nisso, Cáricles era transportado em uma maca, um espetáculo lamentável e digno de piedade: pois era ele uma completa ferida, ao ponto de nenhum dos presentes conter as lágrimas. O pai dele começou o treno,43 com gritos muito perturbados: “Filho, como partiu de meu lado e como volta para mim! Ó malditas cavalgadas! Nem teve ao morrer uma morte comum, nem seu cadáver tem um aspecto respeitável. [3] Aos outros, quando morrem, se conservam vestígios que permitem o reconhecimento; e se alguém perdeu a flor da face, sua imagem se conserva e consola a aflição, pela aparência de que está dormindo. Pois a morte arrancou a alma, porém em seu corpo se preserva o homem. [4] Porém, também isso a sua sorte arruinou, com dupla morte44 você morreu para mim, na alma e no corpo. Assim, até a sombra de sua imagem está morta, pois sua alma escapou, mas não encontro em seu corpo nada de você. [5] Quando, filho, você se casará? Quando celebrarei as suas bodas, cavaleiro e noivo? Noivo inacabado, cavaleiro desafortunado. Uma tumba, filho, é a sua alcova, a morte, seu casamento, o treno, seu hino nupcial, essa lamentação, seus cantos de bodas.45 [6] Filho, outro fogo eu esperava atear para você; mas a sorte invejosa o apagou essa chama junto com você; ao contrário, ela acende tochas do seu infortúnio. Ó esse maldito cortejo de tochas! O cortejo de tochas de seu matrimônio se converte em seu funeral.”

[14] [1] Assim então o pai se lamentava; Clínias, por sua vez, dizia a respeito dele (era um verdadeiro concurso de trenos, do amante e do pai): “Eu aniquilei o meu senhor. Por que o presenteei com tal prenda? Por que não dei uma taça dourada para que fizesse libações bebendo e se servisse de meu presente com delicadeza? [2] Mas eu, desafortunado, presenteei o belo adolescente com uma fera. E ainda enfeitei a perversa fera com arreios, testeira, ornamentos prateados e rédeas douradas. Ai de mim, Cáricles: dourei o seu assassino. Ó cavalo, o mais selvagem de todas as feras, perverso, ingrato, insensível à beleza. [3] Ele, depois de enxugar o seu suor, lhe oferecia mais comida e elogiava a sua corrida, enquanto você, enquanto ele lhe elogiava, o matava. Não se alegrava por ter o toque de um corpo como o dele, e um cavaleiro assim não era orgulho para você, mas arremessou, insensível, o belo em terra. Ai de mim, infeliz! Comprei o seu assassino, o homicida.”

[15] Depois do funeral, imediatamente corri até a jovem.46

Bibliografia

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  • WHITMARSH, T. (2000). Commentary. In: WHITMARSH, T. (ed.). Achilles Tatius. Leucipe and Clitophon Book I-II. Cambridge, Cambridge University Press , p.117-262.
  • 1
    Para uma análise da ékphrasis inicial do romance e de sua relação com a obra, cf. Reeves (2007); Pena (2005, p. XLV-L); Bartsch (1989, p. 48-55); Morales (2004, p. 37-48).
  • 2
    A respeito das relações e datação das duas obras, cf. Plepelits (1996, p.394-398); Chew (2014, p.63-65).
  • 3
    O narrador homodiegético, todavia, é característico dos dois romances latinos que conhecemos, o Satýricon de Petrônio e O Asno de ouro de Apuleio, e talvez o uso dessa estratégia seja influência da ficção latina na obra de Aquiles Tácio.
  • 4
    Whitmarsh (2003) usa o termo “Ego-narratives”.
  • 5
    No romance de Longo, Dáfnis e Cloé, como na obra de Aquiles Tácio, o amor também não surge à primeira vista, já que o casal se conhece desde a infância e o sentimento amoroso vai crescendo e amadurecendo com o contato e as experiências vividas juntos.
  • 6
    A escolha de um narrador homodiegético implica uma focalização interna ao personagem Clitofonte, uma vez que, por termos um acesso à narrativa pela ótica de Clitofonte, quando o casal se separa, ficamos sem saber de Leucipe enquanto o próprio personagem desconhece informações a seu respeito.
  • 7
    Além de Clínias, também o personagem Sátiro - cujo nome parece ressoar uma pitada de ironia - irá exercer, em outros momentos da narrativa, a função de praeceptor amoris.
  • 8
    Vale a menção o artigo de Paglialunga (2005), que faz uma análise de diversas tópicas da elegia erótica romana nos romances gregos.
  • 9
    Jolowicz dedica parte de seu estudo aos gêneros elegia (capítulo 4), a epopeia de Virgílio (capítulo 5) e a poesia de Sêneca, Ovídio e Lucano (capítulo 6).
  • 10
    Nos romances de Cáriton e Xenofonte de Éfeso, os casais se casam logo no início da narrativa, ainda no primeiro livro; depois de saciado o amor, eles acabam sendo separados por infortúnios, e tal separação ocupa a maior parte dos romances. Em nenhum dos dois livros há espaço para a sedução.
  • 11
    Ars Amatoria de Ovídio, obra composta em dísticos elegíacos e dividida em três livros, trata, de modo geral, da arte da sedução amorosa. No livro I, o poeta dedica-se a ensinar onde encontrar a amada e como começar uma relação; no livro II, o tema principal é como, depois de iniciada a relação, mantê-la; por fim, no livro III apresenta o mesmo tema amoroso, porém com tendo a mulher como enfoque, ensinando-as como atrair e manter o amado (Cristóbal Lopes, 1989, p.107-123).
  • 12
    Por jovenzinho, traduzimos o termo meirakion, diminutivo de meirax, jovem, rapaz, indivíduo que está com cerca de vinte anos de idade.
  • 13
    Conforme Whitmarsh (2000, p.148), a tópica da servidão do amor já é encontrada em Platão, Banquete 184c, na Ciropedia de Xenofonte (5.1.12) e nas Anacreônticas helenísticas, mas torna-se proeminente na elegia erótica latina. Ainda que sutilmente, a frase parece indicar que Clitofonte, como Habracômes, no romance de Xenofonte de Éfeso, desprezava aqueles que eram tomados pelo amor.
  • 14
    A frase genos gynaikon aparece em Hesíodo, Teogonia 590, onde o poeta introduz um discurso misógino contra as descendentes de Pandora e o sofrimento que elas impõem aos homens. A referência a Hesíodo é reforçada pela citação abaixo de Os Trabalhos e os Dias.
  • 15
    Hesíodo, Trabalhos e os dias, v.57-58. Preferimos, neste momento, utilizar a tradução de Mary Laffer (1996), por se tratar uma tradução já consagrada do texto de Hesíodo entre os classicistas e, desta forma, ressoa, em alguma medida, com a autoridade tal qual o poema de Hesíodo para os personagens da cena.
  • 16
    Seres marinhos, metade pássaros, metade mulheres, mencionadas na Odisseia (XII, 39-54) como seres perigosos aos marinheiros, uma vez que, com seu canto, os atraíam até a costa rochosa que fazia com que os barcos afundassem; as Sirenes, então, despedaçavam os corpos dos marinheiros.
  • 17
    Elementos que constituem as cerimônias de casamento na Grécia.
  • 18
    Conforme Whtimarsh (2000, p.152), o termo idiotes, no período imperial, é utilizado no sentido de ignorante, em oposição ao termo pepaideumenos, educado.
  • 19
    Ta ton gynaikon dramata. O termo dramata, traduzido aqui por ações, parece ressoar a linguagem teatral, algo que se repetirá em toda a passagem.
  • 20
    Inicia-se um pequeno catálogo de personagens femininas que servem de exemplo para justificar a misoginia de Clínias. Erifile, na mitologia, era filha do rei de Argos e irmã de Adrasto. Casada com Anfiarau, foi subornada por Polinicies com um colar para trair seu marido.
  • 21
    Filomela e Procne eram filhas de Pandíon, rei de Atenas. Durante a guerra contra o tebano Lábdaco, Pandion chamou em auxílio Tereu e deu a filha Procne em casamento, com quem teve um filho Ítis. Tereu, depois, se apaixona pela cunhada e a violenta, cortando a sua língua para que nada revelasse. Como punição, as duas serviram a Tereu o próprio filho Ítis em um funesto banquete.
  • 22
    Estenebeia era esposa do rei Preto. Depois de tentar seduzir Belerofonte e ser recusada por ele, o caluniou junto ao esposo, dizendo que ele havia tentado seduzi-la.
  • 23
    Aérope, esposa de Atreu, roubou do marido o cordeiro de ouro que lhe assegurava o poder real e o entregou ao seu cunhado e amante, Tiestes.
  • 24
    Referência à Ilíada I, em que se apresenta a discussão entre Agamêmnon e Aquiles sobre suas cativas Criseida e Briseida.
  • 25
    Heródoto (I.8-12) narra a história de Candaules, rei de Sardes que se vangloriava de ser casado com a mulher mais linda da Lídia. Provocou então seu servo Giges a espiá-la nua para confirmar sua opinião. Giges, constrangido pelo rei, obedece. Sua esposa então percebe o que está acontecendo e diz a Giges que, agora que ele a viu nua, ele tinha duas opções: ou morrer ou matar Candaules e se casar com ela, assumindo assim o trono.
  • 26
    Hipólito era filho de Teseu por quem Fedra, segunda esposa de Teseu, se apaixonou. Como o jovem não retribuiu o amor, ela finge ao marido que o jovem havia tentado violentá-la.
  • 27
    Ilíada, II.477-78. Usamos, nesta passagem, a tradução de Carlos Alberto Nunes (1964), por se tratar de uma tradução tradicional do poema homérico em língua portuguesa e, tal qual a citação de Hesíodo acima, nos ressoe como um texto de autoridade.
  • 28
    Clitofonte exagera o seu sofrimento, ressoando um personagem da comédia nova.
  • 29
    Aqui há a referência tanto à comédia nova quanto à elegia erótica latina, já que Clínias diz que Clitofonte não precisa representar o papel de exclusus amator, o jovem que permanece junto à porta da amada se lamentando. Já o termo diáconos, que traduzimos por cúmplice, representa o papel do escravo que age como intermediário dos amantes, papel que remete à comédia nova.
  • 30
    Há na sequência a repetição do termo to ergon que, embora pelo contexto, entende-se referir ao ato sexual, vertemos apenas por “ato”, de forma mais genérica, mantendo a ausência de especificação presente no texto.
  • 31
    Cf. Platão, Fedro 251b; Xenofonte, Banquete, IV.21.
  • 32
    ta agria ton therion. Clínias compara a domesticação dos animais selvagens com a sedução das mulheres; todavia, o mesmo sintagma aparecerá mais à frente, quando Clínias chorará a morte de seu amado Cáricles pelo cavalo, o mais selvagem das feras (to poneron therion). Parece haver uma ironia indicando que tal domesticação e sedução não são, de fato, completas sem a boa vontade da fera ou da mulher.
  • 33
    Cf. Ovídio, Arte de amor, 2.341, 345, 347-8
  • 34
    Cf. Platão, Fedro 240c.
  • 35
    Cf. Ovídio, Arte de Amar, 1.6,13.
  • 36
    Cf. Ovídio, Arte de Amar, 2.296.
  • 37
    A qualificação de Eros como um sophistes aparece em Platão, Banquete 203d e Ciropedia de Xenofonte, 6.1.41.
  • 38
    Cf. Ovídio, Arte de Amar, 2.311-12 (ne pateas uerbis simulator in illis / effice)
  • 39
    Cf. Ovídio, Amores, 1.5,15, quando o poeta diz que Corina lutava sem vontade de vencer (Quae cum ita pugnaret, tamquam quae uincere nollet)
  • 40
    Assim como a linguagem da passagem remete em vários passos a termos teatrais, também a chegada abrupta do mensageiro que narra o que aconteceu “fora de cena” parece ressoar o tradicional uso de mensageiros no teatro antigo.
  • 41
    O termo mechane indica uma maquinaria usada para levantar objetos pesados, como um guindaste; na linguagem do teatro antigo, referia-se a um mecanismo utilizado para fazer aparecer personagens, especialmente deuses, no ar.
  • 42
    A narração do mensageiro da morte de Cáricles parece ressoar algumas cenas do teatro clássico grego: em Electra de Sófocles, onde se narra a falsa morte de Orestes preso entre as rédeas durante a cavalgada, e no verso 755 o mensageiro afirma que, com o acidente, ninguém poderia reconhecê-lo; em Hipólito de Eurípides, a morte de Hipólito se assemelha a de Cáricles. Nos parece ainda haver alguma semelhança com as narrativas de Ovídio nas Metamorfoses, ao representar a cena de forma em que cavalo, elementos da natureza e Cáricles parecem se transformar em um único objeto, novo e indiscernível na descrição do acidente.
  • 43
    Gênero de poesia mélica bastante desenvolvido na Grécia antiga que se voltava para a consolação dos ouvintes. Tanto o discurso do pai, quanto o de Clínias são bastante retóricos e poéticos, utilizando-se de recursos ritmos e rimas para soar a sua tristeza.
  • 44
    É interessante a repetição do termo diploun, agora adjetivando a morte, ele que aparecera antes adjetivando o mal na fala de Clínias e de Cáricles, ao relacionarem o casamento com uma mulher feia como um duplo mal.
  • 45
    Whitmarsh (2000, p.169) faz uma análise interessante dessa passagem observando o ritmo da construção, identificando sua qualidade musical no uso de cola, repetições e rimas, como no esquema a seguir:
    U U - - - U - / U U - - - - U -
    πότε μοι, τέκνον, γαμεῖς / πότε σου θύσω τοὺς γάμους
  • 46
    Para Pearcy (1978), haveria uma lacuna aqui, em que se descreveria o funeral, julgando esta mudança de cena muito abrupta. Todavia, acreditamos que a corrida de Clitofonte dá a medida da sua paixão já que, deixando de lado seu primo sofrendo, corre para ver a jovem e começar a aplicar as lições aprendidas com ele.
  • CERDAS, E. (2025). Lições de amor em Aquiles Tácio: Introdução, tradução e notas de Leucipe e Clitofonte I.7-15. Archai 35, e03504.

Editado por

  • Editora:
    Beatriz de Paoli

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Jun 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    05 Abr 2024
  • Aceito
    06 Abr 2025
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